Judaísmo. www.morasha.com.br. OS QUATRO GUARDIÃES:
UM ESTADO TALMÚDICO. Na porção de Mishpatim, no Livro de Shemot (Êxodo), a Torá
apresenta as leis dos Quatro Shomrim – os Quatro Guardiães. O Shomer é aquele
que é responsável por guardar a propriedade de outro. A Torá menciona
sucintamente as leis dos Quatro Guardiães, ao passo que um dos Tratados
do Talmud Bavli, Bava Metzia, discute-as e elucida:
“São quatro os guardiães: o não remunerado, o mutuário, o remunerado e o
locatário. O guardião não remunerado jura (sua inocência) e é completamente
isento, desobrigado. O mutuário paga integralmente. O guardião remunerado e o
locatário juram e ficam isentos de culpa pelo animal que quebrou a perna ou
morreu, mas eles pagam se o animal for perdido ou roubado” (Mishná, Bava
Metzia 93a). Neste artigo, explicaremos as leis básicas dos Quatro
Guardiães. Nosso propósito é introduzir nossos leitores ao estudo do Talmud.
Após discutirmos as leis dos Quatro Guardiães, exploraremos sua dimensão
mística. Shoel, o Mutuário ou tomador. No grupo dos quatro guardiães,
o Shoel, o mutuário, assume o nível mais alto de responsabilidade
pela propriedade de terceiros a seu cargo. Isso é compreensível: o mutuário
recebe algo que pertence a um terceiro, em seu próprio benefício, sem pagar ou
retribuir por isso. A Torá espera que ele devolva o que tomou emprestado – um
objeto (ou animal) – intacto e sem danos. Se, enquanto estiver sob sua guarda,
a propriedade tomada por empréstimo for danificada, perdida ou arruinada, o
tomador deve substituí-la ou compensar pelo seu valor. Não importa a forma pela
qual a propriedade foi danificada ou perdida. Também é irrelevante se estava ao
alcance do tomador evitar essa perda ou dano. Ainda que o dano ou perda tenha
sido causado por um raio ou terremoto, cabe ao tomador reembolsar ao
proprietário pela perda. Exemplificando: Suponhamos que um homem de nome Shimon
peça emprestado a seu vizinho Reuven o carro deste último por uma semana. O
vizinho concorda com o pedido. Shimon toma o carro emprestado, mas não paga
nada a Reuven pelo empréstimo. Se o carro for danificado, roubado, perdido ou
destruído enquanto estiver sob a guarda de Shimon, este deverá reembolsar Reuven
integralmente pela perda. Como Shimon é o tomador, ele tem que pagar por
qualquer infortúnio com o carro, mesmo se ele for isento de culpa no ocorrido.
(Em certas circunstâncias, a Torá isenta o tomador de responsabilidade. Estas
leis, no entanto, estão fora do escopo deste trabalho). Socher, o locatário.
O locatário é semelhante ao tomador, com uma diferença óbvia e
significativa: ele paga pelo uso da propriedade de outrem. Suponhamos que
Shimon tenha pedido emprestado o carro de Reuven, com a condição de pagar uma
taxa de aluguel. O que ocorre se o carro for danificado ou destruído enquanto
estiver sob a responsabilidade de Shimon? Como ele alugou o carro – pagando por
seu uso –, a situação não é idêntica à descrita acima, em que o empréstimo
tinha sido gratuito. Neste caso, Shimon é um locatário, não um tomador. No
Talmud, dois de seus maiores Sábios – Rabi Yehudá e Rabi Meir (o Ba’al
Haness) – discordam sobre o grau de responsabilidade do Socher,
o locatário. De acordo com Rabi Yehudá, a Torá iguala o locatário com o
guardião não remunerado (cujas leis de responsabilidade veremos abaixo): o
locatário é responsável apenas se tiver agido com negligência. Rabi Meir
discorda. Em sua opinião, o grau de responsabilidade do locatário é o mesmo que
o do guardião remunerado, que, como veremos adiante, é responsável pelo que o
Talmud considera “danos evitáveis” – roubo e perda. O veredicto – a Halachá –
segue a opinião de Rabi Meir. Shomer Sachar, o Guardião remunerado. Na
opinião de Rabi Meir, o grau de responsabilidade do locatário é o mesmo que o
do guardião remunerado. Quem é o guardião remunerado? Ao contrário do
locatário, ele não paga pelo uso da propriedade de terceiros, mas sim, recebe
pagamento por cuidar da propriedade. Nos dois cenários acima descritos, Shimon
queria tomar emprestado o carro de Reuven. Se ele tomar emprestado o carro sem
pagar por isso, ele é um tomador; se ele pagar pelo empréstimo, ele é um
locatário. Consideremos, agora, uma situação diferente: Shimon não tem
interesse no carro de Reuven – ele não quer pedi-lo emprestado nem alugá-lo. É
Reuven que pede que Shimono guarde. Talvez ele esteja saindo de férias e quer
que alguém cuide de seu carro enquanto ele estiver fora. Se Shimon concordar em
tomar conta do carro de Reuven, mas cobrar para fazê-lo, ele é um guardião
remunerado A Lei da Torá reza que um guardião remunerado assume uma medida
significativa de responsabilidade pela propriedade a seu cargo. Afinal, ele
está sendo pago para cuidar da propriedade de terceiros. A Torá considera o guardião
remunerado responsável pelo que considera “danos evitáveis”, como roubo e
perda. Contudo, a Torá não o mantém responsável pelo que considera “danos não
evitáveis” – roubo à mão armada e eventos que estão fora de seu controle, como
os desastres naturais. Dissemos acima que o grau de responsabilidade de um
locatário é o mesmo que o do guardião remunerado. Isso significa que este
último é responsável, também, pelos danos evitáveis; no entanto, não é
responsável por danos não evitáveis. Uma vez compreendida a lei do guardião
remunerado, podemos agora voltar para o caso do locatário. Se Shimon aluga o
carro de Reuven, e o carro é roubado ou perdido, Shimon deve reembolsar
totalmente Reuven pela perda. Mas, se bandidos armados roubarem o carro ou este
for destruído ou danificado por um desastre natural, Shimon não terá que
reembolsar Reuven pela perda de seu carro. Shomer Chinam, o Guardião não
remunerado. O guardião não remunerado cuida da propriedade de terceiros
como um favor e não recebe pagamento ou recompensa por fazê-lo. Suponhamos que
Shimon concorde em tomar conta do carro de Reuven, mas se recuse a aceitar
pagamento. Ele está fazendo um favor a Reuven. Ele ajuda os demais e não crê
que devamos praticar atos de bondade esperando algo em troca. O que ocorre se o
carro de Reuven for danificado ou destruído enquanto estiver sob a guarda de
Shimon? Pela lei da Torá, como Shimon é um guardião não remunerado – ele está
cuidando da propriedade de terceiros como um favor, sem receber pagamento ou
recompensa por isso –, é mínima a sua responsabilidade em caso de infortúnio. O
Talmud ensina que contanto que ele tenha dado uma atenção razoável ao objeto
sob sua guarda, ele afirma, sob juramento, não ter sido negligente e é
absolvido de qualquer responsabilidade pelo infortúnio. Na qualidade de
guardião não remunerado, Shimon não tem que reembolsar Reuven, proprietário do
carro, por perda ou roubo; mas a Torá o declara responsável pelos danos no caso
de ter sido negligente ou descuidado. Afinal, ele concordou em tomar conta do
carro de Reuven – algo que poderia ter-se recusado a fazer. Por exemplo, Shimon
não pode estacionar o carro de Reuven num local perigoso, sem travar as portas,
deixando a chave no motor. Se agir com negligência e, por esse motivo, a
propriedade sob sua guarda for danificada, perdida ou roubada, terá de
recompensar o proprietário por perdas e danos. Os Quatro Guardiães do Mundo.
Um dos princípios fundamentais do Judaísmo é que cada versículo e palavra
da Torá contém infinitas camadas de significados. O mesmo é válido para o
Talmud. Não se trata apenas de uma enciclopédia sagrada de leis, discussões,
análises e relatos. Cada uma de suas passagens e ensinamentos contém
ensinamentos profundos e esotéricos. As leis relativas aos Quatro Guardiães são
relevantes e atemporais, mas como veremos, também possuem uma dimensão mística.
O Shelah HaKadosh (1565-1630), Rabi Yeshaya HaLevi Horowitz,
autor do clássico Shnei Luchot HaBrit, escreve que “Assim como
existem os quatro guardiães entre o homem e seu semelhante, eles também existem
entre o homem e D’us, Bendito é Ele”. Vejamos, agora, como as leis dos
Quatro Guardiães se aplicam ao nosso relacionamento com D’us. O Tomador. Muitas
pessoas estão interessadas em tomar e receber, mas não em dar. Para elas, o
mundo gira em torno delas próprias – seus prazeres, seus desejos e suas
conveniências. Seu propósito na vida é desfrutar do mundo ao máximo sem ter que
pagar por isso. O profeta Isaías assim descreve a filosofia de vida de tais
pessoas: “...Eis que há alegria e regozijo, e são abatidos gado e ovelhas,
carne é consumida e vinho é bebido, enquanto dizem; ‘Comei e bebei, porque
amanhã morreremos’! ” (Isaías22:13). A maioria daqueles que apenas se preocupam
consigo próprios não se sentem agradecidos a D’us pelo que recebem, pois do
contrário teriam menos liberdade de fazer o que quisessem, quando quisessem. As
pessoas cujo único interesse na vida é aquilo que os beneficia e dá prazer,
desfrutam deste mundo de D’us e de sua fartura, mas negam sua existência ou O
ignoram. Mesmo se reconhecem que este mundo a D’us pertence, elas não têm
interesse em relacionar-se com Ele. “A vida é minha”, dizem a D’us, “e farei
com ela o que bem entender”. Vivem como um dos Quatro Guardiães, o tomador: só
tomam – de D’us e de Seu Mundo –, mas não pagam nem retribuem de alguma
maneira. Segundo as leis dos Quatro Guardiães, como D’us Se relaciona com tais
pessoas? Vejamos as leis referentes ao grau de responsabilidade do tomador: ele
é totalmente responsável pelos danos e perdas, mesmo se não tiver culpa pelo
ocorrido. Praticamente, isso significa que como o “tomador” tomou a seu encargo
a sua vida e se fechou completamente a D’us, ele assume total responsabilidade
por tudo o que lhe acontecer. Se ele tiver perdas ou danos em sua vida, ele
terá que assumir a responsabilidade pelos mesmos. Se um trovão, um furacão ou
um terremoto o atingir – literal ou figurativamente –, é problema e
responsabilidade totalmente seu, e o único culpado é ele mesmo. D’us dáo livre
arbítrio a todos nós, mas cada um de nós tem que aprender a viver com as suas
escolhas. Se escolhermos ser o tomador – tomando e recebendo, sem dar nada em
troca –, os Céus nos tratarão de acordo a isso. Como o tomador escolhe ser dono
exclusivo de seu destino, quando os problemas baterem à sua porta, ele não terá
ninguém a quem recorrer, mas a si próprio. Como ele optou pela total
independência – como ele não crê em nenhuma forma de reciprocidade –, ele será
totalmente responsável por danos e perdas, mesmo se estes surgirem do nada e
ocorrerem por culpa de terceiros. Ele não terá ninguém com quem compartilhar a
perda. Ele expulsou D’us de sua vida quando tudo lhe sorria. Quando as coisas
desandarem, ele terá que arcar sozinho com tudo. A geração que pereceu no
dilúvio de Noé personifica o tomador. A Torá nos relata que à exceção de Noé,
toda aquela geração era egoísta e corrupta; envolvia-se em roubo e violência, e
praticava atos imorais. Não tinham respeito algum por D’us, por seu mundo nem
pelos outros seres humanos. Para eles, a vida era para divertir-se e não
pensavam duas vezes antes de usar de desonestidade, violência ou imoralidade
para obter o que desejavam. Sabemos bem como termina a história. Veio o dilúvio
e matou todos. Como aquela geração tinha afastado D’us de sua vida, pereceram
todos e eles eram os únicos culpados. Mais ninguém. Eram todos tomadores, e,
como ensina o Talmud, um tomador é responsável por todos os danos e perdas –
mesmo se estes forem consequência de desastres naturais – como foi o Dilúvio. O
Locatário. Contrariamente ao tomador, o locatário está disposto a pagar o
preço pelo uso da propriedade de um terceiro. Quando se trata do relacionamento
entre o homem e o Todo Poderoso, o locatário é aquele que, como o tomador, quer
desfrutar do mundo Divino, mas, contrariamente a ele, o locatário percebe que
terá que pagar o seu preço. O dilema enfrentado pelo locatário é saber o preço
que terá que pagar para desfrutar deste mundo de D’us. Algumas pessoas querem
pagar um pouco, mas não muito. Talvez o preço que queiram pagar é jejuar
em Yom Kipur. Outros acreditam que D’us espera um pouco mais. Para
estes, o preço a pagar talvez inclua ir à sinagoga algumas vezes por ano, ouvir
o Shofar em Rosh Hashaná e participar em um Seder de Pessach.
Outros, ainda, acreditam que D’us espera ainda mais, mas talvez seja suficiente
eles irem à sinagoga em todas as festas e nas sextas-feiras à noite para
cantar Lechá Dodi junto com a congregação. Como o tomador, a
preocupação de vida do locatário é seu bem-estar. Ele está no centro de seu
universo pessoal. Ele cumpre os mandamentos Divinos com o mesmo sentimento com
que as pessoas pagam seus impostos – ele os vê como um mal inevitável que ele
preferia não ter que cumprir. Na Torá, Noé simboliza o locatário. Comparado a
seus contemporâneos que personificam o tomador, Noé era um homem justo,
íntegro. Contudo, a bem da verdade, ele não se importava muito com o mundo de
D’us. Quando o Todo Poderoso lhe ordena construir uma arca, ele o faz para
salvar a si e aos seus – e não se empenha em salvar os outros. Quando D’us lhe
ordena cuidar dos animais na Arca, ele o faz porque percebe que essa tarefa
difícil era o preço que ele teria que pagar por viver e desfrutar do mundo de
D’us. Em outras palavras, a construção da Arca e o cuidado dos animais é o
aluguel que ele deveria pagar ao Proprietário. Noé não é tomador, mas ele é
meramente um locatário. Ele não se importa se D’us destruir o Seu mundo e todos
os seus contemporâneos morrerem, desde que ele e sua família estejam a salvo.
Seu relacionamento com D’us é quase “comercial”: O Senhor me deixa viver no Seu
mundo e eu cumprirei Suas ordens. Qual a lei do locatário? Ele é responsável
pelos “danos evitáveis” – roubo e perda. É isento de responsabilidade apenas
pelos “danos inevitáveis” – eventos que estão além de seu controle, como os
desastres naturais. Como Noé era um locatário, não um tomador, no tocante a
D’us, ele não pereceu em um desastre natural – o Dilúvio. No entanto, como ele
é nada mais do que um locatário, quando ele emerge da Arca e vê um mundo em
escombros, D’us não ouve seu grito nem sua reclamação sobre toda a morte e
destruição que ele testemunha. Afinal, Noé é um locatário, e como tal, é
responsável pelos danos evitáveis. A Torá chama o Dilúvio de “as Águas de Noé”,
porque ele partilha da responsabilidade por uma perda que ele poderia ter
evitado. Talvez ele pudesse ter influenciado a sua geração a se arrepender. Se
ele tivesse cuidado um pouco mais do mundo de D’us, talvez tivesse conseguido
evitar a destruição da humanidade. O Guardião Remunerado. A Lei Judaica,
como ensina Rabi Meir no Talmud, determina que a responsabilidade do guardião
remunerado é idêntica à do locatário. No relacionamento pessoal com D’us, a
diferença entre o locatário e o guardião remunerado é que o primeiro quer
desfrutar deste mundo de D’us, mas aceita pagar por isso, ao passo que o
guardião remunerado aceita ajudar a tomar conta do mundo, mas exige que D’us
lhe pague por seus serviços. A lei da responsabilidade é a mesma para o
locatário e para o guardião remunerado porque, em ambos os casos, há um tipo de
relacionamento comercial forjado entre eles e D’us. O locatário tem que
calcular o preço que deve pagar a D’us pelo privilégio de desfrutar de Seu
mundo, ao passo que o guardião remunerado tenta avaliar o escopo de suas
obrigações, bem como quanto ele espera que D’us lhe pague pelos serviços que
prestará. Alguns esperam que D’us lhes recompense neste mundo, enquanto outros
no Mundo Vindouro, e outros, ainda, em ambos os mundos. Alguns guardiães pagos
até se dispõem a cumprir todos os mandamentos Divinos, mas eles cobrarão d’Ele
um altíssimo preço para fazê-lo. Se D’us irá concordar com um acordo desses ou
não, é outra história (...). Recordemos a lei do guardião remunerado. O Talmud
ensina que, como o locatário, ele também é responsável por danos evitáveis –
roubo e perda. Ele só está isento de responsabilidade por danos inevitáveis.
Isso significa que alguém que assume o papel de guardião remunerado é
responsável por transgressões evitáveis – pecados de comissão (roubo) e pecados
de omissão (perda). Como o ser humano que personifica o guardião remunerado tem
um relacionamento tipo “olho por olho, dente por dente” com D’us, a Corte
Celestial tem o direito de constantemente escrutinizá-lo e responsabilizá-lo
por todos os danos evitáveis. Se violar o “contrato” de alguma maneira, ele
terá que pagar multa ou penalidade pela quebra de contrato. Um exemplo de um
guardião remunerado foi o primeiro ser humano, Adão. Conta-nos a Torá: “E o
Eterno, D’us, tomou o homem e o pôs no Jardim do Éden para o cultivar e o
guardar” (Gênese 2:15). Adãofoi o paradigma do guardião remunerado: ele tinha
que trabalhar no Jardim do Éden e cuidá-lo, e como pagamento por seus serviços,
ele podia aproveitar de tudo o que o Jardim tinha para oferecer – à exceção do
fruto da Árvore Proibida. Infelizmente, Adão e Eva não foram guardiães
remunerados confiáveis – eles não cumpriram a sua parte no acordo porque a
Serpente lhes prometeu um pagamento ainda melhor do que o oferecido por D’us. A
Serpente – personificação do Yetzer haRá, Inclinação para o Mal,
mestre das mentiras e da enganação – não cumpriu sua promessa. Como Adão e Eva
eram guardiães remunerados, eles eram responsáveis por perda e roubo, ou seja,
tomaram e consumiram o fruto proibido, proscrito por D’us (roubo), e foram
enganados (perda) pela Serpente. Ambos os danos evitáveis. Poderiam ter
ignorado a Serpente e sua oferta tentadora. Poderiam ter optado por não comer o
fruto proibido. Consequentemente, como guardiães remunerados, foram
responsáveis pela quebra do contrato. E D’us os expulsou do Jardim do Éden. O
Guardião não remunerado. O Guardião não remunerado é singular.
Contrariamente aos outros três guardiães, ele não está interessado em receber,
mas apenas em dar. Em seu relacionamento com D’us, ele não pensa em si próprio,
mas apenas em cumprir a Vontade de seu Mestre, e o faz sem esperar qualquer
recompensa, material ou espiritual, que seja. Maimônides descreve tais seres
humanos: “Aquele que serve a D’us por puro amor altruísta – ele estuda a Torá e
cumpre as Mitzvot e anda nos caminhos da sabedoria — não por
temer o mal (castigo), e nãopara herdar o bem (recompensa). Mas ele age de
acordo com a verdade apenas por ser a verdade. No fim, o bem virá ao seu
encontro. Essa virtude é enorme e grandiosa, e nem todos os sábios a merecem, e
esse é o nível alcançado por Avraham, nosso Patriarca, a quem D’us chamou de
‘Aquele que Me ama’, porque ele serviu a D’us unicamente por amor” (Leis do
Arrependimento, 102).Tais pessoas são raras, mas existem. Elas fazem o que é
certo, bom e virtuoso simples e exclusivamente por ser a maneira correta de se
viver. Como ensina Maimônides, nosso patriarca Avraham, o primeiro judeu, é o
paradigma do guardião não remunerado. Ele servia a D’us por amor, e estava
disposto a fazer o que o Altíssimo dele exigisse, independentemente de quão
difícil ou tortuoso. Avraham dedicou sua vida a executar a Vontade Divina.
Consequentemente, desfrutou de um nível extremamente elevado de Graça Divina.
Recordemo-nos da lei do guardião não remunerado: ele é isento de qualquer
responsabilidade, exceto em caso de negligência. Como ele não espera pagamento
ou recompensa por seu serviço a D’us, os Céus o tratam com grande compaixão,
pois a Corte Celestial percebe que quaisquer erros que ele possa cometer são
totalmente não intencionais. Transgressões e pecados não são parte de sua
realidade. Ele pode até cometer erros – que podem ser perdas e danos não
intencionais –, mas recebe perdão pelos mesmos, porque ele trabalha incessantemente
em favor de D’us sem esperar nada em troca. No entanto, a Torá determina que o
guardião não remunerado é responsável em caso de negligência. Isso significa
que mesmo esse guardião não pode agir irresponsavelmente. O Talmud nos ensina
que “nãodependemos de milagres”. Ser um guardião não remunerado – e, portanto,
desfrutar do cuidado e graça Divinas – não significa que a pessoa pode pular
pela janela e esperar que a Divina Providência a salve. Mesmo os guardiães não
remunerados não podem negligenciar sua saúde, seu trabalho e seu sustento, nem
sua segurança pessoal. Se agir com negligência e irresponsabilidade, ele será
responsável por danos e destruição, como determina a lei do guardião não
remunerado. Mesmo um ser humano realmente justo e íntegro, que serve a D’us por
amor e vive para cumprir Sua Vontade, deve viver com cuidado e
responsabilidade. Os Quatro Guardiães e o Livre Arbítrio. Um dos
princípios fundamentais da Torá é que D’us atribui o livre arbítrio aos seres
humanos. Todos podem escolher como viver e como se relacionar com D’us e com o
Seu mundo. Podemos optar por ser tomadores, locatários, guardiães remunerados
ou guardiães não remunerados, e a Divina Providência retribuirá conforme nossas
opções. Contudo, ter livre arbítrio também significa que temos o poder de
transitar de uma categoria a outra de guardiães. Mesmo aquele que é um tomador
pode dar uma meia-volta de 180 graus em sua vida e se tornar um guardião não
remunerado. Os três Patriarcas – Avraham, Itzhak e Yaacov – foram paradigmas do
guardião não remunerado. A Cabalá se refere a eles como as “rodas da Carruagem
Divina”. Assim como as rodas de uma carruagem não possuem vontade própria, e
apenas seguem as ordens de seu condutor, também os três Patriarcas viveram
apenas para cumprir as determinações do Condutor do Universo e cumprir Sua
Vontade. Amavam a D’us e O serviam com todo o seu coração e com toda a sua
alma. Como todos nós, judeus, somos não apenas os descendentes, mas também a
personificação de nossos três Patriarcas, cada um de nós tem o potencial de ser
um guardião não remunerado. Trata-se do caminho mais nobre que um ser humano
pode percorrer em sua vida: servir a D’us por amor e buscar a verdade apenas
por ser verdadeira, e a virtude, apenas, por ser virtuosa.
Bibliografia: Rabi Menachem Mendel
Schneerson, Likutei Sichot, Mishpatim (Volume 31:17). Rabbi Y.Y. Jacobson - Four Guardians and
their Psychological Application. - https://www.theyeshiva.net/jewish/97.www.morasha.com.br.
Abraço. Davi
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