Confucionismo.
www.rl.art.br. CONFÚCIO – OS ANALECTOS. I.
INTRODUÇÃO. Apesar de sua imensa importância na tradição chinesa, poucas das
informações sobre Confúcio são de fato comprovadas. O texto canônico sobre sua
vida é a biografia que integra a obra de Ssu-ma Ch’ien Shih chi (Arquivos
históricos), concluída no início do século 1 AC., mas nessa época tantas lendas
já pairavam ao redor da figura do sábio que pouca certeza se pode ter em
relação a qualquer um desses acontecimentos que não são confirmados por fontes
anteriores e independentes. Sendo esse o caso, podemos considerar confiáveis
apenas o que é possível concluir a partir do próprio Lun yü – conhecido como Os
analectos de Confúcio – e do Tso chuan (O comentário Zuo dos Anais do Período
de Primavera e Outono. Os textos de Mêncio podem ser usados como uma fonte
suplementar. Os fatos são escassos. Diz-se que Confúcio descendia de uma
família nobre no reino de Sung. Nos primeiros anos do século 8 AC., um dos
ancestrais de Confúcio morreu quando o duque de Sung, que era seu superior, foi
assassinado. Seus descendentes fugiram para o reino de Lu e se estabeleceram na
cidade de Tsou. No Tso chuan do décimo ano do duque Hsiang, está registrado que
um tal de Shu He de Tsou teria segurado o portão da muralha com as próprias
mãos enquanto seus amigos fugiam. O Shih chi, entretanto, dá o seu nome como
Shu Liang He e acrescentou ainda a informação de que ele era o pai de Confúcio.
Sobre a mãe de Confúcio, nada de certo se sabe. K’ung Ch’iu ou K’ung Chung-ni
[Kong Fuzi], comumente conhecido no Ocidente como Confúcio, ou Confucius,
nasceu em 552 ou 551 AC. e ficou órfão muito cedo. Da sua juventude pouco se
sabe, exceto que era pobre e que gostava de estudar. Ele disse: “Eu era de
origem humilde quando jovem. É por isso que tenho várias habilidades manuais”
(Livro IX.6), e “Aos quinze anos, dediquei-me de coração a aprender” (Livro
II.4). No ano 517 AC., o duque Chao de Lu teve de fugir do reino depois de uma
malfadada tentativa de enfrentar a família Chi na guerra. É provável que tenha
sido por essa época, quando tinha 35 anos, que Confúcio foi para Ch’i. Se ele o
fez, logo voltou a Lu. Foi na época do duque Ting, de Lu (por volta de 509 AC
494) que ele se tornou o chefe de polícia de Lu. Durante a sua gestão,
aconteceram dois eventos que estão registrados no Tso chuan. Primeiro, ele
acompanhou o duque em uma reunião com o duque Ching de Ch’i e obteve uma
vitória diplomática. Segundo, ele foi responsável pela desistência de se
destruir a principal cidade de cada uma das três poderosas famílias nobres. Foi
provavelmente no ano de 497 AC. que Confúcio deixou o reino, ou o Reino, de Lu,
para só retornar treze anos depois. Um relato é dado em Os analectos sobre por
que ele deixou Lu: “Os homens de Ch’i enviaram de presente moças cantoras e
dançarinas. Chi Huan Tzu aceitou-as e não foi à corte durante três dias.
Confúcio foi embora” (XVIII.4). No Mencius, entretanto, um relato diferente é
feito. “Confúcio era o chefe de polícia de Lu, mas não lhe foi dada uma parte
sequer da carne do animal sacrificado. Ele abandonou o reino sem sequer tirar o
chapéu cerimonial.” O comentário de Mêncio foi: “Aqueles que não o entenderam
pensaram que ele agia de tal forma por causa da carne, mas aqueles que o
entenderam perceberam que ele partiu porque Lu não soube observar os ritos
devidamente”. Como Mêncio provavelmente tinha razão em pensar que Confúcio
partira com algum pretexto claro, não precisamos ficar surpresos se não há
consenso sobre qual era esse pretexto. Confúcio primeiro foi para Wei e,
durante os anos seguintes, visitou vários outros reinos, oferecendo conselhos
aos senhores feudais. Sem lograr êxito, voltou para Wei em 489 AC. Não é
possível determinar quanto tempo Confúcio ficou em cada reino, já que as poucas
evidências que existem a respeito tendem a ser conflitantes. Confúcio
finalmente retornou para Lu em 484 AC., quando contava já 68 anos. Dando-se por
fim conta de que não havia esperanças de conseguir colocar suas ideias em
prática, ele devotou o resto de sua vida ao ensino. Seus últimos anos foram
entristecidos primeiro pela morte do seu filho, depois pela morte do seu
discípulo favorito, Yen Hui, ainda muito jovem. Confúcio faleceu em 479 AC. Mas
nos concentremos nos ensinamentos de Confúcio. Filósofos interessados no campo
da moral geralmente podem ser divididos em dois tipos: aqueles que se
interessam pela essência moral e aqueles que se interessam pelos atos morais.
Confúcio com certeza tem mais a dizer sobre a essência moral do que sobre atos
morais, mas isso não significa que a correção dos atos seja, em última
instância, desimportante dentro da sua filosofia. Mas significa, sim, que em
qualquer apreciação da filosofia de Confúcio é razoável começar com suas visões
sobre a essência da moralidade. Antes que comecemos a ver o que Confúcio tem a
dizer sobre a essência moral, é conveniente, antes de mais nada, falar sobre
dois conceitos que já eram correntes na época de Confúcio: o Caminho (tao) e a
virtude (te). A importância que Confúcio atribuía ao Caminho pode ser percebida
na seguinte observação: “Não viveu em vão aquele que morre no dia em que
descobre o Caminho” (IV.8). Usado nesse sentido, o termo “Caminho” parece
cobrir a soma total de verdades sobre o universo e sobre o homem; e não apenas
do indivíduo, mas também do Estado diz que possui ou não o Caminho. Como se
trata de algo que pode ser transmitido de professor para discípulo, é
necessariamente algo que pode ser colocado em palavras. Entretanto, há um outro
sentido, ligeiramente diferente, no qual o termo é usado. O Caminho é dito,
também, como sendo o caminho de alguém, por exemplo, “os caminhos dos antigos
reis” (I.12), “o caminho do rei Wen e do rei Wu” (XIX.22), ou “o caminho do
Mestre” (IV.15). Quando for esse o caso, “caminho” naturalmente pode apenas ser
tomado como algo que significa o caminho seguido pela pessoa em questão. Já o
“Caminho”, escolas de pensamento rivais declaravam tê-lo descoberto, mesmo que
aquilo que cada escola dizia ter descoberto se mostrasse uma coisa diferente da
outra. O Caminho, então, é um termo altamente subjetivo e se aproxima muito do
termo “verdade”, tal como é encontrado nas escrituras filosóficas e religiosas
do Ocidente. Parece haver poucas dúvidas de que a palavra te, virtude, seja uma
palavra homófona à palavra te, “conseguir” . Virtude é uma bênção que o homem
recebe do Céu [5] . A palavra era usada nesse sentido quando Confúcio, mediante
um atentado à sua vida, disse: “O Céu é o autor da virtude que há em mim”
(VII.23), mas o uso da palavra nesse sentido é raro em Os analectos. Na época
de Confúcio, o termo provavelmente já tinha se tornado uma palavra carregada de
significado moral. Trata-se de algo que alguém cultiva e que permite a tal
pessoa governar bem um reino. Uma das coisas que causava preocupação a Confúcio
era, de acordo com ele próprio, seu fracasso em cultivar a própria virtude
(VII.3). Ele também disse que, se um homem guiasse o povo por meio da virtude,
o povo não apenas reformaria a si próprio como desenvolveria um sentimento de
vergonha (II.3). Tanto o Caminho quanto a virtude eram conceitos correntes
antes de Confúcio e, na época dele, já tinham, provavelmente, uma certa aura.
Ambos, de alguma forma, originam-se do Céu. É talvez por essa razão que, embora
ele tenha dito poucas coisas concretas e específicas sobre qualquer um desses
conceitos, Confúcio, ainda assim, atribuiu a eles grande importância no seu
modo de ver o mundo. Ele disse: “Aplico meu coração no caminho, baseio-me na
virtude, confio na benevolência para apoio e encontro entretenimento nas artes”
(VII.6). Benevolência é algo cujo alcance depende totalmente de nossos próprios
esforços, mas virtude é, em parte, um presente do Céu. Por trás da busca de
Confúcio da essência ideal da moral, subjaz o não falado e, portanto,
inquestionável pressuposto de que o único objetivo que um homem pode ter e
também a única coisa válida que pode fazer é tornar-se um homem tão bom quanto
possível. Isso é algo que tem de ser perseguido somente pelo próprio valor intrínseco
e com completa indiferença quanto ao sucesso ou fracasso. Diferentemente de
mestres religiosos, Confúcio não podia pregar nenhuma esperança de recompensa,
neste mundo ou no outro. No que tange à vida após a morte, a atitude de
Confúcio pode, na melhor das hipóteses, ser descrita como agnóstica. Quando
Tzu-lu perguntou como os deuses e os espíritos deveriam ser servidos, o Mestre
respondeu que, como ele não era apto a servir os homens, como poderia ele
servir os espíritos? E quando então Tzu-lu perguntou sobre a morte, o Mestre
respondeu que, como não compreendia a vida, como poderia entender a morte?
(XI.12). Isso mostra, no mínimo, uma relutância da parte de Confúcio em se
comprometer com o assunto da existência após a morte. Embora sem dar aos homens
qualquer segurança de uma vida após a morte, Confúcio, entretanto, fez deles
grandes exigências morais. Ele disse do cavalheiro de valor e do homem
benevolente que “ao mesmo tempo em que é inconcebível que eles busquem
permanecer vivos graças à benevolência, pode acontecer que tenham de aceitar a
morte para conseguirem realizar a benevolência” (XV.9). Quando tais exigências
são feitas a homens, pouco surpreende que um dos discípulos de Confúcio tenha
considerado que o fardo de um Cavalheiro “é pesado, e sua estrada, longa”, pois
o fardo dele é a benevolência, e a estrada só chegava ao fim com a morte
(VIII.7). Se um homem não pode ter certeza sobre uma recompensa após a morte,
tampouco pode ter certeza sobre o sucesso das ações morais da sua vida. O porteiro
do Portão de Pedra perguntou a Tzu-lu, “o K’ung que continua perseguindo um
objetivo que ele sabe ser impossível?” (XIV.38). Em outra ocasião, depois de um
encontro com um preso, Tzu-lu foi levado a apontar: “O cavalheiro aceita um
cargo oficial para cumprir seu dever. Quanto a colocar o Caminho em prática,
ele sabe o tempo todo que é uma causa perdida” (XVIII.7). Já que, ao ser um
ente moral, um homem não pode estar seguro de uma recompensa nem pode ter
garantia de sucesso, a moralidade é algo a ser perseguido por ela mesma. Essa
é, talvez, a mensagem mais fundamental dos ensinamentos de Confúcio, uma
mensagem que diferenciou os seus ensinamentos daqueles de outras escolas de
pensamento da China antiga. Para Confúcio, não há apenas um tipo de caráter ideal,
mas uma variedade deles. O mais alto é o sábio (sheng jeng). Esse ideal é tão
alto que quase nunca se realiza. Confúcio alegava que ele próprio não era um
sábio e dizia que nunca havia visto tal homem. Ele disse: “Como posso me
considerar um sábio ou um homem benevolente?” (VII.26). A única vez que ele
indicou o tipo de homem que mereceria o adjetivo foi quando Tzu-kung lhe
perguntou: “Se houvesse um homem que desse generosamente ao povo e trouxesse
auxílio às multidões, o que você pensaria dele? Ele poderia ser considerado
benevolente?” A resposta de Confúcio foi: “Nesse caso não se trata mais de
benevolência. Se precisa descrever tal homem, sábio é, talvez, a palavra
adequada” (VI.30). Mais abaixo na escala estão o homem bom (shan jen) e o homem
completo (ch’eng jen). Mesmo o homem bom Confúcio alegava não ter visto, mas o
termo “homem bom” parece se aplicar essencialmente a homens responsáveis pelo
governo, como quando ele disse, por exemplo: “Como é verdadeiro o ditado que
diz que depois que um reino foi governado durante cem anos por bons homens é
possível vencer a crueldade e acabar com a matança!” (XIII.11) e “Depois que um
homem bom educou o povo por sete anos, aí então eles estarão prontos para pegar
em armas” (XIII.29). Na única ocasião em que lhe perguntaram sobre o caminho do
homem bom, a resposta de Confúcio foi um tanto obscura (XI.20). Quanto ao homem
completo, ele é descrito em termos que não lhe são exclusivos. Ele, “à vista de
uma vantagem a ser obtida, lembra-se do que é certo” e “em face do perigo, está
pronto para dar a própria vida” (XIV.12). Termos similares são utilizados para
descrever o Cavalheiro (XIX.1). Não há dúvida, entretanto, que o tipo de
caráter moralmente ideal para Confúcio é o chün tzu (cavalheiro), conforme é
discutido em mais de oitenta capítulos em Os analectos. Chün tzu e hsio jen
(pequeno homem) são termos correlativos e contrastantes. O primeiro é usado
para homens de autoridade, enquanto o último aplica-se aos homens que são
governados. Em Os analectos, entretanto, chün tzu e hsiao jen são termos
essencialmente morais. O chün tzu é o homem com uma moral cultivada, enquanto
hsiao jen é o oposto. Vale a pena acrescentar que os dois usos, indicando o
status social e moral, não são exclusivos e, em casos específicos, é difícil
ter certeza se, além das conotações morais, esses termos também não podem
carregar sua conotação social comum. Como o cavalheiro é o caráter moral ideal,
não se deve esperar que um homem possa se tornar um cavalheiro sem muito
trabalho ou cultivo, como os chineses dizem. Há um considerável número de
virtudes que um cavalheiro deve ter, e a essência dessas virtudes é
frequentemente resumida em um preceito. Para ter uma total compreensão do
caráter moral de um cavalheiro, precisamos olhar detalhadamente para as
variadas virtudes que ele precisa possuir. Benevolência (jen) é a qualidade
moral mais importante que um homem pode ter. Embora o uso desse termo não tenha
sido uma inovação de Confúcio, é quase certo que a complexidade de seu conteúdo
e a preeminência que atingia entre outras qualidades morais sejam devidas a
Confúcio. A ideia de que é a qualidade moral que um cavalheiro precisa possuir
fica claro no seguinte provérbio: Se o cavalheiro abandona a benevolência, de
que modo pode ele construir um nome para si? Um cavalheiro nunca abandona a
benevolência, nem mesmo pelo pouco tempo que demora para se comer uma refeição.
Se ele se apressa e tropeça, pode-se ter certeza de que é na benevolência que
ele o faz (IV.5). Em alguns contextos “o cavalheiro” e “o homem benevolente”
são termos quase intercambiáveis. Por exemplo, é dito que “o cavalheiro é livre
de preocupações e medos” (XII.4), enquanto em outra passagem é do homem
benevolente que se diz que não tem preocupações (IX.29, XIV.28). Como a benevolência
é um conceito tão central, naturalmente espera-se que Confúcio tenha muito a
dizer a respeito. Quanto a isso, as expectativas são cumpridas. Em nada menos
do que seis ocasiões Confúcio respondeu perguntas diretas sobre benevolência,
e, como Confúcio tinha o hábito de formular suas respostas levando em
consideração as necessidades específicas da pessoa que fazia a pergunta, essas
respostas, tomadas em conjunto, nos fornecem um quadro razoavelmente completo.
O ponto essencial sobre a benevolência é encontrado na resposta de Confúcio
para Chung-kung: Não imponha aos outros aquilo que você não deseja para si
próprio. (XII.2) Essas palavras foram repetidas em outra ocasião. Tzu-kung
perguntou: “Existe uma palavra que possa ser um guia de conduta durante toda a
vida de alguém?”. O Mestre disse: “Talvez, a palavra shu. Não imponha aos
outros aquilo que você não deseja para si próprio”. (XV.24) Considerando as
duas frases conjuntamente, podemos ver que shu é parte da benevolência e, como
tal, é de grande importância nos ensinamentos de Confúcio. Isso é confirmado
por uma frase de Tseng Tzu. À observação do Mestre de que apenas um fio
amarrava o seu caminho, Tseng Tzu acrescentou a explicação: “O caminho do
Mestre consiste em chung e shu. Isso é tudo” (IV. 15). Há outra frase que é, na
verdade, também sobre shu. Em resposta a uma pergunta de Tzu-kung, Confúcio
disse: Mas, por outro lado, um homem benevolente ajuda os outros a firmarem sua
atitude do mesmo modo que ele próprio deseja firmar a sua e conduz os outros a
isso do mesmo modo que ele próprio deseja chegar lá. A capacidade de tomar o
que está ao alcance da mão como parâmetro pode ser considerado o método da
benevolência. (VI.30) Daí podemos ver que shu é o método de descobrir aquilo
que os outros desejam ou não desejam que seja feito para eles. O método
consiste em tomar a si mesmo – “aquilo que está ao alcance da mão” – como uma
analogia e se perguntar sobre o que gostaríamos ou não, caso estivéssemos no
lugar do outro. Shu, entretanto, não pode ser toda a benevolência, já que se
trata apenas do método de aplicação. Tendo descoberto o que a outra pessoa
desejaria ou não, fazer aquilo que pensamos que a pessoa desejaria ou evitar
fazer à pessoa aquilo que acreditamos que ela não desejaria depende de algo mais
do que o shu. Como o caminho do Mestre consiste de chung e shu, em chung temos
o outro componente da benevolência. Chung é fazer o melhor de que alguém é
capaz, é dar o melhor de si, e é por meio do chung que uma pessoa põe em
prática aquilo que descobriu pelo método de shu. Tseng Tzu disse em outra
ocasião, “Todos os dias, examino a mim mesmo sob três aspectos” e, desses, o
primeiro é: “Naquilo que fiz pelo bem-estar do outro, falhei em ser chung?”
(I.4). Outra vez, quando questionado sobre como um ministro deveria servir seu
governante, a resposta de Confúcio foi a de que ele “deveria servir seu
governante com chung” (III.19). Finalmente, também é dito que ao tratar com os
outros uma pessoa deveria ser chung (XIII.19). Em todos esses casos, não resta
absolutamente nenhuma dúvida de que chung significa “dar o melhor de si”. Outra
resposta que Confúcio deu a uma pergunta sobre a benevolência foi “Ame seus
semelhantes” (XII.22). Como ele não elaborou o pensamento, o significado não é
muito claro. Mas felizmente ele usou essa frase novamente em duas outras
ocasiões. Em I.5 ele disse: “Ao governar um reino com mil carruagens (...)
evite gastos excessivos e ame os seus semelhantes; empregue o trabalho do povo
apenas nas épocas certas”. Outra vez, o Mestre, segundo Tzuy u, disse: “o
cavalheiro instruído no Caminho ama seus semelhantes e que os homens vulgares
instruídos no Caminho são fáceis de serem comandados” (XVII.4). No primeiro
caso, o amor pelo semelhante (jen) é contrastado com o emprego das pessoas comuns
(min) nas estações corretas, enquanto no segundo caso o cavalheiro que ama seus
semelhantes é contrastado com o homem vulgar que é fácil de ser comandado. Se
lembrarmos que “homem vulgar” provavelmente não era a mesma coisa que “pessoa
comum” ou “povo”, não podemos eliminar a possibilidade de que, quando Confúcio
definiu benevolência em termos de amar o seu semelhante, ele não tinha em mente
as pessoas comuns. Mesmo se for esse o caso, não é tão estranho quanto parece à
primeira vista, e, para ver a questão em perspectiva, devemos primeiramente dar
uma olhada nas bases do sistema moral de Confúcio. Confúcio tinha uma profunda
admiração pelo duque de Chou, que, como regente dos primeiros anos do reino de
seu jovem sobrinho, rei Ch’eng, foi o arquiteto do sistema feudal Chou, uns
quinhentos anos antes da época de Confúcio. Não é objetivo desta introdução
discutir em detalhes a influência do duque na sociedade chinesa e no sistema
político chinês. Basta simplesmente chamar a atenção para a sua mais importante
contribuição, o sistema de herança de clãs conhecido como tsung fa. Sob esse
sistema, a sucessão passa da esposa principal ao filho mais velho. Filhos mais
jovens ou filhos de concubinas tornam-se fundadores de seu próprio clã. De modo
que os senhores feudais têm uma dupla relação com o rei. Em termos de relações
políticas, são vassalos, ao passo que em termos de laços sanguíneos são a
cabeça de uma ramificação do clã real. Obrigações políticas têm sua raiz nas
obrigações familiares. O sistema social fundado pelo duque de Chou provou sua
solidez com a durabilidade da dinastia Chou. Seguindo os passos do duque de
Chou, Confúcio fez do amor natural e das obrigações entre membros da família a
base da moralidade. As duas relações mais importantes dentro da família são
aquelas entre pai e filho e entre irmão mais velho e irmão mais novo. O amor
que alguém dedica aos seus pais é hsiao, enquanto o respeito devido ao irmão
mais velho é t’i. Se um homem é um bom filho e um bom irmão em casa, pode-se
esperar que se comporte bem em sociedade. Tzu-yu disse: É raro um homem que é
bom como filho (hsiao) e obediente (t’i) como jovem ter a inclinação de
transgredir contra seus superiores; não se sabe de alguém que, não tendo tal
tendência, tenha iniciado uma rebelião. (I.2) Ele continua até formular a
conclusão lógica de que “ser um filho bom e um jovem obediente é, talvez, a
raiz do caráter de um homem”. No confucionismo posterior, foi dada ênfase
indevida quanto à necessidade de ser um bom filho, mas podemos ver aqui que mesmo
nos primeiros ensinamentos do confucionismo hsiao era uma das mais básicas
virtudes. Se um bom filho faz um bom súdito, um bom pai também fará um bom
governante. O amor de um homem pelas pessoas externas à sua casa é visto como
uma extensão do amor do homem pelos membros da sua família. Uma consequência
dessa visão é que o amor, e portanto a obrigação de amar, diminui gradualmente
conforme se projeta para fora da família. Geograficamente, uma pessoa amará os
membros da sua família mais do que a seus vizinhos; amará a seus vizinhos mais
do que àqueles que são meros habitantes da mesma aldeia, e daí por diante.
Socialmente, uma pessoa ama os membros da sua própria classe social mais do que
os de outras classes. De modo que não seria de surpreender se a benevolência
ficasse confinada aos semelhantes dessa pessoa (jen); mas o que é mais
importante lembrar é que isso não significa que essa pessoa não ame as pessoas
comuns. Ela as ama, mas em um grau mais baixo e, talvez, de uma maneira
diferente. Na terminologia de Confúcio, uma pessoa deveria ser generosa (hui)
para com as pessoas comuns (V.16). Trata-se de fazer jus à atitude de Confúcio
para com as obrigações. Nossas obrigações para com os outros deveriam ter a
mesma proporção que o benefício que deles recebemos. Parece ser esse o caso
mesmo entre pais e filhos. Ao comentar sobre Tsai Yü, que queria abreviar o
período de luto de três anos, Confúcio disse: “Não foram dados a Yü três anos
de amor por parte de seus pais?” (XVII. 21). Isso pode significar que a observância
do período de luto de três anos é, de alguma forma, uma retribuição do amor
recebido dos pais nos primeiros anos da vida de uma pessoa. Se é esse o caso,
não é difícil enxergar por que as obrigações que temos para com as outras
pessoas também deveriam ter a proporção da proximidade das nossas relações com
elas. Quanto à questão de como um governante deveria tratar as pessoas comuns,
é um tópico ao qual voltaremos. A respeito da natureza da benevolência, há uma
outra resposta dada por Confúcio que é de grande importância porque a pergunta
lhe foi colocada pelo seu discípulo mais talentoso. Yen Yüan perguntou sobre a
benevolência. O Mestre disse: “Voltar-se à observância dos ritos sobrepondo-se
ao indivíduo constitui a benevolência. Se por um único dia um homem puder
retornar à observância dos ritos ao sobrepor-se a si mesmo, então todo o
Império o consideraria benevolente. Entretanto, a prática da benevolência
depende inteiramente da pessoa, e não dos outros”. (XII.1) Há dois pontos nessa
definição de benevolência que merecem atenção. Primeiro, benevolência consiste
em superar o eu. Segundo, para ser benevolente uma pessoa precisa retornar à
observância dos ritos. Consideremos primeiro o primeiro ponto. É uma crença
central dos ensinamentos de Confúcio de que ser moral não tem nada a ver com
interesses próprios. Para ser mais preciso, dizer que duas coisas nada têm a
ver uma com a outra é dizer que não há absolutamente nenhuma relação entre
elas, seja positiva ou negativa. Se ser moral nada tem a ver com buscar os
próprios interesses, tampouco tem a ver com deliberadamente ir contra os
próprios interesses. Por que, então – podemos perguntar –, é tão importante
enfatizar a ausência de relação entre os dois? A resposta é a seguinte: de
todas as coisas que podem distorcer o julgamento moral de um homem e desviá-lo
de seus objetivos morais, o interesse próprio é a mais forte, a mais
persistente e a mais insidiosa. Confúcio tinha plena consciência disso. Foi por
isso que ele disse, mais de uma vez, que, à vista de uma vantagem a ser obtida,
uma pessoa deveria pensar naquilo que é direito (XIV.12, XVI.10 e XIX.1). Em
outro contexto, ele advertiu homens idosos quanto aos perigos da ganância
(XVI.7). Ele também perguntou: “É realmente possível trabalhar lado a lado com
um homem mau ao serviço de um senhor? Antes que ele consiga o que quer, ele se
preocupa com a possibilidade de não consegui-lo. Depois de consegui-lo, ele se
preocupa com a possibilidade de perdê-lo, e, quando isso acontecer, nada o
deterá” (XVII.15). Confúcio chegou à conclusão de que não se conformaria com
uma riqueza ou posição não-merecidas, apesar de serem coisas desejáveis (IV.5).
O ponto sobre retornar à observância dos ritos é igualmente importante. Os
ritos (li) eram um corpo de regras que governavam as ações de todos os aspectos
da vida e eram o repositório dos ideais passados sobre a moralidade. É,
portanto, importante que uma pessoa os observe, a não ser que haja fortes
razões para o contrário. Embora não exista garantia de que a observância desses
ritos leve necessariamente ao comportamento adequado, é provável que, de fato,
assim aconteça. Voltaremos a esse ponto. Por enquanto, basta dizer que Confúcio
tinha um grande respeito pelo corpo de regras que recebiam o nome de li. É por
isso que, quando Yen Yüan o pressionou por mais detalhes, foi-lhe dito para não
olhar ou ouvir, falar ou se mover, a não ser de acordo com os ritos (XII.1).
Isso, no ponto de vista de Confúcio, não era tarefa fácil, tanto que “se por um
único dia um homem puder retornar à observância dos ritos ao sobrepor-se a si
mesmo, então todo o Império o considerará benevolente”. Há duas ocasiões em que
são dadas respostas que enfatizam outro aspecto da benevolência. Quando Fan
Ch’ih perguntou sobre benevolência, o Mestre disse: “O homem benevolente colhe
o benefício apenas após vencer as dificuldades” (VI.22). Do mesmo modo, quando
Ssu-ma Niu perguntou sobre benevolência, o Mestre disse: “A marca do homem
benevolente é que ele reluta em falar”, e então seguiu explicando: “Quando agir
é difícil, causa alguma surpresa que alguém relute em falar?” (XII.3). Que ele
considerava a benevolência algo difícil de ser atingido pode ser deduzido da
sua relutância em dizer que qualquer pessoa fosse benevolente. Ele não se
comprometeu quando questionado se Tzu-lu, Jan Ch’iu e Kung-hsi Ch’ih eram
benevolentes (V.8). Tampouco admitiu que Ling Yin Tzu-wen ou Ch’en Wen Tzu
fossem benevolentes (V.19). E se recusou a reclamar benevolência para si
próprio (VII.32). Isso não é nada mais do que se poderia esperar de um homem
modesto. Entretanto, ele disse de Yen Yüan: “em seu coração, Hui pode praticar
a benevolência durante três meses ininterruptos” enquanto “os outros atingem a
benevolência meramente por ataques repentinos” (VI.7). Essa ênfase na dificuldade
de praticar a benevolência encontra eco, conforme vimos, em Tseng Tzu, que
descreveu a benevolência como “um fardo pesado” (VII.7). Mas embora Confúcio
tenha dado ênfase à dificuldade de praticar a benevolência, ele também deixou
absolutamente claro que ter ou não êxito quanto a isso depende inteiramente de
nós. Conforme já vimos, ele disse, em resposta à pergunta de Yen Yüan, que “a
prática da benevolência depende inteiramente da própria pessoa, e não dos
outros” (XII.1). Ele tinha muito claro que o fracasso de praticar a
benevolência não era devido à falta de força de vontade. Ele disse: “Existe um
homem que, pelo período de um só dia, seja capaz de dedicar toda a sua força à
benevolência? Nunca conheci um homem cuja força seja insuficiente para essa
tarefa. Deve haver casos de força insuficiente, mas simplesmente não os
encontrei” (IV.6). Assim, quando Jan Ch’iu pediu desculpas ao dizer “Não é que
eu não esteja satisfeito com o Caminho do Mestre, mas me faltam forças”, o
comentário de Confúcio foi: “Um homem a quem faltam forças entra em colapso ao
longo do trajeto. Mas você desiste antes de começar” (VI.12). Confúcio declarou
sua convicção de modo definitivo quando disse: “A benevolência é realmente algo
tão distante? Tão logo a desejo e ela está aqui” (VII.30). Nas linhas das Odes
As flores da cerejeira, Como ondulam no ar! Não é que eu não pense em você, Mas
sua casa fica tão longe. Confúcio comentou: “Ele não a amava de verdade. Se
amasse, não existiria algo como “longe demais” (IX.31). Ele deve ter feito tal
comentário tendo em mente sua possível aplicação quanto à benevolência. Além da
benevolência, há várias outras virtudes que se esperam de um cavalheiro, e
devemos discutir pelo menos as mais importantes delas. Há duas virtudes que são
frequentemente mencionadas junto com a benevolência. São a sabedoria ou
inteligência (chih) e a coragem (yung). Por exemplo. Confúcio disse: “O homem
sábio nunca fica indeciso; o homem benevolente nunca fica aflito; o homem
corajoso nunca tem medo” (IX.29), e “Os cavalheiros têm sempre três princípios
em mente, nenhum dos quais consegui seguir: O homem benevolente nunca fica
aflito; o homem sábio nunca fica indeciso; o homem corajoso nunca tem medo”
(XIV.28). Um homem sábio nunca fica indeciso no seu julgamento sobre o certo e
o errado. Um homem que não é sábio, entretanto, pode facilmente confundir o
hipócrita pelo genuíno. Isso pode acontecer com casos extremos em que a
aplicação de uma regra ou uma definição se torna incerta, particularmente na
esfera da moral. Peguemos um exemplo concreto. Quando um governante dá à sua
concubina os mesmos privilégios da sua consorte, ou dá ao seu filho mais novo o
mesmo privilégio que ao herdeiro, a dúvida implanta-se na cabeça das pessoas.
Para todas as aparências externas, a concubina torna-se indistinguível da
consorte, ou o filho mais novo do herdeiro. É necessário um homem de sabedoria
para compreender e não ficar perplexo com tal fenômeno. Outro atributo do homem
sábio é que ele conhece os homens. Em outras palavras, ele é bom ao julgar o
caráter das pessoas. Na visão chinesa, o fator mais importante que contribui
para a dificuldade de prever o futuro reside na natureza imprevisível do homem.
Assim, o estudo do homem de caráter, no qual reside a única esperança de
conseguir algum grau de controle sobre eventos futuros, foi considerado uma
questão de vital importância para o governante, já que a presente assim como a
futura estabilidade do reino frequentemente dependiam da sua escolha de
ministros. Esse tipo de estudo do caráter humano, que se tornaria, a partir da
dinastia Han do Leste, uma das maiores preocupações dos pensadores chineses, já
tinha grande importância na época de Confúcio. Assim, quando Fan Ch’ih
perguntou sobre sabedoria, o Mestre disse: “Conheça os homens” (XII.22). Mas
pode a sabedoria ser adquirida? É verdade, disse Confúcio, que “aqueles que
nascem com conhecimento são os mais elevados. A seguir vêm aqueles que atingem
o conhecimento por meio do estudo. A seguir vêm aqueles que se voltam para o
estudo depois de terem passado por dificuldades. No nível mais baixo estão as
pessoas comuns, por não fazerem esforço algum para estudar mesmo depois de
terem passado por dificuldades” (XVI.9), mas ele não reclamou para si lugar
entre aqueles nascidos com conhecimento. Na verdade, ele explicitamente
rejeitou essa possibilidade ao dizer “não nasci com conhecimento, mas, por
gostar do que é antigo, apressei-me em buscá-lo” (VII.20). Mais tarde, ele
falou o seguinte sobre si próprio: “Faço amplo uso de meus ouvidos e sigo o que
é bom daquilo que ouvi; faço amplo uso dos meus olhos e retenho na minha mente
o que vi” (VII.28). Aparentemente ele não admitiu que alguém efetivamente
tivesse nascido com conhecimento. Tudo o que fez foi deixar aberta a
possibilidade de existir, de fato, esse tipo de pessoa. A julgar pela enorme
ênfase que deu ao ato de aprender, o que importava para ele era o fato de ser
possível adquirir conhecimento por meio do aprendizado. Aprender é, para ele,
um processo que jamais pode ser finalizado. Como Tzuhsia disse, “Um homem pode,
de fato, ser considerado alguém que gosta de aprender se é consciente, ao longo
de um dia, sobre aquilo que ele não sabe e se nunca esquece, ao longo de um
mês, aquilo que ele já dominou” (XIX. 5). De fato, de acordo com Confúcio,
“Merece ser um professor o homem que descobre o novo ao refrescar na sua mente
aquilo que ele já conhece” (II.11). A coisa mais importante em nossa atitude em
relação ao conhecimento é sermos honestos conosco. Confúcio disse para Tzu-lu:
“Yu, vou lhe contar o que há para saber. Dizer que você sabe quando você sabe,
e dizer que você não sabe quando não sabe: isso é conhecimento” (II.17). Em
outra ocasião, quando Tzu-lu sugeriu algo que Confúcio considerou um comentário
impertinente, ele o admoestou, dizendo: “Espera-se que um cavalheiro não
ofereça nenhuma opinião sobre aquilo que desconhece” (XIII.3). De sua parte,
Confúcio nunca propôs nada que não fosse fundamentado em conhecimento:
“Existem, presumivelmente, homens que inovam sem possuir conhecimento, mas essa
é uma falha que não tenho” (VII.28). Essa atitude responsável para com o
conhecimento é ainda mais importante para o professor. Um dos aspectos sob os
quais Tseng Tzu se examinava diariamente era: “Ensinei aos outros algo que eu
próprio não tenha experimentado?” (I.4). Coragem era considerada uma das
maiores virtudes. Isso fica claro no seguinte comentário, atribuído a Confúcio
no Chung yung: “Sabedoria, benevolência e coragem, essas três são virtudes
universalmente reconhecidas no Império”. [13]. Em Os analectos, a atitude de
Confúcio em relação à coragem é, de fato, muito mais crítica. É verdade,
trata-se de uma virtude indispensável em um cavalheiro se ele deve cumprir seus
objetivos, porque ele tem de perseguir tais propostas destemidamente, e apenas
“o homem corajoso nunca tem medo” (IX.29, XIV.28). “Não fazer o que é certo”,
de acordo com Confúcio, “demonstra falta de coragem” (II.24). Por isso,
Confúcio disse: “Um homem benevolente com certeza é corajoso”, porém ele
acrescenta imediatamente, “mas um homem corajoso não necessariamente é
benevolente” (XIV.4). A coragem é, de fato, uma faca de dois gumes. Nas mãos
dos bons, é um meio para a realização da bondade, mas nas mãos dos maus, é
igualmente um meio para a realização da maldade. Para colocar isso de forma
mais clara, nem a extrema bondade nem a extrema maldade podem ser realizadas
por homens sem coragem. Confúcio mostrou que tinha plena consciência disso. Ele
disse: “A menos que um homem tenha o espírito dos ritos (...) ao ter coragem ele
vai se tornar indisciplinado” (VIII.2). Em outra ocasião, ele diz sobre o
cavalheiro: “Ele detesta aqueles a quem, embora possuam coragem, falta o
espírito dos ritos” (XVII.24). Igualmente, “A insatisfação com a pobreza levará
um homem de índole corajosa a um comportamento indisciplinado” (VIII.10). A
coragem, para ser uma virtude, precisa estar a serviço da moralidade. Assim,
quando questionado se o cavalheiro considerava coragem uma qualidade suprema,
Confúcio respondeu: “Para o cavalheiro, é a moralidade que é suprema. Com
coragem mas desprovido de moralidade, um cavalheiro causará problemas, ao passo
que um homem vulgar se tornará um bandido” (XVII.23). Restam duas virtudes a
serem abordadas. Primeiro, há hsin. É um conceito que não tem equivalente exato
em inglês [ou em português]. Ser hsin é ter palavra. Uma parte importante disso
tem a ver, é claro, com a capacidade de manter a palavra empenhada. Mas quando
Confúcio fala de ser hsin nas palavras (I.7, XIII.20, XV.6), ele quer dizer
mais do que isso. Ser hsin com as palavras se aplica a todas as palavras de uma
pessoa. Refere-se, além de promessas, a resoluções sobre ações futuras, ou
mesmo a simples constatações de fatos. Não levar adiante uma resolução é
fracassar em ser hsin; fazer uma constatação que não é comprovada por fatos –
sejam eles fatos presentes ou futuros – também significa fracasso em ser hsin.
Nesse sentido, Confúcio frequentemente opõe os termos yen (palavra) e hsing
(ação). Se a ação de alguém não corresponde à palavra de alguém, significa
fracasso em ser hsin. Daí a importância de cuidar para que vivamos de acordo
com as nossas palavras. “O cavalheiro tem vergonha de que suas palavras sejam
mais ambiciosas que suas ações” (XIV.27) e “Promessas feitas imodestamente são
difíceis de cumprir” (XIV.20). Portanto, “na Antiguidade, os homens relutavam
em falar. Isso porque consideravam vergonhoso se não conseguissem ser fiéis às
suas palavras” (IV.22). A medida mais segura a tomar é nunca fazer nenhuma
declaração antes de agir. Assim, o cavalheiro “coloca suas palavras em ação e
só então permite que as palavras sigam a ação” (II.13). O conselho de Confúcio
é que um homem deve ser rápido ao agir e lento ao falar (I.14, IV.24). Sobre
hsin, há um capítulo que é particularmente interessante. Yu Tzu disse: “Ser
coerente com as próprias palavras (hsin) é ter moral, no sentido de que isso
faz com que as palavras dessa pessoa possam ser repetidas” (I.13). A tragédia
do menino que gritou “lobo!” é que quando ele repetiu o grito ninguém o levou a
sério, porque ele não havia sido hsin nas ocasiões anteriores. Ter palavra é
algo muito próximo de se ter moral, precisamente por causa desse aspecto de se
ter palavra, e era para esse aspecto que Yu Tzu queria chamar a nossa atenção.
Livro Confúcio – Os Analectos. www.rl.art.br.
Abraço. Davi.
Grato Sr. Davi.
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