Islamismo. Monografia de Zuha
Mohd El Hanini. NOÇÃO DE DIREITO ISLÂMICO. Capítulo II. DIREITO DO INDIVÍDUO
SOBRE O ESTADO. No Estado Islâmico, é reservado ao indivíduo um papel tão
importante quanto o Estado, uma vez que ele não é absorvido por este, mas
evolui juntamente buscando o bem estar comum, e trabalhando em prol da
preservação e aplicabilidade correta dos princípios e direitos islâmicos. Não
há conflito entre Estado e indivíduo, exceto quando um destes se desviar do
caminho do Islam que ambos se propuseram a submeterem-se. O indivíduo tem
direitos amplos, uma vez que a função do Estado Islâmico é preservar e aplicar
o disposto pelo Islam. Em suma podemos dizer que: O estado é o meio importante
para o indivíduo ter prazer em desfrutar dos direitos sem a necessidade de o
Estado induzi-lo a esse direto. Como forma de análise e estudo, podemos dividir
os direitos do indivíduo sobre o Estado em duas categorias: os Direitos
Políticos e os Direitos Públicos. Direitos Políticos: Os Direitos Políticos
são: Os direitos que uma pessoa adquire em razão de se tornar membro de uma
organização política, tais como o direito de eleger, nomear, de exercer função
pública no governo, ou os direitos por meio dos quais uma pessoa participa das
decisões e gerência nos assuntos do governo. Vejamos os direitos políticos
contidos no Direito Islâmico: Direito de Eleger o Chefe do Estado (Khalifah):
Aqui vale ressaltar a posição do Chefe de Estado num Estado Islâmico, antes de
explanarmos este direito. O chefe do Estado ou Khalifah é o representante da
comunidade que o elegeu com a finalidade de gerir seus assuntos em conformidade
com a lei islâmica, implantando vários regulamentos dela derivados, ou seja,
trata-se de pessoa delegada, que exerce sua autoridade em nome da comunidade.
Os juristas explicam isso dá seguinte maneira: Aquele sob cuja liderança os
muçulmanos coesos juram fidelidade, tem confirmada a sua condição de Líder e
lhe passa ser obrigatoriamente devida obediência e apoio. Desse modo,
poderíamos dizer que a comunidade num Estado Islâmico é a fonte de poder, mas
aqui ressaltamos que o poder da comunidade é limitada e restrita pelo poder
ilimitado de Deus. A vontade de Deus está prescrita nas Leis por Ele ditadas em
relação tanto ao indivíduo quanto à organização do Estado. Portanto, nem a
comunidade nem o representante tem autoridade ou poder para modificar este
sistema pré-estabelecido, sua autoridade consiste no poder de cumprir com o
sistema estabelecido por Deus. Em outras palavras, podemos afirmar que tanto a
comunidade quanto o Chefe de Estado possuem uma autoridade executiva para a
implantação da Lei Divina e não uma autoridade outorgada para criação e
implantação de um novo código. Portanto, como vimos, o indivíduo como membro da
comunidade, tem o direito e dever de eleger, de forma direta, o Chefe de
Estado, derivando estes de dois princípios ditados pela Lei Islâmica: O
primeiro é o Princípio da Consulta Mútua (Shura): Este princípio é ditado pelo
Alcorão Sagrado, no seguinte versículo “(...) que resolvem seus assuntos em
consenso (...)”. Capítulo 42 versículo 38. Esse versículo deixa claro o fato de
que os assuntos dos muçulmanos devem ser resolvidos através do consenso. Neste
caso específico, esse princípio exige que todos deem sua opinião sobre quem
desejam eleger como Chefe de Estado. O segundo princípio da Responsabilidade
Coletiva de Implantar a Lei Islâmica, segundo este, toda a coletividade é
responsável pela implementação das leis e mandamentos islâmicos e pela condução
de seus assuntos de acordo com essas leis. Essa responsabilidade é reiterada em
todo o Alcorão Sagrado bem como nos ditos do Profeta Muhammad (que a paz esteja
com ele) e nos precedentes históricos. As palavras do Legislador, Deus, são
dirigidas aos muçulmanos como um todo: Ó fieis, sede firmes em observardes a
justiça, atuando de testemunhas, por amor a Deus, ainda que o testemunho seja
contra vós mesmos, contra os vossos pais ou contra os vossos parentes, seja o
acusado rico ou pobre, porque a Deus incumbe protege-lo. Portanto, não sigais
os vossos caprichos, para não serdes injustos; e se falseardes o vosso
testemunho ou vos recusardes a prestá-lo, sabei que Deus está bem inteirado de
tudo quanto fazeis. Alcorão Sagrado capítulo 4 versículo 135. Ó fieis, cumpri
com as vossas obrigações, capítulo 5 e versículo 1. E que surja de vós uma
nação que recomende o bem, dite a retidão e proíba o ilícito. Esta será uma
nação bem aventurada, capítulo 3 e versículo 104. Esses versículos indicam
claramente que se trata de uma responsabilidade tanto individual como coletiva,
mas em diversos casos, o grupo não saberá exercer suas funções enquanto grupo,
por isso vem a questão da delegação do poder a um Chefe do Estado para unificar
o desempenho da autoridade do grupo. Direito de Consulta Mútua: Na verdade o
direito de participar da consulta mútua trata-se de uma extensão do direito de
eleger, refere-se a um direito natural tanto do indivíduo como da comunidade de
ser consultado sobre questões que lhe digam respeito bem como sobre as implementações
quanto às regras que lhe afetarão de algum modo. A consulta mútua não se trata
de mero direito, mas principalmente de uma obrigação individual e coletiva, uma
vez que é um mandamento da lei islâmica, que proíbe a comunidade de se eximir
de tal dever bem como proíbe a sua dispensa ou omissão por parte do Chefe do
Estado, a ponto de ser isso causa justa inclusive para a sua destituição, pois
um governo tirano não tem possibilidade de sobreviver num Estado estabelecido
com base no Islam. Quanto ao texto Alcorânico referente à consulta, está o
seguinte versículo: Portanto, indulta-os, implora o perdão para eles e
consulta-os assuntos (do momento). E quando te decidires encomenda-te a Deus,
porque Deus aprecia aqueles que (a Ele) se encomendam. Alcorão Sagrado capítulo
3 versículo 159. Neste versículo, Deus ordenou ao Profeta Muhammad (que a paz
esteja com ele) aplicar a consulta mútua, sendo este suficiente argumento para
que tal regra seja cumprida pelo Chefe do Estado. O grande jurista islâmico Ibn
Taymiya apud Zaidan afirma: Um governante não pode omitir-se da consulta mútua
uma vez que esta prática foi ordenada por Deus ao Seu próprio Profeta. A
consulta mútua refere-se a assuntos de grande importância a todos, seja
assuntos religiosos como mundanos, a respeito dos quais não haja uma revelação
clara ou ditos do Profeta, bem como exemplos na biografia do Profeta a respeito
do fato em si, ou algo que possa ser utilizado como analogia. Não é necessário
que haja a aplicabilidade desse direito em assuntos nem razoável. Se for um
assunto de grande importância pública e
que afete a toda a comunidade será dever do Chefe de Estado consultar na medida
do possível a comunidade inteira ou somente os representantes desta. Já se for
um assunto que requeira um conhecimento específico ou opinião abalizada, então
será seu dever consultar os especialistas. Al Qurtubi apud Zaidan, grande
especialista na interpretação do Alcorão Sagrado, disse: É dever dos
governantes consultar os sábios sobre assuntos que lhes sejam desconhecidos e
assuntos religiosos que não lhes estiverem claros, os líderes do exército em
assuntos relacionados com a guerra, e aos líderes do povo em assuntos
relacionados com o bem estar do país e seu desenvolvimento. Os juristas
islâmicos afirmam que a qualificação de um consultor em assuntos de religião é
ser pessoa piedosa e sábia quantos aos fundamentos da religião, já quando se
tratar de assuntos mundanos a qualificação do consultor é ser experiente e
sábio quanto à área a ser consultado. Se chegar a ocorrer divergência entre o
Chefe de Estado e os consultores, a solução será a do seguinte versículo do
Alcorão Sagrado: Ó fieis, obedecei a Deus ao Mensageiro e as autoridades,
dentre vós! Se disputardes sobre qualquer questão, recorrei a Deus e ao Mensageiro,
se crerdes em Deus e no Dia do Juízo Final, porque isso vos será preferível, e
de melhor alvitre, parecer, capítulo 4 e versículo 59. Ou seja, se for
encontrada uma regra clara no Alcorão ou na Sunnah , a obediência a estas é
compulsória (obrigatória), tanto a comunidade quanto ao Chefe de Estado, não
sendo permissível a nenhum destes aplicar ou obedecer algo contrário a esta
regra. Caso não haja uma regra clara, será aplicada a opinião que no Alcorão e
na Sunnah corresponder a mais próxima à questão. O Direito de Censura: Como já
vimos, a relação disposta entre o Chefe de Estado Islâmico e a comunidade é
como a relação existente entre o outorgante e o outorgado, portanto, a
comunidade bem como o indivíduo tem o direito de censurar os atos e o comportamento
do Chefe de Estado bem como de seus funcionários, relativos aos assuntos do
Estado. A comunidade tem o direito de fiscalizar a pessoa a quem delegou certos
poderes com o fim de assegurar-se do cumprimento correto de seu mandato. Vale
ressaltar, que o direito à censura só pode ser utilizado como um meio para
alcançar um fim, ou seja, o direito de censurar deve tencionar corrigir o Chefe
de Estado quando este se desvia do caminho correto do Islam no exercício de seu
governo. A primeira maneira de correção é utilizar-se do conselho sincero ao
governante. Em um Hadith autêntico do Profeta Muhammad apud Al Nawawi ele
disse: A religião é o conselho sincero. Os companheiros do Profeta perguntaram:
Para quem? Ele respondeu: Para com Deus, Seu Livro, Seu profeta, para com os
chefes dos muçulmanos, bem como para com os muçulmanos em geral. Se o conselho
sincero não resolver, a comunidade tem o direito de se usar da força necessária
para corrigi-lo e evitar que este cometa injustiças e desonestidade. Temos diversos
exemplos na biografia do Profeta Muhammad, bem como dos primeiros quatro
líderes da nação islâmica quanto a aplicabilidade deste direito, bem como o
chamado dos próprios líderes a que seja censurado caso se desvie dos princípios
islâmicos. Abu Bakr Assidiq, o primeiro Chefe do Estado Islâmico após a morte
do Profeta, ao ser nomeado pelos muçulmanos disse: “Se eu me comportar bem me
apoiem, mas se eu fraquejar corrijam-me”. Já no discurso do segundo Chefe de
Estado, Omar Ibn Al Khatab, este disse: “Aqueles dentre vós que virem algum
erro em mim devem corrigi-lo”. Neste momento alguém da plateia levantou-se e
disse: Por que, se constatarmos em vós algo de desonestidade a corrigiremos com
nossas espadas! Omar respondeu: “Graças a Deus, pois que criou na comunidade de
Muhammad alguém capaz de corrigir Omar com a sua espada”. E disse também Omar
ibn Khatab: O fraco dentre vós é forte perante mim até que lhe seja devolvido o
seu direito e o forte dentre vós é fraco perante mim até que devolva o direito
alheio. Direito de Destituir o Chefe do Estado. A comunidade tem o direito de
destituir o Chefe de Estado se este extrapolar os limites do seu mandato, bem
como dos limites e leis impostas pelo Islam. Como vimos o Chefe do Estado se
obriga perante a comunidade a fazer prevalecer bem como aplicar as leis
contidas no Alcorão Sagrado bem como na Sunnah do Profeta Muhammad, portanto,
uma vez que este se desvie de qualquer um destes, caindo em incredulidade e
apostasia ou violação das regras islâmicas, a comunidade tem o direito de
destituí-lo. Como exemplo disto, temos o Chefe do Estado que se nega a
respeitar o princípio da Consulta Mútua, uma vez que é um princípio estipulado
diretamente pelo Alcorão. Portanto, só poderá haver a destituição desde que
haja fundamento no Direito Islâmico para tal decisão. O Direito à Proteção do
Estado: O fundamento desse direito está em que o Estado Islâmico é uma
sociedade cooperativa, estabelecida numa base de ajuda mútua. Assim, cabe ao
Estado assumir a previdência aos necessitados e aos pobres. O bem estar dos
indivíduos de uma comunidade, em questões materiais, só é possível com a
satisfação de suas necessidades básicas. Quando eles forem incapazes ou
estiverem impossibilitados de fazê-lo, cabe ao Estado proporcionar total
segurança pelo tempo que a carência ou necessidade existir. Por outro lado,
cabe ainda ao Estado facilitar a geração dos meios de trabalho para a obtenção
do sustento do indivíduo, criar empregos e propor projetos para erradicar a
mendicância. Se a geração de empregos assim o exigir, o Estado pode conceder
empréstimos do seu tesouro. Emprestar é melhor do que dar esmolas. Segundo o
jurista Abu Yusuf, “se o proprietário de uma terra arável deixar de cultivá-la
por não ter recursos, então, o erário público lhe proporcionará fundos
suficientes para que ele possa trabalhar a sua terra”. Que Alláh abençoe o
Profeta Muhammad e lhe dê a paz. Abraço. Davi.
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