sexta-feira, 21 de junho de 2019

I. MITOLOGIA IORUBA - UM ENCONTRO COM A ALMA DA MÃE ÁFRICA


Mitologia. Religião Afro-descente. www.mitologiacomentada.blogspot.com.br. Mitologia Universal na visão de Marilu Martinelli. I. MITOLOGIA IORUBÁ – UM ENCONTRO COM A ALMA DA MÃE ÁFRICA. Atualmente na África as religiões tribais têm perdido terreno para o cristianismo e principalmente para o islamismo. O cristianismo é praticado no sul da África e na parte setentrional do continente. Ao sul do deserto do Saara o predomínio é do islamismo, religião que está em crescente expansão, abrangendo vários países africanos. Para encontrar a alma da Mãe-África temos que buscar as raízes ancestrais da relação dos diferentes povos que a habitam com o sagrado e transcendente. A Mãe-África abriga no seu seio muitos mitos e deuses, assim como diferentes povos e costumes. O culto sagrado dos nagôs (iorubás), dentre os outros povos que aportaram nas Américas, foi o que mais se sobressaiu pela beleza ritualística e riqueza simbólica do seu panteão mítico. Foi a tradição espiritual que permaneceu mais preservada desde a diáspora africana até o novo mundo rumo ao infame trabalho escravo. O culto aos orixás, deuses iorubás, nasceu na Nigéria, Daomé e Togo. Nas Antilhas, Cuba e no Brasil, este culto permanece vivo e apesar do sincretismo e dos preconceitos raciais, sociais e religiosos, conseguiu sobrepujar sanções e opressões institucionais pela força mágica e mística da tradição. O termo iorubá aplica-se a um grupo étnico e linguístico de milhões de indivíduos, e denomina hoje um povo, um idioma, uma cultura e uma nação. Eles têm unidade linguística, de valores e crenças, além da identidade cultural e uma origem comum, a cidade de Ifé. Iorubá é a denominação de uma nação, grande país unificado que compreende cinco regiões: Oyó, Egbwa, Ibarupa, Ijebu e Ijexá. Embora hoje em dia o culto aos orixás tenha certa uniformidade devido aos amálgamas progressivos com outras crenças e ritos vindos de diferentes pontos do território africano; entre os nagôs-iorubás na África não existe um panteão hierarquizado e único. Existem variações locais, onde certos orixás, que ocupam posição dominante numa região, podem ser menos importantes numa outra ou mesmo ignorados, porém coexistem pacificamente sem disputas religiosas.

Os Orixás no Brasil

Os navios negreiros trouxeram, cruzando o oceano Atlântico durante mais de 350 anos, um enorme contingente de cativos negros para servir como mão-de-obra a ser utilizada nos canaviais, cafezais, plantações de fumo etc. Com os escravos vieram também a sua cultura, seus valores, hábitos alimentares e comportamentais de modo geral, sua religião, cosmologia e mitologia. Sem sombra de dúvida a mão-de-obra africana constituiu o embrião da economia brasileira, e como a tradição africana orienta que os deuses de uma terra estrangeira devem ser louvados, as primeiras etnias “bantu” e “angola” assimilaram a pajelança indígena. Os índios foram vistos por eles como os donos da terra onde aportaram e a reverência à Mãe-Terra e ao sagrado era um traço comum a ambas as culturas. Os africanos influenciaram profundamente a formação da nossa cultura; criaram novos costumes, introduziram na cozinha brasileira as verduras, diversos cereais e legumes, e os pratos que são consagrados aos orixás hoje fazem parte da culinária nacional. Eles adoçaram também o idioma amaciando a linguagem com suas expressões idiomáticas: “dengo”, “banzo”, “kalundú”, “cafuné”, “xamego”,“quindim”, “xodó”, somente para citar algumas, e os diminutivos carinhosos e criativos como “pipi”, “cocô” , “nhônhô”, “nhanhá”, “neném”, “ioiô”, “Iaiá”, e outros tantos. Eles também enriqueceram as nossas artes e folguedos populares, e contribuíram com a medicina natural para curas físicas e espirituais devido ao conhecimento mágico ancestral sobre as ervas e raízes medicinais.
O culto aos orixás era proibido para os negros e temido pelos brancos e a religião católica dominante, que aceitava o tráfico escravagista e tentava converter os negros cativos ao cristianismo para “salvar” suas almas das “trevas”. Batizavam os escravos e davam-lhes nomes cristãos, embora impedissem que eles frequentassem as igrejas, quando convertidos. Esses escravos convertidos, ao conquistar a alforria, construíam suas próprias igrejas para poder adorar Jesus e os santos. Os navios negreiros costumavam ter nomes de santos como Nossa Senhora da Conceição, Santo Antônio, São José, Sant’Ana e outros. São José, segundo Pierre Verger, recebeu por volta de 1757 a posição de “protetor particular dos homens de negócios que se dedicam ao tráfico de negros na Costa da Mina” (Os Orixás, pág 24). Por incrível que pareça, os traficantes de escravos tinham a consciência tranquila e fé na proteção divina para sua atividade abominável, e como se não bastasse, acreditavam ser dignos de recompensas divinas e materiais, por isso chegaram a solicitar em 1808 benesses ao rei de Portugal, devido aos esforços dispensados nesse tipo de atividade. A ganância e arrogância os conduziram à irreverência, à impiedade e à degradação, o que contribuiu para a visão simplista, utilitarista e distorcida do sagrado, que é a base da civilização iorubá.

O Sincretismo

Os escravos despistavam os seus senhores para poder praticar seus rituais de adoração aos orixás, “voduns” ou aos seus “inkissi”, como os bantus e angolas, outras etnias importantes entre os escravos denominam seus deuses. Utilizavam os nomes dos santos católicos nas louvações, mas na verdade evocavam seus orixás de devoção. Não se sabe exatamente quando esse sincretismo se estabeleceu, porém, há indícios de que os iorubás procuraram encontrar identidade de atributos dos diferentes orixás com os atributos dos santos cristãos. Os santos católicos, dessa maneira, se tornavam mais compreensíveis para os escravos convertidos, e os demais, fieis à sua tradição original, viam nesse estratagema uma possibilidade de efetivamente dissimular suas verdadeiras crenças e praticá-las em segurança. A adoração aos orixás permitia que a identidade essencial e cultural do escravo fosse preservada. Embora o indivíduo fosse tratado como propriedade do seu senhor, sem vontade própria, como “yaô” (iniciado), durante os rituais, quando incorporava seu orixá, ele era o veículo escolhido para que um deus se expressasse. Incorporar um deus lhe restituía a dignidade humana e divina porque reavivava sua memória ancestral, cultural e racial. Interessante notar que com o passar do tempo, apesar dos preconceitos raciais e sociais, africanos e brancos se miscigenaram e o número de mestiços foi se tornando cada vez maior, e estes foram educados respeitando e freqüentando tanto as crenças e rituais cristãos quanto africanos. A despeito da repressão policial e das confrarias religiosas e ordens da Igreja Católica, que dividiam as etnias africanas, os escravos, libertos ou não, se reagrupavam e praticavam, em locais mais distantes dos centros urbanos, o culto aos orixás. Nasciam assim os primeiros Ilês (terreiros de candomblé) e o sincretismo cultural afro-brasileiro.

O CANDOMBLÉ - RITUAIS E CULTOS SAGRADOS

Um grupo de mulheres, antigas escravas libertas, que pertenciam à Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte da Igreja da Barroquinha, em Salvador-Bahia, tomou a iniciativa de criar um Ilé (terreiro de candomblé africano no Brasil). Na África, os cultos são efetuados em terrenos de chão batido, em locais escolhidos pelos sacerdotes e sacerdotisas por seus poderes mágicos, onde o magnetismo do planeta se apresenta poderosamente ativado. Candomblé é uma palavra que deriva de candombe, uma dança coletiva, e foi o nome escolhido no Brasil para definir a forma e o local onde os africanos deveriam cultuar seus orixás durante os “xirês” (reuniões sagradas). No início do século XIX, três dessas mulheres viajaram para a África e permaneceram em Kêto sete anos; quando voltaram, trouxeram o “axé” (poder mágico) dos seus ancestrais, e fundaram o terreiro de candomblé “Ilê Iyanassô” (conhecido até hoje em Salvador como Casa Branca do Engenho Velho, onde reinou soberana a primeira ialorixá – sacerdotisa - brasileira, Mãe Senhora. A celebrada Mãe Menininha do Gantois, do Ilê Axé Opô Afonjá foi a última descendente direta dessa linhagem. Os cultos africanos eram praticados clandestinamente e quem os frequentava era perseguido pela polícia, fosse negro ou branco. É importante salientar que as mulheres desempenham no Brasil um papel especial de liderança nesta tradição. Detentoras do conhecimento ancestral de sua raça, elas transmitiam e transmitem até hoje os conhecimentos e preceitos sagrados conservados com fidelidade extrema. O conhecimento sagrado é transmitido para suas filhas e filhos, quer de sangue quer de “santo” (orixá), visando a continuidade da tradição, e preservando a identidade cultural e espiritual do seu povo. O candomblé no Brasil atua como uma comunidade solidária e unida pelo serviço aos orixás, e muitos mantêm entidades filantrópicas de assistência a crianças carentes e outros serviços sociais. A falta de conhecimento e consequentes informações incorretas sobre essa forma de culto, assim como a distorção da pureza dos princípios que norteiam os rituais e práticas divinatórias, quando executadas por falsos sacerdotes e sacerdotisas fomentou versões desabonadoras sobre a tradição iorubá e o candomblé. Acredito que a pureza da tradição precisa ser resgatada para que possamos respeitar essa cultura e eliminar definitivamente o preconceito racial e religioso em relação aos nossos irmãos afrodescendentes. Afinal de contas, respeitar e acolher o diferente e interagir com ele é dar o primeiro passo para a integração fraterna da família humana.
O Xirê

Entre os iorubás, a sacerdotisa é denominada Yalorixá e o sacerdote Babalorixá, comumente conhecidos no Brasil como mãe-de-santo e pai-de-santo, ou zeladora e zelador-de-santo. Eles cuidam do “AXÉ”, dos símbolos e objetos de poder do orixá e dirigem as cerimônias que podem ser privadas e secretas ou públicas. Nos dias de cerimônia pública, chamada “xirê dos Orixás”, eles presidem os rituais e são os responsáveis pelo bom andamento da celebração. Nessas ocasiões o barracão é decorado com flores e fitas coloridas, bandeirinhas ou guirlandas de papel crepom nas cores dos orixás e o chão é limpo e coberto por folhas de pitanga. O local é defumado com fumigações de ervas próprias para a purificação do ambiente. O pai ou a mãe de santo, e os seus ajudantes mais próximos, ficam sentados num lugar de destaque e os atabaques consagrados aos orixás denominados “rum”, “rumpí” e “lê” acompanhados de outros instrumentos de percussão, são responsáveis pelos toques e os cantores cantam os pontos de chamada, mantras em ioruba ou nagô, que convocam os orixás para participar do ritual. Os filhos e filhas de santo se preparam naquele dia com banhos de ervas para limpeza energética e se abstêm de relações sexuais no dia que antecede ao “xirê”. De acordo com os toques e cantos mântricos, na medida em que é invocada a presença do seu orixá de cabeça, os “yaôs” entram num estado de transe profundo; então, possuídos pelo orixá, começam a girar e dançar com expressões faciais e posturas corporais modificadas, que revelam pela especificidade de cada gesto e passo, que o orixá invocado está presente no terreiro. Após a incorporação, as roupas, adereços e égides de cada orixá são usados pelo iniciado e o orixá dança e dá seu “ilá” (sua palavra ou grito de identificação). Os assistentes o saúdam em iorubá, e desse modo o deus se apresenta na sua plenitude para abençoar seus filhos e receber homenagens. Depois, ao final, é servida ao público presente a comida oferecida aos orixás e por eles consagrada.

OS ORIXÁS- ORISSÁ

Orissá ou orixá significa a luz da cabeça. Para os iorubás, os orixás são potências cósmicas que regem os poderes dos elementos da natureza. Elementos que constituem nosso organismo e todos os reinos da natureza e que tudo mantém e de onde tudo provem. O orixá é uma força pura, imaterial que atua em várias dimensões e se torna perceptível quando incorpora em um ser humano. São os regentes das energias do planeta e para entrar ou sair da Terra é preciso a autorização deles. Constituem hierarquias de elementais que zelam pela vida manifestada na Mãe-Terra. Eles adotam os seres humanos quando suas almas estão prontas para encarnar na Terra e os protegem vigilantes durante toda a existência. Os mitos, as lendas e definições dos orixás podem variar de região para região, mas todas as narrativas coincidem quanto a fé na atuação deles como divindades administradoras do equilíbrio e da preservação da vida no mundo terrestre. Divindades que estão encarregadas pelo Princípio Supremo, Olodumare, da manutenção de sua criação no Ilê, o mundo natural, e constituem a energia emanada da e pela Mãe-Terra para o Cosmo e vice-versa. Alguns seres, devido as suas qualidades morais e habilidades, podem se tornar orixás; nesses casos, geralmente escolhem um descendente como veículo para se manifestar. No Brasil o culto é prestado a 16 orixás prioritários; segundo os iorubás, eles são os diferentes aspectos da divindade única. Alguns deles excepcionalmente podem ser manifestações desses primordiais, e ter sido seres humanos que atingiram o estado divino em vida, e por amor retornam para ajudar sua família e comunidade. No Brasil, os iorubás e sua cultura predominam na estrutura das cerimônias, na mitologia e metafísica, embora outras etnias ainda permaneçam fiéis e atuantes, cultuando suas crenças, como o culto aos Egungun (os ancestrais) que acontece principalmente na Ilha de Itaparica, na Bahia. Os orixás são arquétipos universais, personificam virtudes e valores fundamentais desta tradição. Eles constituem os fundamentos do caráter desse povo que transmite sua sabedoria oralmente atravez das lendas contadas com reverência e amor de coração a coração, da boca amorosa para o ouvido amoroso. Para os iorubás, a Mãe-Terra é um ser vivo e sagrado. Plantar, perfurar um poço para obter água limpa, ou outro tipo qualquer de intervenção no solo do planeta, é precedido de um ritual para obter permissão e perdão pela agressão feita ao corpo da Mãe-Terra. Eles agradecem cantando e dançando pela obtenção da licença e pelos resultados positivos das suas ações. Os orixás estão presentes no cotidiano dos fiéis, no trabalho e nos fatos mais corriqueiros da vida. Simbolicamente, a morada e regência de cada orixá é um elemento e uma qualidade, um valor, e cada expressão da natureza é compreendida como um sinal mágico. Para os iorubás a natureza oferece os indicadores abençoados pelos orixás. Cada orixá tem sua cor, égide, pedra, dia da semana, dança, canto, saudação, animal consagrado, comida, objetos de oferenda, filiação, função e lugar de poder.

PRINCIPAIS ORIXÁS (MITOS, FUNÇÕES E REGÊNCIAS)

ORIXALÁ ou OBATALÁ - Divindade da criação, o nome da divindade suprema. Também conhecido como Olodumare ou Orumilá. IFÁ - O senhor dos mistérios divinatórios. O porta-voz de Orumilá, ou Olodumare, o deus supremo, que está inacessível aos homens e fora da compreensão humana. Ifá é consultado e Olodumare (ou Orumilá) revela seus desígnios através do “opelê” um tipo de rosário divinatório que somente os sacerdotes podem consultar. As sacerdotisas consultam os búzios cujo jogo divinatório é regido por Oxum, uma deusa. Outro nome do deus supremo é Olorun, o senhor dos céus. EXU – O mensageiro dos deuses. Ele é o traço de união entre os homens, os orixás e Olorum. Exu é assistente direto do deus supremo e assessora Ifá nas consultas ao “opelê”, e no jogo de búzios inspira a ialorixá (sacerdotisa) e leva as consultas diretamente aos orixás, trazendo para ela as respostas dos deuses. É o mensageiro entre as dimensões mundanas e sagradas e o guardião dos templos, das casas, das cidades e das pessoas. É o intermediário entre os seres humanos e os deuses e por isso é homenageado em primeiro lugar nos cultos. Ele garante que os obstáculos para o bom andamento das cerimônias sejam removidos. Esse orixá teve por parte dos colonizadores uma interpretação incorreta que permanece ainda hoje repercutindo negativamente e prejudicando a compreensão e aceitação desta tradição. Ele não é a incorporação do mal, pois a noção do diabo, da corporificação do mal não existe entre os iorubas. Exu é a força que cria novas ordens e que abre caminhos para possibilidades.


OXOSSI - O senhor das florestas, o provedor da caça, pesca e da fartura de modo geral. É o orixá da generosidade, da amabilidade, companheirismo e determinação. Como Odé, um dentre seus aspectos mais misteriosos e secretos, é o oculto, o conhecedor das raízes e dos segredos das profundezas da Terra. Oxossi é a força que orienta a organização da vida comunitária e a produção agrícola nas aldeias. Oxossi agrega as pessoas e confere qualidade a convivência comunitária.

OGUM - O senhor da guerra, guerreiro do divino combate interior entre o certo e o errado, a luz e as trevas. Ajuda na superação dos defeitos comportamentais e dos vícios prejudiciais a saúde e a elevação do espírito. Irmão de Exu, abre caminhos para o novo, vence demandas contra as negatividades e auxilia na realização de projetos, eliminando dificuldades eventuais. Ogum é temperamental e intempestivo e tem como principal desafio vencer a si mesmo.

OXUM - A deusa-mãe das águas doces, a Grande Mãe. Sua energia de potencializa nas nascentes e cachoeiras. Éo princípio feminino que se apresenta como cuidado amoroso, beleza, graça, harmonia, doçura, prosperidade e abundância. Promove a fartura e a fertilidade e protege a maternidade e as crianças. É também a deusa do amor e do ouro.

IEMANJÁ - A deusa-mãe das águas salgadas. Sua energia se potencializa nos mares e oceanos. É o princípio feminino que se apresenta como beleza, impetuosidade, poder, mutabilidade, exuberância, acolhimento, fascínio, imprevisibilidade, criatividade e força transformadora e renovadora da vida. Protege os homens do mar, a pesca, a família, o amor entre os casais. É a deusa que reina desde as profundezas e dos mistérios abissais.

OXALÁ - O orixá responsável pela totalidade da criação de Olodumare. A ele foi confiada a tarefa de formar a humanidade. Ele representa a sabedoria dos mais velhos, a ponderação, a pureza, o respeito, a paciência e a perseverança. Protege os puros de coração. Seu elemento é o éter. É um orixá fun-fun, ou seja, tudo que se refere a ele e é a ele oferecido tem que ser branco e imaculado.



XANGÔ - A realeza, o poder de decisão, a firmeza e a força do caráter. É o senhor da justiça e da liderança a serviço do Bem. Rege os negócios e os assuntos de estado. Protege os governantes e líderes em geral. Manifesta-se na natureza como os trovões e raios, símbolos do seu poder. Xangô é a beleza masculina e sua força física e moral atrai as mulheres de maneira irresistível. Seus filhos espirituais trazem suas características e expressam suas qualidades.

OSSAIN - O Senhor das Folhas. Manifesta-se como o poder dos sons da floresta e principalmente como o poder que se oculta nas ervas e folhas sagradas e curativas. Não há candomblé sem folhas e para que elas permaneçam vivas e poderosas Ossaim precisa ser louvado. É o senhor da medicina que cura o corpo, a mente e a alma. É um dos mais misteriosos dentre os deuses iorubá.

OBALUAIÊ - O Senhor das doenças e da cura. Ele revela a fragilidade humana, a instabilidade e a necessidade dos seres vivos de estar em harmonia com as forças da natureza para permanecer saudável. Ele se apresenta também como o curador do físico e das moléstias em geral, e das afecções de pele em especial. É o orixá protetor e provedor do equilíbrio que gera a saúde. Quando irado, provoca epidemias e morte. Ele tem poder sobre a vida e a morte. Seu nome significa O Senhor da Terra, Shapanam.

OXUMARÊ - É o deus da dualidade e da alternância entre os opostos na manifestação da vida. Ele é o sustentador do equilíbrio das forças naturais e da renovação. É representado pelo arco-íris que liga o céu e a Terra. Um dos seus símbolos é a serpente enrolada que ao se desenrolar une o profano e o sagrado. Oxumarê ensina a humanidade a jogar o jogo da vida, a lidar com as perdas e os ganhos. É também o orixá portador de alegria e transformação.

LOGUNEDÊ - O Senhor da síntese – a complementaridade. Manifesta-se como homem e como mulher alternadamente. Durante seis meses é feminino e nos outros seis meses é masculino. Ele representa a união das polaridades, homem e mulher, certo e errado, luz e trevas, bem e mal. Corpo e espírito. ele é a superação dos pares de opostos.

IROKO - O Senhor de todos os aspectos do tempo. Apresenta-se como uma árvore frondosa, a gameleira branca. Seus filhos o homenageiam com devoção, mas este orixá não incorpora nos fiéis; ele permeia tudo, cria e destrói todas as coisas. A gameleira tem raízes profundas na Terra, mas se dirige ereta para o céu; ela nos ensina que durante seu tempo de vida o ser humano deve estar na Terra sem se esquecer do céu de onde se origina. Iroko ensina também o uso adequado do tempo mostrando que o tempo não passa, é eterno; quem passa somos nós, as coisas e a natureza.

INHASÃ, OYÁ – A rainha de OYÓ, a senhora dos ventos. O princípio feminino transgressor do estabelecido e provedor da coragem, autoconfiança, auto estima, dedicação, também da iniciativa e estratégia de superação dos obstáculos aos propósitos grandiosos. É a deusa que conduz as almas dos mortos do sofrimento à paz eterna e afasta os espíritos perturbadores. Dançando freneticamente, agitando com as mãos um rabo de leão, ela livra seus protegidos dos males do espírito.

OBÁ - A divina e destemida guerreira defensora das causas nobres. Combate em favor dos menos favorecidos pela sorte. Os rejeitados, os traídos e humilhados contam com a proteção de Obá, a poderosa deusa justiceira. É o feminino destemido que reivindica igualdade de direitos entre homens e mulheres. Manifesta-se nas águas revoltas da confluência entre os rios.


IBEJI – Orixás-crianças. Regem a alegria, a descontração, a espontaneidade, a leveza, o entusiasmo, a capacidade de se deslumbrar, a curiosidade e a vontade de aprender. Manifestam-se nos adeptos como a criança interior de cada um dos seres humanos.

Olodumare – O Deus Supremo


A religião dos orixás é um culto às forças cósmicas e telúricas; é uma forma de culto familiar e comunitário. Embora seja basicamente uma religião tribal e da natureza, também reverencia os espíritos dos ancestrais que por suas qualidades morais foram divinizados e integrados às hierarquias de elementais que constituem as energias do planeta, possuindo por isso um axé (força mágica) poderoso. É uma religião de aceitação e tolerância, onde não existem preconceitos, dogmas, proselitismo ou doutrinação. Para os iorubás, acima dos orixás está Olodumare, o deus supremo, que paira sobre tudo e todos e contém em si mesmo tudo e todos. Esse deus representa o poder infinito do universo; é inacessível, e está muito além da compreensão humana. Não é cultuado nem incorpora nos adeptos, mas é o mais respeitado, pois é o criador inacessível de tudo que existe, inclusive dos orixás. Quando resolveu criar a humanidade, Olodumare criou primeiro os orixás e a eles confiou a supervisão de sua obra. Portanto, para chegar a Olodumare é aos orixás que os homens devem recorrer, reverenciar e dirigir suas preces e oferendas. Olorun é o nome dado ao governante do “orun” que é uma dimensão intermediária entre o universo superior de Olodumare e a Terra (Ilê). Orun é um lugar muito sagrado e reverenciado porque é lá que habitam as almas dos mortos. No orun as almas aguardam a hora de voltar periodicamente ao mundo dos vivos para renascer. Para os iorubás tanto a vida quanto a morte são etapas sagradas e ao oferecer sacrifícios aos seus orixás eles consagram tanto a Terra quanto o céu, afirmando essa crença. Eles acreditam que os animais imolados e ofertados durante o sacrifico têm a oportunidade de evoluir como energia consciente. Como vemos, a mitologia desta tradição é altamente sofisticada e sutil na apresentação dos seus mitos, rituais e arquétipos.

Arquétipo

Os “ogans”, conhecidos entre nós brasileiros como filhos-de-santo, vivem transes de possessão profunda; trata-se de transe que atinge o estágio das ondas cerebrais theta. O orixá que eles incorporam geralmente apresenta características físicas e de personalidade, assim como afinidades de temperamento, com cada um dos seus filhos, “ogans” ou “yawôs”. Essas afinidades são perceptíveis e também se apresentam como propensões arquetípicas da personalidade que jazem adormecidas no inconsciente das pessoas. Muitas vezes talentos e tendências inatas são reprimidos pela educação ou meio social, e o adepto incorporando seu orixá, cujo arquétipo lhe corresponde, durante o transe se comporta como o orixá, dança como ele e se expressa com grandeza e majestade. Durante o transe o “ogan” libera os traços ocultos de sua personalidade e vive um êxtase muito abrangente e alentador. Tudo isso que ele manifesta pertence aos domínios do inconsciente e a exaltação do transe é altamente libertadora, porque unifica os diferentes aspectos da personalidade do filho-de-santo e permite que ele ultrapasse limites auto impostos e solte as amarras subconscientes. Nesta tradição, o corpo físico é compreendido como a manifestação concreta de uma ação transcendental e deve ser tratado com carinho e respeito. Deve estar sempre limpo e em perfeita saúde para que possa ser o veículo perfeito para o orixá incorporar. Para eles a doença é uma transgressão ou negligência do fiel com suas obrigações litúrgicas, morais e sociais. Os orixás, quando insatisfeitos, reportam as falhas do “ogan” a Olodumare, que determinará o que deve ser feito. Merece destaque a refinada psicologia iorubá, cujas práticas visam a harmonia interior do indivíduo, da família e da comunidade, a partir da harmonização de cada um e de todos em vários níveis de realidade. O psicólogo alemão Bert Hellinger desenvolveu o seu trabalho chamado Constelações Familiares a partir da observação das práticas iorubás de harmonização de conflitos utilizando arquétipos quer individuais quer religiosos para solucionar problemas pessoas atuais ou recorrentes de cada pessoa e grupo familiar, assim como das comunidades. Portanto, não se trata de uma tradição primitiva, no sentido de primária, mas sim de uma expressão do conhecimento universal unificado que cada civilização apresenta de acordo com as características raciais, territoriais e culturais. No caso, os nossos irmãos africanos revelam com beleza e alegria seu universo étnico, ético, artístico, místico, mítico, social e religioso, através da compreensão sagrada da existência.

Sacrifícios

Para os não adeptos da tradição iorubá, é comum criticar e até rejeitar os rituais que incluem sacrifício de animais praticados pelo candomblé, umbanda e pelo sincretismo afro-brasileiro de modo geral. Todas as religiões praticaram sacrifício imolando animais nos seus altares desde tempos imemoriais; algumas até imolavam seres humanos. Os sacrifícios eram comuns na Suméria, no Egito, na Pérsia, Grécia, Índia, no império romano; não podemos esquecer da Judéia e seus rituais com sacrifícios de animais no templo. Dentre os sacrifícios bíblicos, o mais famoso é o sacrifício que Jeová exigiu de Abraão - a imolação de Isaac, seu único filho -, que por intervenção de um anjo, foi transformado no sacrifício de um cordeiro. Este sacrifício, segundo o judaísmo e o cristianismo, traz o ensinamento da submissão à Vontade do Altíssimo; mostra que devemos colocar o que deve ser feito, pela Vontade de Deus, acima de tudo que mais queremos e amamos. Na época de Cristo, durante a Páscoa, os fiéis judeus imolavam grande quantidade de carneiros no templo como ato de fé e agradecimento. Daí o Cristo ser chamado “O Cordeiro de Deus”. Na Índia, vemos nos Vedas que o sacrifício do cavalo branco significava a rendição da mente ao divino, e era um dos momentos altos dentre os rituais de sua tradição. Os cristãos substituíram o sacrifício de animais pelo sacrifício da eucaristia, quando o pão e o vinho representam o corpo e o sangue de Jesus. O sacrifício é o fazer sagrado, o sacro-oficio, e para cada povo significa doação e oferenda reverente. As civilizações das três Américas também ofereciam sacrifícios à Terra e ao Sol. Porém, cada tradição exterioriza isso de acordo com sua cultura. Os iorubás acreditam que o animal sacrificado não deve sofrer ao morrer, e que o sangue derramado faz a ligação da energia vital terrena com o universo, de onde tudo se origina. Penso que não nos cabe julgar tendenciosamente as escolhas humanas, e aceitar o sagrado nas suas múltiplas expressões.


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