segunda-feira, 10 de setembro de 2018

ALQUIMIA ESPIRITUAL DOS ROSACRUZES


Fraternidade Rosa Cruz. www.fraternidaderosacruz.org. Livreto Introdutório aos Ensinamentos da Sabedoria Ocidental. Por Antônio de Macedo. ALQUIMIA ESPIRITUAL DOS ROSACRUZES. TRANSMUTAÇÃO MENTAL, TRANSMUTAÇÃO CORDIAL E THÉMIS ÁUREA. Em 1614, 1615 e 1616 foram publicados na Alemanha, por esta ordem, três tratados ou manifestos que desencadearam o movimento Rosacruciano — ou o Iluminismo Rosacruz, como também tem sido chamado: Fama Fraternitatis (Ecos da Fraternidade, ou da Confraria), Confessio Fraternitatis («Confissão da Fraternidade») e Chymische Hochzeit Christiani Rosencreuz Ano 1459 (Núpcias Químicas de Christian Rosenkreuz no ano de 1459). Publicados anonimamente na Alemanha, os dois primeiros em Kassel e o último em Estrasburgo, a sua autoria tem sido atribuída a Johann Valentin Andreae (1586-1654), pastor protestante originário da Suábia e influente figura da ortodoxia luterana dos princípios do século XVII, e um dos homens mais sábios do seu tempo. No frontispício do primeiro lê-se a seguinte dedicatória: Nós, Irmãos da Fraternidade da Rosacruz, oferecemos a nossa saudação, o nosso amor e as nossas orações a todos os que lerem a nossa Fama com inspiração cristã. Nele se conta a história do Fr. R. C. — Frater Rosencreuz, ou Irmão Rosacruz —um homem iluminado que viajou por muitos países, incluso no Oriente, onde aprendeu a Magia e a Cabala com os Mestres. Ao regressar à Alemanha decidiu empreender a reforma que haveria de corrigir as imperfeições do mundo, e fundou a misteriosa Ordem Rosacruz juntamente com alguns outros Irmãos. O segundo, Confessio, é um breviário em catorze capítulos contendo «a mais Secreta Filosofia»; completa o anterior e de certa maneira vem justificá-lo, defendendo-o das vozes e acusações de que os misteriosos Irmãos da Rosacruz já começavam a ser alvo, pois não faltava quem os suspeitasse de heresia, de ardis e de culposas maquinações contra a autoridade civil. Aqui se esclarece que Christian Rosenkreuz nasceu em 1378 e viveu 106 anos, e que as suas investigações e pesquisas «suplantam tudo o que, desde os primeiros dias do mundo, a inteligência humana inventou, produziu, melhorou, propagou e perpetuou até à época atual, tanto por intermédio da revelação e da iluminação divinas quanto graças aos ofícios dos anjos e dos espíritos. Já o papa, em contrapartida, é considerado, pelo luterano autor do texto, um sedutor romano que transborda de blasfémias contra Deus e contra o Cristo. Finalmente o terceiro, Núpcias Químicas, é um fantástico romance alegórico, dividido em sete Dias, ou sete Jornadas, tal como o Génesis, e conta o modo como Christian Rosenkreuz foi convidado a ir a um maravilhoso castelo, ou palácio, repleto de prodígios para assistir ao Casamento Alquímico do rei e da rainha, ou melhor, do Noivo e da Noiva, interessando-nos este terceiro livro, particularmente, pelas óbvias conotações herméticas que comporta. Estes três manifestos obtiveram um sucesso considerável e deram origem a inúmeras controvérsias e a imensas obras de inspiração rosacruciana, de que se destacam autores tão marcantes como Michael Maier na Alemanha ou Robert Fludd e Elias Ashmole na Inglaterra, além de Theophilus Schweighardt, Gotthardus Arthusius, Julius Sperber, Henricus Madathanus, Gabriel Naudé, Thomas Vaughan, etc. Sobre o primeiro destes autores atrás citados, Michael Maier, me irei deter um pouco mais, chamando entretanto a atenção para a importância de certos precursores, como o misterioso filósofo e alquimista isabelino John Dee, autor da não menos misteriosa Monas Hieroglyphica (1564), que influenciou o conceituado filósofo hermético Heinrich Khunrath, de Hamburgo, autor do Amphitheatrum Sapientiae Aeternae (1609), que por sua vez terá influenciado, e não pouco, o primeiro manifesto rosacrucisno, a Fama Fraternitatis. A filosofia alquímica está sempre presente em todos estes autores; com efeito, o surto rosacruciano deu-se em plena florescência hermética do Renascimento e do Barroco. Portanto não é de surpreender o pendor alquímico das principais obras rosacrucianas; ou melhor: uma das mais elevadas aspirações dos Irmãos da Rosacruz seria o renovo da Arte alquímica. Já então degradada pelos «assopradores», como claramente se diz num dos parágrafos iniciais da Fama, em referência à «época feliz em que vivemos» (início do século XVII): «Deus (…) favoreceu o nascimento de espíritos altamente esclarecidos que tiveram por missão restabelecer nos seus direitos a Arte, em parte maculada e imperfeita». Este permanente renovo da «Arte» (alquímica, entenda -se), e o seu desenvolvimento, sobretudo espiritual e simbólico, foram uma constante dentro do Rosacrucianismo, desde então até aos nossos dias. O próprio Isaac Newton (1642-1727), um dos maiores génios da matemática, não foi insensível ao fascínio da Alquimia, como é sabido; além de possuir exemplares dos mais notórios tratados alquímicos, tanto do seu tempo como anteriores, que hoje fazem parte do espólio existente na Biblioteca da Universidade de Yale, deu-se ao trabalho de fazer muitas cópias manuscritas de obras alquimistas. Uma dessas obras, que ele possuía na sua coleção, era precisamente a THEMIS AUREA de Michael Maier, à qual faz referências e tece comentários numa das suas muitas notas manuscritas sobre a filosofia hermética, conservadas na dita Biblioteca. Michael Maier (1568-1622), um dos grandes eruditos da sua época, nasceu em Rindsberg, Holstein – Alemanha, e foi doutor em medicina, filósofo e alquimista. Embora nunca tivesse afirmado pertencer à misteriosa Fraternidade Rosacruciana, foi um dos seus mais acérrimos apologetas, possuindo informações sobre os Irmãos da Rosacruz — claramente transmitidas nos seus livros — que deixam supor um conhecimento direto do «círculo interno» da Ordem. Viveu alguns anos em Praga – República Tcheca, onde foi médico do imperador Rudolfo II que lhe concedeu o título nobiliárquico de Pfalzgraf — Conde palatino — e o nomeou Secretário Privado Real. Os estudiosos de Maier, após exame atento dos seus escritos, observam que ele nunca afirmou objetivamente ter fabricado ouro; tão pouco o afirmaram, de si próprios, Heinrich Khunrath e outros Rosacrucianos. Os tratados destes autores apontam para uma Alquimia altamente simbólica e espiritual, sem dúvida, mais do que para uma Espagíria operativa. Neles detectamos, velada ou desveladamente, quer os nove estágios da transmutação involutiva evolutiva do tríplice corpo do ser humano, da tríplice alma e do tríplice espírito, quer os nove passos ou nove graus da Iniciação dos Mistérios menores da Escola de Mistérios Rosacruzes, equipolentes aos nove passos fulcrais do ministério de três anos de Cristo Jesus na Terra: 1. Batismo; 2. Tentação; 3. Transfiguração; 4. Última Ceia e o Lava-pés; 5. Agonia no Horto; 6. Flagelação e Coroa de Espinhos; 7. Crucificação e Estigmas; 8. Morte e Ressurreição; 9. Ascensão. A principal obra alquímica de Maier é o famoso tratado Atalanta Fugiens, hoc est Emblemata Nova de Secretis Naturae Chymica (1617), que é um livro de emblemas e notáveis gravuras, com comentários filosóficos. Atalanta, logo no frontispício, é submetida à tentação de abandonar a corrida em busca da verdade espiritual, moral e científica, dando uma lição de perseverança e de pureza de intenções ao alquimista espiritual. Maier ensina subtilmente uma filosofia mística, religiosa e alquímica, por meio dos símbolos e dos emblemas do seu livro, cada um dos quais apresenta um modo de expressão poético, pictórico e musical (FRANCES A. YATES, The Rosicrucian Enlightenment, Londres 1972). Nesse livro se desvenda o significado de vários mitos da Antiguidade clássica, mitos esses que, segundo Maier e outros alquimistas rosacrucianos, teriam um fundo químico oculto: por exemplo, o conhecido enigma de Édipo — qual é o animal com quatro pernas de manhã, duas ao meio-dia e três ao fim da tarde, e uma só voz —, não tem como resposta o homem, mas sim a pedra filosofal. Numa das gravuras da Atlanta Fugiens vê-se em primeiro plano um grupo de três seres: um bebé gatinhando com um retângulo na testa, ou seja, o princípio da força quadrática fundamental da pedra (nigredo), um adulto com uma meia-lua. Também na testa, formada por duas linhas com duas pontas, figurando a pedra lunar branca (albedo), e um velho encurvado com um triângulo na testa e apoiando-se a uma bengala — o triângulo do corpo-alma-espírito, ou seja, a pedra filosofal solar, dotada do poder de tingir e curar (rubedo). Fundamentalmente, tal como já enunciava Paracelso (1493-1541), os hermetistas rosacrucianos defendiam a tese de que a Alquimia, mais do que tentar a transmutação dos metais, deveria antes contribuir para a erradicação das doenças e a mitigação das dores físicas (panaceia universal). Synesius, um alquimista bizantino do século IV, foi um verdadeiro precursor: já definia a Alquimia como uma operação mental, independente da ciência da matéria, cujo objetivo deveria ser a transmutação espiritual e a salvação do ser humano, afirmando, em consequência, que a constituição do elixir (xêrion, o pó) é menos importante do que as incantações que acompanham a sua produção. Esta teoria deu origem a uma nova escola que minimizou a pesquisa experimental, passando a buscar, no interior do ser humano, os segredos e os fins últimos da filosofia alquímica. Assim, o Fogo alquímico, ou melhor, o Fogo Solar, sendo um princípio cósmico e um elemento básico da Criação, é na verdade um princípio espiritual, portanto um dos princípios herméticos fundamentais do Rosacrucianismo. O teósofo e investigador Franz Hartmann (1838-1912) define o Fogo alquímico rosacruciano da seguinte maneira: O Fogo é uma atividade interna cujas manifestações externas são calor e luz. Esta atividade difere em carácter consoante o plano em que se manifesta. No plano espiritual representa o Amor ou o Ódio; no plano astral, o Desejo e a Paixão; no plano físico, a Combustão. O Fogo é o elemento purificador, que no limite se identifica com a essência da Vida. Porém, no livro THEMIS AUREA, hoc est de legibus Fraternitatis R. C., publicado em Frankfurt, em latim, em 1618 — apenas dois anos após a publicação das Núpcias Químicas de Christian Rosenkreuz — que Michael Maier investiga sobretudo as grandes leis que regem a transmutação espiritual. Enunciadas sob a forma de seis sinais de adesão, ou compromissos, a que se obrigavam as Irmãos da Rosacruz. Antes de mais nada — observa Maier na Themis — é mais do que razoável supor que qualquer sociedade, para ser boa, deverá ser governada por leis boas (…). Por outro lado, é importante que alguma coisa se diga acerca do seu número, seis, que muito de perfeição contém em si. Com efeito, o número seis associa-se de imediato ao hexa hemeron bíblico, os seis dias da criação, o número mediador entre o Princípio e a sua Manifestação, além de simbolizar, em quanto hexagrama, a misteriosa síntese do fogo e da água. Estes dois triângulos, entrecruzados, formam o conhecido signo — ou selo — de Salomão, uma estrela de seis pontas que inclui, além do fogo e da água, o ar (triângulo do fogo). Truncado pela base do triângulo da água), e a terra (triângulo da água truncado pela base do triângulo do fogo). O todo é uma verdadeira suma do pensamento hermético, representando o conjunto dos elementos do Universo. Maier reproduz textualmente aquelas seis leis, tal como vêm listadas no primeiro manifesto Rosacruz de 1614, a Fama Fraternitatis: 1. Curar os doentes ou cuidar deles gratuitamente; 2. Não usar hábito próprio à Fraternidade, mas sim e apenas os trajes locais; 3. Apresentar-se todos os anos no dia C. na morada do Sanctus Spiritus, ou comunicar o motivo da ausência; 4. Designar um digno sucessor em previsão de morte; 5. As letras R. C. serão o seu selo, insígnia e sigla; 6. A Fraternidade deve permanecer oculta durante um século. É interessante notar que a primeira, ou seja, a cura dos enfermos gratuitamente (De graça recebestes, de graça daí — Mateus 10, 8) adquire tanto relevo no espírito de Maier, que este lhe dedica nada menos de nove capítulos de comentários na Themis Aurea (capítulos IV a XII), ao passo que as restantes merecem apenas um capítulo cada uma. Assim como os Dez Mandamentos da Antiga Aliança foram sumarizados em dois pelo Cristo do Novo Testamento («Amarás ao teu Deus com todo o teu coração, alma e mente (…), e amarás ao teu próximo como a ti mesmo» — Mateus 22, 37-39), também aquelas seis antigas leis foram sumarizadas em duas pela Nova Escola de Mistérios Rosacruzes: «Curar os enfermos e pregar o Reino de Deus», tal como Cristo ordenou aos Seus apóstolos. O alquimista rosacruciano dispõe do Oratório e do Laboratório, no seu Templo do Espírito, para levar a cabo as operações de transmutação. Por isso se diz, na lei nº 3, que deve apresentar-se todos os anos no dia C, na morada do Sanctus Spiritus; ou seja: no dia do seu Cristo interno, ou do seu íntimo Natal, deve estar perfeitamente consciente do seu verdadeiro estar no templo do Espírito Santo, que é o seu próprio corpo mortificado, acrisolado, e por fim purificado e transfigurado («Não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que está em vós» — 1 Coríntios 6, 19). Do lado do Oratório deve ter a biblioteca, isto é, a teoria e o alimento mental, a oração oculta, ou a palavra de razão: — o noûs e o logos; do lado do Laboratório deve ter os instrumentos da prática, o alambique, as retortas, os cadinhos, que é como quem diz, as obras do coração e do serviço desinteressado, não egoísta e amoroso, ou cordial. E é nesta dupla vertente, mental e cordial, que a transmutação alquímica do ser humano, no seu todo, se deve processar. Como referi há pouco, essa transmutação abrange os nove estágios do percurso involutivo evolutivo do tríplice corpo do ser humano, da tríplice alma e do tríplice espírito. No mundo moderno, cava-se uma distância abissal entre a mente e o coração: a mente prepondera, altamente evoluída pela ciência, e só se satisfaz com explicações materialmente demonstráveis, ao passo que o coração nem sempre encontra meios para manifestar o seu poder: as suas intuições são muitas vezes inseguras e erram ao aventurar-se nos mistérios do ser, que a mente esquadrinha de forma tão redutora quão aparentemente sólida e exata. Tanto vale dizer que a «pedra filosofal» do Conhecimento e da Verdade será alcançada quando a mente e o coração se unirem harmoniosamente, aperfeiçoando-se e cooperando mutuamente até que o ser humano atinja a mais elevada Gnosis e a mais elevada Sophia, isto é, até que esteja em condições de viver a Vida Religiosa em plenitude. Esta operação é descrita pelo rosacruciano MAX HEINDEL (1865-1919) no seu livro clássico The Rosicrucian Cosmo Conception:, e a ênfase que Michael Maier coloca, na Themis Aurea, na eficácia alquímica das energias «curativas» trabalhadas discreta mas sabiamente no oculto, ensina-nos que a panaceia, mais do que um bálsamo físico, ainda que envolto numa teia de simbolismos, é um Mistério sagrado que o Adepto deverá saber buscar no mais completo despojamento de si: Embora os Irmãos [da Rosacruz] possuam as medicinas mais eficazes do mundo, não se vangloriam disso, antes o escondem; talvez os seus pós contenham cinábrio ou alguma outra matéria ligeiríssima, mas produzem seguramente mais efeito do que se pode imaginar. Possuem a Phalaia bem como a Asa de Basílio, o Nepenthes que afasta as mágoas e pesares de Homero e do Trimegisto, o unguento de ouro, a fonte de Júpiter Hammon, que é quente de noite, fria ao meio-dia, e tépida ao nascer e ao pôr do Sol. Desdenham lucros e proveitos e não são seduzidos por altos cargos nem por honrarias; nem desejam de nenhum modo evidenciar-se (…). Submetem-se tranquilamente à proteção divina, não se exibem nem se escondem, mas exercem a sua atividade em silêncio (MICHAEL MAIER, Themis Aurea, cap. VI). Com efeito, (…) é pela Alquimia Espiritual que construiremos o templo do Espírito e conquistaremos o pó donde viemos, qualificando-nos como verdadeiros Mestres Maçons preparados para trabalhar em esferas mais elevadas (MAX HEINDEL, Occult Principles of Health and Healing, Oceanside 1938). Em suma, há de ser dentro de nós próprios que teremos de descobrir, desbravar e percorrer o Caminho da Salvação, e não apenas nesta ou naquela prática, neste ou naquele ritual, neste ou naquele livro por muito sublime e englobante que seja, ainda que se trate do livro dos livros, porque a letra só brilha para quem já preparou os olhos capazes de suportar o brilho da Luz «que já existe e que é tão bela». Como dizia Florentinus de Valentia: «O livro que contém todos os outros está em ti, e em todos os homens». UM TRATADO MUSICAL DE ALQUIMIA – ATALANTA FUGIENS. Em 1618 aparecia em Oppenheim (Renânia) a obra da qual podemos admirar, ainda hoje, o soberbo frontispício: "Atalanta Fugiens", de Miguel Majer. O autor, ou melhor, os autores, uma vez que o editor João Teodoro de Bry é, provavelmente, também, o gravador, nele se declaram poetas, gravadores e músicos. Miguel Majer, nascido em 1568, em Rendsburg (Holstein) e falecido por volta de 1631, era formado em medicina. Entrou para o serviço do Imperador Rodolfo II, em Praga, inicialmente como físico ou médico. Passou depois para secretário particular, par ser, enfim, elevado à dignidade de conde do conselho Imperial (conde palatino). Era alquimista e rosacruciano. João Teodoro de Bry, nascido em Liége, em 1561, era filho do gravador e editor com o mesmo nome. Retomou, quando da morte do pai, as atividades profissionais deste. Pertencia à religião reformada. A obra de Majer e de Bry é um autêntico tratado de ocultismo em cinquenta "emblemas esotéricos". Cada "emblema" comporta três elementos: um epigrama, breve poema alegórico em latim, acompanhado da sua tradução em alemão; uma gravura simbólica e uma "fuga" a três vozes, escrita sobre os dois primeiros versos do epigrama. Um título indica a significação geral de cada emblema. Cada um deles transpõe um mito antigo, conferindo-lhe uma ressonância alquímica. O ponto de partida, ilustrado no frontispício, tem por base a lenda da deusa Atalanta (também chamada Ártemis e mesmo Diana, pelos Gregos e Rom anos). Podemos seguir a sua aventura no enquadramento do título: à esquerda, no Jardim das Hespérides (as três ninfas no alto da gravura, são Aegle, Aeretusa e Hespertusa), guardado pelo dragão de sete cabeças (igualmente em cima), Hércules apossa-se dos frutos de ouro. Três deles caem nas mãos de Afrodite (Vénus) que, mortificada pela feroz castidade de Atalanta, os entrega ao belo Hipomanes com a missão de a seduzir. Hipomenes, conhecendo o estratagema pelo qual Atalanta se livrava dos pretendentes, resolver enganá-la. Atalanta impunha-lhes uma prova de corrida. Se o pretendente a vencesse, teria direito a desposá-la. Caso contrário, teria a cabeça decepada - o que sempre acontecia, uma vez que Atalanta era mais leve e mais veloz do que qualquer mortal. Hipomenes colocou-se entre os concorrentes. No momento da prova atirou os três frutos de ouro para a frente de Atalanta. Esta, curiosa, ou um tanto cúpida, abaixou-se para os examinar e recolher e, com isto, perdeu algumas passadas, o que bastou para que Hipomenes a vencesse (em baixo, à esquerda da gravura). A união consumou-se num templo consagrado a Zeus ou a Deméter (em baixo, à direita). Irritado por semelhante ato de profanação, o deus (ou a deusa), transformou-os respectivamente em leão e leoa (em baixo, à direita). As gravuras e o sentido geral dos "emblemas" foram admiravelmente analisados e explicados por J. Van Lennep. As fugas musicais permanecem mais misteriosas e demandariam um longo e minucioso estudo. Todavia, um exame sumário talvez não seja desprovido de interesse. Vejamos a fuga número 1, aqui transcrita em notação moderna. Não se trata de uma "fuga" como a entendem os tratados clássicos em uso nos conservatórios. Apenas as duas vozes superiores são tratadas em cânon, mas à quarta inferior. A voz mais grave é tratada em cantus firmus ou teneure. A voz mais aguda, no sentido em que a entendiam os teóricos do século XVII, isto é, a "fugida". Representa, normalmente, Atalanta fugitiva, como o indica o compositor: Atalanta seu vox fugiens. A Segunda voz, que e segue em cânon rigoroso na Quarta grave, personaliza Hipomenes. O cantus firmus, enfim, todo em valores longos, representa os frutos atirados a Atalanta. Atalanta (primeira voz) representa o Mercúrio volátil (ou a Lua); Hipomenes (Segunda voz) o enxofre ativo ou o sol alquímico. A terceira voz representa os frutos de ouro, frutos da imortalidade, mas também o símbolo do conhecimento. Essas curtas peças musicais, cuja realização necessita, por vezes, de uma douta exegese contrapontística, não são, longe disso, obras-primas. Neles descobrem-se (conforme o exemplo acima) imperícias, na verdade erros que um estudante de conservatório, mesmo nos nossos dias, renegaria com horror. Pode-se questionar a respeito da utilização que dela pretendia fazer os seus autores. O texto preliminar teria uma função equivalente à dos corais de Lutero: "serem lidas, meditadas, compreendidas, julgadas, cantadas e ouvidas". Isso constituiria um método para gravar na memória do adepto o primeiro dístico essencial de cada poema que comenta a gravura correspondente. J. Van Lennep lembra-nos que o Imperador Rodolfo II (em Praga), bem como o duque Vicente de Gonzaga (em Mântua), ambos alquimistas experientes, eram, para os músicos, mecenas esclarecidos e generosos. Ambos possuíam uma prestigiosa capela de música. O primeiro protegeu - entre outros - o compositor flamengo Filipe de Monte (1521-1603), e o segundo financiou o Orfeu, de Cláudio Monteverdi (1567-1643), cujo simbolismo foi, por certo, amplamente inspirado pelo comanditário. J. Van Lennep adianta ainda que a música servia para dissipar a melancolia saturnina, que se apoderava dos alquimistas durante as longas noites de vigília diante do forno. Imagina-as então enganando a espera, cantando as "fugas" da Atalanta Fugiens. Supõe ainda que tais "fugas" também foram cantadas pelos membros da Fraternidade Rosacruz, a que Majer pertencia e que outorgava à música extrema importância. www.fraternidaderosacruz.org. Abraço. Davi

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