Fraternidade
Rosa Cruz. www.fraternidaderosacruz.org.
Livreto Introdutório aos Ensinamentos da Sabedoria Ocidental. Por Antônio de
Macedo. ALQUIMIA ESPIRITUAL DOS ROSACRUZES. TRANSMUTAÇÃO MENTAL, TRANSMUTAÇÃO
CORDIAL E THÉMIS ÁUREA. Em 1614, 1615 e 1616 foram publicados na Alemanha, por
esta ordem, três tratados ou manifestos que desencadearam o movimento
Rosacruciano — ou o Iluminismo Rosacruz, como também tem sido chamado: Fama
Fraternitatis (Ecos da Fraternidade, ou da Confraria), Confessio Fraternitatis
(«Confissão da Fraternidade») e Chymische Hochzeit Christiani Rosencreuz Ano
1459 (Núpcias Químicas de Christian Rosenkreuz no ano de 1459). Publicados
anonimamente na Alemanha, os dois primeiros em Kassel e o último em
Estrasburgo, a sua autoria tem sido atribuída a Johann Valentin Andreae
(1586-1654), pastor protestante originário da Suábia e influente figura da
ortodoxia luterana dos princípios do século XVII, e um dos homens mais sábios
do seu tempo. No frontispício do primeiro lê-se a seguinte dedicatória: Nós,
Irmãos da Fraternidade da Rosacruz, oferecemos a nossa saudação, o nosso amor e
as nossas orações a todos os que lerem a nossa Fama com inspiração cristã. Nele
se conta a história do Fr. R. C. — Frater Rosencreuz, ou Irmão Rosacruz —um
homem iluminado que viajou por muitos países, incluso no Oriente, onde aprendeu
a Magia e a Cabala com os Mestres. Ao regressar à Alemanha decidiu empreender a
reforma que haveria de corrigir as imperfeições do mundo, e fundou a misteriosa
Ordem Rosacruz juntamente com alguns outros Irmãos. O segundo, Confessio, é um
breviário em catorze capítulos contendo «a mais Secreta Filosofia»; completa o
anterior e de certa maneira vem justificá-lo, defendendo-o das vozes e
acusações de que os misteriosos Irmãos da Rosacruz já começavam a ser alvo,
pois não faltava quem os suspeitasse de heresia, de ardis e de culposas
maquinações contra a autoridade civil. Aqui se esclarece que Christian
Rosenkreuz nasceu em 1378 e viveu 106 anos, e que as suas investigações e
pesquisas «suplantam tudo o que, desde os primeiros dias do mundo, a
inteligência humana inventou, produziu, melhorou, propagou e perpetuou até à
época atual, tanto por intermédio da revelação e da iluminação divinas quanto
graças aos ofícios dos anjos e dos espíritos. Já o papa, em contrapartida, é
considerado, pelo luterano autor do texto, um sedutor romano que transborda de
blasfémias contra Deus e contra o Cristo. Finalmente o terceiro, Núpcias
Químicas, é um fantástico romance alegórico, dividido em sete Dias, ou sete
Jornadas, tal como o Génesis, e conta o modo como Christian Rosenkreuz foi
convidado a ir a um maravilhoso castelo, ou palácio, repleto de prodígios para
assistir ao Casamento Alquímico do rei e da rainha, ou melhor, do Noivo e da
Noiva, interessando-nos este terceiro livro, particularmente, pelas óbvias
conotações herméticas que comporta. Estes três manifestos obtiveram um sucesso
considerável e deram origem a inúmeras controvérsias e a imensas obras de
inspiração rosacruciana, de que se destacam autores tão marcantes como Michael
Maier na Alemanha ou Robert Fludd e Elias Ashmole na Inglaterra, além de
Theophilus Schweighardt, Gotthardus Arthusius, Julius Sperber, Henricus
Madathanus, Gabriel Naudé, Thomas Vaughan, etc. Sobre o primeiro destes autores
atrás citados, Michael Maier, me irei deter um pouco mais, chamando entretanto
a atenção para a importância de certos precursores, como o misterioso filósofo
e alquimista isabelino John Dee, autor da não menos misteriosa Monas
Hieroglyphica (1564), que influenciou o conceituado filósofo hermético Heinrich
Khunrath, de Hamburgo, autor do Amphitheatrum Sapientiae Aeternae (1609), que
por sua vez terá influenciado, e não pouco, o primeiro manifesto rosacrucisno,
a Fama Fraternitatis. A filosofia alquímica está sempre presente em todos estes
autores; com efeito, o surto rosacruciano deu-se em plena florescência
hermética do Renascimento e do Barroco. Portanto não é de surpreender o pendor
alquímico das principais obras rosacrucianas; ou melhor: uma das mais elevadas
aspirações dos Irmãos da Rosacruz seria o renovo da Arte alquímica. Já então
degradada pelos «assopradores», como claramente se diz num dos parágrafos
iniciais da Fama, em referência à «época feliz em que vivemos» (início do
século XVII): «Deus (…) favoreceu o nascimento de espíritos altamente esclarecidos
que tiveram por missão restabelecer nos seus direitos a Arte, em parte maculada
e imperfeita». Este permanente renovo da «Arte» (alquímica, entenda -se), e o
seu desenvolvimento, sobretudo espiritual e simbólico, foram uma constante
dentro do Rosacrucianismo, desde então até aos nossos dias. O próprio Isaac
Newton (1642-1727), um dos maiores génios da matemática, não foi insensível ao
fascínio da Alquimia, como é sabido; além de possuir exemplares dos mais
notórios tratados alquímicos, tanto do seu tempo como anteriores, que hoje
fazem parte do espólio existente na Biblioteca da Universidade de Yale, deu-se
ao trabalho de fazer muitas cópias manuscritas de obras alquimistas. Uma dessas
obras, que ele possuía na sua coleção, era precisamente a THEMIS AUREA de
Michael Maier, à qual faz referências e tece comentários numa das suas muitas
notas manuscritas sobre a filosofia hermética, conservadas na dita Biblioteca.
Michael Maier (1568-1622), um dos grandes eruditos da sua época, nasceu em
Rindsberg, Holstein – Alemanha, e foi doutor em medicina, filósofo e
alquimista. Embora nunca tivesse afirmado pertencer à misteriosa Fraternidade
Rosacruciana, foi um dos seus mais acérrimos apologetas, possuindo informações
sobre os Irmãos da Rosacruz — claramente transmitidas nos seus livros — que
deixam supor um conhecimento direto do «círculo interno» da Ordem. Viveu alguns
anos em Praga – República Tcheca, onde foi médico do imperador Rudolfo II que
lhe concedeu o título nobiliárquico de Pfalzgraf — Conde palatino — e o nomeou
Secretário Privado Real. Os estudiosos de Maier, após exame atento dos seus
escritos, observam que ele nunca afirmou objetivamente ter fabricado ouro; tão
pouco o afirmaram, de si próprios, Heinrich Khunrath e outros Rosacrucianos. Os
tratados destes autores apontam para uma Alquimia altamente simbólica e
espiritual, sem dúvida, mais do que para uma Espagíria operativa. Neles
detectamos, velada ou desveladamente, quer os nove estágios da transmutação
involutiva evolutiva do tríplice corpo do ser humano, da tríplice alma e do
tríplice espírito, quer os nove passos ou nove graus da Iniciação dos Mistérios
menores da Escola de Mistérios Rosacruzes, equipolentes aos nove passos
fulcrais do ministério de três anos de Cristo Jesus na Terra: 1. Batismo; 2. Tentação;
3. Transfiguração; 4. Última Ceia e o Lava-pés; 5. Agonia no Horto; 6.
Flagelação e Coroa de Espinhos; 7. Crucificação e Estigmas; 8. Morte e
Ressurreição; 9. Ascensão. A principal obra alquímica de Maier é o famoso
tratado Atalanta Fugiens, hoc est Emblemata Nova de Secretis Naturae Chymica
(1617), que é um livro de emblemas e notáveis gravuras, com comentários
filosóficos. Atalanta, logo no frontispício, é submetida à tentação de
abandonar a corrida em busca da verdade espiritual, moral e científica, dando
uma lição de perseverança e de pureza de intenções ao alquimista espiritual.
Maier ensina subtilmente uma filosofia mística, religiosa e alquímica, por meio
dos símbolos e dos emblemas do seu livro, cada um dos quais apresenta um modo
de expressão poético, pictórico e musical (FRANCES A. YATES, The Rosicrucian
Enlightenment, Londres 1972). Nesse livro se desvenda o significado de vários
mitos da Antiguidade clássica, mitos esses que, segundo Maier e outros
alquimistas rosacrucianos, teriam um fundo químico oculto: por exemplo, o
conhecido enigma de Édipo — qual é o animal com quatro pernas de manhã, duas ao
meio-dia e três ao fim da tarde, e uma só voz —, não tem como resposta o homem,
mas sim a pedra filosofal. Numa das gravuras da Atlanta Fugiens vê-se em
primeiro plano um grupo de três seres: um bebé gatinhando com um retângulo na
testa, ou seja, o princípio da força quadrática fundamental da pedra (nigredo),
um adulto com uma meia-lua. Também na testa, formada por duas linhas com duas
pontas, figurando a pedra lunar branca (albedo), e um velho encurvado com um
triângulo na testa e apoiando-se a uma bengala — o triângulo do
corpo-alma-espírito, ou seja, a pedra filosofal solar, dotada do poder de
tingir e curar (rubedo). Fundamentalmente, tal como já enunciava Paracelso
(1493-1541), os hermetistas rosacrucianos defendiam a tese de que a Alquimia,
mais do que tentar a transmutação dos metais, deveria antes contribuir para a
erradicação das doenças e a mitigação das dores físicas (panaceia universal).
Synesius, um alquimista bizantino do século IV, foi um verdadeiro precursor: já
definia a Alquimia como uma operação mental, independente da ciência da
matéria, cujo objetivo deveria ser a transmutação espiritual e a salvação do
ser humano, afirmando, em consequência, que a constituição do elixir (xêrion, o
pó) é menos importante do que as incantações que acompanham a sua produção.
Esta teoria deu origem a uma nova escola que minimizou a pesquisa experimental,
passando a buscar, no interior do ser humano, os segredos e os fins últimos da
filosofia alquímica. Assim, o Fogo alquímico, ou melhor, o Fogo Solar, sendo um
princípio cósmico e um elemento básico da Criação, é na verdade um princípio
espiritual, portanto um dos princípios herméticos fundamentais do
Rosacrucianismo. O teósofo e investigador Franz Hartmann (1838-1912) define o
Fogo alquímico rosacruciano da seguinte maneira: O Fogo é uma atividade interna
cujas manifestações externas são calor e luz. Esta atividade difere em carácter
consoante o plano em que se manifesta. No plano espiritual representa o Amor ou
o Ódio; no plano astral, o Desejo e a Paixão; no plano físico, a Combustão. O
Fogo é o elemento purificador, que no limite se identifica com a essência da
Vida. Porém, no livro THEMIS AUREA, hoc est de legibus Fraternitatis R. C.,
publicado em Frankfurt, em latim, em 1618 — apenas dois anos após a publicação
das Núpcias Químicas de Christian Rosenkreuz — que Michael Maier investiga
sobretudo as grandes leis que regem a transmutação espiritual. Enunciadas sob a
forma de seis sinais de adesão, ou compromissos, a que se obrigavam as Irmãos
da Rosacruz. Antes de mais nada — observa Maier na Themis — é mais do que
razoável supor que qualquer sociedade, para ser boa, deverá ser governada por
leis boas (…). Por outro lado, é importante que alguma coisa se diga acerca do
seu número, seis, que muito de perfeição contém em si. Com efeito, o número
seis associa-se de imediato ao hexa hemeron bíblico, os seis dias da criação, o
número mediador entre o Princípio e a sua Manifestação, além de simbolizar, em
quanto hexagrama, a misteriosa síntese do fogo e da água. Estes dois
triângulos, entrecruzados, formam o conhecido signo — ou selo — de Salomão, uma
estrela de seis pontas que inclui, além do fogo e da água, o ar (triângulo do
fogo). Truncado pela base do triângulo da água), e a terra (triângulo da água
truncado pela base do triângulo do fogo). O todo é uma verdadeira suma do
pensamento hermético, representando o conjunto dos elementos do Universo. Maier
reproduz textualmente aquelas seis leis, tal como vêm listadas no primeiro
manifesto Rosacruz de 1614, a Fama Fraternitatis: 1. Curar os doentes ou cuidar
deles gratuitamente; 2. Não usar hábito próprio à Fraternidade, mas sim e
apenas os trajes locais; 3. Apresentar-se todos os anos no dia C. na morada do
Sanctus Spiritus, ou comunicar o motivo da ausência; 4. Designar um digno
sucessor em previsão de morte; 5. As letras R. C. serão o seu selo, insígnia e
sigla; 6. A Fraternidade deve permanecer oculta durante um século. É
interessante notar que a primeira, ou seja, a cura dos enfermos gratuitamente (De
graça recebestes, de graça daí — Mateus 10, 8) adquire tanto relevo no espírito
de Maier, que este lhe dedica nada menos de nove capítulos de comentários na Themis
Aurea (capítulos IV a XII), ao passo que as restantes merecem apenas um
capítulo cada uma. Assim como os Dez Mandamentos da Antiga Aliança foram
sumarizados em dois pelo Cristo do Novo Testamento («Amarás ao teu Deus com
todo o teu coração, alma e mente (…), e amarás ao teu próximo como a ti mesmo»
— Mateus 22, 37-39), também aquelas seis antigas leis foram sumarizadas em duas
pela Nova Escola de Mistérios Rosacruzes: «Curar os enfermos e pregar o Reino
de Deus», tal como Cristo ordenou aos Seus apóstolos. O alquimista rosacruciano
dispõe do Oratório e do Laboratório, no seu Templo do Espírito, para levar a
cabo as operações de transmutação. Por isso se diz, na lei nº 3, que deve
apresentar-se todos os anos no dia C, na morada do Sanctus Spiritus; ou seja:
no dia do seu Cristo interno, ou do seu íntimo Natal, deve estar perfeitamente
consciente do seu verdadeiro estar no templo do Espírito Santo, que é o seu
próprio corpo mortificado, acrisolado, e por fim purificado e transfigurado
(«Não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que está em vós» —
1 Coríntios 6, 19). Do lado do Oratório deve ter a biblioteca, isto é, a teoria
e o alimento mental, a oração oculta, ou a palavra de razão: — o noûs e o
logos; do lado do Laboratório deve ter os instrumentos da prática, o alambique,
as retortas, os cadinhos, que é como quem diz, as obras do coração e do serviço
desinteressado, não egoísta e amoroso, ou cordial. E é nesta dupla vertente,
mental e cordial, que a transmutação alquímica do ser humano, no seu todo, se
deve processar. Como referi há pouco, essa transmutação abrange os nove
estágios do percurso involutivo evolutivo do tríplice corpo do ser humano, da
tríplice alma e do tríplice espírito. No mundo moderno, cava-se uma distância
abissal entre a mente e o coração: a mente prepondera, altamente evoluída pela
ciência, e só se satisfaz com explicações materialmente demonstráveis, ao passo
que o coração nem sempre encontra meios para manifestar o seu poder: as suas
intuições são muitas vezes inseguras e erram ao aventurar-se nos mistérios do
ser, que a mente esquadrinha de forma tão redutora quão aparentemente sólida e
exata. Tanto vale dizer que a «pedra filosofal» do Conhecimento e da Verdade
será alcançada quando a mente e o coração se unirem harmoniosamente,
aperfeiçoando-se e cooperando mutuamente até que o ser humano atinja a mais
elevada Gnosis e a mais elevada Sophia, isto é, até que esteja em condições de
viver a Vida Religiosa em plenitude. Esta operação é descrita pelo rosacruciano
MAX HEINDEL (1865-1919) no seu livro clássico The Rosicrucian Cosmo
Conception:, e a ênfase que Michael Maier coloca, na Themis Aurea, na eficácia
alquímica das energias «curativas» trabalhadas discreta mas sabiamente no
oculto, ensina-nos que a panaceia, mais do que um bálsamo físico, ainda que
envolto numa teia de simbolismos, é um Mistério sagrado que o Adepto deverá
saber buscar no mais completo despojamento de si: Embora os Irmãos [da
Rosacruz] possuam as medicinas mais eficazes do mundo, não se vangloriam disso,
antes o escondem; talvez os seus pós contenham cinábrio ou alguma outra matéria
ligeiríssima, mas produzem seguramente mais efeito do que se pode imaginar.
Possuem a Phalaia bem como a Asa de Basílio, o Nepenthes que afasta as mágoas e
pesares de Homero e do Trimegisto, o unguento de ouro, a fonte de Júpiter
Hammon, que é quente de noite, fria ao meio-dia, e tépida ao nascer e ao pôr do
Sol. Desdenham lucros e proveitos e não são seduzidos por altos cargos nem por
honrarias; nem desejam de nenhum modo evidenciar-se (…). Submetem-se
tranquilamente à proteção divina, não se exibem nem se escondem, mas exercem a
sua atividade em silêncio (MICHAEL MAIER, Themis Aurea, cap. VI). Com efeito,
(…) é pela Alquimia Espiritual que construiremos o templo do Espírito e
conquistaremos o pó donde viemos, qualificando-nos como verdadeiros Mestres
Maçons preparados para trabalhar em esferas mais elevadas (MAX HEINDEL, Occult
Principles of Health and Healing, Oceanside 1938). Em suma, há de ser dentro de
nós próprios que teremos de descobrir, desbravar e percorrer o Caminho da
Salvação, e não apenas nesta ou naquela prática, neste ou naquele ritual, neste
ou naquele livro por muito sublime e englobante que seja, ainda que se trate do
livro dos livros, porque a letra só brilha para quem já preparou os olhos
capazes de suportar o brilho da Luz «que já existe e que é tão bela». Como
dizia Florentinus de Valentia: «O livro que contém todos os outros está em ti,
e em todos os homens». UM TRATADO MUSICAL DE ALQUIMIA – ATALANTA FUGIENS. Em
1618 aparecia em Oppenheim (Renânia) a obra da qual podemos admirar, ainda
hoje, o soberbo frontispício: "Atalanta Fugiens", de Miguel Majer. O
autor, ou melhor, os autores, uma vez que o editor João Teodoro de Bry é,
provavelmente, também, o gravador, nele se declaram poetas, gravadores e
músicos. Miguel Majer, nascido em 1568, em Rendsburg (Holstein) e falecido por
volta de 1631, era formado em medicina. Entrou para o serviço do Imperador
Rodolfo II, em Praga, inicialmente como físico ou médico. Passou depois para
secretário particular, par ser, enfim, elevado à dignidade de conde do conselho
Imperial (conde palatino). Era alquimista e rosacruciano. João Teodoro de Bry,
nascido em Liége, em 1561, era filho do gravador e editor com o mesmo nome.
Retomou, quando da morte do pai, as atividades profissionais deste. Pertencia à
religião reformada. A obra de Majer e de Bry é um autêntico tratado de
ocultismo em cinquenta "emblemas esotéricos". Cada
"emblema" comporta três elementos: um epigrama, breve poema alegórico
em latim, acompanhado da sua tradução em alemão; uma gravura simbólica e uma
"fuga" a três vozes, escrita sobre os dois primeiros versos do
epigrama. Um título indica a significação geral de cada emblema. Cada um deles
transpõe um mito antigo, conferindo-lhe uma ressonância alquímica. O ponto de
partida, ilustrado no frontispício, tem por base a lenda da deusa Atalanta
(também chamada Ártemis e mesmo Diana, pelos Gregos e Rom anos). Podemos seguir
a sua aventura no enquadramento do título: à esquerda, no Jardim das Hespérides
(as três ninfas no alto da gravura, são Aegle, Aeretusa e Hespertusa), guardado
pelo dragão de sete cabeças (igualmente em cima), Hércules apossa-se dos frutos
de ouro. Três deles caem nas mãos de Afrodite (Vénus) que, mortificada pela
feroz castidade de Atalanta, os entrega ao belo Hipomanes com a missão de a
seduzir. Hipomenes, conhecendo o estratagema pelo qual Atalanta se livrava dos
pretendentes, resolver enganá-la. Atalanta impunha-lhes uma prova de corrida.
Se o pretendente a vencesse, teria direito a desposá-la. Caso contrário, teria
a cabeça decepada - o que sempre acontecia, uma vez que Atalanta era mais leve
e mais veloz do que qualquer mortal. Hipomenes colocou-se entre os
concorrentes. No momento da prova atirou os três frutos de ouro para a frente
de Atalanta. Esta, curiosa, ou um tanto cúpida, abaixou-se para os examinar e
recolher e, com isto, perdeu algumas passadas, o que bastou para que Hipomenes
a vencesse (em baixo, à esquerda da gravura). A união consumou-se num templo
consagrado a Zeus ou a Deméter (em baixo, à direita). Irritado por semelhante
ato de profanação, o deus (ou a deusa), transformou-os respectivamente em leão
e leoa (em baixo, à direita). As gravuras e o sentido geral dos "emblemas"
foram admiravelmente analisados e explicados por J. Van Lennep. As fugas
musicais permanecem mais misteriosas e demandariam um longo e minucioso estudo.
Todavia, um exame sumário talvez não seja desprovido de interesse. Vejamos a
fuga número 1, aqui transcrita em notação moderna. Não se trata de uma
"fuga" como a entendem os tratados clássicos em uso nos
conservatórios. Apenas as duas vozes superiores são tratadas em cânon, mas à
quarta inferior. A voz mais grave é tratada em cantus firmus ou teneure. A voz
mais aguda, no sentido em que a entendiam os teóricos do século XVII, isto é, a
"fugida". Representa, normalmente, Atalanta fugitiva, como o indica o
compositor: Atalanta seu vox fugiens. A Segunda voz, que e segue em cânon
rigoroso na Quarta grave, personaliza Hipomenes. O cantus firmus, enfim, todo
em valores longos, representa os frutos atirados a Atalanta. Atalanta (primeira
voz) representa o Mercúrio volátil (ou a Lua); Hipomenes (Segunda voz) o
enxofre ativo ou o sol alquímico. A terceira voz representa os frutos de ouro,
frutos da imortalidade, mas também o símbolo do conhecimento. Essas curtas
peças musicais, cuja realização necessita, por vezes, de uma douta exegese
contrapontística, não são, longe disso, obras-primas. Neles descobrem-se
(conforme o exemplo acima) imperícias, na verdade erros que um estudante de
conservatório, mesmo nos nossos dias, renegaria com horror. Pode-se questionar
a respeito da utilização que dela pretendia fazer os seus autores. O texto
preliminar teria uma função equivalente à dos corais de Lutero: "serem
lidas, meditadas, compreendidas, julgadas, cantadas e ouvidas". Isso
constituiria um método para gravar na memória do adepto o primeiro dístico
essencial de cada poema que comenta a gravura correspondente. J. Van Lennep
lembra-nos que o Imperador Rodolfo II (em Praga), bem como o duque Vicente de
Gonzaga (em Mântua), ambos alquimistas experientes, eram, para os músicos,
mecenas esclarecidos e generosos. Ambos possuíam uma prestigiosa capela de
música. O primeiro protegeu - entre outros - o compositor flamengo Filipe de
Monte (1521-1603), e o segundo financiou o Orfeu, de Cláudio Monteverdi
(1567-1643), cujo simbolismo foi, por certo, amplamente inspirado pelo
comanditário. J. Van Lennep adianta ainda que a música servia para dissipar a
melancolia saturnina, que se apoderava dos alquimistas durante as longas noites
de vigília diante do forno. Imagina-as então enganando a espera, cantando as
"fugas" da Atalanta Fugiens. Supõe ainda que tais "fugas"
também foram cantadas pelos membros da Fraternidade Rosacruz, a que Majer
pertencia e que outorgava à música extrema importância. www.fraternidaderosacruz.org.
Abraço. Davi
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