quinta-feira, 14 de novembro de 2019

UM REINO DIVIDIDO


Mahabharata. Versão Condensada da Maior Epopeia do Mundo. Recontado por Krishna Dharma. Capítulo Sete. UM REINO DIVIDIDO. KUNTI ESPERAVA PELA CHEGADA DOS FILHOS, na cabana do ceramista, e estava ansiosa. E se eles fossem descobertos? Duriodhana e seus irmãos certamente estariam no swayamvara. Se vissem que os pândavas estavam vivos, provavelmente tentariam mata-los. Kunti se lembrou das predições de Viasadeva. Com certeza o famoso sábio não erraria, mas o destino sempre lhe parecera difícil de ser sondado. O Senhor Supremo era o único controlador – e ninguém poderia conhecer seus planos. Kunti se mantinha ocupada preparando o jantar dos filhos. Enquanto caminhava pela cabana, de repente ouviu a voz de Arjuna, que a cumprimentava: Querida mãe, estamos de volta. Venha ver que esmolas excelentes recebemos hoje! Sentindo-se aliviada, Kunti respondeu: Estou feliz que estejam a salvo. Dividam as esmolas igualmente entre os cinco. Então Arjuna entrou na cabana com Iudistira. Draupadi entrou no meio dos dois, e quando Kunti a viu, ficou desolada. Oh, o que foi que eu disse? A rainha Kuru sentiu que seus princípios religiosos estavam ameaçados, pois ela valorizava a verdade acima de tudo. Nem de brincadeira se permitia falar uma coisa que não fosse verdadeira. Mas já tinha dito que os filhos deveriam repartir Draupadi. Como isso seria possível? Nenhuma mulher poderia ter cinco maridos. Ela olhou preocupada para Iudistira. Não se preocupe, mãe, Iudistira respondeu: Você certamente se salvará do pecado. Iudistira se dirigiu a Arjuna: Foi você quem ganhou a mão da princesa em casamento e, assim, deve tomar sua mão em sagrado matrimônio. Arjuna olhou para o irmão, horrorizado. Por favor, não me considere um pária sem princípios! Que homem virtuoso aceitaria a mão de uma mulher na presença de seu irmão mais velho solteiro? Você é que deveria se casar com ela, não eu. Depois de você, Bima deveria se casar e só então eu, e finalmente os gêmeos. Nesse momento, os outros pandavas entraram na cabana e, ouvindo as palavras de Arjuna, olharam para Draupadi, que sorriu e lhes devolveu o olhar. Todos os cinco irmãos sentiram que seus corações saltavam no peito e a mente se coloria. A princesa panchala brilhava de tão bela, enchendo a cabana com o perfume natural de seu corpo. Os irmãos não podiam despregar os olhos dela. Vendo a condição em que os irmãos se encontravam, Iudistira temeu que Drupadi trouxesse a desunião entre eles. Depois de refletir por alguns momentos, disse: Esta moça casta deverá se tornar a esposa de todos nós. Essa foi a ordem dada por nossa mãe e acredito que era isso que Viasadeva queria dizer quando nos falou do destino dela. Na época, os irmãos tinham apenas imaginado o que o sábio queria dizer com aquelas palavras, mas agora compreendiam. Todos ficaram felizes, pois Draupadi era um prêmio acima de qualquer comparação. Naquele momento, ouviram bater à porta e Krishna entrou. Vendo Iudistira sentado no chão com os irmãos à sua volta, como Indra no meio dos deuses chefes, ele se aproximou e tocou-lhe os pés. Sou seu primo, Krishna. Aqui também está meu irmão, Balarama. Krishna e Balarama também reverenciaram Kunti, ajoelhando-se ante ela e tocando seus pés. Iudistira ficou surpreso ao vê-los. Como nos achou? Perguntou. Krishna sorriu. O fogo é facilmente detectado, mesmo quando coberto. Que outros homens, senão vocês próprios, seriam capazes de fazer o que fizeram no swayamvara? Por sorte escaparam do incêndio em Varanavata e o mau desejo de Duriodhana foi descoberto. Eu os abençoo. Que possam crescer em prosperidade, como o fogo numa caverna, que gradualmente se espalha por todo o lugar. Os irmãos agradeceram a Krishna, de mãos postas, e este lhes aconselhou a que partissem logo, antes que alguém os descobrisse, e saiu furtivamente da cabana com Balarama. Tendo visto o primo de Madura e ouvido suas palavras de esperança, os irmãos sentiram-se confiante, e estavam certos de que em breve recuperariam o reino. Como a mãe, tinham fé em Krishna com o Senhor Supremo Todo Poderoso. Não muito longe da cabana. Dristadiúmna observou Krishna e o irmão entrarem e saírem. Curiosos para saber quem tinha se casado com sua irmã, o príncipe panchala tinha seguido os pandavas desde o estádio. Ele se colou à parede da cabana e espiou pela janela. Lá dentro, viu os cinco irmãos e Kunti sendo servidos por Draupadi. Observou como ela deu porções iguais a todos e outra enorme – igual às dos outros todos juntas – ao homem que tinha derrotado Shalya. Enquanto comiam, os irmãos discutiam sobre armas e guerra. Dristadumna escutou enquanto eles discutiam na linguagem dos guerreiros, rindo juntos quando descreviam a luta no swayamvara e o modo como tinham posto os monarcas para correr! Mais tarde, os pandavas se deitaram para dormir. Draupadi, sorrindo com grande felicidade, deitou-se humildemente aos pés dos cinco, e Kunti se deitou acima das cabeças dos filhos. Dristadiumna já tinha visto e ouvido o suficiente. Era claro que aqueles homens não eram brâmanes. Naturalmente, eram grandes guerreiros, provavelmente reis disfarçados. Seriam os pandavas? O príncipe se afastou em silêncio e voltou rapidamente para o palácio, para informar o pai tudo que tinha visto. No palácio, Drupada estava preocupado. Já fazia horas que seu filho seguira os brâmanes. Para onde eles teriam levado sua filha? Por que não ficaram na cidade? A cerimônia apropriada do casamento ainda não tinha sido feita. O rei mordia os lábios e olhava para o vazio através da janela. Mas, para seu alívio, logo percebeu que Dristadiumna se aproximava rapidamente. Desceu correndo para falar com o príncipe, perguntando-lhe imediatamente sobre Draupadi. Onde está minha filha querida agora? Quem é aquele homem que a obteve no teste? Ele é mesmo um brâmane de berço nobre eu, quem sabe, um grande guerreiro de nobre estirpe? Estou certo de que ela não deve ter sido levada por qualquer homem de nascimento obscuro. Ó filho, meu maior desejo é que ela tenha se casado com Arjuna. Ó, onde estarão os pandavas agora? Será que esses heróis ainda vivem? Dristadiumna falou sorrindo: Ó pai, vi aqueles cinco homens levarem Draupadi com eles a uma cabana de ceramista perto da cidade. Lá, uma senhora, linda como um lótus azul, que parece ser a mãe dos cinco, os saudou. Draupadi os servia feliz e, mais tarde, deitou-se aos pés dos homens. Enquanto conversavam, Drupada e o filho entraram no palácio. O príncipe descreveu com ouvira os cinco brâmanes falando de assuntos marciais. Eles têm vozes profundas como trovões e parecem cinco deuses refulgentes. Estou certo de que são de estirpe real. E, pela maneira como o alvo foi atingido, no teste, pelo fato de eles serem cinco e estarem viajando com a mãe, e também pela linguagem e aparência deles, acredito que seu desejo tenha se realizado. Eles só podem ser Kunti e os filhos. Drupada olhou para uma pintura de Vishnu, pendurada na parede do salão, e orou para que as palavras do filho fossem verdadeiras. Ele mal se atrevia a crer que fora  Arjuna quem tinha vencido a prova. Mas quem mais poderia tê-lo feito? Drupada ficou pensativo: Ó filho, mande nosso sacerdote amanhã cedo à caba do ceramista. Ele deverá tentar conhecer a identidade de todos. Nesse ínterim, mande preparar uma grande festa, e peça aos brâmanes para calcularem o dia mais auspicioso para o casamento. No dia seguinte, o sacerdote de Drupada foi à casa dos pândavas. Iudistira o recebeu respeitosamente. Depois de se acomodar confortavelmente na cabana, o sacerdote, aceitando o fato de os irmãos serem brâmanes, disse: Ó veneráveis, o rei Drupada foi felicíssimo ao ve que sua filha foi ganha em assembleia por um maravilhoso feito de armas. Mas está ansioso para saber quem são vocês? O rei acredita que sejam os pandavas disfarçados. Isso é verdade? Seu maior desejo sempre foi que Arjuna se casasse com sua filha. Será que isso se realizou? Iudistira se virou para os irmãos. Por favor, tragam água e lavem os pés deste homem. Ele é o sacerdote de Drupada, e digno de nosso maior respeito. Bima logo cumpriu a ordem de Iudistira, que então falou: Ó brâmane, o rei estabeleceu um preço para a mão de sua filha. Esse preço já foi pago e, portanto, não há nada mais a ser dito sobre nossa linhagem. Todas essas questões já foram respondidas quando o alvo foi atingido pela flecha. Ao ouvir a firme recusa de Iudistira, o sacerdote arregalou os olhos, mas Iudistira o serenou: Nada tema, senhor. O maior desejo do rei logo será satisfeito. Um homem sem qualificação ou sem berço poderia ter passado no teste? Volte e diga a Drupada que não precisa se preocupar. Quando o sacerdote se retirou, chegou outro mensageiro do palácio para anunciar que estava sendo preparada uma festa na cidade. O rei pede que vocês todos compareçam. Disse que uma cerimônia de casamento adequada já pode ser feita agora, se tal lhe agrada. Iudistira assentiu com a cabeça e sorriu. O mensageiro lhes mostrou um refinado carro de ouro, ao qual eles subiram com Draupadi e Kunti. Logo chegaram ao grande palácio branco em Kampilia e foram levados a um salão onde uma festa suntuosa os esperava. Liderados por Iudistira, todos entraram no grande salão, que era coberto de preciosos tapetes e todo decorado com riquíssimas pinturas. Os assentos dispostos para os convidados eram de ouro e cobertos de seda. Confortáveis em meio a toda aquela opulência, os irmãos ocuparam seus lugares sem hesitação. Imediatamente criados muito bem trajados os serviram, em pratos de ouro e prata, de todos os tipos de comidas maravilhosas. Depois de comerem, os pandavas lavaram suas mãos e se levantaram. Viram que numerosas mesas haviam sido postas ao longo das paredes do salão. Algumas delas continham a parafernália utilizada pelos brâmanes nos sacrifícios. Noutras, artigos usados por mercadores e comerciantes, e, noutras ainda, havia armas e armaduras. Os irmãos imediatamente se dirigiram às armas e começaram a examiná-las com interesse. Vendo isso, e percebendo seus gestos de leões prontos para o bote e os corpos fortes e musculosos, enquanto os irmãos andavam pelo salão, o rei se rejubilou. Não havia dúvida de que aqueles eram guerreiros de linhagem real. Drupada se aproximou deles e, com um grande sorriso, perguntou: Devemos aceita-los como brâmanes ou como guerreiros? Ou, quem sabe, vocês são seres celestiais disfarçados de brâmanes que vieram para ganhar a mão de minha filha? A verdade é a maior das virtudes, caros senhores. Por favor, serenem minhas dúvidas. Iudistira olhou o rei fixamente nos olhos. Ó monarca panchala, felicite-se! Seu desejo foi satisfeito. Saiba que somos Kshátrias, guerreiros de linhagem real. Somos filhos do ilustre Pandu. Sou Iudistira; este é Bima; o arqueiro estupendo que venceu o teste e ganhou a mão de sua filha é Arjuna. E estes dois são os gêmeos Nakula e Sahadeva. A senhora que acompanhou Draupadi às câmaras internas é nossa mãe, Kunti. Ó rei, como uma flor de lótus transplantada de um lago cristalino para outro, sua filha casta saiu de uma casa real para entrar noutra. Agora, o senhor é nosso venerável sogro e guru. Isso é tudo. Por alguns momentos, Drupada ficou mudo. As lágrimas corriam de seus olhos, e suas pernas tremiam pela emoção do êxtase. Controlando com dificuldade a alegria, finalmente disse: Que maior felicidade do que esta pode existir? Quando soubemos do incêndio, tememos o pior. Mas agora vemos que nossas orações foram atendidas. Diga-me, ó herói, como foi que escaparam de Varanavata? Iudistira explicou tudo detalhadamente. Drupada censurou severamente a atitude de Dritarastra. Como é que o rei cego permitiu que tudo isso acontecesse? Assegurou aos pandavas que poderiam morar com ele pelo tempo que desejassem. Dirigindo-se, então, a Arjuna, disse: Que este poderoso herói leve Draupadi pela mão nos rituais necessários. Hoje é um dia auspicioso. Iudistira respondeu: Ó rei, devo me casar primeiro, como irmãos mais velho. Então leve-a você pela mão, ou que ela seja entregue a qualquer um dos cinco. O rei sentiu que todos eles eram iguais aos olhos divinos. Iudistira balançou a cabeça. Draupadi não se casará com um de nós. Ela será a esposa de todos nós. Drupada prendeu a respiração e deu um passo para trás. E isso é consistente com a virtude? Ó descendente de Bharata, nunca ouvi falar de uma mulher que tenha vivido com cinco maridos. Iudistira respondeu com firmeza: Já considerei tudo isso com cuidado, ó rei. Minha mente sempre se afasta do pecado, e não vejo nenhum erro em Draupada se tornar a esposa de todos nós. Nossa mãe, a pura Kunti, também aprova essa decisão. Não há nada a temer, ó rei, pois tudo será feito de acordo com a virtude. Drupada ainda estava indeciso. Por favor, me perdoem, mas gostaria de me consultar sobre este assunto com os brâmanes antes de decidir o que será feito. Amanhã farei o que for mais apropriado. Enquanto discutiam, Viasadeva chegou no palácio. Vendo o rishi refulgente, todos se levantaram e o reverenciaram. Abençoando-os primeiro, ele saudou todos os presentes e então se sentou. Drupada imediatamente lhe perguntou acerca da proposta feita por Iudistira, e o sábio respondeu: Pois vim até aqui especificamente para esclarecer essa dúvida. Na minha opinião, não é um pecado a sua filha aceitar os cinco irmãos como maridos. E vou explicar por quê. Viasadeva pediu para falar a sós com Drupada. Eles foram até os aposentos do rei e o sábio começou a narrar uma história muito antiga. Descreveu como os cinco pandavas tinham sido deuses poderosos em encarnações anteriores, quando teriam sido destinados a se casar com uma encarnação da deusa Lakshmi, por mérito, e como Draupadi era essa encarnação. Ela também recebera uma graça do deus Shiva, segundo a qual teria cinco maridos. Não pode haver falta alguma nesses atos divinos, concluiu Viasadeva. Portanto, permita que sua filha se case com os pandavas. Drupada sentiu que sua dúvida se desvanecia com o esclarecimento do rishi onisciente. Concordou alegremente e ordenou que a cerimônia fosse feita logo. O palácio estava decorado com incontáveis guirlandas de flores e adornado em todos os lugares com pedras preciosas. Fileiras de soldados armados, com suas roupas de gala imaculadas, percorriam todo o pátio, enquanto Daumya acendia o fogo sagrado. Mantras sagrados foram entoados, acompanhados de música suave, e o povo celebrou quando os pandavas aceitaram a mão de Draupadi. Em cada um dos cinco dias consecutivos ela se casaria com um dos irmãos, no meio de muitas celebrações pela cidade toda. Tendo sabido do evento, Krishna enviou grande quantidade de joias como presente de casamento para os irmãos. Ouro, joias, sedas caríssimas, cobertores macios e peles, cavalos, elefantes, carros e toda a sorte de artigos preciosos chegaram de Madrua. Querendo agradar a Krishna, Iudistira aceitou os presentes e lhe mandou uma mensagem, agradecendo. No meio de muita felicidade, os cinco irmãos e sua esposa, com a mãe, começaram a viver juntos em Kampilia. A notícia da sobrevivência dos pandavas logo se espalhou por todo o mundo. Sabendo da traição dos Kurus contra os irmãos, muitos reis censuravam Dritarastra e os outros líderes Kurus. Por que eles não demonstram nenhum amor por esses heróis virtuosos? Era a pergunta que traduzia o sentimento mais comum entre eles. Os espiões de Duriodhana lhe trouxeram a notícia enquando ainda viajava de volta a Hastinapura. Ele balançou a cabeça, descrente e horrizado. Compreendendo que seus inimigos mortais não apenas não tinham perecido mas ainda haviam se fortalecido com a aliança com Drupada, o príncipe sibilou de frustração. Muito deprimido amaldiçoou Purochana. Dushasana criticou Arjuna. O pandava foi desleal na competição, disfarçando-se de brâmane. Se tivesse revelado sua identidade, nunca teria passado no teste porque o teríamos capturado. Com certeza, o destino é supremo e os esforços dos homens, inúteis! Duriodhana se sentiu pouco à vontade. Agora temos motivos para nos preocupar, caro irmão. Nossos primos têm guerreiros poderosos do lado deles. Já vimos o poder de Drupada e, além disso, seu filho Dristadiumna está predestinado a matar Drona. Precisamos falar com nosso pai. Entrando na cidade, os Kauravas correram para dentro do palácio. Em Hastinapura, os sentimentos acerca da notícia eram diferentes. Bishma e Vidura se rejubilaram quando ouviram a novidade. Vidura correu para conta-la a Dritarastra, dizendo: Ó rei, que felicidade, os Kurus estão prosperando! Pensando que Vidura se referia ao sucesso de Duriodhana no swayamvara, o rei cego exclamou: Que boa sorte! E ordenou imediatamente: Mande que façam adornos para a princesa panchala. Dê-lhes as joias mais finas. O rei pegou a mão de Vidura. Ó irmão sábio, que Duriodhana e Draupadi venham logo à minha presença em grande pompa. Este é um dia feliz. Vidura riu e disse: Ó rei, o senhor não entendeu. A princesa foi ganha por Arjuna. Ele e os irmãos sobreviveram ao incêndio e agora estão em Kampilia. Dritarastra jogou as costas no trono e, batendo palmas, exclamou: Que maravilha! Os filhos de Pandu me são mais queridos do que foram para ele próprio. Esta notícia me enche de alegria. Vidura olhava fixamente seu irmão cego. Ó rei, que este sentimento possa encher seu coração por cem primaveras! Enquanto conversavam, Duriodhana e Karna entraram no salão. Vendo Vidura, os dois sorriram e o cumprimentaram discretamente. Saudaram o rei, mas se mantiveram silenciosos até que Vidura saiu. Quando Duridhana se certificou de que o tio estava distante o bastante para não ouvi-los, disse ao rei: Ó pai, como é que o senhor está vendo nossos inimigos sob uma perspectiva tão agradável? Por que se alegra ao saber do sucesso deles? Ó melhor dos homens, o sucesso deles é nosso maior perigo. Devemos agir rapidamente para nos assegurar de que não estamos sendo engolidos por eles, junto com toda a nossa riqueza e nossos seguidores. Dritarastra procurou a mão do filho. Meus desejos são os seus, caro filho. Não queria revelar esses sentimentos a Vidura. Mas, diga-me, quais você acha que são os nossos interesses agora? Duriodhana olhou para Karna e sorriu: Eis o que acho que deveríamos fazer: vamos mandar imediatamente alguns brâmanes de confiança, e habilidosos, a Kampilia, para que espalhem sementes de discórdia entre os irmãos. Eles poderiam, por exemplo, fomentar uma inimizade entre os filhos de Kunti e os filhos de Madri. Ou podemos oferecer muitas riquezas a Drupada para que abandone os pandavas e se alie a nós. Ou ainda poderíamos incitar Draupadi contra os maridos. E isso não deve ser difícil para uma mulher que tem cinco maridos. Talvez até pudéssemos tentar os pandavas com mulheres lindas, fazendo com que Draupadi os rejeite. Duriodhana parecia se aliviar à medida que apresentava suas sugestões. Atacou o ar com uma espada imaginária e continuou: Se pudermos de alguma forma liquidar Bima, todos os nossos problemas se resolveriam. Sem ele, os pandavas não valem nada. Devem existir espiões que sejam capazes de eliminá-lo, não? Duriodhana ria só em pensar na morte de Bima. Finalizando o discurso, disse: E, se tudo isso falhar, ainda podemos trazê-lo de volta a Hastinapura e então usar nossos imensos recursos e poder para liquidá-los. Quem nos impediria? O que você acha, Karna? Duriodhana se virou para o amigo, que balançou a cabeça e respondeu: Ó Duriodhana, não acho que suas ideias sejam ponderadas. Nenhuma intriga funcionará contra os pandavas, muito menos maquinações ou traições. Você já tentou de tudo, sem sucesso, quando eles eram meninos, sem amigos nem aliados, lembra-se? À época, eles viviam aqui, nessa cidade. Agora são homens, poderosos, vivem longe e ainda por cima se aliaram ao grande Drupada. Karna continou invalidando as outras propostas de Duriodhana. Segundo seu ponto de vista, não havia a menor chance de criar desunião entre os cinco irmãos, pois eles eram como uma única pessoa. Quanto a Draupadi, ela os tinha aceitado quando eram pobres e próximos do exílio; como os rejeitaria agora? E, além disso, o pai dela é virtuoso e verdadeiro. Ele não abandonaria os genros por nenhum preço. Karna andava para lá e para cá enquanto falava. Parou à frente de Dritarastra com as mãos nos quadris e disse: Eis minha ideia, ó rei. Junte um exército e faça-o marchar até Kampilia agora. Lideradas por mim e Duriodhana, suas grandes tropas logo arrasarão os pandavas e Drupada. Esqueçam todos os truques, pois só o poder trará o sucesso. E isso tem de ser feito logo, antes que Krishna venha com as imensas hostes iadavas para apoiar os primos. Se isso acontecer, teremos uma tarefa altamente difícil pela frente. Vamos mostrar nossa força agora. Depois de vencer nossos inimigos, você governará todo o mundo como um imperador inatingível. Dritarastra elogiou Karna. Ó suta, você é um herói poderoso, sem dúvida. Seu discurso é impressionante. Mas antes de lançar-me a tal empresa preciso consultar Bishma e os outros Kurus. Não podemos simplesmente expressar hostilidade aos inimigos poderosos sem o apoio deles. Karna abaixou a cabeça e olhou para Duriodhana, que fez uma careta. Como poderiam Bishma e Drona concordar com um ataque aos pandavas? Ele tentou argumentar, mas Dritarastra mostrou-se firme no propósito de reunir uma assembleia para discutir o que poderia ser feito. Quando todos os líderes Kurus estavam sentados no salão de audiências, o rei cego lhes disse o que Karna sugerira. Bishma imediatamente se levantou, as lágrimas caindo pelo rosto, e falou: Os filhos de Pandu são como nossos próprios filhos. Eles me são tão caros quanto seus filhos, ó rei, e igualmente merecedores de nossa proteção. Nunca poderia concordar numa luta contra eles. O que deveríamos fazer é um acordo, cedendo-lhes metade do reino. Este é o único caminho virtuoso. Se eles não têm direito ao trono, então que direito têm os Kauravas? Na verdade, o trono pertencia ao pai deles, Pandu; que dizer então dos filhos? Bishma fez uma pausa e olhou a assembleia. Ninguém podia argumentar. Todos silenciaram e ele continuou, tornando claro por que não deveriam demorar a devolver aos pandavas a posição que deveriam ocupar por direito. De outra forma, atrairemos com esse pecado a infâmia. Desde o momento em que soube que eles haviam perecido no incêndio, não conseguia olhar de frente nenhum ser vivo. A sobrevivência deles salva nossa casa de uma nódoa terrível. Pela graça de Deus nossa reputação foi salva. Não devemos abandonar essa dádiva. Acolham os pandavas! Não os enfrentem numa batalha. Eles são virtuosos e unidos e nem mesmo Indra, o rei dos deuses, poderia tirar deles o reino paterno pela força. Drona, então, levantou-se e falou: Um amigo sincero, quando consultado, sempre falará a verdade, seja ela agradável ou não. Ó rei, sou da mesma opinião que Bishma. Os filhos de Pandu devem receber seu reino. Isso é virtude eterna. Drona sugeriu que se enviassem logo mensageiros a Kampilia, com muitos presentes valiosos para os pandavas e Drupada. Seus próprios filhos deveriam ir e trazer de volta os pandavas para Hastinapura. Receba-os com amor, ó rei, pois eles são como seus filhos. Ouvindo isso, o rosto de Karna se escureceu. Levantando-se rápido e, apontando para Bishma e Drona, disse: Esses dois não são confiáveis! Ó rei, embora mantidos pelo senhor, não demostraram a mínima gratidão. De mãos dadas com os inimigos, falam como se esses fossem amigos! O senhor deveria, certamente, ignorar seus conselhos. Drona riu. Você é perverso, Karna. Seu desejo é simplesmente ferir os pandavas. O conselho que dei foi apenas pensando no bem-estar dos Kurus. Se for ignorado, então, segundo minhas previsões, a casa Kuru será destruída. Karna bufou e já ia responder, mas Vidura se levantou e o impediu, erguendo a mão. Então, o primeiro-ministro Kuru falou: Ó rei, você deveria agradecer a Bishma e Drona. Mesmo depois de uma consideração cuidadosa, não consigo imaginar melhores amigos do que os dois. Têm a melhor disposição tanto com relação aos Kauravas quanto aos pandavas, são sábios e conhecem todas as escrituras. Suas palavras só têm como alvo o seu bem. Aqueles que discordam deles, procurando aumentar seu apego pelos filhos, dão conselhos cheios de maldade. Vidura olhou para Duriodhana enquanto continuava. Quem, se não um amaldiçoado pelos deuses, tentaria conquistar pela guerra quando pode chegar a um consenso por meios pacíficos? Os pandavas nunca serão vencidos em batalha. São iguais aos celestiais e têm a seu lado o poderoso Krishna. Saiba que onde quer que Krishna esteja, lá estará a vitória. Um murmúrio de vitória soou na assembleia com as palavras de Vidura. Só Duriodhana, Karna e Dushasana desaprovaram, virando o rosto em atitude debochada. Todos olharam para Dritarastra, que permaneceu em silêncio por alguns instantes e depois disse: De acordo com meu ponto de vista, Bishma, Drona e Vidura falaram a verdade. Não há dúvidas de que esses grandes heróis, os pandavas, são tão filhos meus quanto de Pandu. Saber da sobrevivência deles removeu toda a minha tristeza. É de fato uma felicidade que eles e sua mãe estejam vivos e que Purochana tenha perecido. A aliança deles com Drupada também é muito afortunada. Ó Vidrua, vá até Kampilia e traga-os de volta. Com certeza eles merecem receber o reino, da mesma forma que meus próprios filhos. O rei deu por terminada a assembleia, depois de ter tomado as decisões finais. Duriodhana e os irmãos saíram correndo do salão e atravessaram o imenso pátio de mosaicos com seus robes de seda esvoaçando atrás deles. Enquanto todos se dispersavam, Vidrua ajudou o rei a descer do trono e o levou até seus aposentos. Na manhã seguinte, Vidura partiu para Kampilia. Levava consigo uma grande quantidade de joias e toda a sorte de ricos presentes. Acompanhado por um destacamente de soldados, viajou pelos atalhos da floresta até chegar ao reino de Drupada. Vidrua tinha ouvido falar que Krishna estava em Kampilia, visitando os pandavas, e o ministro Kuru ficou feliz só de pensar em vê-lo. Muitas vezes ouvira dos rishis acerca da identidade divina de Krishna. Não tinha dúvida de que era Deus, nascido na terra com propósitos próprios e inescrutáveis. Depois de três dias de viagem, ele avistou a distância os altos edifícios de Kampilia. Com os raios do sol refletindo nos domos de ouro dos templos, a cidade parecia uma grande nuvem cortada por relâmpagos. Quando chegou a suas vizinhanças, os mensageiros correram para informar Drupada. O rei panchala veio pessoalmente recebe-lo com os pandavas. Elesw saudaram Vidura com afeto e respeito, reverenciando-o com ofertas de arghya, e então o ministro Kuru os presenteou com todos os valiosos artigos que trouxera de Hastinapura. Finalmente, quando todos conversavam nos aposentos de Drupada, Vidura disse: Ó rei, Dritarastra lhe envia as mais calorosas saudações. Ele e todos os seus ministros se rejubilaram ao saber de nossa aliança com o senhor. Cada um deles – e na verdade cada cidadão de Hastinapura – espera ansiosamente para rever os filhos de Pandu. Também querem muito rever a rainha Kunti e conhecer a divina Draupadi. Ó senhor, permita gentilmente que eles regressem comigo. Drupada sorriu e assentiu: Ó homem de grandes conhecimentos, também estou satisfeito com nossa aliança. É adequado que os príncipes retornem agora a seu reino ancestral, mas não estou em posição de ordenar que o façam. Aqui está Krishna, a maior autoridade. Se ele assim permitir, e se Iudistira e seus irmãos assim o desejarem, eles poderão ir. Drupada não sabia ao certo que tipo de recepção esperava os pandavas em Hastinapura. Se era qualquer coisa semelhante ao tratamento que até então tinham recebido, então seria melhor que eles se mantivessem afastados. Mas Krishna certamente saberia o que era mais adequado. Drupada o procurou com os olhos. Krishna se virou par Iudistira, pedindo-lhe que falasse, e o pandava disse: Ó rei, nós agora dependemos do senhor. Cumpriremos alegremente qualquer ordem sua. Krishna, que se sentava ao lado de Drupada numa cadeira alta coberta de joias, falou: Minha opinião é que eles devem ir. Ó rei, o senhor é o mais experiente e mais erudito homem aqui presente, diga-nos o que pensa. Drupada concordou com Krishna. Não existe ninguém que deseje mais o bem aos pandavas do que você, ó Krishna. Sua decisão certamente será pautada no maior interesse deles. Que sejam feitos os preparativos para que eles partam pela manhã. No dia seguinte No dia seguinte, depois de se despedirem de Drupada, os pandavas subiram num grande carro dourado com Draupadi e partiram. À sua frente iam Vidura e os  soldados de Hastinapura. O rei e sua esposa os seguiram a pé, chorando porque sua filha amada os deixava. Krishna acompanhou os príncipes em seu próprio carro esplêndido, e atrás dele vinha marchando um contingente de soldados poderosos. A procissão saiu de Kampilia como uma linha de seres celestiais partindo de Amaravati, a capital de Indra. Quando entraram em Hastinapura, uma multidão os esperava em fila na estrada e nas ruas da cidade. O povo cercava os carros, saudando os pandavas alegremente. Bem-vindos! Hoje o rei Pandu voltou à vida! À passagem deles, os brâmanes os abençoavam. Em troca dos muitos atos religiosos que fizemos, deixem os pandavas viverem em nossa cidade por cem anos! O povo jogava pétalas de flores e arroz, tocando o solo com a cabeça, à passagem de Krishna, e as pessoas ricas jogavam pedras preciosas das janelas e varandas de suas casas. De pé no carro, os pandavas acenavam para os cidadãos. Os irmãos se emocionaram até as lágrimas ao rever a cidade. Dritarastra mandou que Drona, Kripa e outros ministros importantes viessem receber a procissão na estrada. Levaram os pandavas e Krishna ao grande palácio designado por Dritarastra para que eles se instalassem, informando que na manhã seguinte teriam uma assembleia real. O rei decidiria o assunto do reino, de uma vez por todas. No dia seguinte, os pandavas tomaram seus lugares no vasto salão da assembleia. Krishna recebeu um lugar de honra próximo ao rei e se sentou confortavelmente, parecendo que iluminava o lugar com a resplandecência de sua presença. Quando todos se assentaram, Dritarastra falou: Certamente fomos agraciados pelos deuses para termos os filhos de Pandu de volta ente nós. Para que no futuro nenhuma disputa surja entre eles e os Kauravas, desejo dividir o reino em duas partes. Ó Iudistira, querido filho, vá para Kandava. Esta é a metade do reino que lhe cabe. A assembleia emudeceu depois que o rei falou. Bishma e Vidura se entreolharam. Dritarastra tinha certamente dado a metade do reino, mas ela era totalmente vazia, inóspita. Amaldiçoada há muitos anos por um rishi, fora abandonada e nada mais era que um deserto com partes de floresta. Iudistira não se preocupou. Sentia-se feliz em aceitar qualquer lugar, se isso significasse paz. O pandava viu que Krishna sorrira ao ouvir o nome Kandav. Ele saberia o que fazer. Além disso, Dritarastra era o monarca governante e, como tal, representava Deus. Iudistira nunca questionaria uma ordem sua. De mãos postas, disse: Será como o senhor ordena, ó rei. Partiremos amanhã. Na manhã seguinte. Dritarastra coroou Iudistira rei de Kandava. O próprio Viasadeva fez os rituais e, quando chegou a hora de os pandavas partirem, seguiu com os irmãos. Krishna também os acompanhou. Quando chegaram à vasta região de Kandava, ele pediu a Viasadeva que selecionasse um local auspicioso para a cidade ser fundada. Então, Krishna invocou Indra e, quando a divindade apareceu, brilhando como o sol, ele disse: Ó rei dos deuses, espalhe seu néctar celestial sobre esta terra. Torne-a rica e fértil. Depois, construa uma cidade celestial para os pandavas. Indra começou a trabalhar. Chamou o arquiteto celeste, Vishvakarma, para começar a construir a cidade. Logo muitas grandes mansões foram construídas e se enfileiravam ao longo de amplas avenidas. Imensos palácios de mármore branco foram erigidos no centro da cidade, juntamente com lindos pomares, por toda parte. O dus construiu muitos templos dedicados a Vishnu e às divindades principais. Grandes e altos muros de granito cercaram a cidade, com um largo fosso ao redor. Pelo poder do néctar de Indra, as terras vizinhas se tornaram férteis e verdes. Bosques deliciosos, cheios de árvores cheirosas e floridas se espalharam à volta de toda a cidade. Dentro dos bosques existiam lagos com flores de lótus e, frequentemente, cisnes e cegonhas. Os pandavas se estabeleceram no palácio central, que se assemelhava ao celestial monte Meru, residência dos deuses. A cidade logo começou a atrair milhares e milhares de brâmanes ascetas, que tomaram para si as casas construídas ao redor dos quarteirões reais. Pessoas de todas as outras castas e profissões também chegaram em grande número para habitar a cidade, que se tornou conhecida como Indraprasta, ou Cidade de Indra. Devido a amizade que tinha pelos pandavas, Krishna permaneceu na cidade ainda por algumas semanas. Ele e Arjuna eram muito unidos e passavam bastante tempo juntos. Draupadi aproveitava cada oportunidade para servir Krishna, e se tornou muito querida por ele. Livro Mahabharata Recontado por Krishna Dharma – Versão Condensada da Maior Epopeia do Mundo. Abraço. Davi

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