quarta-feira, 27 de novembro de 2019

INTRODUÇÃO V


Confucionismo. www.https//rt.br. OS ANALECTOS. Tradução do inglês de Caroline Chang. Tradução do chinês. Introdução e notas de D. C. Lau. INTRODUÇÃO V. Já que a influência de um bom exemplo funciona de um modo imperceptível, o governante ideal é frequentemente caracterizado não apenas como alguém que não sabe, mas também como alguém que aos olhos do povo, nada fez que pudesse ser valorizado. “O governo pela virtude pode ser comparado à estrela Polar, que comanda a homenagem da multidão de estrelas sem sair do lugar” (II.1). T’ai Po abdicou do seu direito de governar, “sem dar ao povo oportunidade de louvá-lo” (VIII.1). Yao foi o rei que se espelhou no Céu, o único que é grande, mas “ele era tão grandioso que o povo não tinha palavras para louvar as virtudes” (VIII.19). Essa descrição do governante ideal é aparentemente muito semelhante à oferecida pelos taoístas, mas na verdade as duas são bem diferentes. O governante taoísta genuinamente não faz nada porque o Império funciona melhor quando deixado em paz. O governante confucianista apenas aparenta nada fazer porque a influência moral que ele exerce funciona de modo imperceptível. Não podemos encerrar o assunto do governo sem discutir a atitude de Confúcio para com o povo (min) ou as pessoas. Ele não tentou disfarçar o fato de que, no seu ponto de vista, o povo era muito limitado intelectualmente. Ele disse: “O povo pode ser obrigado a seguir um caminho, mas não pode ser forçado a entendê-lo”. (VIII.9). O povo não consegue entender por que razão é conduzido ao longo de um caminho em específico, pois nunca se dá o trabalho de estudar. Ele disse: “Aqueles que nascem com conhecimento são os mais elevados. A seguir vêm aqueles que atingem o conhecimento por meio do estudo. A seguir vêm aqueles que voltam para o estudo depois de terem passado por dificuldades. No nível mais baixo estão as pessoas comuns, por não fazerem esforço algum para estudar mesmo depois de terem passado por dificuldades” (XVI. 9). Não é de surpreender que Confúcio tivesse tal opinião. O estudo, tal qual por ele concebido, é um árduo processo que nunca se completa. As pessoas comuns são imensamente prejudicadas. Raramente têm a capacidade de estudar e praticamente nunca têm a oportunidade. Nas raras ocasiões em que têm tanto a capacidade e a oportunidade, é pouco provável que consigam aguentar o rigor da tarefa. Confúcio descreveu como o seu discípulo favorito, Yen Hui, conseguiu seguir os estudos obstinadamente nas seguintes palavras. “Como Hui é admirável! Morar em um pequeno casebre com uma tigela de arroz e uma concha de água por dia é uma provação que a maioria dos homens acharia intolerável, mas Hui não permite que isso atrapalhe sua alegria. Como Hui é admirável” (VI.11). Confúcio podia não ter uma opinião muito boa quanto às capacidades intelectuais e morais das pessoas comuns, mas absolutamente não é verdade que ele tenha diminuído a importância delas no esquema geral das coisas. Talvez seja precisamente porque o povo é incapaz de garantir seu próprio bem-estar sem receber auxílio que o dever supremo do governante é trabalhar em benefício do povo, proporcionando a ele o que lhe é benéfico. As pessoas comuns deveriam ser tratadas com o mesmo amor e carinho dispensados a nenês, que são indefesos. Isso é anunciado em um comentário memorável do Livro da História citado por Mêncio: os governantes antigos agiam “como se estivessem cuidando de um recém-nascido”. [17] Mêncio (372 AC 289) descreve tais governantes como mãe e pai do povo. É, portanto, inegável que Confúcio advogava um forte paternalismo no governo, e isso permaneceu imutável como princípio básico ao longo de toda a história do confucionismo. A importância das pessoas comuns e seu bem-estar é enfatizada repetidas vezes em Os analectos. Por exemplo, Tzu-kung disse: “Se houvesse um homem que desse generosamente ao povo e trouxesse auxílio às multidões, o que você pensaria dele? Ele poderia ser considerado benevolente? O Mestre disse: “Nesse caso não se trata mais de benevolência. Se precisa descrever tal homem, ‘sábio’ é, talvez, a palavra adequada. Mesmo Yao e Shun achariam difícil realizar tanto.” (VI.30) Se lembrarmos que Yao e Shun eram tidos em alta conta por Confúcio e o quão pouco inclinado ele era a dar o título de “sábio” para qualquer pessoa, podemos ver o imenso significado do comentário. Finalmente, Confúcio disse que se ele elogiava alguém, podia-se ter certeza de que esse alguém havia sido testado. O teste se revelou ser o governo das pessoas comuns, pois ele continuou ao dizer: “Essas pessoas comuns são a pedra de toque por meio da qual as Três Dinastias foram mantidas no caminho certo” (XV. 25). O único teste ao qual é submetido um bom governante é quanto a se ele tem êxito em promover o bem-estar das pessoas comuns. Até agora examinamos apenas as qualidades morais indispensáveis ao cavalheiro, mas o ideal do cavalheiro é mais amplo do que o do homem moral. É necessário, mais atributos para se ter o perfeito cavalheiro. Para entender isso, é preciso primeiro darmos uma olhada em dois termos, wen e chih. Chih, dos dois, é o mais fácil de ser compreendido. É a matéria-prima ou a substância nativa da qual um homem ou uma coisa é feita. Wen é mais difícil de compreender por causa da sua ampla aplicação. Em primeiro lugar, wen significa um belo padrão. Por exemplo, o padrão das estrelas é o wen do céu, e o padrão da pele de um tigre é o seu wen. Aplicado ao homem, refere-se às belas qualidades que ele adquiriu por meio da educação. Daí o contraste com chih. Aquilo que um homem adquire por meio da educação cobre uma ampla gama de realizações. Inclui talentos como arqueiro ou na condução de carruagens, de escrita e matemática, mas os campos mais importantes são a literatura e a música, uma conduta condizente à de um cavalheiro. Literatura, na época de Confúcio, significava, basicamente, as Odes, enquanto que música para Confúcio era a música tocada em cerimônias da corte e em cerimônias sacrificiais. Um comportamento condizente a um cavalheiro significava observância dos ritos, que incluía entre outras coisas o código da conduta correta. Além de denotar as realizações de um indivíduo, wen também pode ser usado para designar a cultura de uma sociedade como um todo. Assim, wen é uma palavra com uma ampla gama de significados, que em inglês [e português] são cobertos por uma variedade de palavras, como ornamento, adorno, refinamento, realização, boa educação e cultura. Não é suficiente para um homem nascer com uma boa substância nativa. Um longo processo de amadurecimento é necessário para dar a ele a educação indispensável a um cavalheiro. Quando Chi Tzu-ch’eng disse “O mais importante a respeito de um cavalheiro é o material do qual ele é feito. Para que ele precisa de refinamento?”, a opinião de Tzu-kung foi a de que não se podia separar refinamento da matéria, pois “a pele de um tigre ou de um leopardo, desprovida de pelos, não é diferente da de um cachorro ou de uma ovelha” (XII.8). O que Tzu-kung está dizendo é que são as qualidades totais de um cavalheiro – matéria prima assim como refinamento – que o distinguem dos “homens vulgares”, e é fútil separar a matéria-prima do refinamento, na equivocada tentativa de aponta-la como o fator básico. Em toda parte, encontramos Confúcio enfatizando a importância do equilíbrio entre os dois elementos. Ele disse: “Quando a natureza de alguém prevalece sobre a educação recebida, o resultado será uma pessoa intratável. Quando a educação prevalece sobre a natureza, o resultado será uma pessoa pedante. Apenas uma mistura bem equilibrada das duas resultará em cavalheirismo” (VI.18). Há um comentário de Confúcio que joga alguma luz sobre o que seria essa substância nativa ou natureza. Ele disse: “O cavalheiro tem a moralidade como matéria-prima e, ao observar os ritos, coloca-a em prática, ao ser modesto dálhe expressão e, ao ser fiel às próprias palavras, a completa. Assim é um cavalheiro, de fato!” (XV.18). Aqui vemos que a relação entre chih e wen corresponde à relação entre moralidade (yi) e os ritos (li). Não basta um homem ter a inclinação natural de fazer o que é certo; é essencial que ele seja versado de modo que possa dar uma expressão refinada a essa inclinação. Um homem pode ter uma forte necessidade de mostrar respeito por outro homem em uma dada sociedade, mas, a menos que ele saiba o código de comportamento pelo qual esse respeito é expresso, ele ou falhará completamente em expressá-lo ou, no máximo, conseguirá expressá-lo de modo não totalmente aceito naquela sociedade. Isso traz à tona uma questão importante quanto aos ritos. Moralidade não consiste apenas na ação que afeta o bem-estar de outras pessoas. Às vezes também requer comportamentos que expressem uma atitude em relação às outras pessoas. Isso explica o fato de que a palavra li, embora tenha também uma conotação moral, é mais apropriadamente traduzida como “ritos” ou “ritual”. Como vimos, além da observância dos ritos, a parte mais importante de wen é a poesia e a música. É por isso que, quando um equivalente teve que ser encontrado para o termo ocidental “literatura”, a expressão usada foi naturalmente “wen hsüeh”. Esse parece ser um ponto conveniente a partir do qual avaliar a atitude de Confúcio para com a poesia e a música, já que a influência que o pensador exerceu nas gerações subsequentes foi imensa. O primeiro ponto a salientar é que na época de Confúcio a conexão entre a poesia e a música era muito próxima. Embora houvesse música que não envolvesse palavras, toda poesia podia, provavelmente, ser cantada. Por essa razão, Confúcio provavelmente tinha a mesma atitude para com ambas. Comecemos com a seguinte passagem: O Mestre disse, sobre shao, que era perfeitamente linda e perfeitamente boa e, sobre wu, que era perfeitamente linda, mas não perfeitamente boa. (III.25) Podemos ver com essa passagem que Confúcio exigia da música e, consequentemente, da literatura, não apenas perfeição estética, mas também que fosse perfeitamente boa. Shao era a música de Shun, que, escolhido por sua virtude, subiu ao trono por meio da abdicação de Yao, enquanto wu era a música do rei Wu, que, apesar da própria virtude, conquistou o Império apenas depois de recorrer à força – daí o nome wu, “força militar”. Por esta razão, o primeiro era não apenas perfeitamente belo, mas também perfeitamente bom, enquanto o último, embora perfeitamente belo, deixou a desejar quanto à sua bondade. Que Confúcio considerasse o wu inferior ao shao não é surpreendente se lembrarmos sua ojeriza em relação ao uso da força ou à violência, que se dizia estarem entre as coisas sobre as quais ele nunca falava (VII.21). Para Confúcio, algo ser perfeitamente bom era mais importante do que a perfeição estética. Se uma peça de música é ou não aceitável depende de sua qualidade moral. A perfeição estética é importante porque é o único veículo apropriado para conduzir a perfeita bondade. Amúsica esteticamente perfeita pode-se ouvir com alegria, mas apenas quando a perfeição moral é fundida com a perfeição estética é que pode ser experimentada a alegria que vai além de qualquer expectativa. O Mestre ouviu o shao em Ch’i e por três meses não sentiu o gosto das refeições que comia. Ele disse: “Jamais sonhei que as alegrias da música pudessem chegar a tais alturas”. (VII.14) Não é por acaso que a música que encantava Confúcio fosse precisamente shao, que ele elogiava por ser perfeitamente bom assim como por perfeição estética. Quando lhe perguntaram como um reino deveria ser governado, Confúcio disse: “Quanto à música, adote o shao e o wu. Bane as melodias de Cheng e mantenha homens de fala persuasiva à distância. As melodias de Cheng são insolentes, e homens de fala persuasiva são perigosos” (XV.11). Depois ele disse: “Detesto o púrpura por deslocar o vermelho. Detesto as melodias de Cheng por corromperem a música clássica. Detesto homens de fala esperta que derrubam reinos e famílias nobres” (XVII.18). Não há dúvida de que Confúcio detestava “as melodias de Cheng”, mas ele as detestava não devido à falta de beleza, mas por causa de sua falta de disciplina. Deve ser observado que cada uma das coisas que Confúcio detestava ofereciam uma aparente semelhança à coisa certa, e é por causa dessa semelhança superficial que os hipócritas podem ser confundidos com os genuínos. A ojeriza de Confúcio é dirigida contra a falsidade. As “melodias de Cheng” são colocadas juntas aos “falantes espertos” e “homens de fala persuasiva”, já que, como “falantes espertos” e “homens de fala persuasiva”, as “melodias de Chang” são capazes de conquistar nossa preferência caso estejamos desatentos. Não são, portanto, pouco atraentes como música. No final das contas, não é a falta de beleza, mas a falta de correção ou moralidade que marca a música chamada de “melodias de Cheng”. As “melodias de Cheng” certamente não diziam respeito somente à música. O que é dito sobre as melodias aplica-se também às palavras, já que a falsidade existe tanto no significado das palavras quanto no charme da música. Em oposição às melodias de Cheng, encontramos Confúcio aclamando o Kuan chü, com os quais as Odes abrem: No kuan chü há alegria sem futilidade, e tristeza sem amargura. (III.20) Isso mostra que não era pela expressão de prazer em si, mas pela expressão de imoderado prazer que Confúcio condenava as melodias de Cheng. Em contraposição, o Kuan chü é um exemplo da expressão de prazer e de tristeza exatamente na mesma medida. Confúcio resumiu suas opiniões sobre poesia nas seguintes palavras: As Odes são trezentas, em número. Podem ser resumidas a uma frase: Não se desvie do caminho. (II.2) Edificação, entretanto, não é o único propósito da poesia. Entre outras coisas, as Odes podem “estimular a imaginação” (XVII.9). Quando se lê poesia, uma pessoa acorda para as similaridades subjacentes entre fenômenos que, para os de pouca imaginação, parecem não ter nenhuma relação. Tzu-hsia perguntou: “Seu encantador sorriso com covinhas, Seus belos olhos esgazeando, Padrões de cores em seda lisa.” Qual o significado de tais linhas? O Mestre disse: “As cores são acrescentadas após o branco”. “E a prática dos ritos, também vem depois?” O Mestre disse: “É você, Shang, quem iluminou o texto para mim. Apenas com um homem como você é possível discutir as Odes”. (III.8) O Mestre elogiou Tzu-hsia pela sua compreensão das Odes porque ele viu que, assim como na pintura as cores são acrescentadas depois que as linhas gerais são dadas em branco, também o refinamento de observar os ritos é inculcado em um homem que já nasceu com a substância certa. [18] As Odes têm um outro uso, que é possibilitar que um homem fale bem. O filho de Confúcio relatou uma conversa que certa vez teve com seu pai. “Você estudou as Odes?” “Não.” “Amenos que estude as Odes, não será capaz de sustentar uma conversa” (XVI.13). As Odes eram uma antologia que todo homem educado conhecia plenamente, de modo que uma citação correta delas extraída, podia ser usada para comunicar a opinião de alguém em situação delicada ou que requeressem extrema polidez. OS ANALECTOS. www.https//rt.br. Abraço. Davi

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