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Por Ricardo Arnt. PROCURA-SE POR JESUS CRISTO. Conta o evangelho de João que,
quando Jesus ressuscitou e apareceu aos apóstolos, um deles, São Tomé, duvidou.
Quis verificar de perto as chagas do mestre para, só então, dar crédito ao
milagre. Atualmente, em matéria de fé, a cautela de São Tomé vem ganhando mais
e mais adeptos. Não que os crentes duvidem, mas já não basta mais acreditar nos
ensinamentos de Cristo: é preciso pisar o chão que ele pisou, respirar o ar que
ele respirou. Em 1993, 12.808 brasileiros visitaram Jerusalém. Em 1995, o
número dobrou: 26 357. Agora, 1996 deve bater um novo recorde. O turismo
brasileiro para Israel é o que mais cresce naquele país, em termos
proporcionais, segundo o Ministério do Turismo, em Tel Aviv. É viajar para crer. Para quem
não viaja, é ter para crer. Em três meses, a marca de televendas Home shopping
vendeu 15.000 “Cruzes da Natividade”, um crucifixo com uma minúscula redoma de
vidro que, segundo os vendedores, contém um fragmento da gruta de Belém (onde,
supõe-se, Jesus teria nascido). O comprador recebe um certificado do Museu de
Israel garantindo a autenticidade da pedrinha. Na busca pelo Jesus histórico
vale o aval da ciência. Bem ao estilo da prova empírica exigida por São Tomé. O problema é que, em matéria de ciência,
sabe-se muito pouco sobre o personagem, infelizmente. A névoa mística que
encobre a biografia de Jesus é tão espessa que muitos desaconselham qualquer
pesquisa. Além disso, as comprovações históricas não são imprescindíveis pois,
com ou sem elas, os valores humanitários deixados pelo cristianismo são
indiscutíveis e constituem a própria base da nossa civilização. Jesus Cristo
não inaugura a nossa era por acaso. Mesmo
assim, um número impressionante (e crescente) de pesquisadores se dedica ao
assunto. As pistas são precárias e controversas, mas apresentam novas respostas
(às vezes, novas perguntas) sobre Jesus Cristo. Você vai ver tudo nesta
reportagem. Para começar, uma certeza: na Judeia, em torno do ano zero,
aconteceu algo crucial. COMO RASTREAR A VERDADE SOB O MITO. Cristo nasceu
antes de Cristo, no ano 7 AC. Nosso calendário romano-cristão está errado, já
devíamos estar no ano 2001. Tampouco há evidência de que o Natal seja em 25 de
dezembro, porque não se sabe em que mês Jesus nasceu. A data de dezembro foi
fixada pela Igreja no ano 525 para coincidir com festas pagãs do Oriente e de
Roma. E, de acordo com as pesquisas, Jesus não nasceu em Belém, na Judeia, mas
em Nazaré, na Galileia, norte de Israel (veja os detalhes na página 54). Para a
maioria dos pesquisadores os reis magos, o presépio e a estrela de Belém são
invenções dos evangelistas para identificar o nascimento de Jesus com a vinda
do Messias, que já era anunciado no Velho Testamento. A expressão é profana mas
vale: há muito marketing político nos evangelhos. Os
estudiosos (muitos deles, homens de fé cristã) sabem que os evangelhos oficiais
da Igreja, de Marcos, Mateus, Lucas e João, dão mais testemunhos de fé do que
da verdade histórica. Mais ainda: apresentam discrepâncias e contradições
inconciliáveis. Para resolvê-las e ajustar o foco da ciência sobre o chamado
Jesus histórico, as próprias instituições religiosas financiam estudos e mais
estudos. Parece um paradoxo, mas o fato é que na era do fundamentalismo
religioso, a fé precisa se basear em evidências científicas. Há 4 800 scholars
pesquisando as Escrituras, só nos Estados Unidos. Há 80 000 livros sobre Jesus
e 1 000 cursos universitários sobre ciência e religião, no mundo. EM BUSCA DE NOVAS FONTES. Nos
últimos 50 anos, descobertas arqueológicas reviraram o rumo das pesquisas
várias vezes. Mas valeu a pena. Como resultado, a linguística e a filologia se
aprimoraram, admiravelmente. Hoje, os cientistas podem comparar textos antigos,
analisar estilo, forma, mensagem e estabelecer pressupostos sobre a cultura da
época, seu ambiente e sua idade. O mistério, entretanto, continua. O problema,
incontornável, é que faltam fontes. Do nascimento de Jesus até seu batismo, na
fase adulta, não há nada, nem nos Evangelhos. Não há nenhuma descoberta
arqueológica associada diretamente à vida de Jesus. As historiografias grega e
judaica, tão copiosas sobre outros vultos da Antiguidade, simplesmente ignoram
Jesus Cristo. As fontes romanas são posteriores à sua morte. E muitas foram
adulteradas pela propaganda religiosa (veja na página 50). É notável o
contraste entre a importância de Jesus para a posteridade e sua insignificância
nos registros da época. A CULTURA DO CRISTIANISMO. As
maiores esperanças estão nas escavações arqueológicas. Em 1945, nas cavernas de
Nag Hammadi, no Egito, encontrou-se uma biblioteca cristã do século IV, em
língua copta, com vários Evangelhos Apócrifos, aqueles não incluídos no Novo
Testamento. Dois anos mais tarde, nas cavernas de Qumran, em Israel, foram
achados os Manuscritos do Mar Morto, a biblioteca de um convento da seita
judaica dos essênios, com textos de 152 AC 68, cuja decifração até hoje não foi
concluída (veja na página 56). Os
Manuscritos do Mar Morto também ignoram Jesus, mas revelam a cultura sobre a
qual o cristianismo se erigiu. Agora, em janeiro de 1996, mais quatro cavernas
funerárias, dos séculos II e I AC, foram descobertas, em Qumran, sem
documentos. Mas quem sabe não surgirão outras? Uma
das maiores autoridades na história do cristianismo, o padre filólogo Emile
Puech, da Escola Bíblica Arqueológica Francesa de Jerusalém, encarregada de
decifrar os Manuscritos, admitiu à SUPER seu pessimismo: “Nosso conhecimento
sobre Jesus provavelmente não vai mudar. Mas poderão surgir novas indicações
filológicas, linguísticas e históricas importantes sobre a Palestina e a jovem
comunidade cristã do século I. Isso, sim, ajudará a conhecer melhor o Cristo
real”. COMO PROTEGER O MITO DA
VERDADE. A tese é polêmica, mas a maioria dos pesquisadores
está convencida de que os quatro evangelhos oficiais da Igreja do Novo
Testamento – Marcos, Mateus, Lucas e João – não foram escritos por seus
autores. São, muito provavelmente, compilações de mensagens anônimas ou
atribuídas aos apóstolos, orais ou escritas, dos séculos I e II. Os nomes dos
quatro evangelistas apenas identificam conjuntos de ensinamentos (creditados a
cada um deles) escritos e reescritos pelas comunidades, sucessivamente. O evangelho de Marcos é o mais antigo dos
quatro, escrito por volta do ano 70 DC. O de Mateus é do ano 70 ou 80, o de
Lucas do ano 80 ou 90 e o de João foi escrito depois dos 90. Os quatro contêm
“material suficiente para levar fé ao coração das pessoas abertas, mas não para
escrever uma biografia de Jesus”, segundo o teólogo Luke Johnson (1962- ),
autor de The Real Jesus. A grande
quantidade de textos era um problema para a Igreja que estava nascendo. Havia
muitas comunidades, ritos e evangelhos diluindo a doutrina e favorecendo o
aparecimento de dissidências e heresias. Por isso, aos poucos, tornou-se
necessário escolher alguns e canonizá-los, tornando-os santos. Muitos ficaram
de fora. Há mais de sessenta Evangelhos Apócrifos, como o de Tomé, de Pedro,
Felipe, Tiago, dos Hebreus, dos Nazarenos, dos Doze, dos Setenta etc, que não
entraram no Novo Testamento. Têm enorme valor para a ciência. O PRIMEIRO CONCÍLIO. A
canonização dos textos se confunde com a consolidação da Igreja. No ano 311, o
imperador romano Constantino se converteu ao cristianismo e a Igreja, antes
perseguida, ganhou o apoio do Estado. O próprio Constantino organizou o
primeiro concílio ecumênico, na cidade bizantina de Nicéia (hoje, território
turco), no ano 325, pagando as despesas de viagem de 318 bispos. Em meio a
discussões acaloradas, várias vezes apartadas pelo imperador e seus soldados,
foram estabelecidos o primado da Igreja Romana sobre a cristandade, o dia da
Páscoa e importantes dogmas doutrinários. A partir daquele concílio, as
Escrituras cristãs começaram a ser oficializadas. Foi
o bispo de Alexandria, Atanásio (296-373), ainda no século IV, quem escolheu os
27 textos do Novo Testamento: os evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João, os
Atos dos Apóstolos, o Livro das Revelações e mais 21 Cartas. Tudo isso foi escrito em grego, que era
língua culta do Oriente Próximo desde a expansão helenizante de Alexandre Magno
(356 AC 323.). A propósito, Cristo é uma palavra grega (quer dizer “o ungido”)
e a primeira capital mundial da cristandade não foi Roma, mas a grega
Constantinopla. Até o século IV, a missa, em Roma, era celebrada em grego. Os
textos do Novo Testamento popularizam-se com a tradução para o latim feita por
São Jerônimo (347-420), na Palestina, no século V. Durante
séculos, os monges copistas reproduziram esses textos a mão, às vezes
reelaborando-os segundo as conveniências da doutrina. Alteraram não só o Novo,
como também o Velho Testamento. Partes do Gênesis teriam sido criadas por
teólogos, entre eles Santo Agostinho (354-430). “O conceito de Pecado Original,
derivado da desobediência de Adão e Eva como princípio da história pecaminosa
da raça humana, não existe no Velho Testamento judaico”, observa o teólogo
Paulo Augusto de Souza Nogueira, professor do Instituto Metodista de Ensino
Superior. O assunto é controverso, é claro. O historiador e ex padre, Augustin
Wernt, do Departamento de História da USP, está entre os que não aceitam “a
consistência científica dessa hipótese”. A HISTÓRIA FALSIFICADA. Outros textos clássicos
também foram adulterados. No importante Antiguidades Judaicas, que fornece
informações importantes sobre Jesus e o cristianismo, o historiador Flávio
Josefo (37-100), lá pelas tantas, afirma que Jesus “fazia milagres” e que
“apareceu, três dias depois da sua morte, de novo vivo”, afirmação pouco crível
para um ex judeu feito cidadão romano. “Claro que esse trecho foi distorcido”,
explica Maria Luiza Corassim, professora de História Antiga na Universidade de
São Paulo. “Josefo não podia acreditar que Jesus fosse o Messias. Isso é coisa
dos monges copistas. Do século II ao século XV as únicas cópias existentes dos
livros estavam nos conventos. Eles agregavam o que queriam”. Agora, boa parte do trabalho dos
pesquisadores é separar o que é verdade de fato, sobre Jesus e sua época, e o
que era propaganda. A JUDEIA ANTES E DEPOIS DE CRISTO. Israel
conquistou a independência no ano 129 AC. vencendo os monarcas selêucidas, que
reinavam na Palestina. Os judeus macabeus, que lideraram a revolta, fundaram a
dinastia Asmoneu. Mas a rivalidade entre as seitas judaicas acabou provocando
uma guerra civil (103-76 AC) que opôs saduceus – a classa alta, influenciada
pelo helenismo, aliada aos asmoneus e aos sacerdotes do Templo de Jerusalém –
aos fariseus anti helenizantes, adeptos de uma interpretação das Escrituras que
reconhecia a nova classe de escribas religiosos – os rabinos. Mais tarde, no ano 63 AC., Roma invadiu a
Palestina conflagrada pelo sectarismo religioso. O general Pompeu ocupou o
Templo e transformou a Judéia em província romana. Em 48 AC, os romanos
nomearam Antipater governador da Judéia e, em 31 AC, depois de debelarem uma
tentativa da dinastia Asmoneu de voltar ao poder, coroaram governador Herodes
Antipas (20 AC 39 DC) filho de Antipater. Herodes era um monarca detestado.
Casou-se com uma princesa asmonéia, mas a permanente paranoia de uma
restauração real judaica induziu-o a assassiná-la. Além dela, Herodes matou
também quatro filhos, a sogra e o cunhado. Também insultou a religiosidade dos
judeus construindo templos pagãos e um hipódromo para lutas de gladiadores em
plena Jerusalém. Mas deixou obras importantes, como o porto de Cesaréia, a
fortaleza de Massada e a restauração do Templo, cujo muro ocidental, o Muro das
Lamentações, continua de pé até hoje. Jesus nasceu sob o governo de Herodes
(Veja na página 54), ano em que houve 2.000 crucificações na Judéia. Na época,
os judeus estavam divididos em quatro seitas. Os saduceus, fortemente
influenciados pela cultura helenista, cujos sacerdotes dominavam o Templo, eram
a elite. Os fariseus eram populistas: propunham o judaísmo orientado pelos
rabinos do povo. Os austeros essênios, renunciantes e eremitas, preferiam o
isolamento. Por fim, os radicais zelotes, pregavam a violência e a revolta
contra Roma. Com Cristo, surgiria mais uma seita, a dos nazarenos. O FIM DO MUNDO. Havia um grande anseio
apocalíptico, na Judéia, no século I. Esperava-se ardentemente a vinda do
Messias, aquele destinado a libertar Israel dos romanos. Com o Messias, viria o
fim do mundo, o reinado de Deus na Terra e uma nova era para o povo escolhido.
Profetas maltrapilhos anunciando o fim dos tempos e pregando a salvação era o
que não faltava. As seitas se confrontavam no Templo e, fora dele, os zelotes
organizavam atentados contra os romanos, brigavam entre si e com as outras
seitas, e planejavam a revolta liderada pelo Rei Messias. O plano dos zelotes
demoraria a se consumar. No ano 6, os romanos assumiram o governo direto da
província através de prefeitos como Pôncio Pilatos (falecimento em 38 DC), que
mandou crucificar Cristo no ano 30. Em 37, houve uma nova provocação: o
imperador Calígula mandou levantar sua estátua no Templo (que não chegou a ser
concluída). Só em 64, os zelotes deflagraram a rebelião. O general Vespasiano
veio da Bretanha e acabou com o levante. Na véspera do ataque a Jerusalém,
voltou para Roma para assumir o trono e passou a tarefa ao filho, Tito. Em 28
de agosto de 70, a cidade foi arrasada, o Templo, destruído e milhares de
judeus, escravizados. Mesmo assim, a agitação religiosa não parou. Em 73, 960
judeus suicidaram-se na fortaleza de Massada para não caírem prisioneiros dos
romanos. Em 114, as comunidades judias de Chipre, Alexandria e Cirene
revoltaram-se e foram destruídas. Em 132, um novo autoproclamado messias,
Shimon Bar Kosib (falecido em 135), que mudou o nome para Bar Kochva, Filho da
Estrela, liderou outra revolta, de três anos. Os romanos mandaram o general
Júlio Severo, arrasaram 1.000 povoados e mataram centenas de milhares. Em 135,
o imperador Adriano mandou passar o rastelo em Jerusalém. O desastre da segunda
revolta acabou com a influência dos zelotes e consagrou a autoridade dos
rabinos fariseus. Em 138, com o abrandamento da dominação pelo imperador
Antônio Pio, o judaísmo rabínico expandiu-se. Mas, a essa altura, a
popularidade do cristianismo era muito maior. A PAIXÃO SEM PAIXÃO. Cristo
só nasceu no dia 25 de dezembro por obra do papa João I (470-526), que decretou
a data do Natal no ano de 525. Mudava ali o calendário cristão. O monge
Dionísio Exiguus (470-544), incumbido de determinar o ano zero, errou nos
cálculos. Segundo Lucas e Mateus, Jesus nasceu “perto do fim do reino de
Herodes”. Problema: Herodes morreu em 4 AC. Hoje, a tese mais aceita é a de que
Jesus tenha nascido no ano 7 AC, um pouco antes da morte de Herodes. Isso
mesmo: Cristo nasceu antes de Cristo. O outro senão é o local. Em Mateus e em
Lucas, é a gruta de Belém. Para Mateus, a família de José foge, depois, para o
Egito, escapando ao massacre das crianças promovido por Herodes, e vai para
Nazaré. Para Lucas, a anunciação do nascimento, pelo anjo à Virgem, é feita em
Nazaré e, de lá, a família vai para Belém, obrigada pelo “censo ordenado pelo
imperador César Augusto (63 AC 14 DC) quando Quirino era governador da Síria”.
Entretanto, os registros romanos mostram que Quirino governou a Síria no ano 6
DC. Os censos tampouco exigiam deslocamento para o local de origem familiar
(José era de Belém), já que seu propósito era cobrar impostos. “É um pouco
triste ter de dizer isso, porque o nascimento na gruta é uma história
cativante, mas a viagem de ida e volta a Nazaré para o censo é pura ficção,
criação da imaginação de Lucas”, escreveu o padre John Dominic Crossan
(1934- ), professor de Estudos Bíblicos na Universidade de De Paul,
de Chicago, em seu livro O Jesus Histórico. Belém aparece como a terra natal
porque era a cidade do rei Davi. “Conforme as profecias das Escrituras
Hebraicas, o messias deveria nascer em Belém”. Hoje é consenso: Jesus nasceu em
Nazaré. UM CAMPONÊS RÚSTICO. Comprovadamente, ele falava
aramaico, língua corrente na Palestina, e um pouco de hebreu, aprendido na
sinagoga e na Torá, a bíblia judaica. Era um camponês rústico das montanhas,
que usava metáforas ligadas à agricultura, como o a “beleza dos lírios do
campo” e a separação “do joio do trigo”, e evitava pregar em cidades grandes.
Em sua aldeia de 1.600 habitantes o analfabetismo era regra, não exceção. Jesus
era mesmo solteiro, o que é extraordinário, num cultura judaico-camponesa que
valoriza o casamento e a família. “O celibato como estilo de vida para o judeu
religioso comum, e em especial para um mestre ou rabino, seria algo impensável
no tempo de Jesus”, esclarece o padre John Meier, professor de Novo Testamento
na Universidade Católica da América, em Washington, em Um Judeu Marginal. “Ele
deve tê-lo interpretado como o resultado de sua exaustiva missão profética para
reunir o dividido e pecador povo de Deus”. O CURADOR DOS AFLITOS. Durante
dois anos, o celibatário pregou na Galileia, na Judéia e em Jerusalém.
Proclamava-se o messias. Aos olhos das seitas judaicas, blasfemava. Ao todo, no
Novo Testamento, fez 31 milagres, dos quais 17 curas e 6 exorcismos. Na
tradição judaica, os homens ficavam doentes porque pecavam e a cura era um
monopólio divino. O que é praticamente consenso entre os pesquisadores é que
Cristo atuava em curas por conta própria, indiferente aos poderes religiosos
constituídos no Templo de Jerusalém. Sempre desafiando. Os desafios se
agravaram na festa da Páscoa do ano 30 quando, invocando deliberadamente a
profecia do Livro de Zacarias sobre a chegada do Rei Messias – “Aí vem o teu
Rei, justo e salvador, montado num burrinho”. –, Jesus entrou em Jerusalém
montado num jumento. “Estava realizando a profecia de Zacarias, sugerindo que o
reinado messiânico estava prestes a ser revelado ao povo”, explica outro
especialista, o escritor A. N. Wilson (1950- ), autor de Jesus, uma
Biografia. Saudado pelo povo que abanava ramos, invadiu o Templo e expulsou
fariseus e saduceus. A ofensa final. Caifás, o Sumo Sacerdote, ordenou a
prisão. Na quinta-feira à noite, já sentindo o cerco, os apóstolos celebraram a
Última Ceia. A captura aconteceu no jardim de Getsêmane. Levado para o
Sinédrio, o Conselho dos Sacerdotes do Templo, o prisioneiro reafirmou sua
missão divina. Na manhã de sexta-feira, no pretório, a residência do procurador
Pôncio Pilatos, na presença de Caifás, foi condenado. A Sexta-Feira da Paixão
surgiu no dia 7 de abril de 30. Jesus foi crucificado no monte Gólgota. Tinha
36 anos. AS ORÍGENS LINGUÍSTICAS DA FÉ. Falta pouco para
terminar a tradução dos Manuscritos do Mar Morto. A maior parte dos 800
documentos encontrados entre 1947 e 1956, em 11 cavernas perto das ruínas do
convento essênio de Qumran, já foram publicados. Faltam alguns papiros da gruta
11 e a maioria da gruta 4, que constituem 15.000 fragmentos, alguns menores que
uma unha. Tudo deve ser recomposto e montado. Por isso a tradução demora. O
trabalho é de ourives. Os manuscritos são as mais antigas cópias do Velho
Testamento que existem. Temendo um ataque romano, os essênios esconderam os
textos nas cavernas, envoltos em panos de linho e enterrados dentro de vasos. O
mais antigo, data de 152 AC, o mais recente, do ano 68. São uma preciosidade.
Décadas de tradução lenta e sigilosa provocaram uma crise acadêmica. Temeu-se
que o trabalho estivesse sendo protelada por motivos religiosos. Em 1991, a
biblioteca americana Huntington, que fora autorizada pelo Estado de Israel a
fotografar os manuscritos para prevenir a eventual destruição dos originais,
decidiu, unilateralmente, abrir acesso às fotos para os pesquisadores
credenciados. Toda interdição, mesmo sobre os fragmentos não traduzidos, foi
então levantada. A CULTURA RELIGIOSA DA JUDÉIA. Debelada
a paranoia, formou-se uma equipe para concluir a tarefa: os cientistas Emmanuel
Tov, da Universidade de Tel Aviv, Eugène Ulrich, da Universidade de Notre Dame
(Estados Unidos), e pelo padre-filólogo Emile Puech, da Escola Bíblica
Arqueológica Francesa, a instituição encarregada de coordenar a pesquisa. Hoje,
eles sabem que os essênios pregavam ideias e práticas que os cristãos
incorporaram, como o batismo na água, a idealização do Messias e a oposição à
aristocracia sacerdotal do Templo. Mas é tudo. Não há nada sobre Jesus. Jesus
nunca foi essênio. “Jesus é um pouco a imagem do mundo onde nasceu” – diz
Puech. “Mas um pouco, apenas. Porque o mundo essênio é um mundo fechado e o de
Jesus é aberto. Em Qumran, as leis são exclusivas, não se pode falar com um
estrangeiro ou com judeu impuro. Mas Jesus dirige-se a todo mundo”. Para o
cientista, a descoberta foi fundamental: “Com os Manuscritos reaprendemos a ler
o Antigo e o Novo Testamento. Jesus, ele mesmo, e suas opiniões sobre temas
como pureza, monogamia e divórcio, ficou mais compreensível. Os textos
evangélicos encontram um fundo histórico, um país, um território”. Há
80.000 livros sobre Jesus e 1.000 cursos sobre religião e ciência no
mundo. “O fundamentalismo religioso precisa da ciência. Seu apelo moral
não será persuasivo se parecer incoerente. Para convencer, nos dias de hoje, a
religião precisa ao menos ser compatível com a ciência”. Robert Russel, diretor
do Centro de Teologia e Ciências Naturais, de Berkeley, Califórnia. Até
hoje, não se descobriu nenhum vestígio arqueológico diretamente associado a
Jesus. “Há várias reconstruções de Jesus: o Jesus revolucionário, o Jesus
poeta, o Jesus filósofo etc. A mesma informação pode ser combinada duplamente.
O problema é que a figura que emerge de Jesus tende a ser o reflexo ideal do
investigador”. Luke Johnson, The Real Jesus (Harper, NY, 1996). No ano em que
Jesus nasceu, 2 000 foram crucificados na Palestina. OS QUATRO
EVANGELHOS MÍSTICOS. O teólogo Paulo Augusto de Souza Nogueira,
professor de Literatura Bíblica do Instituto Metodista de Ensino Superior, de
São Bernardo do Campo, explica as características dos evangelhos. SÃO MATEUS. Escrito na Síria, em Antióquia, nos
anos 70 e 80, em grego. Seu público é o das comunidades cristãs e judaicas.
Testemunha o afastamento dos cristãos das sinagogas. A discussão da
interpretação da nova lei de Jesus indica que cristãos e judeus estão se
diferenciando. SÃO MARCOS. Escrito na
Galileia, por volta do ano 70, em grego, revela tradições orais fixadas
recentemente, em relação ao tempo em que foi escrito. Reinterpreta a saga de
Jesus e sua pregação para comunidades cristãs em crise com a guerra judaica
contra Roma. Esfria a expectativa do fim do mundo e reacende a esperança no
reino de Deus. SÃO LUCAS. Escrito em Éfeso,
nos anos 80 e 90, em grego, o melhor grego dos quatro evangelhos. É a primeira
parte de uma obra mais ampla que inclui os Atos dos Apóstolos. Mostra o
cristianismo como um movimento da Galileia para Jerusalém, Antióquia, Asia
Menor, Grécia e Roma. Triunfa sobre a dispersão provocada pelo fim do mundo que
não veio e afirma o futuro das comunidades cristãs. SÃO JOÃO. Escrito na Síria, depois da década de
90, em grego. Apresenta um Jesus esotérico, místico e enigmático, que realça
sua presença na comunidade na forma de Espírito Santo. Os discursos são longos
e as narrativas amplas. Os monólogos mostram uma religiosidade mística, gnóstica
e esotérica, quase oriental. OS TESTEMUNHOS NÃO CRISTÃOS. Historiadores
gregos e judaicos, como Filão, o Judeu (20 AC 50 DC), ignoram Jesus e discorrem
longamente sobre Pôncio Pilatos. Mas o personagem foi notado por escritores
romanos. Flávio Josefo (37-100) (texto provavelmente
adulterado). “Nessa época viveu Jesus, um homem sábio. Se é que
se pode dizer que era humano. Ele fazia milagres. Era o Cristo. Quando nossos
cidadãos o denunciaram e Pilatos condenou-o à crucificação, ele apareceu, três
dias depois da sua morte, de novo vivo. Os profetas anunciaram suas maravilhas
e milhares o adoraram” (Antiguidades Judaicas, cap. XVIII, p. 63). Tácito (55-120) (escrevendo sobre o incêndio de Roma). “O
imperador Nero (37-68) acusa aqueles detestáveis por suas abominações que a
multidão chama de cristãos. Esse nome vem de Cristo, que sob o principado de
Tibério, foi mandado para o suplício pelo procurador Pôncio Pilatos. Reprimida
momentaneamente, essa superstição horrível rebrotou novamente, não apenas na Judeia
mas agora dentro de Roma” (Anais, capítulo XV, p. 54). Suetônio (70-128) (falando da vida do imperador Cláudio) “O
Imperador expulsou de Roma os judeus que viraram causa permanente de desordem
pela pregação de Cristo” (Vida de Cláudio, cap 25, p. 4). Plínio, o Jovem (61-114) (escrevendo para o imperador
Trajano). “Os cristãos têm o hábito de se reunir em um dia fixo
para rezar ao Cristo, que consideram Deus, para cantar e jurar não cometer
qualquer crime, abstendo-se de roubo, assassinato, adultério e infidelidade”.
(Carta a Trajano, cap. X, p. 96). A TERRA DOS REBELDES RELIGIOSOS. No
século I, a Palestina tinha 1 milhão de habitantes. Em 63 a.C., os romanos
converteram a Judéia em província romana. Para os judeus, a religião era uma
ideologia nacional. No ano em que Jesus nasceu, 2.000 condenados foram
crucificados. 1 – A Galileia. Nessas
montanhas, em Nazaré, região da Galiléia, norte de Israel, Jesus nasceu e viveu
até depois dos 30 anos. Os camponeses da Galileia eram conservadores e
nacionalistas. 2 – Os Ascetas. Na beira do
Mar Morto, a seita judaica dos essênios construiu o convento de Qumran, cujo
cemitério tinha 1.200 túmulos. Em 1947, arqueólogos encontraram aí, escondidos
em cavernas, os Manuscritos do Mar Morto. 3 – A Capital. O
Templo de Jerusalém era o centro político e religioso da Judéia. Reconstruído
em 520 a.C. sobre as ruínas do Templo destruído pelos babilônios, abrigava o
Sinédrio, o Conselho dos Sacerdotes do Templo. 4 – Os
Suicidas. As ruínas da fortaleza de Massada onde, no ano
73, 960 judeus preferiram o suicídio a caírem prisioneiros romanos. APOTEOSE
MÍSTICA. O Pintor holandês Hans Memling (1430-1494) fixou no quadro “A Paixão
de Jesus” todos os últimos episódios do mistério de Cristo. Veja o que ele
imaginou: 1 – Jesus entra em triunfo em Jerusalém, no Domingo de
Ramos. 2 – Expulsão dos fariseus do Templo. 3 – A última ceia. 4
– A meditação no Jardim de Getsêmane. 5 – O beijo de Judas. 6 – A sentença
de Pilatos. 7 – A flagelação. 8 – A coroa de espinhos. 9 – O
início da Via Crucis 10 – Queda de Jesus. 11 – A crucificação, no
monte Gólgota. 12 – Os apóstolos retiram o corpo da cruz. 13 – O
enterro no Santo Sepulcro. 14 – A ressurreição. O ARQUITETO DA
EXPANSÃO DO CRISTIANISMO. A expansão do cristianismo deve muito ao
judeu grego Saulo de Tarso (5 AC 64 DC.), um cidadão romano culto e cosmopolita
que depois de perseguir muitos cristãos teve uma revelação e virou missionário
incansável: São Paulo. Esse é um personagem concreto, que deixou textos
próprios, conhecidos pelos historiadores. Além disso, teve um papel
decisivo. À revelia de Tiago, o irmão de Jesus, chefe dos judeus cristãos
de Jerusalém – para quem o cristianismo era uma reforma religiosa do “povo
eleito” –, Paulo batizava judeus e gentios dispostos a adotar a nova religião,
indistintamente. Durante 16 anos, percorreu 20.000 quilômetros a pé, em quatro
grandes viagens, pregando e fundando igrejas na Síria, na Ásia, na Grécia e em
Roma. Escreveu quatorze Epístolas, as cartas que enviava às suas igrejas, treze
das quais foram anexadas aos Evangelhos. Foi o primeiro autor cristão e o
arquiteto da expansão mundial do cristianismo. No ano 56, Paulo viajou a
Jerusalém para enfrentar Tiago. Polemizou com os judeus cristãos e foi acusado
de introduzir gentios no Templo. Preso pelos romanos, ficou dois anos na
fortaleza de Cesaréia. Em 60, foi levado para Roma, onde pregava o apóstolo
Pedro, a quem Jesus confiara a edificação da Igreja. Apesar de viver sob prisão
domiciliar, sua casa em Roma transformou-se em centro missionário. Em 64,
um violento incêndio iniciado nos bairros pobres, dos cristãos, queimou Roma.
Houve boatos de que teria sido encomendado por Nero, para reconstruir a cidade
por completo. A exótica seita dos cristãos foi acusada e transformada em bode
expiatório. Em meio a perseguições, torturas e suplícios, Pedro e Paulo foram
presos. O primeiro foi crucificado. Paulo, como cidadão romano, teve o
“privilégio” de ser decapitado. Àquela altura, já havia mais cristãos fora
da Palestina do que dentro. O culto do messias pacífico, cujo reino não era
desse mundo e que oferecia salvação à humanidade toda, inclusive aos romanos,
expandiu-se. Frente à ortodoxia judaica, o cristianismo “despolitizou-se”,
diluindo sua identidade para ampliar o diálogo com as culturas. Em compensação,
conquistou o mundo. O JESUS CATÓLICO, JUDEU E PROTESTANTE. Judaísmo,
catolicismo e protestantismo provêm de um mesmo tronco e têm o Velho Testamento
em comum. Apesar disso, suas divergências estimularam guerras e perseguições.
Líderes dessas três comunidades religiosas do Brasil reavaliaram, para a SUPER,
a figura de Jesus Cristo à luz da ciência e da religião. 1 – Quem foi Jesus Cristo? 2 – Por que houve cisma entre judeus e cristãos? 3 – Por que o cristianismo virou uma religião de massas? 4 – Por que Jesus foi crucificado?5 – Como explicar as
contradições entre os quatro evangelhos? SINAL DE CONTRADIÇÃO. Dom Paulo Evaristo Arns
(1921-2016), foi cardeal arcebispo de São Paulo Brasil. 1 – Jesus foi um judeu
de sua época, instruído na Torá e observante de tudo o que era fundamental para
o povo de Israel. Como outros, ele também possuía uma consciência crítica do
seu tempo e não deixou de mostrar o que lhe parecia contraditório na vivência
religiosa e social da época. Ele foi um sinal de contradição. Já na primeira
pregação pública, na Sinagoga de Nazaré, forma-se o grupo de opositores que
tentam matá-lo, mas forma-se, também, o grupo de discípulos que levarão adiante
sua obra. 2 – O ponto crucial foi a aceitação crescente, por parte dos
cristãos, da divindade do messias Jesus de Nazaré. As outras divergências nunca
foram um problema muito sério. Os judeus sempre conviveram com a adversidade e
a diversidade. Mas a alta cristologia que foi se desenvolvendo entre os
chamados nazarenos e que terminou por identificar Jesus de Nazaré como o
próprio Deus-Pai-Yavé era inaceitável. 3 – Abrindo para o mundo o tesouro
da revelação contida na tradição judaica o cristianismo só podia conquistar
corações. Como não se voltar para “um Deus de compaixão e piedade, lento para
cólera e cheio de amor e fidelidade, que guarda seu amor a milhares e tolera a
falta, a transgressão e o pecado”? (Êxodo, 34, 6-7). A lei foi dada por meio de
Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus. 4 – João explicita a causa
da condenação no diálogo de Pilatos com os judeus, quando esses afirmam: “Nós
temos uma lei e que, conforme essa lei, ele deve morrer porque se fez filho de
Deus” (João 19,7). De fato, no momento na condenação, a concepção de Jesus Deus
ainda não é clara para os seus discípulos. Para os judeus é apenas uma
blasfêmia. 5 – Não há contradições no sentido de ensinamentos que se opõem
e se negam mutuamente, como se um texto dissesse que Deus existe e outro
dissesse que não. Há leituras diversificadas da realidade, pela própria natureza
do escrito (gênero literário). Há pormenores redacionais que não coincidem mas
que se explicam conhecendo-se a história das fontes utilizadas, a história da
redação e o objetivo do autor diante de seus destinatários. À ESPERA DO MESSIAS. O rabino Henry Sobel
(1944- ), é presidente do Rabinato da Congregação Israelita Paulista,
atualmente não exerce mais essa função. 1 – Jesus foi um judeu, um grande
mestre que pregou ideias universais da fé judaica. Nós não o aceitamos como
messias porque o Reino de Deus que aguardamos com tanta ansiedade ainda não se
manifestou. Não rejeitamos os conceitos de Jesus sobre Deus. A questão crítica
é a doutrina cristã de que Deus tornou-se homem e permitiu que seu filho único
sacrificasse a vida para expiar os pecados da humanidade. 2 – O judaísmo
não reconhece um “filho de Deus” que se destaca e se eleva acima dos outros
seres humanos. Todos somos “filhos de Deus”. Na teoria judaica, Deus não pode
materializar-se em nenhuma forma. A crença num messias divino que é encarnação
de Deus contraria a convicção judaica da absoluta soberania e unicidade de
Deus. 3 – O judaísmo é uma religião que se caracteriza por um grande
número de leis rituais e se baseia num sistema de prescrições e proibições. O
cristianismo se apresentava como uma religião “anti legalista”. Com isso, não
só afirmou sua independência em relação ao judaísmo como também conquistou
adeptos em todo o império romano, tornando-se uma religião de massas. 4 –
É importante ressaltar o caráter opressivo do governo romano na Judéia. Pôncio
Pilatos (faleceu em 38 aproximadamente) foi especialmente cruel no exercício de
suas funções. Antes de Jesus, centenas de outros judeus já haviam sido
crucificados. Jesus foi crucificado pelos soldados romanos como criminoso
político, “Rei dos Judeus”. A acusação de deicídio, que pesou sobre o povo
judeu e foi uma das principais causas do antissemitismo é totalmente infundada.
Acusar os judeus da morte de Jesus foi a forma mais convincente de fazer a
verdadeira acusação, a de que nem todos os judeus se tornaram cristãos. Há
trinta anos, o Concílio Vaticano II repudiou a acusação de deicídio contra os
judeus. 5 – Existem quatro evangelhos, não um. É preciso lembrar que não
foram escritos como relatos históricos, no sentido moderno, isto é, como uma
transcrição factual de eventos, e sim como narrativas de caráter religioso. Os
eventos foram vistos sob quatro óticas teológicas diferentes. FLORES DA DIVERSIDADE. Milton Schwantes
(1946-2012), foi pastor luterano de Guarulhos, estado de São Paulo – Brasil, e
coordenador do Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Ciências da
Religião. 1 – Jesus foi um sábio em meio à vida da gente. Na Galileia, era
pouco percebido entre os grandes. Suas críticas aos romanos imperialistas e às
elites locais por certo eram severas, duras. Mas não promoviam a luta armada. O
amor radical como caminho da justiça decidida era sua vida. Jesus foi
revolucionário, sem armas. 2 – Ao invés de fazer-se comunitária, a
experiência pode fazer-se violenta, excludente, exclusiva. Eis a estufa do
fundamentalismo. Somos hóspedes na casa de Israel. Não donos. Os que estão “em
Cristo”, que são cristãos, assumem a fragilidade de não serem auto suficientes.
Sem Israel e suas sinagogas viramos galho sem tronco. Mas nem sempre suportamos
esta fragilidade. Antes fizemo-nos donos. Quisemos adorna-nos de Israel.
Expropriamos os de Tupã, escravizamos os de Olodum. Ao deixarmos de ser
hóspedes de Israel fizemo-nos também exterminadores de muitos povos. 3 –
Pelo que me consta, os cristãos não passavam de uns 10% da população, quando
Constantino incorporou essa religião ao império romano. Nesse sentido, o
cristianismo se tornou religião de massas através do poder de Estado. Aliás, o
que aí teve início perpassou a história da Europa e das Américas. O poder foi o
maior pregador. Ainda estamos nestes tempos. Ora, as igrejas se sentem muitos
sós sem os palácios. Ora, o senhorio do palácio se torna devoto, porque sem
religião não se ganha eleição. 4 – Os colonizadores romanos mandavam matar
na cruz. E quem estava com eles, fazia o jogo do império. À cruz era levado
quem ameaçasse a ordem dos senhores em Roma e em Jerusalém. Por isso Jesus foi
sentenciado. Aliás, continua sendo sentenciado, hoje, dia a dia. Basta querer
ver. 5 – Tradições bíblicas investem na diferença. Jardim bonito é o que
floresce em muitas cores. A Bíblia leva mais o jeito de jardim do que de
verdade em si, acabada, na linha. Até seria de estranhar se não houvesse
“contradições”. Os quatro evangelhos não fogem à regra da diversidade, cada qual
dando o melhor de si para embelezar sua flor. O mundo é maior e mais lindo que
o que cabe na mente ocidental, que pensa em linha, em fila, alinhada. www.super.abril.com.br.
Abraço. Davi
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