Judaísmo. www.morasha.com.br. O MILAGROSO E O
MUNDANO. Shemá Israel, Hashem Elokenu, Hashem Echad! (Ouve, ó Israel, o Eterno
é NOSSO D’US, o Eterno é Um! Um dos conceitos fundamentais da Cabalá é o da
criação contínua; a dizer, D'us está continuamente recriando o universo e tudo
o que contém, caso contrário, toda a existência cessaria instantaneamente de existir.
(Ver A Unicidade de D'us, edição nº 60). Isto porque, segundo explica o Zohar,
o Livro do Esplendor, D'us originalmente criou toda a existência do nada. O
homem, por outro lado, verdadeiramente jamais cria algo; ele meramente toma
algo já existente e o transforma em outro algo. Um artesão pode valer-se de um
pedaço de prata e com ele fazer um belo copo. Não pode, no entanto, alegar que
inventou o copo. Apenas o moldou a partir de algo pré-existente - a prata. Por
outro lado, quando D'us se dispôs a criar o universo, nada existia além de Sua
Presença, portanto, não tinha nada para transformar. Ele, o Todo Poderoso, e
exclusivamente Ele, criou tudo do nada. Na experiência humana, os fenômenos que têm alguma
semelhança com o ato de criar algo do nada são os pensamentos e a fala do
homem: em nossa mente e com nossas palavras podemos criar histórias e
personagens. Esta analogia não é perfeita, pois mesmo a imaginação e a fala
exigem algo anterior - um organismo vivo em funcionamento. Mas esta analogia
serve para ilustrar que algo que é criado do nada precisa ser continuamente
recriado. Um objeto que foi criado a partir de algo físico pode existir
independentemente de seu criador, mas as criações que não foram constituídas de
algo pré-existente, como as palavras e os pensamentos, dependem continuamente
de seu criador. Se um narrador para de contar uma história, a história chega ao
fim. Se a pessoa pensa em uma história e para de pensar na mesma, esta deixa,
imediatamente, de existir. E se nunca for escrita, nem voltar a ser imaginada
na mente, a história cairá no esquecimento, como se jamais tivesse existido. Se D'us tivesse algo com o qual criar
o universo - se Ele fosse como um artesão que apenas transformasse o mundo a
partir de algo preexistente - a existência, em teoria, conseguiria sustentar-se
sem o Seu ativo envolvimento. Mas, como Ele iniciou sua obra a partir do zero e
como o mundo é produto do pensamento e da fala Divina, Ele precisa
constantemente recriar toda a existência. Transformar o inexistente em
existente significa que este algo existente, que acaba de ser criado, parece
ser algo apenas porque está sendo sustentado por uma fonte externa. Assim
sendo, se D'us tivesse que parar de recriar toda a existência - se cessassem as
Expressões Divinas criadoras do universo - tudo o que existe voltaria a
inexistir, voltaria ao nada, como uma história que subitamente para de ser
narrada ou um pensamento esquecido em algum canto da memória. Se D'us parasse
de recriar o universo por uma fração, a mais ínfima possível, de tempo, o
universo desapareceria no mesmo instante, tal qual uma lâmpada que é desligada. Isto significa que todo o universo é
totalmente dependente de D'us e de Sua Vontade. E tudo o que existe e ocorre é
produto da Vontade Divina e uma consequência da Divina Providência. É D'us quem
ordena o giro das galáxias, a queda das chuvas, o brilho do sol, o batimento
dos corações, o funcionamento de nosso cérebro. Nada existiria e nada ocorreria
não fosse seu envolvimento. A existência de cada um dos elementos da criação,
da maior galáxia à mais ínfima partícula atômica, depende de D'us, sempre.
Portanto, Ele não é simplesmente o Criador e o Doador da Vida; Ele é a própria
Vida. Por essa razão, em nossas orações, há frequentes referências a D'us como
sendo Chei HaOlamim - a Vida dos Mundos. Mas, é irônico que enquanto D'us está
constantemente recriando o universo, Ele, que é sua única Origem, sua própria
Vida, precisa ocultar Sua Presença. Mas D'us sabe como age. Ele se oculta
porque se fosse revelar Sua Luz Infinita, nosso mundo finito ficaria
completamente anulado. Vejamos uma analogia ilustrativa. Se um litro de vinho
for derramado no oceano, o vinho deixará de existir como entidade individual,
pois depois de ser diluído em um corpo d'água infinitamente maior, perderá as
características que o diferenciavam. Esta analogia até fica aquém da realidade,
pois por maior que seja o oceano, ele não deixa de ser finito, ao passo que
D'us é o Infinito. Portanto, a única forma de se perceber o mundo que existe
dentro de D'us é se a Luz Infinita estiver oculta de tal maneira que seja mesmo
possível duvidar da existência daquele que é Criador, Sustentador e Regente de
todo este universo. Há ainda outra
razão para a Ocultação Divina. Se sentíssemos constantemente a Sua Presença,
perderíamos o nosso livre arbítrio. E seria frustrado o propósito em si da
existência humana, que é saber escolher o certo face ao errado. Ficaríamos como
os anjos ou como robôs de carne e osso, totalmente subjugados por um Ser
infinitamente superior. As Leis da
Natureza. Em uma discussão sobre a razão pela qual D'us não interfere com mais
vigor nas questões do mundo como forma de evitar que as pessoas pequem, o
Talmud responde que o Criador deseja que sua criação funcione pela ordem
natural das coisas. A expressão usada no Talmud é Olam ke min'hagó noheg - o
mundo se comporta segundo seu costume. O uso desta expressão, no Talmud, para discutir a
ordem natural do cotidiano do mundo nos ensina que as leis da natureza não são,
de fato, leis; são usos e costumes - a forma como as coisas funcionam
geralmente - mas nem sempre. Assim como o Talmud, a moderna Ciência prefere,
também, falar em teorias ao invés de leis. O conhecimento científico é baseado na observação e
experimentação direta: trata de probabilidades, não de certezas, pois admite a
ocorrência ocasional de anomalias, que são os eventos inexplicáveis que
desafiam até as mais básicas leis da natureza. Tais anomalias são evidência de
que, no mundo, nada é 100% certo e que o improvável e mesmo o impossível às
vezes acontecem. A isso, costumamos chamar de "milagre". Há uma concepção errônea de que o
mundo é dirigido por leis naturais e que tais anomalias, tais milagres, ocorrem
quando D'us interfere no mundo. Não há verdade alguma nisso. Pois, como vimos
acima, D'us está constantemente recriando toda a existência. Cada ocorrência é
um ato de D'us. O mundo não se move no piloto automático. O sol não brilha por
si só; mas porque D'us o está constantemente recriando e ordenando que brilhe.
Isto se aplica a todos os fenômenos. Cada uma das ocorrências, desde a mais
mundana até a mais extraordinária, é produto da Divina Providência e de Sua
Vontade. Uma pergunta: se
todos os fenômenos são atos de D'us, por que então Ele teria criado as leis da
natureza? Na verdade, por que o mundo opera com tanta regularidade,
aparentemente por si só, ao ponto de levar alguns a negar o seu Criador e
Regente? Uma resposta seria: se não houvesse leis na natureza, os habitantes do
mundo não teriam como funcionar adequadamente. O que aconteceria se a lei da
gravidade não funcionasse sempre ou se o ano não fosse dividido em estações do
ano? O que aconteceria se a água, às vezes, entrasse em ebulição à temperatura
de 10ºC? O mundo seria caótico e acabaria por se autodestruir. Apenas porque
D'us conduz o Seu mundo através das assim-chamadas "leis da natureza"
é que o mundo funciona relativamente bem. Vivemos nossa vida e fazemos planos
para o futuro porque esperamos que o mundo continue a funcionar da forma
correta. Esperamos que o sol continue a brilhar; que nosso planeta não colida
com outro corpo celestial e seja destruído. Ou seja, esperamos que Aquele que
rege o mundo continue a fazê-lo. O fato de haver tal ordem e regularidade no
mundo é a maior prova de que D'us não apenas criou, mas também rege o universo.
Todos os milagres já realizados perdem o viço diante as maravilhas da Criação
física. A natureza, como
nos indica o Talmud, é o hábito do mundo. É a maneira pela qual D'us faz operar
Sua Criação. Os fenômenos que testemunhamos regularmente - a forma como tudo
sói acontecer no mundo - são o que chamamos de "eventos naturais".
Como temos o hábito de diariamente ver o sol nascer, nós o aceitamos como algo
corriqueiro, líquido e certo; nenhum de nós vai dormir preocupado que talvez o
sol deixe de nascer na manhã seguinte. No entanto, quando testemunhamos algo
singular, altamente improvável, a isso chamamos de "milagre". Na
realidade, como ensinou o Baal Shem Tov (1698-1760), a diferença entre um
evento natural e um milagre é sua frequência. Ambos são manifestações do
contínuo envolvimento Divino; a única diferença genuína que pode ser feita
entre ambos é seu índice de ocorrência. A divisão do Mar de Juncos foi um
milagre porque ocorreu naquele momento - tivesse ocorrido um dia mais tarde, os
judeus teriam sido capturados pelo exército egípcio. Mas como fenômeno, não se
pode dizer que tenha sido um milagre maior do que o fato de o sol brilhar. A
diferença que há entre os dois fenômenos é que o Mar de Juncos se partiu uma
única vez, enquanto que o sol brilha ininterruptamente. Mas, e se o mar se
partisse diariamente? Ainda o consideraríamos um milagre? E se o sol
subitamente escurecesse e, após muito rogo e oração, voltasse a brilhar? A
partir de então, o consideraríamos um milagre? A definição do que é milagroso e do que é mundano é
um dos pontos do Shemá Israel. Nesta afirmação fundamental da fé judaica,
declaramos: "Ouve, ó Israel, Hashem (o Eterno) é Elokenu (nosso D'us),
Hashem é Um". Sem grandes interpretações, trata-se de uma declaração que
parece redundante, que diz, basicamente, que o Eterno é nosso D'us e que Ele é
Único. Mas, de redundante a frase não tem absolutamente nada. Nossos Sábios
explicam que o Shemá é o segredo para entendermos D'us e seu mundo. O nome de
D'us que é usado nesta afirmação de fé judaica - aqui no texto substituído pela
palavra Hashem, o Nome, pois é proibido pronunciar Seu Nome Sagrado fora da
oração - é traduzido, geralmente, pela palavra "Eterno" e revela D'us
na forma em que Ele transcende o mundo; esse Nome é associado a Seu Atributo de
Misericórdia. O segundo Nome Divino no Shemá (traduzido neste texto como
Elokim, mas cuja forma correta, durante as orações, é escrita com a letra h no
lugar do k), que é simplesmente traduzido como "D'us", é uma revelação
Divina da forma como Ele existe no mundo; este Nome é associado a Seu Atributo
da Justiça. Os Sábios chamam a atenção para o fato de que o nome Elokim é
numericamente equivalente à palavra HaTeva - Natureza. Isto indica que quando
D'us age com justiça, quando age segundo as leis da natureza, Ele se está
ocultando para se manifestar a nós como Elokim. Mas, quando age com
misericórdia, quando permite que as leis da natureza sejam dobradas ou
rompidas, de certa forma Ele está levantando o véu de Sua ocultação e agindo
como O Eterno. O Shemá é o axioma da Unicidade Divina: é a declaração de que
Hashem é Elokim - que o Eterno que opera milagres é o mesmo D'us que está por
trás de qualquer fenômeno ou ocorrência natural. D'us ser Uno significa que não
há dicotomia entre o milagroso e o mundano, entre Hashem e Elokim. Esse D'us
que faz o sol brilhar é o mesmo D'us que separou as águas do Mar de Juncos. O
que diferencia uma manifestação da outra - ou seja, um evento natural de um
milagre - é o fato de D'us agir com misericórdia ou com justiça. Quanto maior a
necessidade de se quebrar uma lei da natureza, maior a necessidade de que D'us
aja como Hashem, não como Elokim. Esta é, pois, a razão pela qual nossas
orações são tão importantes: porque estamos pedindo ao Todo Poderoso que aja
conosco guiado por Seu Atributo de Misericórdia. O Shemá Israel representa o âmago do judaísmo
porque nos ensina que D'us está em todas as partes, em todas as coisas, em
todas as ocorrências. Se D'us está presente na natureza e, simultaneamente
transcende o mundo, isto explica por que não vivemos passivamente, esperando
que D'us faça tudo por nós. Seria muito lógico perguntar: se o mundo é regido
unicamente por D'us, qual a necessidade, então, de fazermos algo? Por que
devemos trabalhar ou ir ao médico? Por que não passar nossos dias louvando a
D'us, deixando-O assumir todas as nossas necessidades? A essa pergunta
responderíamos: ficar inativo equivaleria a negar que D'us está presente em
toda a parte. Quem não vai ao médico quando necessita, na verdade está
afirmando que D'us está na sinagoga, não no consultório do médico; e Sua
Providência e Sua Vontade não estão presentes nos medicamentos que tomamos. De
modo similar, aquele que não trabalha está demonstrando que D'us não é encontrado
no trabalho e que Sua Providência não se estende ao mundo do trabalho, seja na
cidade ou no campo, seja nas operações financeiras ou nas colheitas. Essas
pessoas acreditam que D'us está nos Céus e não na Terra. Crêem apenas em D'us
quando manifestado como Hashem, não como Elokim. Há, também, o outro lado da moeda: a crença de que
o mundo é governado unicamente pelas leis da natureza - que o que determina o
nosso sucesso é resultado de nossos esforços e nossa capacidade, não de D'us,
pois as preces e as boas ações não influenciam o bem-estar material de ninguém.
Pensar e agir desta forma equivale a negar que D'us é o Eterno, Aquele que pode
fazer mudar o curso natural dos eventos de modo a nos beneficiar. Equivale a
alegar que o mundo é conduzido pelas leis da natureza e que D'us não pode nem
escolhe interferir na vida deles. Aqueles que assim acreditam também restringem
D'us aos Céus por acreditar que aqui, na Terra, estamos por nossa própria conta
e risco; e que cabe à lei natural ou ao acaso a determinação de tudo o que aqui
ocorre. Quem realmente tem
fé vive segundo a mensagem do Shemá - de que D'us é Um; que Hashem é Elokenu e
que Elokenu é Hashem. O judaísmo proclama que D'us não é apenas encontrado na
sinagoga, mas também nos consultórios e nos mercados. O judaísmo ordena que
aquele que sofre procure um médico e aceite o medicamento, porque D'us
geralmente opera segundo as leis da natureza - que Ele cria e recria, sem
parar. Mas, acreditar que apenas o médico e o medicamento curem, sem rogar pela
Misericórdia Divina, equivale a afirmar que o Divino não está envolvido em
nosso mundo. No judaísmo, chegamos a D'us por meio de canais materiais e
espirituais. Aqueles que negam algum dos Atributos de D'us - que confiam
unicamente no físico ou no metafísico - estão limitando o Seu Poder. A
abordagem judaica à vida, como o afirmou um sábio, é: "Ora como se tudo
dependesse de D'us e age como se tudo dependesse de ti". O propósito dos
milagres. O Talmud nos conta
a seguinte passagem: Rabi Shimon bar Yochai foi, certa vez, a uma casa de
estudos e encontrou alunos no escuro, sem poder estudar a Torá. Perguntou por
que não tinham acendido velas, ao que eles responderam que não tinham óleo, só
vinagre. Rabi Shimon lhes instruiu, então, a colocar os pavios no vinagre e acendê-los.
Intrigados, os alunos responderam que como aquele não era um líquido
inflamável, não entraria em combustão. Rabi Shimon respondeu: "Aquele que
ordenou que o óleo queimasse, fará com que o mesmo ocorra com o vinagre".
E o Talmud relata que exatamente esta foi a reação que se viu. É mais uma história dos milagres
realizados pelo Rabi Shimon bar Yochai, pai da Cabalá e autor do Zohar, o Livro
do Esplendor. Mas, ao fazer o relato, o Talmud tem como objetivo mostrar que as
leis da natureza não são inflexíveis nem inquebráveis. D'us geralmente ordena
que o óleo queime e, o vinagre, não. Mas Ele pode mudar esta regra, temporária
ou permanentemente, se assim o quiser. Assim sendo, quando o Rabi Shimon pede a
D'us que altere temporáriamente Sua regra para que o vinagre arda e seus alunos
possam estudar a Sua Torá, D'us prontamente aquiesce, ordenando que assim
fosse. Este relato define
os milagres segundo o judaísmo. Estes ocorrem quando D'us age de modo não
habitual. As leis da natureza podem ser comparadas à gramática. Para escrever
com clareza, devem-se usar as regras gramaticais, senão o texto fica
incompreensível. No entanto, às vezes, um bom escritor ou um bom publicitário
rompe com as regras de gramática propositalmente, para chamar a atenção de seus
leitores. O milagre é realizado por D'us com propósito similar. Trata-se da
ruptura de um costume, uma Chamada Divina por atenção. O milagre serve para nos
lembrar que o mundo não funciona por si só e que o metafísico é o que
influencia o físico. Nós, humanos, estamos tão fascinados e mobilizados pelos
milagres, que sempre que vivenciamos um deles, sentimos que é um sinal de que
D'us está pessoalmente atento ao nosso problema, Se preocupa conosco, temos
Alguém a quem pedir ajuda. Em outras palavras, o milagre é um sinal de que não
estamos sós. Na história acima, vemos que a Divina Providência poderia ter
conseguido que alguém levasse óleo à casa de estudos, para não interromper tão
sagrada tarefa. O propósito do milagre do vinagre não foi apenas permitir o
estudo da Torá, mas mostrar aos alunos e a quem ouvisse o relato que é D'us - e
não as leis da natureza - quem governa este mundo. Isto posto, devemos observar que deve
haver uma forte razão para que D'us suspenda as normas por Ele instituídas.
Como ensina o Talmud, não temos permissão de depender de milagres - só em
último caso. Não podemos jogar-nos de um edifício esperando que,
milagrosamente, D'us nos salve; ou não trabalhar e esperar que Ele nos faça
enriquecer. Testar D'us desta maneira é não demonstrar confiança nele, exigindo
que rompa com Suas regras em nosso próprio benefício. Aqueles que creem ser tão
justos e tão merecedores que, para lhes favorecer, D'us dobrará as leis da
natureza, agindo apenas como Hashem (através de Seu Atributo de Misericórdia),
não como Elokim (através de Seu Atributo de Justiça), estão correndo um risco
grande: podem ser surpreendidos com a notícia de que, aos olhos dos Céus, eles
não são tão justos como se julgam, e que, portanto, D'us não romperá com Suas
regras para favorecê-los. Somente um homem da estatura espiritual de um Rabi
Shimon bar Yochai poderia esperar que D'us assim agisse, quando o Rabi assim o
pedisse. Mas, ainda há outra
razão para que D'us não quebre frequentemente as regras da natureza. Esta razão
é que, conforme vimos acima, a existência do mundo - ao menos até que chegue a
Era Messiânica - depende de Sua ocultação. Mesmo quando um milagre é realizado,
este deve deixar uma brecha para a dúvida - e o faz ligando-se, de alguma
maneira, à natureza. O propósito de um milagre é funcionar como uma chamada ao
despertar, mas não pode ser uma Revelação Divina tão óbvia que prive os seres
humanos de seu livre arbítrio. Assim sendo, todos os milagres - mesmo as 10
pragas e a divisão do Mar de Juncos - têm que ter alguma explicação pelas vias
naturais. As explicações científicas dos milagres não desafiam de forma alguma
a Torá; muito pelo contrário. Pois, como no judaísmo a diferença entre um
evento natural e um milagre é a sua frequência, não importa, de fato, como o
Mar foi dividido nem se a Ciência pode ou não explica-lo. No que tange ao
judaísmo, o que acontece no mundo, tanto o natural como o sobrenatural, é um
ato de D'us. Sempre que ocorre um evento improvável, tudo o que é relevante e
aberto a discussões indica em que medida D'us quebrou suas próprias regras. Se
o evento pode ser explicado pelas leis da natureza, isso significa que D'us
agiu consoante com suas regras e decidiu agir da maneira como sempre faz -
secretamente, na ocultação de Sua Presença. Contudo, se ocorre uma anomalia
científica, algo que a Ciência não consegue explicar, isto significa que, por
alguma razão, D'us decidiu dobrar, quiçá mesmo quebrar, Suas regras. O
resultado é que qualquer coisa que ocorre é produto da Vontade Divina. E é por
isso que, na oração da Amidá - o Shemone Esrê, recitada três vezes ao dia,
proclamamos: "Nós Te agradecemos (...) pelos milagres que nos acompanham,
dia-a-dia, e por Tuas contínuas maravilhas e beneficências". D'us está
sempre realizando favores para nós - às vezes através de meios naturais e,
ocasionalmente, sobrenaturais. Um milagre declarado, um evento que rompe com a lei natural, no entanto,
é como um "fracasso" para D'us, pois significa que Ele apenas
realizou o que pretendia, ignorando as normas deste mundo físico. D'us prefere
fazer o tipo de milagres que se misturam perfeitamente com a ordem das coisas
deste mundo - aquelas coisas que revelam o Infinito irrestrito dentro da
natureza do nosso cotidiano. De fato, pode-se argumentar que o evento natural é
ainda mais milagroso do que um sobrenatural. As 10 pragas, a divisão do Mar e
eventos similares celebrados na História judaica demonstram que D'us não está
confinado na natureza e que Ele pode e realmente quebra os costumes que Ele
mesmo instituiu. Mas um evento transvertido de natureza demonstra que D'us não
está vinculado, de forma alguma, nem mesmo pelos confins da lei sobrenatural.
Um evento natural, quando apreciado pelo que verdadeiramente é, demonstra que
D'us está em todas as partes e que Ele não carece do extraordinário para
proclamar a Sua Presença e envolvimento no mundo. Na verdade, é mais fácil
reconhecê-Lo quando algo ocorre e nos chama a atenção. Não é fácil agradecer a
Ele por cada sopro de nossas narinas. Mas viver com D'us significa sentir que
Ele está presente e atuante em toda a parte e a toda hora, até mesmo nos
momentos mais prosaicos de nosso cotidiano. O maior milagre de todos é o fato
de que D'us, Infinito e Todo Poderoso, pode habitar em um mundo finito e que
Ele escolhe estar intimamente envolvido em nossa vida, apesar de sermos
criaturas fracas e limitadas. A percepção de que D'us é encontrado dentro do natural e dentro do
sobrenatural é a pura essência do judaísmo. Concluímos nossas orações diárias
recitando "Alenu le-Shabêach", quando falamos do dia em que toda a
humanidade reconhecerá a Unicidade de D'us. Isto ocorrerá quando todos os seres
humanos puderem entender que o mundo está constantemente sendo recriado e
regido por D'us, não havendo, portanto, diferença alguma entre o milagroso e o
mundano. E isto se dará na Era Messiânica, quando todos nós perceberemos aquilo
que pronunciamos, diariamente, no Shemá: que Hashem Elokenu, Hashem Echad: que
o Eterno é nosso D'us, e o Eterno é Um. www.morasha.com.br.
Abraço. Davi
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