sexta-feira, 4 de novembro de 2016

IX. O EVANGELHO DO BUDHA.



Budismo. Texto do yogi Kharishnanda Sarawasti (1922-2001). PREGAÇÃO DO BUDHA. Capítulo Dois. A ANIQUILAÇÃO. Numa ocasião, muitos cidadãos ilustres se reuniam na Casa do Povo e elogiavam o Budha, o Dharma e o Sangha. Entre eles se encontrava Simha, general dos exércitos reais, que pertencia à seita dos Nirgranthas, que dizia consigo: Verdadeiramente o Bhagavad deve ser o Budha, o Santo. Quero vê-lo. Simha aproximou-se de Iryataputra, o chefe da seita, e disse-lhe: Senhor, desejo ir ver o asceta Gautama. Irytaputra respondeu-lhe: Por que você, Simha, que sabe que as ações dão seus resultados, quer ver o asceta que ensina aos seus discípulos a doutrina da inação e nega as consequências das ações? Por isso não teve Simha mais tanto desejo de ir ver Gautama. Porém, como Simha ouvisse novamente enaltecerem o Budha, o Dharma e o Shanga (comunidade budista), o seu desejo de ir ver o Bem aventurado foi reavivado, mas também dessa vez Iryataputra o dissuadiu. Porém, pela terceira vez Simha ouviu elogios a grandeza do Budha, do Dharma e do Sangha, e pensou: Certamente o asceta Gautama deve ser o santo Budha. Irei vê-lo mesmo sem o consentimento dos Nirgranthas. Simha foi ver o Bhagavad e disse-lhe: Senhor, ouvi dizer que o asceta Gautama nega as consequências das ações e ensina a doutrina da inação, dizendo que as ações dos homens não recebem recompensas, porque proclama a aniquilação. Responda-me, senhor: é certo que o senhor ensina que a alma do homem morre e se aniquila? Peço-lhe que me esclareça se os que dizem tal coisas enganara-se ou levantam falso testemunho. O Bem aventurado respondeu-lhe. Em parte, ó Simha, dizem a verdade os que assim falam de mim, mas em outra erram. Ouça-me: eu ensino que não devemos pensar, falar ou agir mal. Ensino que não devemos consentir com os estados de ânimo ou com as sinistras disposições. Ensino que nossos pensamentos, palavras e ações devem ser justos e que devemos estabelecer disposições de ânimo harmônicas. Ensino, ó Simha, que se tem que aniquilar os maus pensamentos, palavras e ações, e quem os anula e se livra deles de sorte que jamais rebrotem, aniquila a personalidade. Prego o aniquilamento do egoísmo da luxúria, do ódio e do erro, mas não prego o aniquilamento da bondade, da compaixão, do amor e da verdade. Digo que os maus pensamentos, palavras e ações são abomináveis, e que a virtude e a verdade merecem louvor. Se alguns ensinam que o nirvana é a aniquilação da alma, diga-lhes que mentem. Se alguns ensinam que o nirvana é vida separada, diga-lhes que se enganam, porque ignoram a Verdade; não veem a luz que brilha através de suas lâmpadas partidas, e não sabem que a felicidade está fora da existência do tempo e do espaço. Simha respondeu: Resta ainda uma dúvida na minha mente. O senhor quer dissipá-la de modo que eu possa compreender o Dharma que ensina? O Senhor Budha consentiu e Simha prosseguiu: Ó Bhagavad, sou soldado, e por ordem do rei cumpre-me o dever de respeitar a lei e de combater por ele. Se o Tathágata prega a bondade sem limites, o amor ao inimigo e a compaixão por todos que sofrem, permitirá castigo para os criminosos? Acreditarão que não é lícita a guerra para os criminosos? Acreditarão que não é lícita a guerra para defender nossos lares, nossas mulheres, nossos filhos e nossas terras? A doutrina da renúncia prescreve que devemos deixar o malfeitor agir a seu bel prazer, não resistir e deixar que nos roubem o que nos pertence? Acredita o Tathágata que a guerra é ilícita quando promovida por uma causa justa? Ao que Budha respondeu: O Tathágata ensina que o culpado merece castigo, e o digno de favor deve ser favorecido. Porém também ensina que não  deve fazer sofrer nenhum ser vivente, mas ter o coração cheio de amor e compaixão. Esses dois ensinamentos não são contraditórios, porque quem recebe castigo pelos seus crimes não sofre por maldade do juiz e sim em consequência de sua culpa. Suas más ações lhe acarretaram o mal que lhe impõe o executor da lei. Quando um magistrado castiga, deve estar livre de todo ódio; e o criminoso condenado à morte deve considerar que o seu suplício é consequente do seu crime e, se ele compreende que o castigo lhe purificará a alma, alegrar-se-á da morte. O Tathágata ensina que é deplorável toda guerra entre os homens, porém não condena os que guerreiam por uma causa justa, depois de haver esgotado todos os meios para manter a paz. O causador da guerra merece execração. O Tathágata ensina a total renúncia à personalidade, porém não ensina que a pessoa se entregue às potestades sinistras. Deve haver luta entre a individualidade e a personalidade, pois a luta é a vida terrena; porém, o combatente deve abster-se de combater contra a verdade e a injustiça, no interesse de sua personalidade. Aquele que luta pelo interesse egoísta de celebridade, grandeza, poder ou riqueza, não receberá recompensa; porém, o que combate pela justiça e a verdade, receberá o galardão, porque será vitorioso, mesmo que sofra alguma derrota transitória antes do triunfo final. O egoísmo não é o recipiente adequado para o êxito, porque a personalidade é frágil e pequena. Pelo contrário, a individualidade é capaz de conter as aspirações nobres de suas personalidades sucessivas, e quando uma personalidade se rompe como uma bolha de sabão, o seu conteúdo harmônico se identifica com a individualidade Universal. Quem vai à guerra, Ó Simha, mesmo por uma causa justa, está exposto a morrer nas mãos dos inimigos, porque esse é o destino dos guerreiros. Porém, o vencedor deve pensar na relatividade das coisas humanas. Brilhante pode ser sua vitória, porém a roda da fortuna pode girar e transformar a vitória em derrota. No entanto, alcançará eterna vitória se, extinto o ódio em seu coração, se aproximar do vencido e dizer-lhe: Vem agora, façamos as pazes e sejamos irmãos. Grande é um general vitorioso, ó Simha, porém maior é quem vence a sua personalidade. A lei da vitória sobre a personalidade não é pregada para aniquilar a alma dos homens, e sim para preservá-la. O que venceu a sua personalidade está mais apto para alcançar o triunfo eterno do que quem continua escravo da personalidade. Lute, pois, com coragem, ó Simha, e combata com esforço marcial nas batalhas; porém seja um soldado da verdade e o Tathágata o abençoará. Simha tornou: Glorioso Senhor. Senhor Gloriosíssimo. O senhor me revelou a verdade. Magna é a doutrina do Bendito. Certamente o senhor é o Budha, o bem aventurado, o Santo. É o instrutor da humanidade, que nos ensina o caminha da libertação. Quem o seguir, terá luz no caminho. Encontrará paz e santidade. Senhor, eu me refugo  no Bhagavad, na Lei e na sua Ordem. Digne-se a aceitar-me por discípulo até o fim de meus dias, pois me refúgio no senhor. E o Bem aventurado lhe disse: Considere antes, ó Simha, o que você vai fazer. Convém que as pessoas de sua categoria não façam nada sem uma reflexão madura. A fé de Simha aumentou, e ele disse ao Bem aventurado: Senhor, se outros Mestres conseguissem tornar-me discípulo deles, levariam em procissão seu estandarte pela cidade de Vaisali, gritando: Simha, o general dos exércitos do rei, já é nosso discípulo. Pela segunda vez, eu digo, ó senhor, que me refugo no Budha, no Dharma e no Sangha. Digne-se a receber-me por discípulo, a partir de hoje é até o fim de meus dias, porque me refugo no senhor. E o Bhagavad lhe respondeu: Durante muito tempo os Nirgranthas receberam oferendas em sua casa. É justo que doravante você não negue sua esmola a eles. Alegre e feliz, Simha replicou: Senhor, eu ouvira dizer: O asceta Gautama ensina que só a ele e aos seus discípulos deve ser dada esmola. Porém, o senhor me exorta a que também a dê aos Nirgranthas. Por mais esse motivo me refúgio no Budha, na Lei e na Ordem. PREGAÇÃO DO BUDHA. Capítulo cinco. AS INJURIAS. Observando os costumes humanos, o Senhor Budha viu que muitos males provinham da rapidez com que os vaidosos e egoístas criticavam tolamente o próximo, e disse aos seus discípulo.: Se um tolo me ofendesse, eu lhe responderia com amor cordial e sincero. Quanto maior mal me fizesse, maior bem eu lhe faria. O perfume da bondade estará sempre comigo, e o fétido (fedorento) alento do mal sopraria contra ele. Um tolo ficou sabendo que Budha pregava o mandamento do amor que prescreve restituir com o bem o mal recebido, aproximou-se dele e injuriou-o gravemente. Tornou a injuriá-lo, e quando já não encontrava palavras para ofendê-lo, o Budha perguntou-lhe: Meu filho, se alguém recusa o presente que outro lhe oferece, para quem fica o presente? O tolo respondeu: Para quem o ofereceu. O Budha continuou: Pois bem, meu filho: você injuriou e eu recuso as suas injúrias. Guarde-as para você. Não serão para você fonte do mal? Assim como o eco pertence ao som e a forma pertence ao corpo, também o mal consumirá o auto do mal. O tolo não soube o que responder, e o Senhor Budha prosseguiu dizendo: O malvado que injuria o virtuoso assemelha-se ao que cospe ao céu, que recebe no rosto o que cuspiu. Aquele que calunia assemelha-se a quem, com o vento contrário, tenta atirar um punhado de pó no rosto de outrem. O pó cega os olhos de quem o atirou. Ninguém pode ferir o virtuoso; sobre o seu próprio autor recairá o mal que alguém lhe tentar fazer. O ofensor afastou-se vagarosamente, envergonhado; porém, depois regressou arrependido e refugiou-se no Budha, no Dharma e na Sangha. Capítulo seis. O DEVA E O BUDHA. O Budha estava um dia no jardim de Anathapindika, na cidad de Jetavana, quando lhe apareceu um Deva (anjo) em figura de brâmane e vestido de hábitos brancos como a neve, e entre ambos se estabeleceu o seguinte diálogo: O Deva: Qual é a espada mais cortante? Qual é o maior veneno? Qual é o fogo mais ardente? Qual é a noite mais escura? O Budha: A palavra raivosa é a espada mais cortante; a inveja é o veneno mais mortal; a luxúria é o fogo mais ardente, e a ignorância é a noite mais escura. O Deva: Quem obtém a maior recompensa? Quem sofre a maior perda? Qual é a armadura mais impenetrável? Qual é a melhor arma? O Budha: Quem dá sem desejo de receber é quem mais ganha. Quem recebe de outro sem devolver nada é o que mais perde. A paciência é a armadura mais impenetrável. A sabedoria é a maior arma. O Deva: Qual é o ladrão mais perigoso? Qual o tesouro mais precioso? Quem recusa o melhor que lhe é oferecido neste mundo? O Budha: Um mau pensamento é o ladrão mais perigoso. A virtude é o tesouro mais precioso. Recusa o melhor que se lhe oferece quem aspira à imortalidade. O Deva: O que atrai? O que repugna? Qual é a dor mais terrível? Qual é a maior felicidade? O Budha: O bem atrai. O mal repugna. A maior dor é a má conduta. A libertação é a maior felicidade. O Deva: O que ocasiona a ruína no mundo? O que destrói a amizade? Qual é a febre mais aguda? Qual é o melhor médico. O Budha: A ignorância arruína o mundo. A inveja e o egoísmo destroem a amizade. O ódio é a febre mais aguda. O Budha é o melhor médico. O Deva: Tenho uma dúvida e peço que me responda: O que é que o fogo não queima, nem a ferrugem consome, nem o vento abate e é capaz de reconstruir o mundo inteiro? O Budha: O benefício das boas ações. Tendo o Deva ficado satisfeito com as respostas do Budha, com as mãos juntas se inclinou respeitosamente diante dele e desapareceu. Capítulo sete. INSTRUÇÃO. Os discípulos se aproximaram do Senhor Budha, e depois de saudá-lo de mãos juntas, perguntaram-lhe por intermédio de Ananda: Ó Mestre que tudo vê! Desejamos aprender. Os nossos ouvidos estão dispostos a escutar. O senhor é o nosso incomparável Instrutor. Dissipe as nossas dúvidas, ensine-nos o sagrado Dharma. Fale entre nós, o senhor, de preclaro entendimento. O senhor, que tudo vê, tal qual o Senhor de mil olhos, o Rei dos deuses! Perguntamos ao Sakyamuni que atravessou a corrente e galgou a margem oposta e é bendito e forte: Como poderá um discípulo seguir o caminho reto depois de ter deixado sua casa e eliminado seus desejos? Assim responde ele: Vença o discípulo seus desejos e prazeres terrenos e celestes, e uma vez esgotado o desejo de vida sensorial, cumprirá o Dharma e poderá conduzir-se corretamente no mundo. Quem eliminar seus desejos, libertar-se do orgulho e sub julgar as paixões, seguirá retamente pelo mundo. Quem conhecer a lei e a obedecer fielmente; quem vir o caminho que conduz ao nirvana e tirar a venda dos olhos, irá de maneira certa pelo mundo. Os discípulos disseram-lhe: Certamente, ó Bhagavad, assim é. Se o discípulo se desliga de todos os lação, irá retamente pelo mundo. E o Senhor Budha prosseguiu: O aspirante ao nirvana deve ser consciente e justo, compassivo e benévolo, sem vangloriar-se disso. Que nenhum de vocês menospreze nem engane outrem, nem lhe cause mal algum. Ditoso é o retiro do pacífico que conhece e contempla a Verdade. Feliz é quem permanece sempre firme sob seu amparo. Feliz é quem não tem desejos nem repugnâncias. Felicidade suprema é a vitória sobre a vaidade obstinada. Cada um de vocês deve ligar o seu prazer ao Dharma, afirmar-se no Dharma (ensinamentos) e meditar em suas sublimes verdades. A ninguém aproveita e facilmente se perde um tesouro caído no fundo de um poço. O verdadeiro tesouro acumulado pela caridade, pela compaixão, pela temperança, pelo domínio próprio e pelas boas obras está num lugar seguro, onde ninguém pode roubá-lo, e ao morrer, leva-o consigo o homem para a outra vida. Então os discípulos louvaram a sabedoria do Tathágata, dizendo-lhe: O senhor transcendeu a dor. O senhor é santo. Ó Iluminado, no senhor vemos o homem que já se libertou das paixões. O senhor é grande e glorioso. O senhor eliminou de nós a dor e as vacilações. Por isso o adoramos, ó Sakya Muni, o senhor que conquistou o máximo proveito nos caminhos da sabedoria! O senhor dissipou a nossa dúvida, o senhor que vê claramente. Em verdade, o senhor é o Muni perfeitamente iluminado para quem não há obstáculo possível. Todas as penas desapareceram. O senhor permanece tranquilo. É enérgico e veraz. Está firme. Nós o adoramos, ó excelso Muni! Nós adoramos ao senhor, o melhor dos homens. Nos mundos dos homens e dos deuses ninguém se lhe iguala. O senhor é o Santo, o Mestre, o Budha, o vencedor de Mara, que depois de haver atravessado a corrente, ajuda também a espécie humana a atravessá-la para a outra margem. Livro O Evangelho do Budha. Vida e Doutrina de Sidarta Gautama – O Inspirador do Budismo. Abraço. Davi.

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