Budismo. Texto do yogi
Kharishnanda Sarawasti (1922-2001). PREGAÇÃO DO BUDHA. Capítulo Dois. A
ANIQUILAÇÃO. Numa ocasião, muitos cidadãos ilustres se reuniam na Casa do Povo
e elogiavam o Budha, o Dharma e o Sangha. Entre eles se encontrava Simha,
general dos exércitos reais, que pertencia à seita dos Nirgranthas, que dizia
consigo: Verdadeiramente o Bhagavad deve ser o Budha, o Santo. Quero vê-lo.
Simha aproximou-se de Iryataputra, o chefe da seita, e disse-lhe: Senhor,
desejo ir ver o asceta Gautama. Irytaputra respondeu-lhe: Por que você, Simha,
que sabe que as ações dão seus resultados, quer ver o asceta que ensina aos
seus discípulos a doutrina da inação e nega as consequências das ações? Por
isso não teve Simha mais tanto desejo de ir ver Gautama. Porém, como Simha ouvisse
novamente enaltecerem o Budha, o Dharma e o Shanga (comunidade budista), o seu desejo de ir ver o
Bem aventurado foi reavivado, mas também dessa vez Iryataputra o dissuadiu.
Porém, pela terceira vez Simha ouviu elogios a grandeza do Budha, do Dharma e
do Sangha, e pensou: Certamente o asceta Gautama deve ser o santo Budha. Irei
vê-lo mesmo sem o consentimento dos Nirgranthas. Simha foi ver o Bhagavad e
disse-lhe: Senhor, ouvi dizer que o asceta Gautama nega as consequências das
ações e ensina a doutrina da inação, dizendo que as ações dos homens não
recebem recompensas, porque proclama a aniquilação. Responda-me, senhor: é
certo que o senhor ensina que a alma do homem morre e se aniquila? Peço-lhe que
me esclareça se os que dizem tal coisas enganara-se ou levantam falso testemunho.
O Bem aventurado respondeu-lhe. Em parte, ó Simha, dizem a verdade os que assim
falam de mim, mas em outra erram. Ouça-me: eu ensino que não devemos pensar,
falar ou agir mal. Ensino que não devemos consentir com os estados de ânimo ou
com as sinistras disposições. Ensino que nossos pensamentos, palavras e ações
devem ser justos e que devemos estabelecer disposições de ânimo harmônicas.
Ensino, ó Simha, que se tem que aniquilar os maus pensamentos, palavras e
ações, e quem os anula e se livra deles de sorte que jamais rebrotem, aniquila
a personalidade. Prego o aniquilamento do egoísmo da luxúria, do ódio e do
erro, mas não prego o aniquilamento da bondade, da compaixão, do amor e da
verdade. Digo que os maus pensamentos, palavras e ações são abomináveis, e que
a virtude e a verdade merecem louvor. Se alguns ensinam que o nirvana é a
aniquilação da alma, diga-lhes que mentem. Se alguns ensinam que o nirvana é
vida separada, diga-lhes que se enganam, porque ignoram a Verdade; não veem a
luz que brilha através de suas lâmpadas partidas, e não sabem que a felicidade
está fora da existência do tempo e do espaço. Simha respondeu: Resta ainda uma
dúvida na minha mente. O senhor quer dissipá-la de modo que eu possa
compreender o Dharma que ensina? O Senhor Budha consentiu e Simha prosseguiu: Ó
Bhagavad, sou soldado, e por ordem do rei cumpre-me o dever de respeitar a lei
e de combater por ele. Se o Tathágata prega a bondade sem limites, o amor ao
inimigo e a compaixão por todos que sofrem, permitirá castigo para os
criminosos? Acreditarão que não é lícita a guerra para os criminosos?
Acreditarão que não é lícita a guerra para defender nossos lares, nossas
mulheres, nossos filhos e nossas terras? A doutrina da renúncia prescreve que
devemos deixar o malfeitor agir a seu bel prazer, não resistir e deixar que nos
roubem o que nos pertence? Acredita o Tathágata que a guerra é ilícita quando
promovida por uma causa justa? Ao que Budha respondeu: O Tathágata ensina que o
culpado merece castigo, e o digno de favor deve ser favorecido. Porém também
ensina que não deve fazer sofrer nenhum
ser vivente, mas ter o coração cheio de amor e compaixão. Esses dois
ensinamentos não são contraditórios, porque quem recebe castigo pelos seus
crimes não sofre por maldade do juiz e sim em consequência de sua culpa. Suas
más ações lhe acarretaram o mal que lhe impõe o executor da lei. Quando um
magistrado castiga, deve estar livre de todo ódio; e o criminoso condenado à
morte deve considerar que o seu suplício é consequente do seu crime e, se ele
compreende que o castigo lhe purificará a alma, alegrar-se-á da morte. O
Tathágata ensina que é deplorável toda guerra entre os homens, porém não
condena os que guerreiam por uma causa justa, depois de haver esgotado todos os
meios para manter a paz. O causador da guerra merece execração. O Tathágata
ensina a total renúncia à personalidade, porém não ensina que a pessoa se
entregue às potestades sinistras. Deve haver luta entre a individualidade e a
personalidade, pois a luta é a vida terrena; porém, o combatente deve abster-se
de combater contra a verdade e a injustiça, no interesse de sua personalidade.
Aquele que luta pelo interesse egoísta de celebridade, grandeza, poder ou
riqueza, não receberá recompensa; porém, o que combate pela justiça e a
verdade, receberá o galardão, porque será vitorioso, mesmo que sofra alguma
derrota transitória antes do triunfo final. O egoísmo não é o recipiente
adequado para o êxito, porque a personalidade é frágil e pequena. Pelo
contrário, a individualidade é capaz de conter as aspirações nobres de suas
personalidades sucessivas, e quando uma personalidade se rompe como uma bolha
de sabão, o seu conteúdo harmônico se identifica com a individualidade
Universal. Quem vai à guerra, Ó Simha, mesmo por uma causa justa, está exposto
a morrer nas mãos dos inimigos, porque esse é o destino dos guerreiros. Porém,
o vencedor deve pensar na relatividade das coisas humanas. Brilhante pode ser
sua vitória, porém a roda da fortuna pode girar e transformar a vitória em
derrota. No entanto, alcançará eterna vitória se, extinto o ódio em seu
coração, se aproximar do vencido e dizer-lhe: Vem agora, façamos as pazes e
sejamos irmãos. Grande é um general vitorioso, ó Simha, porém maior é quem
vence a sua personalidade. A lei da vitória sobre a personalidade não é pregada
para aniquilar a alma dos homens, e sim para preservá-la. O que venceu a sua
personalidade está mais apto para alcançar o triunfo eterno do que quem
continua escravo da personalidade. Lute, pois, com coragem, ó Simha, e combata
com esforço marcial nas batalhas; porém seja um soldado da verdade e o
Tathágata o abençoará. Simha tornou: Glorioso Senhor. Senhor Gloriosíssimo. O
senhor me revelou a verdade. Magna é a doutrina do Bendito. Certamente o senhor
é o Budha, o bem aventurado, o Santo. É o instrutor da humanidade, que nos
ensina o caminha da libertação. Quem o seguir, terá luz no caminho. Encontrará
paz e santidade. Senhor, eu me refugo no
Bhagavad, na Lei e na sua Ordem. Digne-se a aceitar-me por discípulo até o fim
de meus dias, pois me refúgio no senhor. E o Bem aventurado lhe disse:
Considere antes, ó Simha, o que você vai fazer. Convém que as pessoas de sua
categoria não façam nada sem uma reflexão madura. A fé de Simha aumentou, e ele
disse ao Bem aventurado: Senhor, se outros Mestres conseguissem tornar-me
discípulo deles, levariam em procissão seu estandarte pela cidade de Vaisali,
gritando: Simha, o general dos exércitos do rei, já é nosso discípulo. Pela
segunda vez, eu digo, ó senhor, que me refugo no Budha, no Dharma e no Sangha.
Digne-se a receber-me por discípulo, a partir de hoje é até o fim de meus dias,
porque me refugo no senhor. E o Bhagavad lhe respondeu: Durante muito tempo os
Nirgranthas receberam oferendas em sua casa. É justo que doravante você não
negue sua esmola a eles. Alegre e feliz, Simha replicou: Senhor, eu ouvira
dizer: O asceta Gautama ensina que só a ele e aos seus discípulos deve ser dada
esmola. Porém, o senhor me exorta a que também a dê aos Nirgranthas. Por mais
esse motivo me refúgio no Budha, na Lei e na Ordem. PREGAÇÃO DO BUDHA. Capítulo
cinco. AS INJURIAS. Observando os costumes humanos, o Senhor Budha viu que
muitos males provinham da rapidez com que os vaidosos e egoístas criticavam
tolamente o próximo, e disse aos seus discípulo.: Se um tolo me ofendesse, eu
lhe responderia com amor cordial e sincero. Quanto maior mal me fizesse, maior
bem eu lhe faria. O perfume da bondade estará sempre comigo, e o fétido
(fedorento) alento do mal sopraria contra ele. Um tolo ficou sabendo que Budha
pregava o mandamento do amor que prescreve restituir com o bem o mal recebido,
aproximou-se dele e injuriou-o gravemente. Tornou a injuriá-lo, e quando já não
encontrava palavras para ofendê-lo, o Budha perguntou-lhe: Meu filho, se alguém
recusa o presente que outro lhe oferece, para quem fica o presente? O tolo
respondeu: Para quem o ofereceu. O Budha continuou: Pois bem, meu filho: você
injuriou e eu recuso as suas injúrias. Guarde-as para você. Não serão para você
fonte do mal? Assim como o eco pertence ao som e a forma pertence ao corpo,
também o mal consumirá o auto do mal. O tolo não soube o que responder, e o
Senhor Budha prosseguiu dizendo: O malvado que injuria o virtuoso assemelha-se
ao que cospe ao céu, que recebe no rosto o que cuspiu. Aquele que calunia
assemelha-se a quem, com o vento contrário, tenta atirar um punhado de pó no
rosto de outrem. O pó cega os olhos de quem o atirou. Ninguém pode ferir o
virtuoso; sobre o seu próprio autor recairá o mal que alguém lhe tentar fazer.
O ofensor afastou-se vagarosamente, envergonhado; porém, depois regressou
arrependido e refugiou-se no Budha, no Dharma e na Sangha. Capítulo seis. O
DEVA E O BUDHA. O Budha estava um dia no jardim de Anathapindika, na cidad de
Jetavana, quando lhe apareceu um Deva (anjo) em figura de brâmane e vestido de
hábitos brancos como a neve, e entre ambos se estabeleceu o seguinte diálogo: O
Deva: Qual é a espada mais cortante? Qual é o maior veneno? Qual é o fogo mais
ardente? Qual é a noite mais escura? O Budha: A palavra raivosa é a espada mais
cortante; a inveja é o veneno mais mortal; a luxúria é o fogo mais ardente, e a
ignorância é a noite mais escura. O Deva: Quem obtém a maior recompensa? Quem
sofre a maior perda? Qual é a armadura mais impenetrável? Qual é a melhor arma?
O Budha: Quem dá sem desejo de receber é quem mais ganha. Quem recebe de outro
sem devolver nada é o que mais perde. A paciência é a armadura mais
impenetrável. A sabedoria é a maior arma. O Deva: Qual é o ladrão mais
perigoso? Qual o tesouro mais precioso? Quem recusa o melhor que lhe é
oferecido neste mundo? O Budha: Um mau pensamento é o ladrão mais perigoso. A
virtude é o tesouro mais precioso. Recusa o melhor que se lhe oferece quem
aspira à imortalidade. O Deva: O que atrai? O que repugna? Qual é a dor mais
terrível? Qual é a maior felicidade? O Budha: O bem atrai. O mal repugna. A
maior dor é a má conduta. A libertação é a maior felicidade. O Deva: O que
ocasiona a ruína no mundo? O que destrói a amizade? Qual é a febre mais aguda?
Qual é o melhor médico. O Budha: A ignorância arruína o mundo. A inveja e o
egoísmo destroem a amizade. O ódio é a febre mais aguda. O Budha é o melhor
médico. O Deva: Tenho uma dúvida e peço que me responda: O que é que o fogo não
queima, nem a ferrugem consome, nem o vento abate e é capaz de reconstruir o
mundo inteiro? O Budha: O benefício das boas ações. Tendo o Deva ficado
satisfeito com as respostas do Budha, com as mãos juntas se inclinou
respeitosamente diante dele e desapareceu. Capítulo sete. INSTRUÇÃO. Os discípulos
se aproximaram do Senhor Budha, e depois de saudá-lo de mãos juntas,
perguntaram-lhe por intermédio de Ananda: Ó Mestre que tudo vê! Desejamos
aprender. Os nossos ouvidos estão dispostos a escutar. O senhor é o nosso
incomparável Instrutor. Dissipe as nossas dúvidas, ensine-nos o sagrado Dharma.
Fale entre nós, o senhor, de preclaro entendimento. O senhor, que tudo vê, tal
qual o Senhor de mil olhos, o Rei dos deuses! Perguntamos ao Sakyamuni que
atravessou a corrente e galgou a margem oposta e é bendito e forte: Como poderá
um discípulo seguir o caminho reto depois de ter deixado sua casa e eliminado
seus desejos? Assim responde ele: Vença o discípulo seus desejos e prazeres
terrenos e celestes, e uma vez esgotado o desejo de vida sensorial, cumprirá o
Dharma e poderá conduzir-se corretamente no mundo. Quem eliminar seus desejos,
libertar-se do orgulho e sub julgar as paixões, seguirá retamente pelo mundo.
Quem conhecer a lei e a obedecer fielmente; quem vir o caminho que conduz ao
nirvana e tirar a venda dos olhos, irá de maneira certa pelo mundo. Os
discípulos disseram-lhe: Certamente, ó Bhagavad, assim é. Se o discípulo se
desliga de todos os lação, irá retamente pelo mundo. E o Senhor Budha
prosseguiu: O aspirante ao nirvana deve ser consciente e justo, compassivo e
benévolo, sem vangloriar-se disso. Que nenhum de vocês menospreze nem engane
outrem, nem lhe cause mal algum. Ditoso é o retiro do pacífico que conhece e
contempla a Verdade. Feliz é quem permanece sempre firme sob seu amparo. Feliz é
quem não tem desejos nem repugnâncias. Felicidade suprema é a vitória sobre a
vaidade obstinada. Cada um de vocês deve ligar o seu prazer ao Dharma,
afirmar-se no Dharma (ensinamentos) e meditar em suas sublimes verdades. A
ninguém aproveita e facilmente se perde um tesouro caído no fundo de um poço. O
verdadeiro tesouro acumulado pela caridade, pela compaixão, pela temperança,
pelo domínio próprio e pelas boas obras está num lugar seguro, onde ninguém
pode roubá-lo, e ao morrer, leva-o consigo o homem para a outra vida. Então os
discípulos louvaram a sabedoria do Tathágata, dizendo-lhe: O senhor transcendeu
a dor. O senhor é santo. Ó Iluminado, no senhor vemos o homem que já se
libertou das paixões. O senhor é grande e glorioso. O senhor eliminou de nós a
dor e as vacilações. Por isso o adoramos, ó Sakya Muni, o senhor que conquistou
o máximo proveito nos caminhos da sabedoria! O senhor dissipou a nossa dúvida,
o senhor que vê claramente. Em verdade, o senhor é o Muni perfeitamente
iluminado para quem não há obstáculo possível. Todas as penas desapareceram. O
senhor permanece tranquilo. É enérgico e veraz. Está firme. Nós o adoramos, ó
excelso Muni! Nós adoramos ao senhor, o melhor dos homens. Nos mundos dos
homens e dos deuses ninguém se lhe iguala. O senhor é o Santo, o Mestre, o
Budha, o vencedor de Mara, que depois de haver atravessado a corrente, ajuda
também a espécie humana a atravessá-la para a outra margem. Livro O Evangelho
do Budha. Vida e Doutrina de Sidarta Gautama – O Inspirador do Budismo. Abraço.
Davi.
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