terça-feira, 18 de setembro de 2018

CONFÚCIO - OS ANALECTOS II. INTRODUÇÃO.

Confucionismo. www.rl.art.br. CONFÚCIO – OS ANALECTOS. II. INTRODUÇÃO. Mas dizer que ter palavra é algo próximo de ser uma pessoa moral é dizer que os dois não são idênticos. Inevitavelmente, há casos em que a aderência ao princípio de ser coerente à própria palavra levará a uma ação que não é moral. Confúcio descreve “Um homem que insiste em manter sua palavra e em levar suas ações até o fim” como alguém que demonstra “uma teimosa estreiteza da mente” (XIII.20). Em segundo lugar, há ching (reverência). Trata-se de um conceito bem antigo. Na antiga literatura Chou, ching descreve o estado de espírito de um homem que toma parte em um sacrifício. É diferente daquele demonstrado em outras religiões. Em outras religiões, há medo e abjeta submissão em face ao poder da deidade. Ching, diferentemente, é oriundo da consciência da imensidão da responsabilidade de alguém em promover o bem-estar do povo. É uma combinação de medo de fracassar na responsabilidade de que alguém é imbuído com a solene e única concentração voltada para o cumprimento satisfatório dessa responsabilidade. Em Os analectos, ching ainda mostra alguns traços dessa conexão com religião. Há uma passagem na qual é mencionado em relação com os sacrifícios. Confúcio disse: “manter-se à distância dos deuses e dos espíritos enquanto lhes mostra reverência pode ser chamado de sabedoria” (VI.22). Sob sua outra acepção, ching sempre é mencionado de forma ligada a questões de governo e a como servir um superior. O termo ching (reverência) deve ser distinguido do kung (respeito). O último é uma questão de atitude aparente e modos. Kung é normalmente mencionado de forma relativa à observância dos ritos. Por exemplo, o cavalheiro é “respeitoso para com os outros e observa os ritos” (XII.5), e dirige sua atenção a “ter um comportamento respeitoso” (XVI.10). Um homem deve ser respeitável nas suas relações com os outros porque, desse modo, ele pode evitar insultos e humilhações. “Se um homem é respeitoso, ele não será tratado com insolência” (XVII.6). “Ser respeitoso significa ser observador dos ritos, no sentido de que isso possibilita que se fique longe da desgraça e do insulto” (I.13). Isso mais ou menos completa o resumo das maiores virtudes morais que fazem parte da formação de um cavalheiro. Entretanto, deixei, deliberadamente, yi para o fim. Yi é uma palavra que pode ser usada em relação a uma ação, quando ela pode ser considerada “correta”, ou pode ser usada para designar um ato que uma pessoa deveria fazer, quando então significa “dever”, ou pode se referir a uma pessoa, quando então significa “correto” ou “cumpridor do dever”. Quando usado no sentido amplo, às vezes a única tradução possível é “moral”, ou “moralidade”. De certa forma, a maior parte das palavras que denotam virtudes morais pode ser aplicada tanto a pessoas quanto a ações. Entretanto, no que diz respeito a isso, yi é diferente das outras palavras morais. Coloquemos, por exemplo, em contraste com a benevolência. Claro que tanto uma ação quanto uma pessoa podem ser descritas como benevolentes, mas benevolência é basicamente uma característica de pessoas, e sua aplicação a atos é apenas derivativa. Um ato benevolente é o ato de um homem benevolente. Como característica de pessoas morais, benevolência tem mais a ver com disposição e intenção do que com circunstâncias objetivas. O contrário é verdade sobre a retidão. Retidão é basicamente uma característica de atos, e sua aplicação a pessoas é derivativa. Um homem é correto apenas na medida em que faz o que é certo. A retidão dos atos depende da sua conveniência moral nas dadas circunstâncias e tem pouco a ver com a disposição ou a intenção da pessoa que age. É aqui que a distinção entre agente-ético e ação-ética se torna relevante. Antes dissemos que Confúcio estava mais interessado nas virtudes morais do homem do que na qualidade moral dos seus atos. Mas nenhum sistema moral pode ser baseado apenas em virtudes morais, e o sistema de Confúcio não é exceção. Vimos que, no que diz respeito aos próprios interesses de uma pessoa, a oposição é entre vantagem a ser obtida e retidão. Novamente, no teste para saber se coragem é uma virtude, é o yi que é o critério. Embora Confúcio não o declare explicitamente, não se pode deixar de ficar com a impressão de que ele percebeu que, em última instância, yi é o critério pelo qual todos os atos devem ser julgados enquanto não há outro critério pelo qual yi pode ser julgado. Afinal de contas, mesmo a benevolência não carrega sua própria garantia moral. “Amar a benevolência sem amar o aprendizado pode levar à tolice” (XVII.8). Como veremos, o objetivo a ser perseguido por meio do estudo, nesse contexto, provavelmente deve ter sido os ritos, e os ritos, como regras de conduta, só podem, em última análise, ser baseados no yi. Podemos então dizer que no sistema moral de Confúcio, embora a benevolência ocupe uma posição mais central, yi é, ainda assim, mais fundamental. Nenhuma referência ao cavalheiro estará completa a menos que algo seja dito sobre sua atitude em relação a t’ien (Céu) e t’ien ming (Decreto do Céu), mas essa tarefa acaba por revelar alguma dificuldade. Em primeiro lugar, à parte t’ien ming – literalmente, o comando do Céu –, ming também é usado por si só, e parece haver uma diferença básica entre as duas expressões. Em segundo lugar, o termo t’ien ming é encontrado apenas duas vezes em Os analectos, e é difícil fixar uma interpretação para o termo partindo de uma base tão pequena. Entretanto, a tentativa tem que ser feita, já que a distinção entre t’ien ming e ming parece ser vital para o entendimento da opinião de Confúcio. Embora t’ien ming ocorra apenas duas vezes em todos Os analectos, para nossa sorte trata-se de um termo considerado antigo. A crença no decreto divino muito provavelmente remonta a uma época bem anterior à fundação da dinastia Chou, por volta do final do segundo milênio AC. A teoria sobre o decreto do céu foi, mais provavelmente, uma inovação da parte do duque de Chou. De acordo com essa teoria, o Céu se importa profundamente com o bem-estar do povo, e o imperador é enviado expressamente para promover esse bem-estar. Ele governa em função do Decreto do Céu e permanece imperador apenas na medida em que exerce essa função. Assim que ele esquece sua função e começa a governar visando seus próprios interesses, o Céu retirará o Decreto e elegerá alguém mais merecedor para a tarefa. Assim o Decreto do Céu é um imperativo moral e, como tal, nada tem a ver com o comando do Céu em relação às coisas que acontecem no mundo. O único desenvolvimento da época de Confúcio foi que o Decreto do Céu não era mais restrito ao imperador. Todo e qualquer homem estava sujeito ao Decreto do Céu, que o obrigava a ser moral e transformava em dever estar à altura das demandas desse Decreto. Confúcio disse: “Aos cinquenta anos, entendi (chih) t’ien ming” (II.4). Isso implica que t’ien ming é algo difícil de ser compreendido, mas também mostra, inconfundivelmente, que é algo passível de ser entendido. A única outra menção a t’ien ming em Os analectos é quando Confúcio disse que era uma das coisas que o cavalheiro temia (XVI.8). Quanto à possibilidade de ming ser simplesmente usado como abreviação para t’ien ming nos textos mais antigos, não há dúvida de que na época de Confúcio ming já havia se tornado um termo com um significado diferente e independente. Esse significado é melhor ilustrado pelo dizer citado por Tzu-hsia em uma conversa com Ssu-ma Niu: “vida e morte são uma questão de ming; riqueza e honra dependem do Céu” (XII.5). O contexto mostra que ming é usado no sentido de Destino e que Céu é apenas um sinônimo para ming. Há uma observação de Mêncio na qual Céu e Destino também são justapostos como sinônimos e que pode servir como uma glosa sobre esses termos. Mêncio disse: “Quando uma coisa não é feita por ninguém específico, então é um trabalho do Céu; quando uma coisa acontece sem que ninguém a provoque, então é o Decreto” (V.A.6). Dessa forma, há certas coisas que são provocadas, não por ação humana, mas pelo Destino. Essas são as coisas sobre as quais a vontade humana não tem influência. Se um homem vai ser rico, ter honra e uma longa vida, é algo da alçada do Destino. Nenhum esforço da parte dele vai fazer qualquer diferença no resultado. Assim, no contexto das fortunas de um indivíduo, ming é o seu quinhão. Por exemplo, duas vezes Confúcio disse sobre Yen Yüan, que morreu jovem, que “infelizmente, o tempo de vida que lhe coube (ming) era curto, e ele morreu” (VI.3, XI.7). Novamente, ele corrigiu Tzu-kung por recusar-se a aceitar seu quinhão (ming) e por ganhar dinheiro (XI.19). A razão pela qual tanta importância é dada do ming é a seguinte: se um homem está convencido de que todas as coisas desejáveis da vida devem-se ao Destino, ele perceberá mais facilmente a futilidade de persegui-las e, em vez disso, conduzirá seus esforços na busca da moralidade. Moralidade é o único objeto que um homem deveria perseguir porque ser moral reside apenas em fazer tal esforço, e não no resultado bem-sucedido da ação de um homem. Esse é o significado da frase “Um homem não pode se tornar um cavalheiro a menos que entenda o Destino (chih ming)” (XX.3). A frase chih ming (entender o Destino) parece-se muito com a frase chich t’ien ming (entender o Decreto do Céu), que, conforme vimos, Confúcio usou referindo-se a si na idade de cinquenta anos; mas o significado, na verdade, é muito diferente nos dois casos. Entender o Decreto do Céu é entender por que o Céu assim deveria decretar, mas entender Destino é saber que algumas coisas na vida acontecem sob a influência do Destino e que é fútil tentar persegui-las. A diferença entre t’ien ming e ming pode ser resumida do seguinte modo: t’ien ming, como imperativo moral, diz respeito ao que o homem deveria fazer; ming, no sentido de Destino, tem a ver com como acontecem as coisas que acontecem. T’ien ming, necessariamente difícil de ser compreendido, é, ainda assim, compreensível; já ming é um total mistério. O que t’ien ming ordena nós devemos obedecer; o que reside no domínio de ming devemos deixar em paz. Se ming e t’ien ming são termos de sentido diferente, igualmente há dois sentidos de t’ien (Céu), cada um correlato a um dos dois termos. Já vimos que Céu foi usado como sinônimo de Destino na observação de Tzu-hsia. Esse também é o caso em lamentações ou exclamações de fé. Tome estes dois casos, por exemplo. Quando Yen Yüan morreu, Confúcio disse: “Ai! O Céu está me destruindo! O Céu está me destruindo!” (XI.9). Entretanto, quando Jan Po-niu foi atingido por uma terrível doença, Confúcio disse: “Deve ser o Destino!” (VI.10). Nessas duas observações, Céu e Destino parecem ser termos intercambiáveis. Por outro lado, há casos em que o termo Céu parece trazer um significado muito diferente de Destino. Por exemplo, quando sua vida esteve em perigo em Sung, Confúcio disse: “O Céu é o autor da virtude que há em mim. O que pode Huan T’ui fazer comigo?” (VII.23). Na ocasião em que Tzu-lu foi caluniado, ele, entretanto, disse: “Como pode Kung-po Liao desafiar o Destino?” (XIV.36). Os dois comentários me parecem ter significados muito diferentes. No último caso, Confúcio estava, com efeito, dizendo “Que será, será”. No primeiro caso, entretanto, ele estava dizendo que o Céu o dotara com uma virtude especial para que ele pudesse suportar t’ien ming de acordar o império para seus objetivos morais e que, se fosse permitido que Huan T’hui o matasse, o Céu estaria frustrando os próprios propósitos. Céu, como sinônimo de ming, é o agente que provoca o que acontece, mas, quando se trata de proposta moral e imperativo moral, o Céu é a fonte do Decreto. Quanto a se, em última análise, é o mesmo Céu que é responsável tanto por acontecimentos que estão predestinados quanto pelo decreto de imperativos morais, e ainda quanto a saber se ming, como Destino que provoca os acontecimentos também tem um aspecto imperativo, não temos meios de decidir, mas o importante é que, para fins práticos, ming e t’ien ming limitam e definem para nós a esfera legítima da influência humana. Antes vimos a importância da distinção entre li (lucro, ganho ou vantagem) e yi (retidão). A distinção entre ming e t’ien ming é, com efeito, a mesma distinção, vista de um ângulo diferente. Li pertence a ming e, portanto, não é um objeto para ser perseguido apenas por si. Yi pertence ao t’ien ming e é, consequentemente, algo que devemos seguir. Até agora lidamos apenas com as qualidades morais do cavalheiro. Para dar a essas qualidades sua máxima expressão, o cavalheiro deve tomar parte no governo. Isso, entretanto, não significa que o árduo processo de auto cultivo e aprendizado seja meramente um meio para se chegar ao objetivo da promoção pessoal. Confúcio disse: “Não é fácil achar um homem capaz de estudar durante três anos sem pensar em receber um salário” (VIII.12), e ele aprovou quando Min Tzu-ch’ien não se considerou pronto quando lhe foi oferecido um cargo (VI.9). Mas como um homem pode se preparar para o trabalho apenas por meio do estudo, enquanto estuda ele está, na verdade, preparando-se para uma carreira oficial, ao mesmo tempo (XV.32). Estudar e ocupar um cargo são as atividades gêmeas inseparáveis do conceito do cavalheiro. “Quando um homem com um cargo oficial descobre que pode fazer mais do que dar conta dos seus deveres, então ele estuda; quando um estudante descobre que ele pode mais do que dar conta dos seus estudos, então ele aceita um cargo oficial” (XIX.13). Mas que um homem deve se preparar adequadamente para o trabalho não é a única precondição para ele ocupar, de fato, um cargo. A época deve ser a correta, também. Que um homem seja tão ambicioso a ponto de estar pronto para ocupar um cargo oficial independentemente de a ordem reinar no reino ou não é algo condenado por Confúcio. “É vergonhoso”, ele disse, “fazer do salário seu único objetivo, indiferente quanto a se o Caminho prevalece no reino ou não” (XIV.1). A razão disso é que quando o Caminho não prevalece em um reino, um homem só pode permanecer no cargo quebrando seus princípios. Se um homem não faz isso, pode colocar a si mesmo em perigo. Em uma situação como essa, a única escolha de alguém é ficar longe de problemas, devotando a si mesmo à busca do mais elevado padrão moral na sua vida como um cidadão. Shih Yü era certeiro como uma flecha quanto a se o Caminho prevalecia no reino ou não. Tudo o que Confúcio admitia quanto a ele era que ele era correto. Por outro lado, Ch’ü Poy ü, que foi empossado quando o Caminho prevalecia no reino mas que se deixou ser enrolado e guardado em algum lugar seguro quando o Caminho caiu em desgraça, foi descrito por Confúcio como um cavalheiro (XV.7). Essa é uma atitude que Confúcio manifesta várias vezes. “O Mestre disse de Nan-jung que, quando o Caminho prevaleceu no reino, ele não foi posto de lado e, quando o Caminho caiu em desgraça, ele ficou longe da humilhação e da punição” (V.2). Ning Wu Tzu era inteligente quando o Caminho prevaleceu no reino, mas pareceu estúpido quando o Caminho caiu em desgraça. O comentário de Confúcio foi: “Outros podem igualar sua inteligência, mas não podem igualar sua estupidez” (V.21). Amaneira para ficar longe de problemas ao mesmo tempo em que se mantém a própria integridade moral, de acordo com Confúcio, é a seguinte: “Quando o Caminho prevalece no reino, fale e aja destemidamente e com altivez; quando o Caminho não prevalece, aja destemidamente e com altivez mas fale com reserva e de modo suave” (XIV.3). Isso é condizente com sua ideia de que um homem não deveria se preocupar com questões do governo a menos que sejam da sua alçada e com a opinião de Tseng Tzu de que o cavalheiro não permite a seus pensamentos irem além do seu cargo (XIV.26). Que ele não considerava isso algo fácil de ser seguido é mostrado em seu comentário para Yen Yüan: “Apenas você e eu temos a habilidade de aparecer quando requisitados e de desaparecer quando deixados de lado” (VII.11). Entretanto, quando o caminho prevalece no reino, não apenas é o dever de um homem ocupar um cargo oficial como ocupar um cargo oficial é a culminação dos anos de preparação para tal acontecimento. Assim, de acordo com Confúcio, não apenas é “vergonhoso ser rico e nobre quando o Caminho cai em desgraça no reino”, mas igualmente “é vergonhoso ser pobre e humilde quando o Caminho prevalece no reino” (VIII.13). A proposta última do governo é o bem-estar do povo (min). Esse é o mais básico princípio do confucionismo e permaneceu imutável ao longo do tempo. Promover o bem-estar do povo começa com satisfazer suas necessidades materiais. Tzu-kung perguntou sobre governo. O Mestre disse: “Dê-lhes comida suficiente” (XII.7). Para atingir esse objetivo, o trabalho do povo deve ser empregado nas épocas certas (I.5), isto é, ele não deve ser tirado de sua terra durante as épocas de mais trabalho. Em termos mais amplos, Tzu-ch’an era considerado generoso no trato com o povo e justo ao empregar o seu trabalho (V.16). Mas além das necessidades básicas, o povo também deve ser provido com armas em quantidade suficiente. Entretanto, antes que possa ser mandado para a guerra, também lhe deve ser dada educação adequada. Confúcio disse: “Mandar o povo para a guerra sem que ele tenha educação é jogá-lo fora” (XIII.30). Em que consiste essa educação, não ficamos sabendo. Apesar de a educação que o governante dá ao povo provavelmente ser diferente dos ensinamentos que Confúcio dá aos seus discípulos, é inconcebível que tal educação seja exclusivamente de natureza militar. Deve incluir elementos morais importantes. De outro modo, é difícil entender por que demoraria tanto tempo, já que, de acordo com Confúcio, “Depois que um homem bom educou o povo por sete anos, aí então o povo estará pronto para pegar em armas” (XIII.29). Entretanto, alimento e armas não são as coisas mais importantes que o povo deve ter. Sobretudo, é preciso que eles tenham confiança no governante e é preciso que vejam nele um exemplo. Em resposta à pergunta de Tzu-kung sobre o governo, Confúcio disse: “Dê-lhes comida suficiente, dê-lhes armas suficientes, e as pessoas comuns confiarão em você”. Quando ele perguntou de qual dos três se deveria abrir mão antes, sua resposta foi: “Abra mão das armas”. Isso não causa surpresa se considerarmos a atitude de Confúcio em relação ao uso da força na guerra, mas sua próxima resposta, sim, é surpreendente. Quando pressionado a dizer de qual dos dois restantes se deveria abrir mão primeiro, sua resposta foi: “Abra mão da comida. A morte sempre esteve conosco, desde o começo dos tempos, mas quando não há confiança, as pessoas comuns não terão nada a que se agarrar” (XII.7). Essa ênfase quanto à base moral do governo é fundamental para os ensinamentos de Confúcio. Ele disse: Guie-o por meio de editos, mantenha-o na linha com punições, e o povo se manterá longe de problemas, mas não terá noção de vergonha. Obrigações e punição podem, na melhor das hipóteses, garantir um aparente conformismo. O povo vai ficar longe de problemas não porque tenha vergonha de fazer algo errado, mas porque tem medo da punição. Em contraste a isso: Guie-o pela virtude, mantenha-o na linha com os ritos, e o povo, além de ser capaz de sentir vergonha, reformará a si mesmo. (II.3). Quando o povo reforma a si próprio e tem noção de vergonha, a lei e, por conseguinte, a ameaça de punição nunca precisam ser evocadas. A orientação pela virtude, entretanto, não pode ser efetiva a menos que o governante dê um exemplo moral para o seu povo. Aqui, talvez, deveríamos observar o fato de que a palavra chinesa cheng (governar) e cheng (corrigir) são homófonas. Chi K’ang Tzu perguntou a Confúcio sobre governo. Confúcio respondeu: “Governar (cheng) é corrigir (cheng). Se você der exemplo ao ser correto, quem ousaria continuar sendo incorreto?”. (XII.17) Há um ponto positivo e um negativo quanto a isso. O ponto negativo é que se o próprio governante falha em ser correto mas insiste em punir seus súditos por serem incorretos, ele estará se colocando acima da lei, e o povo terá consciência da injustiça. O ponto positivo é que o povo sempre olha para os seus melhores homens, e se aqueles em posição de autoridade dão um exemplo, isso será imitado mesmo se o povo não receber ordens para assim fazer. Esse ponto fica bem claro na seguinte passagem: O Mestre disse: “Se um homem é correto, então haverá obediência sem que ordens sejam dadas; mas se ele não é correto, não haverá obediência, mesmo que ordens sejam dadas”. (XIII.6). Um bom exemplo é muito mais efetivo do que editos, e onde editos contradizem o exemplo, é o exemplo de que o povo vai levar em consideração, e não os editos. Esse ponto é colocado de modo mais persuasivo por Confúcio em outra ocasião. Chi K’ang Tzu perguntou a Confúcio sobre o governo, dizendo: “O que o Mestre pensaria se, para chegar mais próximo àqueles que seguem o Caminho, eu matasse aqueles que não o seguem?”. Confúcio respondeu: “Qual a necessidade de matar para administrar um governo? Apenas deseje o bem e o povo será bom. A virtude do cavalheiro é como o vento; a virtude do homem comum é como grama. Que o vento sopre sobre a grama, e ela com certeza se dobrará”. (XII.19) Aqui, Confúcio estava falando sobre os “homens vulgares” – aqueles que presumivelmente gozavam de poder político embora pertencessem à classe dos governados – e não sobre o povo, mas o que é verdade sobre o homem vulgar forçosamente é verdade também quanto ao povo. O bom exemplo tem uma influência que, embora imperceptível, é, de fato, irresistível. É, portanto, da maior importância colocar os homens corretos em posição de autoridade. Em resposta à pergunta a ele colocada pelo duque Ai, “O que devo fazer para que o povo veja em mim um exemplo?”, Confúcio disse: “Promova os homens corretos e coloque-os acima dos desonestos, e o povo o admirará. Promova os homens desonestos e coloque-os acima dos homens corretos, e o povo não o admirará” (II.19). Em outra ocasião, falando com Fan Ch’ih, Confúcio aprofundou a questão. Promover os justos e colocá-los acima dos corrompidos pode “endireitar os corrompidos” (XII.22). Tzu-hsia, a quem Fan Ch’ih relatou o comentário, ilustrou-o com um episódio histórico. Ao promover os justos a posições de autoridade, Shun e T’ang afastaram aqueles que não eram benevolentes. Já que a influência por meio de um bom exemplo funciona de um modo imperceptível, o governante ideal é frequentemente caracterizado não apenas como alguém que não faz nada, mas também como alguém que, aos olhos do povo, nada fez que pudesse ser valorizado. “O governo pela virtude pode ser comparado à estrela Polar, que comanda a homenagem da multidão de estrelas sem sair do lugar” (II.1). T’ai Po abdicou do seu direito de governar, “sem dar ao povo oportunidade de louvá-lo” (VIII.1). Yao foi o rei que se espelhou no Céu, o único que é grande, mas “ele era tão grandioso que o povo não tinha palavras para louvar as virtudes” (VIII.19). Essa descrição do governante ideal é aparentemente muito semelhante à oferecida pelos taoístas, mas na verdade as duas são bem diferentes. O governante taoísta genuinamente não faz nada porque o Império funciona melhor quando deixado em paz. O governante confucianista apenas aparenta nada fazer porque a influência moral que ele exerce funciona de modo imperceptível. Não podemos encerrar o assunto do governo sem discutir a atitude de Confúcio para com o povo (min) ou as pessoas. Ele não tentou disfarçar o fato de que, no seu ponto de vista, o povo era muito limitado intelectualmente. Ele disse: “O povo pode ser obrigado a seguir um caminho, mas não pode ser forçado a entendê-lo”. (VIII.9). O povo não consegue entender por que razão é conduzido ao longo de um caminho em específico, pois nunca se dá o trabalho de estudar. Ele disse: “Aqueles que nascem com conhecimento são os mais elevados. A seguir vêm aqueles que atingem o conhecimento por meio do estudo. A seguir vêm aqueles que voltam-se para o estudo depois de terem passado por dificuldades. No nível mais baixo estão as pessoas comuns, por não fazerem esforço algum para estudar mesmo depois de terem passado por dificuldades” (XVI. 9). Não é de surpreender que Confúcio tivesse tal opinião. O estudo, tal qual por ele concebido, é um árduo processo que nunca se completa. As pessoas comuns são imensamente prejudicadas. Raramente têm a capacidade de estudar e praticamente nunca têm a oportunidade. Nas raras ocasiões em que têm tanto a capacidade e a oportunidade, é pouco provável que consigam aguentar o rigor da tarefa. Confúcio descreveu como o seu discípulo favorito, Yen Hui, conseguiu seguir os estudos obstinadamente nas seguintes palavras. “Como Hui é admirável! Morar em um pequeno casebre com uma tigela de arroz e um concha de água por dia é uma provação que a maioria dos homens acharia intolerável, mas Hui não permite que isso atrapalhe sua alegria. Como Hui é admirável!” (VI.11). Confúcio podia não ter uma opinião muito boa quanto às capacidades intelectuais e morais das pessoas comuns, mas absolutamente não é verdade que ele tenha diminuído a importância delas no esquema geral das coisas. Talvez seja precisamente porque o povo é incapaz de garantir seu próprio bem-estar sem receber auxílio que o dever supremo do governante é trabalhar em benefício do povo, proporcionando a ele o que lhe é benéfico. As pessoas comuns deveriam ser tratadas com o mesmo amor e carinho dispensados a nenês, que são indefesos. Isso é anunciado em um comentário memorável do Livro da História citado por Mêncio: os governantes antigos agiam “como se estivessem cuidando de um recém-nascido”. Mêncio descreve tais governantes como mãe e pai do povo. É, portanto, inegável que Confúcio advogava um forte paternalismo no governo, e isso permaneceu imutável como princípio básico ao longo de toda a história do confucionismo. A importância das pessoas comuns e seu bem-estar é enfatizada repetidas vezes em Os analectos. Por exemplo, Tzu-kung disse: “Se houvesse um homem que desse generosamente ao povo e trouxesse auxílio às multidões, o que você pensaria dele? Ele poderia ser considerado benevolente?”. O Mestre disse: “Nesse caso não se trata mais de benevolência. Se precisa descrever tal homem, sábio é, talvez, a palavra adequada. Mesmo Yao e Shun achariam difícil realizar tanto.” (VI.30) Se lembrarmos que Yao e Shun eram tidos em alta conta por Confúcio e o quão pouco inclinado ele era a dar o título de “sábio” para qualquer pessoa, podemos ver o imenso significado do comentário. Finalmente, Confúcio disse que se ele elogiava alguém, podia-se ter certeza de que esse alguém havia sido testado. O teste se revelou ser o governo das pessoas comuns, pois ele continuou ao dizer: “Essas pessoas comuns são a pedra de toque por meio da qual as Três Dinastias foram mantidas no caminho certo” (XV. 25). O único teste ao qual é submetido um bom governante é quanto a se ele tem êxito em promover o bem-estar das pessoas comuns. Até agora examinamos apenas as qualidades morais indispensáveis ao cavalheiro, mas o ideal do cavalheiro é mais amplo do que o do homem moral. É necessário mais atributos para se ter o perfeito cavalheiro. Para entender isso, é preciso primeiro darmos uma olhada em dois termos, wen e chih. Chih, dos dois, é o mais fácil de ser compreendido. É a matéria-prima ou a substância nativa da qual um homem ou uma coisa é feita. Wen é mais difícil de compreender por causa da sua ampla aplicação. Em primeiro lugar, wen significa um belo padrão. Por exemplo, o padrão das estrelas é o wen do céu, e o padrão da pele de um tigre é o seu wen. Aplicado ao homem, refere-se às belas qualidades que ele adquiriu por meio da educação. Daí o contraste com chih. Aquilo que um homem adquire por meio da educação cobre uma ampla gama de realizações. Inclui talentos como arqueiro ou na condução de carruagens, de escrita e matemática, mas os campos mais importantes são a literatura e a música, uma conduta condizente à de um cavalheiro. Literatura, na época de Confúcio, significava, basicamente, as Odes, enquanto que música para Confúcio era a música tocada em cerimônias da corte e em cerimônias sacrificiais. Um comportamento condizente a um cavalheiro significava observância dos ritos, que incluía entre outras coisas o código da conduta correta. Além de denotar as realizações de um indivíduo, wen também pode ser usado para designar a cultura de uma sociedade como um todo. Assim, wen é uma palavra com uma ampla gama de significados, que em inglês (e português) são cobertos por uma variedade de palavras, como ornamento, adorno, refinamento, realização, boa educação e cultura. Não é suficiente para um homem nascer com uma boa substância nativa. Um longo processo de amadurecimento é necessário para dar a ele a educação indispensável a um cavalheiro. Quando Chi Tzu-ch’eng disse “O mais importante a respeito de um cavalheiro é o material do qual ele é feito. Para que ele precisa de refinamento?”, a opinião de Tzu-kung foi a de que não se podia separar refinamento da matéria, pois “a pele de um tigre ou de um leopardo, desprovida de pelos, não é diferente da de um cachorro ou de uma ovelha” (XII.8). O que Tzu-kung está dizendo é que são as qualidades totais de um cavalheiro – matéria prima assim como refinamento – que o distinguem dos “homens vulgares”, e é fútil separar a matéria-prima do refinamento, na equivocada tentativa de aponta-la como o fator básico. Em toda parte encontramos Confúcio enfatizando a importância do equilíbrio entre os dois elementos. Ele disse: “Quando a natureza de alguém prevalece sobre a educação recebida, o resultado será uma pessoa intratável. Quando a educação prevalece sobre a natureza, o resultado será uma pessoa pedante. Apenas uma mistura bem equilibrada das duas resultará em cavalheirismo” (VI.18). Há um comentário de Confúcio que joga alguma luz sobre o que seria essa substância nativa ou natureza. Ele disse: “O cavalheiro tem a moralidade como matéria-prima e, ao observar os ritos, coloca-a em prática, ao ser modesto dá-lhe expressão e, ao ser fiel às próprias palavras, a completa. Assim é um cavalheiro, de fato!” (XV.18). Aqui vemos que a relação entre chih e wen corresponde à relação entre moralidade (yi) e os ritos (li). Não basta um homem ter a inclinação natural de fazer o que é certo; é essencial que ele seja versado de modo que possa dar uma expressão refinada a essa inclinação. Um homem pode ter uma forte necessidade de mostrar respeito por outro homem em uma dada sociedade, mas, a menos que ele saiba o código de comportamento pelo qual esse respeito é expresso, ele ou falhará completamente em expressá-lo ou, no máximo, conseguirá expressá-lo de modo não totalmente aceito naquela sociedade. Isso traz à tona uma questão importante quanto aos ritos. Moralidade não consiste apenas na ação que afeta o bem-estar de outras pessoas. Às vezes também requer comportamentos que expressem uma atitude em relação às outras pessoas. Isso explica o fato de que a palavra li, embora tenha também uma conotação moral, é mais apropriadamente traduzida como “ritos” ou “ritual”. Como vimos, além da observância dos ritos, a parte mais importante de wen é a poesia e a música. É por isso que, quando um equivalente teve que ser encontrado para o termo ocidental “literatura”, a expressão usada foi naturalmente “wen hsüeh”. Esse parece ser um ponto conveniente a partir do qual avaliar a atitude de Confúcio para com a poesia e a música, já que a influência que o pensador exerceu nas gerações subsequentes foi imensa. O primeiro ponto a salientar é que na época de Confúcio a conexão entre a poesia e a música era muito próxima. Embora houvesse música que não envolvesse palavras, toda poesia podia, provavelmente, ser cantada. Por essa razão, Confúcio provavelmente tinha a mesma atitude para com ambas. Comecemos com a seguinte passagem: www.rl.art.br. Abraço. Davi 

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