Judaísmo. A VERDADE
SEMPRE LIBERTA. Solomon Schwarz tinha uma união feliz, ele e sua esposa Minnie
eram parceiros de verdade, apenas algo faltava para completar sua felicidade,
um filho. Entretanto de repente suas vidas saíram de seu controle e tomaram um
rumo inesperado. Amavam-se profundamente, compartilhavam os mesmos valores e
ideais e desfrutavam de um companheirismo fora do comum. Havia apenas algo que
faltava em sua vida a dois para torná-la completa – um presente de D’us, um
filho. Mas o casal tinha certeza de que esta espera seria temporária. Ano após
ano eles aguardavam, pois a legião de médicos que haviam consultado garantira
que não havia nada de errado com ambos e que, com certeza, teriam filhos.
Conforme o tempo passava, era cada vez mais difícil para Minnie ver uma mãe
empurrando, radiante, um carrinho de bebê pelas ruas, sem derramar uma lágrima.
Um nó formava-se em sua garganta cada vez que ouvia o inconfundível choro de um
recém-nascido. No passado, ela costumava parar diante das vitrines de lojas
infantis acariciando, com os olhos, os delicados lacinhos nas roupas e
acessórios. Agora, no entanto, quando passava em frente a uma dessas lojas,
apressava o passo e seguia em frente. Os Schwartz já estavam casados há 12 anos
quando o patriarca da família, seu tio mais velho, inesperadamente,
chamou Solomon para uma conversa. “Você sabe que uma das mais importantes mitzvot da
Torá é o mandamento de pru urevu - frutificai e
multiplicai-vos. Trazer filhos ao mundo não é apenas um prazer, mas uma
obrigação. Somos os responsáveis pela perpetuação das espécies, pela
perpetuação do Povo Judeu. Se sua esposa é estéril há mais de dez anos, a Torá
diz que você deve divorciar-se”. “Não”, gritou Solomon, sem acreditar no que
ouvia. “É a Lei”, afirmou duramente seu tio. “Não é possível que a
Torá quisesse dissolver um casamento amoroso – com filhos ou sem filhos”. O
tio, por sua vez, acrescentou: “Se você não acredita em mim, pergunte ao seu
rabino (...). De qualquer maneira, eu já tomei a liberdade de falar com a
Minnie e lhe explicar a situação. E ela é uma mulher de grande valor: concordou
em não atrapalhar sua felicidade e cumprir os mandamentos. Ela não quer
impedi-lo de ter filhos com outra mulher. Ela vai lhe conceder o divórcio sem
qualquer problema ou discussão. Ela o ama e lhe deseja o melhor”. “Quem é você
para decidir o que é melhor para mim?”, Solomon perguntou, furioso. “Minha
esposa Minnie, a quem amo. Ela é o melhor para mim. Ela é todo o meu mundo. Não
vou me divorciar. Não acredito sequer que tal lei exista de fato. Provavelmente
é você quem está inventando tudo isso”. Posteriormente, no entanto, quando
Solomon foi averiguar pessoalmente junto a um rabino que era seu amigo, ouviu
as seguintes palavras: “Tal lei existe, de fato. Em outras épocas, as pessoas
seguiam rigorosamente este mandamento. Atualmente, porém, os rabinos estão mais
tolerantes em sua interpretação e a maioria não recomenda o divórcio. No seu
caso, como Minnie e você têm um lindo relacionamento e um amor especial, poucos
o aconselhariam a tomar uma medida tão drástica. Esqueça a conversa com seu tio
e siga com sua vida”. Mas as coisas já haviam tomado tal rumo que não havia
nada mais a fazer. A situação saíra de controle. Tendo sido convencida de que
era a causa da infelicidade de seu marido e do drama das futuras gerações dos
Schwartz, Minnie não permitiria que nada a detivesse e estava determinada a
seguir em frente com o processo de divórcio. Ao conversar com Solomon, ela
disse, entre lágrimas: “Tenho sido egoísta durante todos esses anos. Com outra
esposa você terá a chance de ter muitos filhos. Não posso ficar no seu caminho.
Eu o amo demais para privá-lo desta bênção”. Quanto mais o marido argumentava,
protestava e tentava fazê-la raciocinar, mais ela permanecia irredutível. Seu
maior sacrifício, seu derradeiro ato de amor seria entregar seu amado marido
para outra. Quando ele lhe entregou o guet (divórcio judaico),
Solomon se ajoelhou desesperado e com o coração partido afirmou: “Eu amarei
você para sempre”. Em resposta, ela sussurrou, condoída: “Eternamente”. Duas
semanas depois, ela lhe telefonou para contar que estava grávida. Em resposta,
ele disse: “Vamos nos casar novamente. Tenho certeza que será permitido. Vou
perguntar ao meu tio”. Quando o sobrinho lhe falou sobre as novidades, o
patriarca deu a seguinte resposta: “Bem, sim, em casos normais o casal pode
casar novamente (...). Mas, este não é um caso normal”. Impaciente, Solomon
perguntou: “O que você quer dizer com este não é um caso normal?”. O tio,
então, explicou-lhe: “Solomon, meu filho, você é um Cohen, pertencente à casta
dos Sumos Sacerdotes que serviram no Templo. Um Cohen está sujeito a leis mais
rigorosas do que os descendentes das outras tribos. Um Cohen, sinto muito em
lhe dizer, não pode se casar com uma mulher divorciada. E Minnie, agora, pertence
a este grupo”. “Mas eu me divorciei dela, ela era minha esposa”, retrucou.
“Tecnicamente, não faz diferença. Ainda assim, ela é uma mulher divorciada e
você ainda é um Cohen. Não vejo como vocês podem se casar novamente”, afirmou o
tio. Solomon estava chocado. Minnie, seu grande amor, sua preciosa esposa,
estava finalmente grávida e eles não poderiam se casar novamente? Não era
possível, era? Infelizmente, todos os rabinos consultados sobre o tema
concordavam com a informação dada pelo tio. Ele era um Cohen, ela era
divorciada, não havia o que discutir. “Não há nada que possa ser feito? Uma
dispensa, uma anulação? Não há nenhuma filigrana legal que vocês possam
encontrar para fazer com que a lei seja interpretada a meu favor?” Não havia
brechas, todos respondiam com tristeza. “Será que ninguém pode fazer nada?”,
perguntou, alquebrado, no gabinete de estudo de um rabino, certo dia. O rabino
teve vontade de lhe dizer que seu pedido era impossível. Que nenhum estudioso
que se orienta pela Halachá seria capaz de encontrar uma
solução para ele. No entanto, ele se viu dizendo: “Por que você não vai se
aconselhar com o Lubavitcher Rebe?” O Lubavitcher Rebe (1902-1994) era um sábio
muito conceituado em Crown Heights, no Brooklyn – Nova Iorque – Estados Unidos.
Tinha milhares de discípulos – seguidores e admiradores mundo afora, que
acreditavam fervorosamente na inspiração Divina de sua sabedoria e
inteligência, bem como nos pressentimentos e poderes de consolo e cura desse
homem santo. Muitos afirmavam que ele realizava milagres e salvava vidas. Para
uma multidão de pessoas, judeus e não judeus, ele era a última chance, a última
parada, o último tribunal de apelação. Era pleno de amor e aceitava
incondicionalmente cada judeu, independentemente de sua tendência religiosa.
Não era raro que judeus seculares fizessem peregrinações até seu famoso
endereço – 770 Eastern Parkway – e dali saíssem reconfortados. Solomon Schwartz
era observante o suficiente para desejar cumprir a lei, mas não era um
Lubavitcher. Vivia na Califórnia e nunca tinha sido atingido pelo carisma do
Rebe. Ainda assim, as histórias sobre ele corriam pelo país e ele já havia
ouvido falar sobre os milagres do Rebe. Então, quando o último rabino que
consultara lhe sugeriu que se consultasse com o Lubavitcher Rebe, sentiu que
poderia ser uma opção. Disseram-lhe que o Rebe abria suas portas ao público aos
domingos e que os interessados em uma consulta com ele eram recebidos de acordo
com a ordem de chegada. Quando Solomon chegou ao Brooklyn, no domingo de manhã
cedo, a fila de pessoas que esperavam para ver o Rebe era muito grande e
espalhava-se como uma serpente ao redor da Eastern Parkway e pelas ruas
próximas. Centenas de judeus de todas as correntes atraídos ao local em busca
de seu milagre pessoal. Solomon não pregara o olho durante o voo noturno de
sábado à noite. Esperando na interminável fila, estava irritado e impaciente.
Ainda faltavam horas para chegar à sua vez, mas consolava-se dizendo que talvez
a espera valesse a pena. Mas não valeu. Cinco horas haviam transcorrido quando
finalmente chegou sua vez. Ele sussurrou sua triste história e a imposição
da Halachá no ouvido atentos do Rebe. O que ele esperava ouvir
daquele homem conhecido por seu brilhantismo e sabedoria era, quem sabe, algo
inédito, quem sabe uma brecha na Halachá que pudesse
libertá-lo. Ou, no mínimo, uma bênção que aliviasse o seu coração. Ao invés
disso, o Rebe simplesmente analisou Solomon por uma fração de segundo,
perfurando sua alma com uma ardente intensidade, e disse: “Vá falar com sua
mãe”. Atônito, Solomon gaguejou, entre frustrado e desesperado: “O quê???”. “Vá
falar com sua mãe”, repetiu o Rebe. Foi aí que o rapaz estourou: “Eu viajei
três mil milhas para o senhor me dizer para falar com minha mãe? Isto é tudo
que o senhor tem para me dizer?”, falou já alterado, descrédito. Pela terceira
vez, o Rebe repetiu: “Vá falar com sua mãe”, e fez sinal para que ele saísse. Solomon
andou pelas ruas de Crown Heights; era o desconsolo em pessoa. Sentia-se
enganado, traído. No final das contas, o Rebe não era um homem santo. Era um
charlatão, um logro, uma fraude. “Vá falar com sua mãe”. Que espécie de
conselho era esse? Ainda assim, ele parou para reconsiderar o que ouvira. Era
interessante como o Rebe parecia estar certo de que ele tinha mãe e que ela
ainda estava viva. E como sabia que ele não falava com ela há muito tempo? Ao
longo dos anos, infelizmente, eles haviam-se distanciado. Tinham tido muitas
discussões que haviam desgastado seu relacionamento, e a reaproximação jamais
ocorrera. Haviam-se passado meses desde a última vez que conversaram e ela
desconhecia os últimos eventos graves que tinham ocorrido em sua vida: o
divórcio, a gravidez de Minnie e sua busca frenética por uma brecha haláchica para
que pudessem casar-se novamente. “Vá falar com sua mãe”, dissera o Rebe.
Solomon não sabia o que o sábio quisera dizer com essa mensagem enigmática, mas
talvez fosse o momento de ver sua mãe, de qualquer maneira. Seu rosto se
iluminou quando ela abriu a porta e o envolveu em um forte abraço. “Há quanto
tempo”, ela chorou. E por causa de tanta narishkeit – tanta
besteira (...). Venha para a cozinha. Tenho café fresco e acabei de fazer
folheados de queijo, ainda estão quentinhos! Onde está Minnie?”. Então ele lhe
contou tudo: a intervenção do patriarca da família, a insistência de Minnie em
se divorciar para que ele pudesse ter filhos com outra mulher; a repentina
alegria por causa da gravidez inesperada e a busca por uma brecha na Halachá.
Finalizou aquela litania (ladainha) dizendo: “Mãe, você poderia imaginar
tamanho problema?”. Então, vagarosamente, sua mãe começou a falar, olhando
fixamente em seus olhos: “Não há problema algum! Eu nunca consegui lhe contar
antes, mas, chegou a hora de fazê-lo. É verdade que seu pai era um Cohen,
portanto, naturalmente, você supôs que também fosse, pois passa de pai para
filho. Mas você não é Cohen de fato e, portanto, está livre para se casar
novamente com Minnie (...). O Rebe estava certo quando lhe disse para falar
comigo (...). Sabe (...) você foi adotado”. www.morasha.com.br.
Abraço. Davi.
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