quinta-feira, 28 de novembro de 2019

DEUS


Espiritismo. www.fetnet.org.br. Texto de Allan Kardec. Tradução Evandro Noleto Bezerra. Livro A Gênese – Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo. Capítulo II. DEUS. Existência de Deus. A Natureza Divina. A Providência. A Visão de Deus. 1. Sendo Deus a causa primeira de todas as coisas, a origem de tudo que existe, a base sobre a qual repousa o edifício da Criação, é o ponto que importa considerar-se antes de tudo. 2. Constitui princípio elementar que pelos efeitos é que se julga uma causa, mesmo quando ela se conserve oculta. Se, pois, rasgando os ares, um pássaro é atingido por mortífero grão de chumbo, deduz-se que um hábil atirador o alvejou, ainda que este último não seja visto. Assim, nem sempre é preciso que se veja uma coisa para ficar-se sabendo da sua existência. Em tudo, é observando os efeitos que se chega ao conhecimento das causas que os produzem. 3. Outro princípio igualmente elementar e que, de tão verdadeiro, passou a axioma é o de que todo efeito inteligente tem que resultar de uma causa inteligente. Se, por exemplo, alguém perguntar qual o construtor de certo mecanismo engenhoso, que pensaríamos de quem respondesse que ele se fez a si mesmo? Quando se contempla uma obra-prima da arte ou da indústria, diz-se que só um homem de gênio seria capaz de produzi-la, visto que só uma alta inteligência poderia concebê-la. Reconhece-se, no entanto, que ela é obra do homem, porque não está acima da capacidade humana; a ninguém, porém, acorrerá a ideia de dizer que saiu do cérebro de um deficiente mental ou de um ignorante, nem, ainda menos, que seja trabalho de um animal, ou simples produto do acaso. 4. Em toda parte se reconhece a presença do homem pelas suas obras. A existência dos homens antediluvianos não se provaria unicamente por meio dos fósseis humanos, mas também, e com muita certeza, pela presença, nos terrenos daquela época, de objetos trabalhados pelos homens. Um fragmento de vaso, uma pedra talhada, uma arma, um tijolo bastarão para lhe atestar a presença. Pela grosseria ou perfeição do trabalho, reconhecer- -se-á o grau de inteligência ou de adiantamento dos que o executaram. Se, pois, achando-vos numa região habitada exclusivamente por selvagens, descobrirdes uma estátua digna de Fídias,25 não hesitareis em dizer que ela é obra de uma inteligência superior à dos selvagens, visto que estes seriam incapazes de fazê-la. 5. Pois bem! Lançando o olhar em torno de si, sobre as obras da natureza, observando a previdência, a sabedoria, a harmonia que preside a todas as coisas, reconhece-se não haver nenhuma que não ultrapasse os limites da mais talentosa inteligência humana. Ora, desde que o homem não as pode produzir, é que elas são produto de uma inteligência superior à humanidade, salvo se sustentarmos que há efeitos sem causa. 6. A isto algumas pessoas opõem o seguinte raciocínio: as obras ditas da natureza são produzidas por forças materiais que atuam mecanicamente, em virtude das leis de atração e repulsão; as moléculas dos corpos inertes se agregam e desagregam sob o império dessas leis. As plantas nascem, brotam, crescem e se multiplicam sempre da mesma maneira, cada uma na sua espécie, por efeito daquelas mesmas leis; cada indivíduo se assemelha ao de que ele proveio; o crescimento, a floração, a frutificação, a coloração se acham subordinados a causas materiais, tais como o calor, a eletricidade, a luz, a umidade etc. O mesmo se dá com os animais. Os astros se formam pela atração molecular e se movem perpetuamente em suas órbitas por efeito da gravitação. Essa regularidade mecânica no emprego das forças naturais não acusa de modo algum a ação de uma inteligência livre. O homem movimenta o braço quando quer e como quer; aquele, porém, que o movimentasse no mesmo sentido, desde o nascimento até a morte, seria um autômato. Ora, as forças orgânicas da natureza são puramente automáticas. Tudo isso é verdade, mas essas forças são efeitos que devem ter uma causa e ninguém pretende que constituam a Divindade. Elas são materiais e mecânicas; não são por si mesmas inteligentes, o que também é verdade; mas são postas em ação, distribuídas, apropriadas às necessidades de cada coisa por uma inteligência que não é a dos homens. A aplicação útil dessas forças é um efeito inteligente que denota uma causa inteligente. Um pêndulo se move com automática regularidade e é nessa regularidade que está o seu mérito. A força que o faz mover-se é toda material e nada tem de inteligente. Mas que seria esse pêndulo se uma inteligência não houvesse combinado, calculado, distribuído o emprego daquela força para fazê-lo andar com precisão? Pelo fato de não estar a inteligência no mecanismo do pêndulo e também pela circunstância de que ninguém a vê, seria racional concluir-se que ela não existe? Podemos julgá-la pelos seus efeitos. A existência do relógio atesta a existência do relojoeiro; a engenhosidade do mecanismo atesta a inteligência e o saber de seu fabricante. Quando um relógio vos dá, no momento preciso, a indicação de que necessitais, acaso já vos terá vindo à mente dizer: aí está um relógio bastante inteligente? Dá-se a mesma coisa com o mecanismo do universo: Deus não se mostra, mas se revela pelas suas obras. 7. A existência de Deus é, pois, um fato comprovado não só pela revelação, como pela evidência material dos fatos. Os povos selvagens não tiveram nenhuma revelação; entretanto, creem instintivamente na existência de um poder sobre-humano. Eles veem coisas que estão acima das possibilidades do homem e deduzem que essas coisas provêm de um ser superior à humanidade. Não demonstram raciocinar com mais lógica do que os que pretendem que tais coisas se fizeram a si mesmas? A natureza divina 8. Não é dado ao homem sondar a natureza íntima de Deus. Para compreendê-lo, ainda nos falta um sentido próprio que só se adquire por meio da completa depuração do Espírito. Mas se não pode penetrar na essência de Deus, o homem, desde que aceite a sua existência como premissa, pode, pelo raciocínio, chegar ao conhecimento de seus atributos essenciais, porquanto, vendo o que Ele absolutamente não pode ser, sem deixar de ser Deus, deduz daí o que Ele deve ser. Sem o conhecimento dos atributos de Deus, seria impossível compreender-se a obra da Criação. Esse é o ponto de partida de todas as crenças religiosas e é por não se terem reportado a isso, como o farol capaz de as orientar, que a maioria das religiões errou em seus dogmas. As que não atribuíram a Deus a onipotência imaginaram muitos deuses; as que não lhe atribuíram a soberana bondade fizeram dele um Deus ciumento, colérico, parcial e vingativo. 9. Deus é a suprema e soberana inteligência. A inteligência do homem é limitada, visto que não pode fazer nem compreender tudo o que existe. A de Deus, abrangendo o infinito, tem que ser infinita. Se a supuséssemos limitada num ponto qualquer, poderíamos conceber outro ser mais inteligente, capaz de compreender e fazer o que o primeiro não faria, e assim por diante, até o infinito. 10. Deus é eterno, isto é, não teve começo e não terá fim. Se tivesse tido começo, é porque teria saído do nada. Ora, como o nada não existe, não pode gerar coisa alguma. Ou, então, teria sido criado por outro ser anterior e, nesse caso, este ser é que seria Deus. Se lhe supuséssemos um começo e um fim, poderíamos conceber uma entidade existente antes dele e capaz de lhe sobreviver, e assim por diante, até o infinito. 11. Deus é imutável. Se estivesse sujeito a mudanças, as leis que regem o universo não teriam nenhuma estabilidade. 12. Deus é imaterial, isto é, a sua natureza difere de tudo o que chamamos matéria. De outro modo, não seria imutável, pois estaria sujeito às transformações da matéria. Deus não tem forma apreciável pelos nossos sentidos, sem o que seria matéria. Dizemos: a mão de Deus, o olho de Deus, a boca de Deus, porque o homem, nada mais conhecendo além de si mesmo, toma a si próprio por termo de comparação para tudo o que não compreende. São ridículas essas imagens em que Deus é representado pela figura de um ancião de longas barbas e envolto num manto; têm o inconveniente de rebaixar o Ser supremo às mesquinhas proporções da humanidade. Daí a lhe emprestarem as paixões humanas e dele fazerem um Deus colérico e ciumento não vai mais que um passo. 13. Deus é onipotente. Se não possuísse o poder supremo, poder-se-ia conceber um ser mais poderoso e assim por diante, até chegar ao ser cujo poder não fosse ultrapassado por nenhum outro. Esse então é que seria Deus. 14. Deus é soberanamente justo e bom. A sabedoria providencial das Leis divinas se revela nas menores como nas maiores coisas, e essa sabedoria não permite que se duvide nem da sua justiça, nem da sua bondade. O fato de ser infinita uma qualidade exclui a possibilidade da existência de uma qualidade contrária, que a diminuiria ou anularia. Um ser infinitamente bom não poderia conter a mais insignificante parcela de maldade, nem o ser infinitamente mau conter a mais insignificante parcela de bondade, do mesmo modo que um objeto não pode ser de um negro absoluto com a mais ligeira nuança de branco, nem de um branco absoluto com a mais leve mancha preta. Deus, pois, não poderia ser simultaneamente bom e mau, porque então, não possuindo quaisquer dessas duas qualidades no grau supremo, não seria Deus; todas as coisas estariam sujeitas ao seu capricho e não haveria estabilidade para nenhuma delas. Não poderia Ele, por conseguinte, deixar de ser ou infinitamente bom ou infinitamente mau. Ora, como suas obras dão testemunho da sua sabedoria, da sua bondade e da sua solicitude, concluir-se-á que, não podendo ser ao mesmo tempo bom e mau sem deixar de ser Deus, Ele necessariamente tem de ser infinitamente bom. A soberana bondade implica a soberana justiça, porquanto, se Ele procedesse injustamente ou com parcialidade numa única circunstância que fosse, ou com relação a uma só de suas criaturas, já não seria soberanamente justo e, por conseguinte, já não seria soberanamente bom. 15. Deus é infinitamente perfeito. É impossível conceber-se Deus sem o infinito das perfeições, sem o que não seria Deus, pois sempre se poderia conceber um ser que possuísse o que lhe faltasse. Para que nenhum ser possa ultrapassá-lo, é preciso que Ele seja infinito em tudo. Sendo infinitos, os atributos de Deus não são suscetíveis nem de aumento nem de diminuição, visto que do contrário não seriam infinitos e Deus não seria perfeito. Se lhe tirassem a mínima parcela de um só de seus atributos, já não haveria Deus, pois que poderia existir um ser mais perfeito. 16. Deus é único. A unicidade de Deus é consequência do fato de serem infinitas as suas perfeições. Não poderia existir outro Deus, salvo sob a condição de ser igualmente infinito em todas as coisas, visto que, se houvesse entre eles a mais leve diferença, um seria inferior ao outro, subordinado ao poder desse outro e, então, não seria Deus. Se houvesse entre ambos igualdade absoluta, isso equivaleria a existir, por toda eternidade, um mesmo pensamento, uma mesma vontade, um mesmo poder. Confundidos quanto à identidade, não haveria, na realidade, mais que um único Deus. Se cada um tivesse atribuições especiais, um não faria o que o outro fizesse; mas, então, não existiria igualdade perfeita entre eles, pois que nenhum possuiria a autoridade soberana. 17. Foi a ignorância do princípio de que são infinitas as perfeições de Deus que gerou o politeísmo, culto adotado por todos os povos primitivos. Eles atribuíam à Divindade todo poder que lhes parecia acima dos poderes inerentes à humanidade. Mais tarde, a razão os levou a reunir essas diversas potências numa só. Depois, à medida que os homens foram compreendendo a essência dos atributos divinos, retiraram dos símbolos, que haviam criado, a crença que implicava a negação desses atributos. 18. Em resumo, Deus não pode ser Deus, senão sob a condição de que nenhum outro o ultrapasse, porquanto o ser que o excedesse no que quer que fosse, ainda que apenas na espessura de um fio de cabelo, é que seria o verdadeiro Deus. Para que assim não aconteça, é indispensável que Ele seja infinito em tudo. Comprovada, pois, pelas suas obras a existência de Deus, chegamos, por simples dedução lógica, a determinar os atributos que o caracterizam. 19. Deus é, pois, a inteligência suprema e soberana, é único, eterno, imutável, imaterial, onipotente, soberanamente justo e bom, infinito em todas as perfeições, e não poderia ser outra coisa. Tal o eixo sobre o qual repousa o edifício universal, o farol cujos raios se estendem sobre o universo inteiro, única luz capaz de guiar o homem na procura da verdade. Orientando-se por essa luz, ele nunca se transviará. Se, portanto, o homem tem errado tantas vezes, é unicamente por não ter seguido o roteiro que lhe estava indicado. Tal também o critério infalível de todas as doutrinas filosóficas e religiosas. Para apreciá-las, o homem dispõe de uma medida rigorosamente exata nos atributos de Deus e pode afirmar com certeza que toda teoria, todo princípio, todo dogma, toda crença, toda prática que estiver em contradição com um só que seja desses atributos, que tenda não só a anulá-lo, mas simplesmente a diminuí-lo, não pode estar com a verdade. Em filosofia, psicologia, moral e religião só há de verdadeiro o que não se afaste nem um milímetro das qualidades essenciais da Divindade. A religião perfeita será aquela em que nenhum artigo de fé esteja em oposição com aquelas qualidades; aquela cujos dogmas suportem a prova desse controle sem nada sofrerem. A Providência 20. A Providência é a solicitude de Deus para com as suas criaturas. Deus está em toda parte, tudo vê e a tudo preside, mesmo às coisas mais insignificantes. É nisto que consiste a ação providencial. “Como pode Deus, tão grande, tão poderoso, tão superior a tudo, intrometer-se em pormenores sem importância, preocupar-se com os menores atos da nossa vida e com os mais ínfimos pensamentos de cada indivíduo?” Tal a interrogação que o incrédulo dirige a si mesmo, concluindo por dizer que, admitida a existência de Deus, só se pode aceitar, quanto à sua ação, que ela se exerça sobre as leis gerais do universo; que o universo funcione de toda a eternidade, em virtude dessas leis, às quais toda criatura se acha submetida na esfera de suas atividades, sem que seja preciso a intervenção incessante da Providência. 21. No estado de inferioridade em que ainda se encontram, só com muita dificuldade os homens podem compreender que Deus seja infinito, visto que, sendo eles mesmos limitados e circunscritos, imaginam também que Deus seja circunscrito e limitado, figurando-o à imagem e semelhança deles. Os quadros em que o vemos com traços humanos não contribuem pouco para entreter esse erro no espírito das massas, que nele adoram mais a forma que o pensamento. Para a maioria, Ele é um soberano poderoso, sentado num trono inacessível e perdido na imensidade dos céus. Como suas faculdades e percepções são limitadas, não compreendem que Deus possa ou se digne de intervir diretamente nas pequeninas coisas. 22. Impotente para compreender a essência mesma da Divindade, o homem não pode fazer dela mais que uma ideia aproximada, mediante comparações necessariamente muito imperfeitas, mas que, ao menos, servem para lhe mostrar a possibilidade daquilo que, à primeira vista, lhe parece impossível. Suponhamos um fluido bastante sutil para penetrar todos os corpos. Sendo ininteligente, esse fluido atua mecanicamente, tão só por meio das forças materiais. Se, porém, o imaginarmos dotado de inteligência, de faculdades perceptivas e sensitivas, ele já não atuará às cegas, mas com discernimento, com vontade própria e liberdade: verá, ouvirá e sentirá. 23. As propriedades do fluido perispiritual dão-nos disso uma ideia. Ele não é inteligente por si mesmo porque é matéria, mas é o veículo do pensamento, das sensações e percepções do Espírito. O fluido perispiritual não é o pensamento do Espírito, mas o agente e o intermediário desse pensamento. Sendo ele que o transmite, fica, de certo modo, impregnado do pensamento transmitido. Na impossibilidade em que nos achamos de isolar o pensamento, parece-nos que ele faz coro com o fluido, dando a entender que são uma coisa só, como sucede com o som e o ar, de maneira que podemos, a bem dizer, materializá-lo. Assim como dizemos que o ar se torna sonoro, poderíamos, tomando o efeito pela causa, dizer que o fluido se torna inteligente. 24. Seja ou não assim no que respeita ao pensamento de Deus, isto é, quer o pensamento de Deus atue diretamente ou por intermédio de um fluido, representemo-lo, para facilitar a nossa compreensão, sob a forma concreta de um fluido inteligente preenchendo o universo infinito, e penetrando todas as partes da Criação: a natureza inteira está mergulhada no fluido divino. Ora, em virtude do princípio de que as partes de um todo são da mesma natureza e têm as mesmas propriedades que ele, cada átomo desse fluido, se assim nos podemos exprimir, possuindo o pensamento, isto é, os atributos essenciais da Divindade e estando o mesmo fluido em toda parte, tudo está submetido à sua ação inteligente, à sua previdência, à sua solicitude. Não haverá nenhum ser, por mais ínfimo que o suponhamos, que de algum modo não esteja saturado dele. Achamo-nos, assim, constantemente em presença da Divindade; não lhe podemos subtrair ao olhar nenhuma de nossas ações; o nosso pensamento está em contato incessante com o seu pensamento, havendo, pois, razão para dizer-se que Deus vê os mais profundos refolhos do nosso coração. Estamos nele, como Ele está em nós, segundo a palavra do Cristo. [I João, 4:13.] Para estender a sua solicitude a todas as criaturas, Deus não precisa lançar o olhar do alto da imensidade. Para que nossas preces sejam ouvidas, não precisam transpor o espaço, nem serem ditas com voz retumbante, porque, estando Deus continuamente ao nosso lado, os nossos pensamentos repercutem nele. Os nossos pensamentos são como os sons de um sino, que fazem vibrar todas as moléculas do ar ambiente. 25. Longe de nós o pensamento de materializar a Divindade. A imagem de um fluido inteligente universal evidentemente não passa de uma comparação, mas capaz de dar uma ideia mais exata do que os quadros que o representam sob uma figura humana. Tem por objetivo tornar compreensível a possibilidade que tem Deus de estar em toda parte e de se ocupar com todas as coisas. 26. Temos constantemente sob as vistas um exemplo que nos permite fazer ideia da maneira pela qual talvez se exerça a ação de Deus sobre as partes mais íntimas de todos os seres e, por conseguinte, do modo por que lhe chegam as mais sutis impressões de nossa alma. Colhemos esse exemplo de uma instrução transmitida por um Espírito a tal respeito. 27. “O homem é um pequeno mundo, que tem como diretor o Espírito e como princípio dirigido o corpo. Nesse universo, o corpo representará uma criação cujo Espírito seria Deus. (Compreendei bem que aqui há uma simples questão de analogia e não de identidade.) Os membros desse corpo, os diferentes órgãos que o compõem, os músculos, os nervos, as articulações são outras tantas individualidades materiais, se assim se pode dizer, localizadas em pontos especiais do corpo. Embora seja considerável o número de suas partes constitutivas, de natureza tão variada e diferente, ninguém, contudo, poderá supor que se possam produzir movimentos, ou uma impressão em qualquer lugar, sem que o Espírito tenha consciência do que ocorra. Há sensações diversas em muitos lugares simultaneamente? O Espírito as sente todas, distingue, analisa, atribui a cada uma a causa determinante e o ponto em que se produziu, tudo por meio do fluido perispirítico. “Ocorre fenômeno semelhante entre Deus e a Criação. Deus está em toda parte, na natureza, como o Espírito está em toda parte, no corpo. ­Todos os elementos da Criação se acham em relação constante com Ele, como todas as células do corpo humano se acham em contato imediato com o ser espiritual. Não há, pois, razão para que fenômenos da mesma ordem não se produzam da mesma maneira, num e noutro caso. “Um membro se agita: o Espírito o sente; uma criatura pensa: Deus o sabe. Todos os membros estão em movimento, os diferentes órgãos estão a vibrar; o Espírito se ressente de todas as manifestações, as distingue e localiza. As diferentes criações, as diferentes criaturas se agitam, pensam, agem diversamente: Deus sabe tudo o que se passa e atribui a cada um o que lhe diz respeito. “Daí se pode igualmente deduzir a solidariedade da matéria e da inteligência, a solidariedade entre si de todos os seres de um mundo, a de todos os mundos e, por fim, de todas as criações com o Criador.” (Quinemant, Sociedade de Paris, 1867.) 28. Compreendemos o efeito, o que já é muito. Do efeito remontamos à causa e julgamos da sua grandeza pela grandeza do efeito. Sua essência íntima, contudo, nos escapa, como a da causa de uma imensidão de fenômenos. Conhecemos os efeitos da eletricidade, do calor, da luz, da gravitação; calculamo-los e, entretanto, ignoramos a natureza íntima do princípio que os produz.26 Será então racional negarmos o princípio divino simplesmente porque não o compreendemos? 29. Nada impede que se admita, para o princípio da soberana inteligência, um centro de ação, um foco principal a irradiar incessantemente, inundando o universo com seus eflúvios, como o Sol o faz com a sua luz. Mas onde está esse foco? É o que ninguém pode dizer. Provavelmente, não se acha fixado em determinado ponto, como não o está a sua ação, sendo também provável que percorra constantemente as regiões do espaço ilimitado. Se simples Espíritos têm o dom da ubiquidade, em Deus há de ser sem limites essa faculdade. Enchendo Deus o universo, poder-se-ia ainda admitir, a título de hipótese, que esse foco não precisa transportar-se, por se formar em todas as partes em que a soberana vontade julga conveniente que ele se produza, levando-nos a dizer que está em toda parte e em parte alguma. 30. Diante desses problemas insondáveis, a nossa razão deve humilhar-se. Deus existe: não há como duvidar disso. Por sua própria essência, Ele é infinitamente justo e bom. A sua solicitude se estende a tudo: compreendemo-lo. Só o nosso bem, portanto, Ele pode querer, razão pela qual devemos confiar nele: eis o essencial. Quanto ao mais, esperemos que nos tenhamos tornado dignos de o compreender. A visão de Deus 31. Se Deus está em toda parte, por que não o vemos? Vê-lo-emos quando deixarmos a Terra? Tais as questões que se formulam todos os dias. A primeira é fácil de responder. Nossos órgãos materiais têm percepções limitadas que os tornam inaptos à visão de certas coisas, mesmo materiais. Assim é que alguns fluidos nos fogem totalmente à nossa visão e aos instrumentos de análise; entretanto, nem por isso duvidamos da existência deles. Vemos os efeitos da peste, mas não vemos o fluido que a transporta;27 vemos os corpos em movimento sob a influência da força de gravitação, mas não vemos essa força. 32. Os nossos órgãos materiais não podem perceber as coisas de essência espiritual. Só podemos ver os Espíritos e as coisas do mundo imaterial com a visão espiritual. Apenas a nossa alma, portanto, pode ter a percepção de Deus. Será que ela o vê logo após a morte? A esse respeito, só as comunicações de além-túmulo nos podem instruir. Por meio delas ficamos sabendo que a visão de Deus constitui privilégio das almas mais depuradas e que bem poucas, ao deixarem o envoltório terrestre, possuem o grau de desmaterialização necessária para tal efeito. Uma comparação vulgar tornará facilmente compreensível essa condição. 33. Uma pessoa que se ache no fundo de um vale, envolvido por densa bruma, não vê o Sol. Entretanto, pela luz difusa, percebe a claridade do Sol. Se resolve subir a montanha, à medida que for ascendendo, o nevoeiro se irá dissipando cada vez mais e a luz se torna cada vez mais viva. Contudo, ainda não verá o Sol. Só depois que se haja elevado acima da camada brumosa e chegado a um ponto em que o ar esteja perfeitamente límpido, ela contemplará o astro em todo o seu esplendor. Dá-se a mesma coisa com a alma. O envoltório perispirítico, embora nos seja invisível e impalpável, é, com relação a ela, verdadeira matéria, ainda grosseira demais para certas percepções. Esse envoltório se espiritualiza à medida que a alma se eleva em moralidade. As imperfeições da alma são quais camadas nevoentas que lhe obscurecem a visão. Cada imperfeição de que ela se desfaz é uma mácula a menos; todavia, só depois de se haver depurado completamente é que goza da plenitude das suas faculdades. 34. Sendo Deus a essência divina por excelência, não pode ser percebido em todo o seu esplendor senão pelos Espíritos que atingiram o mais alto grau de desmaterialização. Pelo fato de não verem a Deus, não se segue que os Espíritos imperfeitos estejam mais distantes dele do que os outros, visto que, como todos os seres da natureza, estão mergulhados no fluido divino, do mesmo modo que nós o estamos na luz. O que ocorre é que as imperfeições daqueles Espíritos são quais vapores que os impedem de vê-lo. Quando o nevoeiro se dissipar, vê-lo-ão resplandecer. Para isso, não lhes é preciso subir, nem procurar nas profundezas do infinito. Desimpedida a visão espiritual das manchas morais que a obscureciam, eles o verão de todo lugar onde se achem, mesmo da Terra, porque Deus está em toda parte. 35. O Espírito só se depura com o tempo, sendo as diversas encarnações o alambique em cujo fundo deixa, de cada vez, algumas impurezas. Ao abandonar o seu envoltório corpóreo, os Espíritos não se despojam instantaneamente de suas imperfeições, razão por que, depois da morte, não veem a Deus mais do que o viam quando vivos; mas, à medida que se depuram, têm dele uma intuição mais clara; se não o veem, compreendem- -no melhor, pois a luz é menos difusa. Quando, pois, alguns Espíritos dizem que Deus lhes proíbe que respondam a uma pergunta, não é que Deus lhes tenha aparecido ou dirigido a palavra para lhes ordenar ou proibir isto ou aquilo. Não; é que eles o sentem; recebem os eflúvios do seu pensamento, como sucede conosco em relação aos Espíritos que nos envolvem em seus fluidos, embora não os vejamos. 36. Nenhum homem, portanto, pode ver a Deus com os olhos da carne. Se essa graça fosse concedida a alguns, só o seria no estado de êxtase, quando a alma se acha tão desprendida dos laços da matéria que torna possível o fato durante a encarnação. Tal privilégio, aliás, pertenceria exclusivamente a almas de escol, encarnadas em missão, e não em expiação. Mas como os Espíritos da mais elevada categoria resplandecem de ofuscante brilho, pode acontecer que Espíritos menos elevados, encarnados ou desencarnados, maravilhados com o esplendor de que aqueles se mostram cercados, suponham estar vendo o próprio Deus. É como quem vê um ministro e o toma por seu soberano. 37. Sob que aparência Deus se apresenta aos que se tornam dignos de vê-lo? Será sob uma forma qualquer? Sob uma figura humana ou como um foco resplandecente de luz? A linguagem humana é impotente para descrevê-lo, porque não existe para nós nenhum ponto de comparação que nos possa dar uma ideia de tal fato. Somos quais cegos de nascença a quem procurassem inutilmente fazer que compreendessem o brilho do Sol. O nosso vocabulário é limitado às nossas necessidades e ao círculo das nossas ideias; a dos selvagens não poderia descrever as maravilhas da civilização; a dos povos mais civilizados é extremamente pobre para descrever os esplendores dos céus; a nossa inteligência muito restrita para os compreender, e a nossa vista, fraca demais, ficaria deslumbrada. www.fetnet.org.br. Abraço.

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