Mahabharata.
Versão Condensada da Maior Epopeia do Mundo. Recontado por Krishna Dharma.
Capítulo Sete. UM REINO DIVIDIDO. KUNTI ESPERAVA PELA CHEGADA DOS FILHOS, na
cabana do ceramista, e estava ansiosa. E se eles fossem descobertos? Duriodhana
e seus irmãos certamente estariam no swayamvara. Se vissem que os pândavas
estavam vivos, provavelmente tentariam mata-los. Kunti se lembrou das predições
de Viasadeva. Com certeza o famoso sábio não erraria, mas o destino sempre lhe
parecera difícil de ser sondado. O Senhor Supremo era o único controlador – e
ninguém poderia conhecer seus planos. Kunti se mantinha ocupada preparando o
jantar dos filhos. Enquanto caminhava pela cabana, de repente ouviu a voz de
Arjuna, que a cumprimentava: Querida mãe, estamos de volta. Venha ver que
esmolas excelentes recebemos hoje! Sentindo-se aliviada, Kunti respondeu: Estou
feliz que estejam a salvo. Dividam as esmolas igualmente entre os cinco. Então
Arjuna entrou na cabana com Iudistira. Draupadi entrou no meio dos dois, e
quando Kunti a viu, ficou desolada. Oh, o que foi que eu disse? A rainha Kuru
sentiu que seus princípios religiosos estavam ameaçados, pois ela valorizava a
verdade acima de tudo. Nem de brincadeira se permitia falar uma coisa que não
fosse verdadeira. Mas já tinha dito que os filhos deveriam repartir Draupadi.
Como isso seria possível? Nenhuma mulher poderia ter cinco maridos. Ela olhou
preocupada para Iudistira. Não se preocupe, mãe, Iudistira respondeu: Você
certamente se salvará do pecado. Iudistira se dirigiu a Arjuna: Foi você quem
ganhou a mão da princesa em casamento e, assim, deve tomar sua mão em sagrado
matrimônio. Arjuna olhou para o irmão, horrorizado. Por favor, não me considere
um pária sem princípios! Que homem virtuoso aceitaria a mão de uma mulher na
presença de seu irmão mais velho solteiro? Você é que deveria se casar com ela,
não eu. Depois de você, Bima deveria se casar e só então eu, e finalmente os
gêmeos. Nesse momento, os outros pandavas entraram na cabana e, ouvindo as
palavras de Arjuna, olharam para Draupadi, que sorriu e lhes devolveu o olhar.
Todos os cinco irmãos sentiram que seus corações saltavam no peito e a mente se
coloria. A princesa panchala brilhava de tão bela, enchendo a cabana com o
perfume natural de seu corpo. Os irmãos não podiam despregar os olhos dela.
Vendo a condição em que os irmãos se encontravam, Iudistira temeu que Drupadi
trouxesse a desunião entre eles. Depois de refletir por alguns momentos, disse:
Esta moça casta deverá se tornar a esposa de todos nós. Essa foi a ordem dada
por nossa mãe e acredito que era isso que Viasadeva queria dizer quando nos
falou do destino dela. Na época, os irmãos tinham apenas imaginado o que o
sábio queria dizer com aquelas palavras, mas agora compreendiam. Todos ficaram
felizes, pois Draupadi era um prêmio acima de qualquer comparação. Naquele
momento, ouviram bater à porta e Krishna entrou. Vendo Iudistira sentado no
chão com os irmãos à sua volta, como Indra no meio dos deuses chefes, ele se
aproximou e tocou-lhe os pés. Sou seu primo, Krishna. Aqui também está meu
irmão, Balarama. Krishna e Balarama também reverenciaram Kunti, ajoelhando-se
ante ela e tocando seus pés. Iudistira ficou surpreso ao vê-los. Como nos
achou? Perguntou. Krishna sorriu. O fogo é facilmente detectado, mesmo quando
coberto. Que outros homens, senão vocês próprios, seriam capazes de fazer o que
fizeram no swayamvara? Por sorte escaparam do incêndio em Varanavata e o mau
desejo de Duriodhana foi descoberto. Eu os abençoo. Que possam crescer em
prosperidade, como o fogo numa caverna, que gradualmente se espalha por todo o
lugar. Os irmãos agradeceram a Krishna, de mãos postas, e este lhes aconselhou
a que partissem logo, antes que alguém os descobrisse, e saiu furtivamente da
cabana com Balarama. Tendo visto o primo de Madura e ouvido suas palavras de
esperança, os irmãos sentiram-se confiante, e estavam certos de que em breve
recuperariam o reino. Como a mãe, tinham fé em Krishna com o Senhor Supremo
Todo Poderoso. Não muito longe da cabana. Dristadiúmna observou Krishna e o
irmão entrarem e saírem. Curiosos para saber quem tinha se casado com sua irmã,
o príncipe panchala tinha seguido os pandavas desde o estádio. Ele se colou à
parede da cabana e espiou pela janela. Lá dentro, viu os cinco irmãos e Kunti
sendo servidos por Draupadi. Observou como ela deu porções iguais a todos e
outra enorme – igual às dos outros todos juntas – ao homem que tinha derrotado
Shalya. Enquanto comiam, os irmãos discutiam sobre armas e guerra. Dristadumna
escutou enquanto eles discutiam na linguagem dos guerreiros, rindo juntos
quando descreviam a luta no swayamvara e o modo como tinham posto os monarcas
para correr! Mais tarde, os pandavas se deitaram para dormir. Draupadi,
sorrindo com grande felicidade, deitou-se humildemente aos pés dos cinco, e
Kunti se deitou acima das cabeças dos filhos. Dristadiumna já tinha visto e
ouvido o suficiente. Era claro que aqueles homens não eram brâmanes.
Naturalmente, eram grandes guerreiros, provavelmente reis disfarçados. Seriam
os pandavas? O príncipe se afastou em silêncio e voltou rapidamente para o
palácio, para informar o pai tudo que tinha visto. No palácio, Drupada estava
preocupado. Já fazia horas que seu filho seguira os brâmanes. Para onde eles
teriam levado sua filha? Por que não ficaram na cidade? A cerimônia apropriada
do casamento ainda não tinha sido feita. O rei mordia os lábios e olhava para o
vazio através da janela. Mas, para seu alívio, logo percebeu que Dristadiumna
se aproximava rapidamente. Desceu correndo para falar com o príncipe,
perguntando-lhe imediatamente sobre Draupadi. Onde está minha filha querida
agora? Quem é aquele homem que a obteve no teste? Ele é mesmo um brâmane de
berço nobre eu, quem sabe, um grande guerreiro de nobre estirpe? Estou certo de
que ela não deve ter sido levada por qualquer homem de nascimento obscuro. Ó
filho, meu maior desejo é que ela tenha se casado com Arjuna. Ó, onde estarão
os pandavas agora? Será que esses heróis ainda vivem? Dristadiumna falou sorrindo:
Ó pai, vi aqueles cinco homens levarem Draupadi com eles a uma cabana de
ceramista perto da cidade. Lá, uma senhora, linda como um lótus azul, que
parece ser a mãe dos cinco, os saudou. Draupadi os servia feliz e, mais tarde,
deitou-se aos pés dos homens. Enquanto conversavam, Drupada e o filho entraram
no palácio. O príncipe descreveu com ouvira os cinco brâmanes falando de
assuntos marciais. Eles têm vozes profundas como trovões e parecem cinco deuses
refulgentes. Estou certo de que são de estirpe real. E, pela maneira como o
alvo foi atingido, no teste, pelo fato de eles serem cinco e estarem viajando
com a mãe, e também pela linguagem e aparência deles, acredito que seu desejo
tenha se realizado. Eles só podem ser Kunti e os filhos. Drupada olhou para uma
pintura de Vishnu, pendurada na parede do salão, e orou para que as palavras do
filho fossem verdadeiras. Ele mal se atrevia a crer que fora Arjuna quem tinha vencido a prova. Mas quem
mais poderia tê-lo feito? Drupada ficou pensativo: Ó filho, mande nosso
sacerdote amanhã cedo à caba do ceramista. Ele deverá tentar conhecer a
identidade de todos. Nesse ínterim, mande preparar uma grande festa, e peça aos
brâmanes para calcularem o dia mais auspicioso para o casamento. No dia
seguinte, o sacerdote de Drupada foi à casa dos pândavas. Iudistira o recebeu
respeitosamente. Depois de se acomodar confortavelmente na cabana, o sacerdote,
aceitando o fato de os irmãos serem brâmanes, disse: Ó veneráveis, o rei
Drupada foi felicíssimo ao ve que sua filha foi ganha em assembleia por um
maravilhoso feito de armas. Mas está ansioso para saber quem são vocês? O rei
acredita que sejam os pandavas disfarçados. Isso é verdade? Seu maior desejo
sempre foi que Arjuna se casasse com sua filha. Será que isso se realizou?
Iudistira se virou para os irmãos. Por favor, tragam água e lavem os pés deste
homem. Ele é o sacerdote de Drupada, e digno de nosso maior respeito. Bima logo
cumpriu a ordem de Iudistira, que então falou: Ó brâmane, o rei estabeleceu um
preço para a mão de sua filha. Esse preço já foi pago e, portanto, não há nada
mais a ser dito sobre nossa linhagem. Todas essas questões já foram respondidas
quando o alvo foi atingido pela flecha. Ao ouvir a firme recusa de Iudistira, o
sacerdote arregalou os olhos, mas Iudistira o serenou: Nada tema, senhor. O
maior desejo do rei logo será satisfeito. Um homem sem qualificação ou sem
berço poderia ter passado no teste? Volte e diga a Drupada que não precisa se
preocupar. Quando o sacerdote se retirou, chegou outro mensageiro do palácio
para anunciar que estava sendo preparada uma festa na cidade. O rei pede que
vocês todos compareçam. Disse que uma cerimônia de casamento adequada já pode
ser feita agora, se tal lhe agrada. Iudistira assentiu com a cabeça e sorriu. O
mensageiro lhes mostrou um refinado carro de ouro, ao qual eles subiram com
Draupadi e Kunti. Logo chegaram ao grande palácio branco em Kampilia e foram
levados a um salão onde uma festa suntuosa os esperava. Liderados por
Iudistira, todos entraram no grande salão, que era coberto de preciosos tapetes
e todo decorado com riquíssimas pinturas. Os assentos dispostos para os
convidados eram de ouro e cobertos de seda. Confortáveis em meio a toda aquela
opulência, os irmãos ocuparam seus lugares sem hesitação. Imediatamente criados
muito bem trajados os serviram, em pratos de ouro e prata, de todos os tipos de
comidas maravilhosas. Depois de comerem, os pandavas lavaram suas mãos e se
levantaram. Viram que numerosas mesas haviam sido postas ao longo das paredes do
salão. Algumas delas continham a parafernália utilizada pelos brâmanes nos
sacrifícios. Noutras, artigos usados por mercadores e comerciantes, e, noutras
ainda, havia armas e armaduras. Os irmãos imediatamente se dirigiram às armas e
começaram a examiná-las com interesse. Vendo isso, e percebendo seus gestos de
leões prontos para o bote e os corpos fortes e musculosos, enquanto os irmãos
andavam pelo salão, o rei se rejubilou. Não havia dúvida de que aqueles eram
guerreiros de linhagem real. Drupada se aproximou deles e, com um grande
sorriso, perguntou: Devemos aceita-los como brâmanes ou como guerreiros? Ou,
quem sabe, vocês são seres celestiais disfarçados de brâmanes que vieram para
ganhar a mão de minha filha? A verdade é a maior das virtudes, caros senhores.
Por favor, serenem minhas dúvidas. Iudistira olhou o rei fixamente nos olhos. Ó
monarca panchala, felicite-se! Seu desejo foi satisfeito. Saiba que somos
Kshátrias, guerreiros de linhagem real. Somos filhos do ilustre Pandu. Sou
Iudistira; este é Bima; o arqueiro estupendo que venceu o teste e ganhou a mão
de sua filha é Arjuna. E estes dois são os gêmeos Nakula e Sahadeva. A senhora
que acompanhou Draupadi às câmaras internas é nossa mãe, Kunti. Ó rei, como uma
flor de lótus transplantada de um lago cristalino para outro, sua filha casta
saiu de uma casa real para entrar noutra. Agora, o senhor é nosso venerável
sogro e guru. Isso é tudo. Por alguns momentos, Drupada ficou mudo. As lágrimas
corriam de seus olhos, e suas pernas tremiam pela emoção do êxtase. Controlando
com dificuldade a alegria, finalmente disse: Que maior felicidade do que esta
pode existir? Quando soubemos do incêndio, tememos o pior. Mas agora vemos que
nossas orações foram atendidas. Diga-me, ó herói, como foi que escaparam de Varanavata?
Iudistira explicou tudo detalhadamente. Drupada censurou severamente a atitude
de Dritarastra. Como é que o rei cego permitiu que tudo isso acontecesse?
Assegurou aos pandavas que poderiam morar com ele pelo tempo que desejassem.
Dirigindo-se, então, a Arjuna, disse: Que este poderoso herói leve Draupadi
pela mão nos rituais necessários. Hoje é um dia auspicioso. Iudistira
respondeu: Ó rei, devo me casar primeiro, como irmãos mais velho. Então leve-a
você pela mão, ou que ela seja entregue a qualquer um dos cinco. O rei sentiu
que todos eles eram iguais aos olhos divinos. Iudistira balançou a cabeça.
Draupadi não se casará com um de nós. Ela será a esposa de todos nós. Drupada
prendeu a respiração e deu um passo para trás. E isso é consistente com a
virtude? Ó descendente de Bharata, nunca ouvi falar de uma mulher que tenha
vivido com cinco maridos. Iudistira respondeu com firmeza: Já considerei tudo
isso com cuidado, ó rei. Minha mente sempre se afasta do pecado, e não vejo
nenhum erro em Draupada se tornar a esposa de todos nós. Nossa mãe, a pura
Kunti, também aprova essa decisão. Não há nada a temer, ó rei, pois tudo será
feito de acordo com a virtude. Drupada ainda estava indeciso. Por favor, me
perdoem, mas gostaria de me consultar sobre este assunto com os brâmanes antes
de decidir o que será feito. Amanhã farei o que for mais apropriado. Enquanto
discutiam, Viasadeva chegou no palácio. Vendo o rishi refulgente, todos se
levantaram e o reverenciaram. Abençoando-os primeiro, ele saudou todos os
presentes e então se sentou. Drupada imediatamente lhe perguntou acerca da
proposta feita por Iudistira, e o sábio respondeu: Pois vim até aqui
especificamente para esclarecer essa dúvida. Na minha opinião, não é um pecado
a sua filha aceitar os cinco irmãos como maridos. E vou explicar por quê.
Viasadeva pediu para falar a sós com Drupada. Eles foram até os aposentos do
rei e o sábio começou a narrar uma história muito antiga. Descreveu como os
cinco pandavas tinham sido deuses poderosos em encarnações anteriores, quando
teriam sido destinados a se casar com uma encarnação da deusa Lakshmi, por
mérito, e como Draupadi era essa encarnação. Ela também recebera uma graça do
deus Shiva, segundo a qual teria cinco maridos. Não pode haver falta alguma
nesses atos divinos, concluiu Viasadeva. Portanto, permita que sua filha se
case com os pandavas. Drupada sentiu que sua dúvida se desvanecia com o
esclarecimento do rishi onisciente. Concordou alegremente e ordenou que a
cerimônia fosse feita logo. O palácio estava decorado com incontáveis
guirlandas de flores e adornado em todos os lugares com pedras preciosas.
Fileiras de soldados armados, com suas roupas de gala imaculadas, percorriam
todo o pátio, enquanto Daumya acendia o fogo sagrado. Mantras sagrados foram entoados,
acompanhados de música suave, e o povo celebrou quando os pandavas aceitaram a
mão de Draupadi. Em cada um dos cinco dias consecutivos ela se casaria com um
dos irmãos, no meio de muitas celebrações pela cidade toda. Tendo sabido do
evento, Krishna enviou grande quantidade de joias como presente de casamento
para os irmãos. Ouro, joias, sedas caríssimas, cobertores macios e peles,
cavalos, elefantes, carros e toda a sorte de artigos preciosos chegaram de
Madrua. Querendo agradar a Krishna, Iudistira aceitou os presentes e lhe mandou
uma mensagem, agradecendo. No meio de muita felicidade, os cinco irmãos e sua
esposa, com a mãe, começaram a viver juntos em Kampilia. A notícia da
sobrevivência dos pandavas logo se espalhou por todo o mundo. Sabendo da traição
dos Kurus contra os irmãos, muitos reis censuravam Dritarastra e os outros
líderes Kurus. Por que eles não demonstram nenhum amor por esses heróis
virtuosos? Era a pergunta que traduzia o sentimento mais comum entre eles. Os
espiões de Duriodhana lhe trouxeram a notícia enquando ainda viajava de volta a
Hastinapura. Ele balançou a cabeça, descrente e horrizado. Compreendendo que
seus inimigos mortais não apenas não tinham perecido mas ainda haviam se
fortalecido com a aliança com Drupada, o príncipe sibilou de frustração. Muito
deprimido amaldiçoou Purochana. Dushasana criticou Arjuna. O pandava foi
desleal na competição, disfarçando-se de brâmane. Se tivesse revelado sua
identidade, nunca teria passado no teste porque o teríamos capturado. Com certeza,
o destino é supremo e os esforços dos homens, inúteis! Duriodhana se sentiu
pouco à vontade. Agora temos motivos para nos preocupar, caro irmão. Nossos
primos têm guerreiros poderosos do lado deles. Já vimos o poder de Drupada e,
além disso, seu filho Dristadiumna está predestinado a matar Drona. Precisamos
falar com nosso pai. Entrando na cidade, os Kauravas correram para dentro do
palácio. Em Hastinapura, os sentimentos acerca da notícia eram diferentes.
Bishma e Vidura se rejubilaram quando ouviram a novidade. Vidura correu para
conta-la a Dritarastra, dizendo: Ó rei, que felicidade, os Kurus estão
prosperando! Pensando que Vidura se referia ao sucesso de Duriodhana no
swayamvara, o rei cego exclamou: Que boa sorte! E ordenou imediatamente: Mande
que façam adornos para a princesa panchala. Dê-lhes as joias mais finas. O rei
pegou a mão de Vidura. Ó irmão sábio, que Duriodhana e Draupadi venham logo à
minha presença em grande pompa. Este é um dia feliz. Vidura riu e disse: Ó rei,
o senhor não entendeu. A princesa foi ganha por Arjuna. Ele e os irmãos
sobreviveram ao incêndio e agora estão em Kampilia. Dritarastra jogou as costas
no trono e, batendo palmas, exclamou: Que maravilha! Os filhos de Pandu me são
mais queridos do que foram para ele próprio. Esta notícia me enche de alegria.
Vidura olhava fixamente seu irmão cego. Ó rei, que este sentimento possa encher
seu coração por cem primaveras! Enquanto conversavam, Duriodhana e Karna
entraram no salão. Vendo Vidura, os dois sorriram e o cumprimentaram discretamente.
Saudaram o rei, mas se mantiveram silenciosos até que Vidura saiu. Quando
Duridhana se certificou de que o tio estava distante o bastante para não
ouvi-los, disse ao rei: Ó pai, como é que o senhor está vendo nossos inimigos
sob uma perspectiva tão agradável? Por que se alegra ao saber do sucesso deles?
Ó melhor dos homens, o sucesso deles é nosso maior perigo. Devemos agir
rapidamente para nos assegurar de que não estamos sendo engolidos por eles,
junto com toda a nossa riqueza e nossos seguidores. Dritarastra procurou a mão
do filho. Meus desejos são os seus, caro filho. Não queria revelar esses
sentimentos a Vidura. Mas, diga-me, quais você acha que são os nossos
interesses agora? Duriodhana olhou para Karna e sorriu: Eis o que acho que deveríamos
fazer: vamos mandar imediatamente alguns brâmanes de confiança, e habilidosos,
a Kampilia, para que espalhem sementes de discórdia entre os irmãos. Eles
poderiam, por exemplo, fomentar uma inimizade entre os filhos de Kunti e os
filhos de Madri. Ou podemos oferecer muitas riquezas a Drupada para que
abandone os pandavas e se alie a nós. Ou ainda poderíamos incitar Draupadi
contra os maridos. E isso não deve ser difícil para uma mulher que tem cinco
maridos. Talvez até pudéssemos tentar os pandavas com mulheres lindas, fazendo
com que Draupadi os rejeite. Duriodhana parecia se aliviar à medida que
apresentava suas sugestões. Atacou o ar com uma espada imaginária e continuou:
Se pudermos de alguma forma liquidar Bima, todos os nossos problemas se resolveriam.
Sem ele, os pandavas não valem nada. Devem existir espiões que sejam capazes de
eliminá-lo, não? Duriodhana ria só em pensar na morte de Bima. Finalizando o
discurso, disse: E, se tudo isso falhar, ainda podemos trazê-lo de volta a
Hastinapura e então usar nossos imensos recursos e poder para liquidá-los. Quem
nos impediria? O que você acha, Karna? Duriodhana se virou para o amigo, que
balançou a cabeça e respondeu: Ó Duriodhana, não acho que suas ideias sejam
ponderadas. Nenhuma intriga funcionará contra os pandavas, muito menos
maquinações ou traições. Você já tentou de tudo, sem sucesso, quando eles eram
meninos, sem amigos nem aliados, lembra-se? À época, eles viviam aqui, nessa
cidade. Agora são homens, poderosos, vivem longe e ainda por cima se aliaram ao
grande Drupada. Karna continou invalidando as outras propostas de Duriodhana.
Segundo seu ponto de vista, não havia a menor chance de criar desunião entre os
cinco irmãos, pois eles eram como uma única pessoa. Quanto a Draupadi, ela os
tinha aceitado quando eram pobres e próximos do exílio; como os rejeitaria
agora? E, além disso, o pai dela é virtuoso e verdadeiro. Ele não abandonaria
os genros por nenhum preço. Karna andava para lá e para cá enquanto falava.
Parou à frente de Dritarastra com as mãos nos quadris e disse: Eis minha ideia,
ó rei. Junte um exército e faça-o marchar até Kampilia agora. Lideradas por mim
e Duriodhana, suas grandes tropas logo arrasarão os pandavas e Drupada.
Esqueçam todos os truques, pois só o poder trará o sucesso. E isso tem de ser
feito logo, antes que Krishna venha com as imensas hostes iadavas para apoiar
os primos. Se isso acontecer, teremos uma tarefa altamente difícil pela frente.
Vamos mostrar nossa força agora. Depois de vencer nossos inimigos, você
governará todo o mundo como um imperador inatingível. Dritarastra elogiou
Karna. Ó suta, você é um herói poderoso, sem dúvida. Seu discurso é
impressionante. Mas antes de lançar-me a tal empresa preciso consultar Bishma e
os outros Kurus. Não podemos simplesmente expressar hostilidade aos inimigos
poderosos sem o apoio deles. Karna abaixou a cabeça e olhou para Duriodhana,
que fez uma careta. Como poderiam Bishma e Drona concordar com um ataque aos
pandavas? Ele tentou argumentar, mas Dritarastra mostrou-se firme no propósito
de reunir uma assembleia para discutir o que poderia ser feito. Quando todos os
líderes Kurus estavam sentados no salão de audiências, o rei cego lhes disse o
que Karna sugerira. Bishma imediatamente se levantou, as lágrimas caindo pelo
rosto, e falou: Os filhos de Pandu são como nossos próprios filhos. Eles me são
tão caros quanto seus filhos, ó rei, e igualmente merecedores de nossa
proteção. Nunca poderia concordar numa luta contra eles. O que deveríamos fazer
é um acordo, cedendo-lhes metade do reino. Este é o único caminho virtuoso. Se
eles não têm direito ao trono, então que direito têm os Kauravas? Na verdade, o
trono pertencia ao pai deles, Pandu; que dizer então dos filhos? Bishma fez uma
pausa e olhou a assembleia. Ninguém podia argumentar. Todos silenciaram e ele
continuou, tornando claro por que não deveriam demorar a devolver aos pandavas
a posição que deveriam ocupar por direito. De outra forma, atrairemos com esse
pecado a infâmia. Desde o momento em que soube que eles haviam perecido no
incêndio, não conseguia olhar de frente nenhum ser vivo. A sobrevivência deles
salva nossa casa de uma nódoa terrível. Pela graça de Deus nossa reputação foi
salva. Não devemos abandonar essa dádiva. Acolham os pandavas! Não os enfrentem
numa batalha. Eles são virtuosos e unidos e nem mesmo Indra, o rei dos deuses,
poderia tirar deles o reino paterno pela força. Drona, então, levantou-se e
falou: Um amigo sincero, quando consultado, sempre falará a verdade, seja ela
agradável ou não. Ó rei, sou da mesma opinião que Bishma. Os filhos de Pandu
devem receber seu reino. Isso é virtude eterna. Drona sugeriu que se enviassem
logo mensageiros a Kampilia, com muitos presentes valiosos para os pandavas e
Drupada. Seus próprios filhos deveriam ir e trazer de volta os pandavas para
Hastinapura. Receba-os com amor, ó rei, pois eles são como seus filhos. Ouvindo
isso, o rosto de Karna se escureceu. Levantando-se rápido e, apontando para
Bishma e Drona, disse: Esses dois não são confiáveis! Ó rei, embora mantidos
pelo senhor, não demostraram a mínima gratidão. De mãos dadas com os inimigos,
falam como se esses fossem amigos! O senhor deveria, certamente, ignorar seus
conselhos. Drona riu. Você é perverso, Karna. Seu desejo é simplesmente ferir
os pandavas. O conselho que dei foi apenas pensando no bem-estar dos Kurus. Se
for ignorado, então, segundo minhas previsões, a casa Kuru será destruída.
Karna bufou e já ia responder, mas Vidura se levantou e o impediu, erguendo a
mão. Então, o primeiro-ministro Kuru falou: Ó rei, você deveria agradecer a
Bishma e Drona. Mesmo depois de uma consideração cuidadosa, não consigo
imaginar melhores amigos do que os dois. Têm a melhor disposição tanto com
relação aos Kauravas quanto aos pandavas, são sábios e conhecem todas as
escrituras. Suas palavras só têm como alvo o seu bem. Aqueles que discordam
deles, procurando aumentar seu apego pelos filhos, dão conselhos cheios de
maldade. Vidura olhou para Duriodhana enquanto continuava. Quem, se não um
amaldiçoado pelos deuses, tentaria conquistar pela guerra quando pode chegar a
um consenso por meios pacíficos? Os pandavas nunca serão vencidos em batalha.
São iguais aos celestiais e têm a seu lado o poderoso Krishna. Saiba que onde
quer que Krishna esteja, lá estará a vitória. Um murmúrio de vitória soou na
assembleia com as palavras de Vidura. Só Duriodhana, Karna e Dushasana
desaprovaram, virando o rosto em atitude debochada. Todos olharam para
Dritarastra, que permaneceu em silêncio por alguns instantes e depois disse: De
acordo com meu ponto de vista, Bishma, Drona e Vidura falaram a verdade. Não há
dúvidas de que esses grandes heróis, os pandavas, são tão filhos meus quanto de
Pandu. Saber da sobrevivência deles removeu toda a minha tristeza. É de fato
uma felicidade que eles e sua mãe estejam vivos e que Purochana tenha perecido.
A aliança deles com Drupada também é muito afortunada. Ó Vidrua, vá até
Kampilia e traga-os de volta. Com certeza eles merecem receber o reino, da
mesma forma que meus próprios filhos. O rei deu por terminada a assembleia,
depois de ter tomado as decisões finais. Duriodhana e os irmãos saíram correndo
do salão e atravessaram o imenso pátio de mosaicos com seus robes de seda
esvoaçando atrás deles. Enquanto todos se dispersavam, Vidrua ajudou o rei a
descer do trono e o levou até seus aposentos. Na manhã seguinte, Vidura partiu
para Kampilia. Levava consigo uma grande quantidade de joias e toda a sorte de
ricos presentes. Acompanhado por um destacamente de soldados, viajou pelos
atalhos da floresta até chegar ao reino de Drupada. Vidrua tinha ouvido falar
que Krishna estava em Kampilia, visitando os pandavas, e o ministro Kuru ficou
feliz só de pensar em vê-lo. Muitas vezes ouvira dos rishis acerca da
identidade divina de Krishna. Não tinha dúvida de que era Deus, nascido na
terra com propósitos próprios e inescrutáveis. Depois de três dias de viagem,
ele avistou a distância os altos edifícios de Kampilia. Com os raios do sol
refletindo nos domos de ouro dos templos, a cidade parecia uma grande nuvem
cortada por relâmpagos. Quando chegou a suas vizinhanças, os mensageiros
correram para informar Drupada. O rei panchala veio pessoalmente recebe-lo com
os pandavas. Elesw saudaram Vidura com afeto e respeito, reverenciando-o com
ofertas de arghya, e então o ministro Kuru os presenteou com todos os valiosos
artigos que trouxera de Hastinapura. Finalmente, quando todos conversavam nos
aposentos de Drupada, Vidura disse: Ó rei, Dritarastra lhe envia as mais
calorosas saudações. Ele e todos os seus ministros se rejubilaram ao saber de
nossa aliança com o senhor. Cada um deles – e na verdade cada cidadão de
Hastinapura – espera ansiosamente para rever os filhos de Pandu. Também querem
muito rever a rainha Kunti e conhecer a divina Draupadi. Ó senhor, permita
gentilmente que eles regressem comigo. Drupada sorriu e assentiu: Ó homem de
grandes conhecimentos, também estou satisfeito com nossa aliança. É adequado
que os príncipes retornem agora a seu reino ancestral, mas não estou em posição
de ordenar que o façam. Aqui está Krishna, a maior autoridade. Se ele assim
permitir, e se Iudistira e seus irmãos assim o desejarem, eles poderão ir.
Drupada não sabia ao certo que tipo de recepção esperava os pandavas em
Hastinapura. Se era qualquer coisa semelhante ao tratamento que até então tinham
recebido, então seria melhor que eles se mantivessem afastados. Mas Krishna
certamente saberia o que era mais adequado. Drupada o procurou com os olhos.
Krishna se virou par Iudistira, pedindo-lhe que falasse, e o pandava disse: Ó
rei, nós agora dependemos do senhor. Cumpriremos alegremente qualquer ordem
sua. Krishna, que se sentava ao lado de Drupada numa cadeira alta coberta de
joias, falou: Minha opinião é que eles devem ir. Ó rei, o senhor é o mais
experiente e mais erudito homem aqui presente, diga-nos o que pensa. Drupada
concordou com Krishna. Não existe ninguém que deseje mais o bem aos pandavas do
que você, ó Krishna. Sua decisão certamente será pautada no maior interesse
deles. Que sejam feitos os preparativos para que eles partam pela manhã. No dia
seguinte No dia seguinte, depois de se despedirem de Drupada, os pandavas
subiram num grande carro dourado com Draupadi e partiram. À sua frente iam
Vidura e os soldados de Hastinapura. O
rei e sua esposa os seguiram a pé, chorando porque sua filha amada os deixava.
Krishna acompanhou os príncipes em seu próprio carro esplêndido, e atrás dele
vinha marchando um contingente de soldados poderosos. A procissão saiu de
Kampilia como uma linha de seres celestiais partindo de Amaravati, a capital de
Indra. Quando entraram em Hastinapura, uma multidão os esperava em fila na
estrada e nas ruas da cidade. O povo cercava os carros, saudando os pandavas
alegremente. Bem-vindos! Hoje o rei Pandu voltou à vida! À passagem deles, os
brâmanes os abençoavam. Em troca dos muitos atos religiosos que fizemos, deixem
os pandavas viverem em nossa cidade por cem anos! O povo jogava pétalas de
flores e arroz, tocando o solo com a cabeça, à passagem de Krishna, e as
pessoas ricas jogavam pedras preciosas das janelas e varandas de suas casas. De
pé no carro, os pandavas acenavam para os cidadãos. Os irmãos se emocionaram
até as lágrimas ao rever a cidade. Dritarastra mandou que Drona, Kripa e outros
ministros importantes viessem receber a procissão na estrada. Levaram os pandavas
e Krishna ao grande palácio designado por Dritarastra para que eles se
instalassem, informando que na manhã seguinte teriam uma assembleia real. O rei
decidiria o assunto do reino, de uma vez por todas. No dia seguinte, os
pandavas tomaram seus lugares no vasto salão da assembleia. Krishna recebeu um
lugar de honra próximo ao rei e se sentou confortavelmente, parecendo que
iluminava o lugar com a resplandecência de sua presença. Quando todos se
assentaram, Dritarastra falou: Certamente fomos agraciados pelos deuses para
termos os filhos de Pandu de volta ente nós. Para que no futuro nenhuma disputa
surja entre eles e os Kauravas, desejo dividir o reino em duas partes. Ó
Iudistira, querido filho, vá para Kandava. Esta é a metade do reino que lhe
cabe. A assembleia emudeceu depois que o rei falou. Bishma e Vidura se
entreolharam. Dritarastra tinha certamente dado a metade do reino, mas ela era
totalmente vazia, inóspita. Amaldiçoada há muitos anos por um rishi, fora
abandonada e nada mais era que um deserto com partes de floresta. Iudistira não
se preocupou. Sentia-se feliz em aceitar qualquer lugar, se isso significasse
paz. O pandava viu que Krishna sorrira ao ouvir o nome Kandav. Ele saberia o
que fazer. Além disso, Dritarastra era o monarca governante e, como tal,
representava Deus. Iudistira nunca questionaria uma ordem sua. De mãos postas,
disse: Será como o senhor ordena, ó rei. Partiremos amanhã. Na manhã seguinte.
Dritarastra coroou Iudistira rei de Kandava. O próprio Viasadeva fez os rituais
e, quando chegou a hora de os pandavas partirem, seguiu com os irmãos. Krishna
também os acompanhou. Quando chegaram à vasta região de Kandava, ele pediu a
Viasadeva que selecionasse um local auspicioso para a cidade ser fundada.
Então, Krishna invocou Indra e, quando a divindade apareceu, brilhando como o
sol, ele disse: Ó rei dos deuses, espalhe seu néctar celestial sobre esta
terra. Torne-a rica e fértil. Depois, construa uma cidade celestial para os
pandavas. Indra começou a trabalhar. Chamou o arquiteto celeste, Vishvakarma,
para começar a construir a cidade. Logo muitas grandes mansões foram
construídas e se enfileiravam ao longo de amplas avenidas. Imensos palácios de
mármore branco foram erigidos no centro da cidade, juntamente com lindos
pomares, por toda parte. O dus construiu muitos templos dedicados a Vishnu e às
divindades principais. Grandes e altos muros de granito cercaram a cidade, com
um largo fosso ao redor. Pelo poder do néctar de Indra, as terras vizinhas se
tornaram férteis e verdes. Bosques deliciosos, cheios de árvores cheirosas e
floridas se espalharam à volta de toda a cidade. Dentro dos bosques existiam
lagos com flores de lótus e, frequentemente, cisnes e cegonhas. Os pandavas se
estabeleceram no palácio central, que se assemelhava ao celestial monte Meru,
residência dos deuses. A cidade logo começou a atrair milhares e milhares de
brâmanes ascetas, que tomaram para si as casas construídas ao redor dos
quarteirões reais. Pessoas de todas as outras castas e profissões também
chegaram em grande número para habitar a cidade, que se tornou conhecida como
Indraprasta, ou Cidade de Indra. Devido a amizade que tinha pelos pandavas,
Krishna permaneceu na cidade ainda por algumas semanas. Ele e Arjuna eram muito
unidos e passavam bastante tempo juntos. Draupadi aproveitava cada oportunidade
para servir Krishna, e se tornou muito querida por ele. Livro Mahabharata
Recontado por Krishna Dharma – Versão Condensada da Maior Epopeia do Mundo.
Abraço. Davi
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