Hare Krishna. www.voltaaosupremo.com.br. Texto de Navina Syama Dasa. AS CORDAS
QUE AMARRAM A TODOS NÓS. A edificação mais embasbacante da Filadélfia é o Museu
de Arte. Um dos maiores museus dos Estados Unidos, se assenta no topo de uma
colina, de frente para o rio Schuylkill, como um monumento grego de colunas
imponentes. Dentro de suas mais de duzentas galerias, encontramos cerca de
225.000 objetos exibindo os talentos criativos de artistas americanos, europeus
e asiáticos surgidos ao longo de milhares de anos. Um ponto alto é a coleção
renomada no mundo inteiro de pinturas do impressionismo francês. Entre as
centenas de peças que constituem a exposição, com destaque para “Álamos”, de
Claude Monet (1840-1926), e “A Montanha de Saint Victoire”, de Paul Cezanne
(1839-1906), podemos apreciar variadas sombras e matizes. Apesar de toda a
variedade visual no museu, seja na galeria impressionista, seja no restante de
suas instalações, tudo isso surge de apenas três cores primárias: amarelo,
vermelho e azul! Assim como é incrível pensar em tamanha complexidade e beleza
vindo dessa simplicidade tripartite, o Senhor KRISHNA chama nossa atenção para
algo ainda mais fantástico na Bhagavad-gita. Ali, Ele explica que todo o universo
é, em última instância, mero produto dos três gunas: sattva, rajas e tamas.
De fato, Srila Prabhupada frequentemente fazia uma analogia ligando as cores
primárias e os enigmáticos gunas: “Originalmente, existem três cores: vermelho, azul e amarelo,
e se você as combinar, tornam-se verde, laranja, rosa e tantas outras cores.
Similarmente, a combinação das três qualidades da natureza material – sattva, rajas e tamas –
criam muitíssimas formas de entidades vivas.” (Do artigo “Manifestação do
Dharma no Ser Humano”) Apresentando o mesmo ponto em uma palestra (Bombaim,
1973), concluiu: “Deste modo, a natureza material é o maior artista”. Assim
como um artista plástico se vale das diferentes cores primárias para produzir
uma obra-prima, o Senhor usa os gunas como uma paleta para a criação universal. Srila Prabhupada
(1896-1977) até mesmo correlacionou amarelo com sattva,
vermelho com rajas, e
azul com tamas,
explicando que essas cores são “representações” dos gunas. E
ele frequentemente descrevia como, quando os três modos “se misturam”, dão
origem a nove diferentes combinações, e quando esses nove se misturam mais uma
vez, produzem 81 combinações, e assim por diante. Os gunas são
um aspecto da realidade descrito somente dentro das tradições religiosas da
Índia (os Três Destinos, da Grécia antiga, sendo uma possível exceção).
Os gunas,
porém, não são um detalhe técnico ou uma sutileza arcana, senão que exercem um
papel central em moldar o mundo como o conhecemos. KRISHNA fala sobre eles ao
longo da Bhagavad-gita, e
toda oração mais extensa do Srimad-Bhagavatam faz menção a eles.
Como se trata de algo tão fundamental e importante, compreendamos melhor o
assunto. Por meio da analogia da pintura, talvez pensemos que os gunas são
os bloquinhos de construção da matéria, mas esse não é exatamente o caso. Em
vez disso, KRISHNA explica na Bhagavad-gita que o mundo material é feito de
terra, água, fogo, ar e éter, bem como mente, inteligência e falso ego.
Os gunas,
na verdade, governam a matéria feita dos oito elementos; são as forças
primordiais que colorem e controlam o cosmos. Algumas das diferentes traduções
para gunas nos
ajudam a esclarecer o escopo e natureza dos mesmos. A palavra mais comum
utilizada por Srila Prabhupada é “modo”. Nesse sentido, os gunasrepresentam
a maneira como a matéria é experienciada e expressa. Outra tradução que ele
dava era “qualidade”. Nesse sentido, os gunas são as três qualidades primárias que, em várias
combinações, dão aos seres vivos sua personalidade e que dão aos objetos
inanimados suas características distintas. Contudo, outra tradução é “corda”.
Nesse sentido, os gunas nos amarram e restringem como percebemos, pensamos e
agimos. Sintomas dos
Gunas. Em última instância, entretanto, o melhor caminho para
entendermos os gunas é
considerarmos seus sintomas. Nos capítulos 14, 17 e 18 da Bhagavad-gita, e
no capítulo 25 do canto 11 do Srimad-Bhagavatam, KRISHNA provê grande
quantidade de ilustrações. Criação e atividade caracterizam rajas.
O deva Brahma
superintende esse guna, e ele é, como se esperaria, o designer do
mundo material, dando forma aos corpos de todas as 8.400.000 espécies de vida.
Srila Prabhupada traduz rajas como “paixão”, denotando a avidez por prazer que
esse guna invariavelmente
incita. Um sujeito influenciado por rajas está sempre trabalhando duro para obter prestígio e
dinheiro, em consequência do que ele inevitavelmente experimenta ansiedade. Em
última instância, portanto, este guna não produz nada além de lamentação. A
razão para tão intenso empenho é o desejo insaciável: Independente de quanto
uma pessoa em rajas obtenha,
permanece insatisfeita e ansiosa por mais. Rajas torna
a pessoa orgulhosa, invejosa e sujeita aos caprichos emocionais da mente. Uma
agitada metrópole é um exemplo de um lugar no modo da paixão, e a comida nesse
modo é excessivamente picante, excessivamente salgada ou excessivamente amarga.
Como o prazer derivado de rajas se baseia no prazer dos sentidos, é efêmero e rapidamente
se torna dor. Sattva se
caracteriza por manutenção e satisfação. O Senhor VISHNU preside esse guna –
deitado em Seu leito/cobra, Ananta Shesha, Ele mantém todo o universo sem
qualquer esforço. Srila Prabhupada traduz sattva como
“bondade”, o que não indica tanto o senso moral da palavra (apesar de retidão
moral certamente ser um subproduto deste modo), mas um senso mais amplo de
integridade. Um sujeito influenciado por sattva-guna vê
todos os seres vivos como partes da mesma natureza espiritual. Aquele que age
no modo da bondade o faz não com a expectativa de uma recompensa ou felicidade
futura, mas simplesmente movido pelo dever. Destituído de desejos egoístas, tal
pessoa jamais se frustra; independente do resultado, continua a atuar com
determinação e entusiasmo. Por fim, essa estabilidade gera sabedoria,
satisfação e simplicidade. Espaços naturais, como florestas, estão no modo da
bondade, e o alimento nesse modo é suculento, rico em gorduras saudáveis e
integral. Visto que a felicidade de sattva é obtida a partir do eu, é preciso um pouco de esforço
inicial para acessá-la, mas, uma vez obtida, confere duradouro destemor. Tamas se
caracteriza por destruição e esquecimento. SHIVA superintende esse guna, e
quando é chegada a hora de o universo ser findado, sua dança catastrófica
coloca em movimento o processo de destruição. Srila Prabhupada traduz tamas como
“ignorância”, e a pessoa sob essa influência é certamente carente de
conhecimento, incapaz de distinguir o certo do errado. Ele se lamenta em
relação ao passado, procrastina os assuntos do presente, e inutilmente fantasia
um futuro. Egoístas, irrefletidos e violentos, tais indivíduos estão fadados à
depressão e, por fim, à insanidade. Lugares escuros e sujos, como botecos com
caça-níqueis, são no modo da ignorância, e a comida nesse modo é velha, insossa
e contaminada. O prazer ilusório que se extrai de tamas tem
suas raízes no sono e na degradação. Deus,
o Mundo, os Gunas e Nós. Agora que temos uma noção do que são
os gunas,
podemos utilizá-los como uma lente filosófica através da qual vemos o universo.
Com base na relação delas com os modos, podemos diferenciar entre as principais
categorias de existência. Comecemos com este mundo. O reino de matéria é um
produto dos três gunas, no sentido de que a tríade determina a forma que ele assume e
como ele opera. Como resultado de seu contato com eles, este mundo passa
continuamente por vários ciclos de existência: desativação, desenvolvimento,
continuidade e, novamente, desativação. E as entidades vivas que habitam este
mundo são similarmente empurradas de um lado a outro pela influência dos gunas.
Contudo, existe outro reino, composto de espírito, e não sujeito aos gunas.
Ou, mais precisamente, um reino que não se sujeita a nenhum vestígio de rajas e tamas.
Em vez disso, existe em um estado conhecido como suddha-sattva,
ou bondade pura e sem adulterações. Assim, o mundo espiritual sempre permanece
à sua própria maneira, e os habitantes do mesmo desfrutam de um estado fixo de
conhecimento pleno e bem-aventurança absoluta. Por fim, há o Senhor. Ele se
situa eternamente além do alcance dos gunas; ao contrário, os gunassão uma exibição de Seu poder, e operam sob Sua supervisão
final. O Senhor assume várias formas dentro do mundo espiritual e, quando é
preciso, Ele também faz seu advento no mundo material. Aqueles que estão
confusos pela influência de rajas e tamas acreditam
que sua forma na Terra e aparentemente humana consiste em matéria e é
controlada pelos gunas. Contudo, aqueles em conhecimento entendem que Deus permanece,
sob todas as condições e a todo momento, o mestre irrivalizável de toda a
existência. Por fim, temos os seres vivos. Como o Senhor, eles originalmente
residem no mundo espiritual, além dos gunas. E eles também podem escolher vir para o mundo material.
Contudo, diferente do Senhor, quando nascem aqui ficam sob o controle dos gunas. A
maioria das almas jamais faz essa escolha fatídica, satisfeitas em permanecer
com o Senhor em Seu reino espiritual. Lá, vivem praticamente no mesmo nível que
Deus, possuidoras de um corpo como o dele, compartilhando da mesma morada, das
mesmas riquezas e assim por diante. Contudo, aqueles que cedem ao interesse de
estarem neste mundo, desconectados de Deus, assumem várias formas de acordo com
os gunas pelos
quais se atraem. Assim como um artista mistura as cores primárias para criar um
tom específico, o Senhor combina os modos para criar um tipo específico de
mente e corpo para cada entidade viva. Essa combinação distinta age como um
filtro colorido sobre a consciência pura da alma, afetando como ela percebe e
age sobre o mundo externo. Dependendo de seus desejos e de suas atividades
anteriores, os seres humanos desenvolvem e expressam diferentes qualidades, com
variadas proporções da paz sublime de sattva, da intensa turbulência de rajas, e
da ilusão sombria de tamas. Até mesmo as várias espécies animais são divididas dessa
maneira, a vaca sendo associada a sattva, o leão sendo associado a rajas, e
o macaco sendo associado a tamas, por exemplo. Conhecimento
Aplicado dos Gunas. Embora esse conhecimento único da teologia
indiana certamente esclareça as várias categorias de existência, nos ajudando a
compreender a relação entre os seres vivos, o mundo e Deus, o conhecimento
dos gunas também
cumpre um fim bem prático. Primeiramente, podemos nos valer desse conhecimento
para decifrar quais gunas nos influenciam como indivíduos. Sou alguém excessivamente
preocupado com conquistas? Cheio de energia e motivação quando o assunto é
alcançar metas pessoais? Em geral, sou tomado de euforia no sucesso e me sinto
arrasado no fracasso? Sou sempre arrastado por um rio incessante de desejos? As
cordas de rajas muito
provavelmente são as cordas que me amarram. Ou sou vítima da preguiça e da
raiva? Um sujeito viciado na diversão proporcionada por entorpecentes? Nesse
caso, certamente sou um prisioneiro de tamas. Quando identificamos a influência desses dois gunas mais
baixos em nossa vida, o próximo passo é alterarmos nossos hábitos nos
esforçando para pensarmos, falarmos e agirmos no modo da bondade, deixando para
trás a ansiedade de rajas e o torpor de tamas. Krishna nos garante que a associação com a qualidade da
bondade nos eleva, e que a prática de agirmos em bondade pode nos ajudar a
recobrarmos nossa posição de estarmos juntos dele no reino espiritual, onde
tudo e todos são saturados de sattva pura. Se, contudo, as tendências inatas
de nossa natureza condicionada parecerem insuperáveis, não precisamos ficar
ansiosos. O renomado orador do Srimad-Bhagavatam, Shukadeva Goswami, nos
informa que servir KRISHNA com um coração cheio de amor é o caminho mais rápido
e mais fácil para cultivarmos a bondade. Na verdade, oferecermo-nos
completamente a Deus é o único meio pelo qual podemos superar os gunas por
completo e nos reinserirmos em nossa condição natural de suddha-sattva, a
bondade sem qualquer mácula de paixão e ignorância. Então, independente de se a
pintura de nossa vida tem as cores de “Flores em um Vaso”, de Monet, ou as
cores de “Paisagem de Pontoise”, de Pissarro, a meta comum de todo ser vivo
neste mundo é tentar trazer um pouco mais de “amarelo” para o quadro. Se nos
esforçarmos, pela causa de agradar KRISHNA, em plena consciência de KRISHNA,
Ele mesmo concluirá a obra, rapidamente inundando a tela de nossa vida com Sua
misericórdia dourada. www.voltaaosupremo.com.br.
Abraço. Davi
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