Confucionismo.
Texto de Jacque Gernet (1921-2018). V. OS PRINCÍPIOS CONFUCIONISTAS DA
IDEOLOGIA CHINESA ATUAL. A IDEOLOGIA NA PRÁTICA E AS SUAS RAÍZES CONFUCIONISTAS. Num território tão vasto e tão diversificado como é o território chinês, o
governo adaptado por Mao Zedong, para que exercesse um controlo efectivo, era
um governo pela ideologia, o mesmo será dizer, "governo pelos ritos"
tão querido a Confúcio. Tal como Confúcio preconizava, só o governo de um
imperador benevolente e justo suscitaria, pelo seu exemplo, o apoio dos seus
súbditos. Como tal, o Imperador, tal como o junzi, devia prestar atenção a
virtudes, tais como a benevolência (仁), a justiça (义), não descorando os ritos (礼), tratando os
seus súbditos como os pais tratam os seus filhos. No caso de Mao Zedong
(1893-1976), também o povo obedecia ao governo pela ideologia e não por um
condicionamento puramente exterior ou formal. Aliás, de acordo com os textos
incluídos na coletânea “Citações Escolhidas de Mao Zedong”, nota-se que o
Grande Timoneiro privilegiava o governo pela virtude (仁政). Mao Zedong
foi influenciado pelos ideais confucionistas ao ler os Clássicos, que lhe
haviam sido ensinados na escola e em casa. E o considerável número de
referências aos escritos confucionistas ou neo confucionistas nas obras de Mao
Zedong testemunha essa mesma influência. De acordo com um estudo efetuado por
V. Holubnychy às principais obras de Mao Zedong, 30 cerca de 22% das citações
eram a escritos confucionistas ou neo confucionistas. Algumas das ideias
básicas do comunismo chinês haviam já sido defendidas pelos pensadores
confucionistas. Assim, começamos pela ideia básica do comunismo que apela para
uma igualdade entre as pessoas de todas as condições e de todos os níveis ou
classes. Ora, estes ideais igualitários eram uma ideia básica defendida por
Confúcio (551 AC 479). A igualdade entre todas as pessoas é sublinhada por Confúcio,
especialmente no que diz respeito ao acesso à educação. Dizia ele que todas as
pessoas deviam ter iguais oportunidades de acesso ao ensino (Analectos XV:39),
qualquer que fosse a sua origem social, pois só assim se poderiam tornar homens
dignos e honrosos. Ora esta formação, contribuindo para o aperfeiçoamento do
homem, poderia promover a ascensão em sociedade. A educação é também uma área
que será bastante privilegiada pela ideologia comunista chinesa. Uma vez no
poder, Mao Zedong nunca desvaneceu o seu ânimo em relação à educação,
promovendo a abertura de escolas dos diversos níveis em todas as províncias da
China. Desta forma, procurava abrir as portas a todos os que desejassem enveredar
por esta via, não deixando de sublinhar a importância do conhecimento prático,
decorrente da experiência concreta, tal como defendia também Confúcio. Por este
motivo, Mao Zedong chegou a incentivar a deslocação dos estudantes para o
campo, para que pudessem aprender com a prática. Apesar desta medida ter outros
motivos ideológicos relacionados com a explosão de críticas ao Partido e ter
ocasionado resultados perversos, a verdade é que o princípio do conhecimento
prático permanece o mesmo em Mao e em Confúcio. Tal como Confúcio, Mao também
utilizou os princípios do conhecimento prático para alterar a ideologia
originária soviética. Ao preconizar a revolta pelos camponeses (31) em vez da
ditadura do proletariado, o comunismo chinês passou a diferenciar-se do
comunismo soviético. Através, dessa educação prática, Mao pretendia concretizar
a mudança de cada indivíduo em relação à ideologia e ao estado de espírito.
Posteriormente, esta diferença haveria de trazer alguns dissabores na relação
sino-soviética. Mao Zedong defendia que a política devia vir originalmente das
massas, sendo que só os interesses e desejos do povo deviam ser tidos em conta
para elaborar a política, trata-se do governo "das massas e para as
massas". A POLÍTICA ECONÔMICA COM 25 SÉCULOS DE DIFERENÇA Logo que chegou
ao poder, Mao Zedong promoveu um programa de desenvolvimento econômico e uma
reforma agrária sem precedentes. Já desde jovem que Mao se preocupava com as
necessidades e as condições dos camponeses. Por isso, preconizava a redistribuição
equitativa das terras e o apressamento dos impostos. Ora, essas teses são
retomadas pelo Comité Central do Partido Comunista Chinês e postas em prática.
Desde 1950, é levada a cabo uma reforma agrária em grande escala, em que os
grandes latifundiários são expropriados das suas terras e se faz a
redistribuição das propriedades. 32 Por outro lado, em 1953 teve início o
primeiro plano quinquenal, com o objetivo de estimular a indústria pesada. Em
1955, dá-se uma aceleração da coletivização agrícola com a extinção da
propriedade privada dos meios de produção e a instituição de cooperativas de
produtos agrícolas. Desta forma se expandiu a produção alimentar e se deu uma
melhoria na dieta dos camponeses. Posteriormente, em 1958, aquando do segundo
plano quinquenal, Mao Zedong fixou objectivos muito mais ambiciosos do que no
anterior. O objetivo do que ficou conhecido como o "Grande Salto em
Frente" (大跃进) era alcançar em 15 anos o nível de industrialização
que a Europa tinha conseguido em 150 anos. Esta rápida industrialização seria
conseguida através do aumento da produção de aço, o que se afastava do modelo
soviético. As cooperativas agrícolas foram também substituídas pelas comunas
populares. "As comunas populares respondiam a um triplo objetivo administrativo
(descentralização e democratização), econômico (aumento da produção,
planificação mais flexível e mais precisa) e político (abolição a termo da
separação cidade/campo)."33 Se bem que esta medida não tivesse promovido a
real industrialização da China porque o aço recolhido era de reduzida
qualidade, a verdade é que as comunas permitiram libertar alguma mão-de-obra
dos afazeres domésticos para se dedicarem completamente ao trabalho agrícola ou
industrial. O que é interessante verificar é que, com cerca de vinte e quatro
séculos de diferença e num contexto diferente, Mêncio (372 AC 289) também
preconizou uma redistribuição das terras entre quem as pudesse cultivar, a
chamada teoria do "campo comum”. Segundo essa teoria, cada campo deveria
ser dividido em nove partes, com fronteiras perfeitamente definidas. Cada
família deveria ocupar um quadrado, sendo que o quadrado do centro seria usado
coletivamente, cultivado em conjunto por todas as famílias. Somente quando se
concluísse o trabalho público, poderia cada um dedicar-se aos seus assuntos
privados. Desta forma o povo viveria em harmonia e colaboração mútua. Ora, este
aspecto assemelha-se bastante aos ideais coletivos comunistas. Para além disso,
Mêncio preconizava também uma redução dos impostos, para não sobrecarregar uma
classe em geral desfavorecida que são os camponeses. Porque ambas as filosofias
estavam atentas às preocupações do povo, com especial relevância para os
camponeses, estas foram muito bem acolhidas pela população. Contudo, devido ao
fracasso da política preconizada por Mao Zedong e aos problemas econômicas
decorrentes, assim como devido às crescentes críticas de que começava a ser
alvo, Mao Zedong lança uma série de medidas destinadas a melhorar as condições
económicas. São os "Sessenta artigos" que prevêem a restrição das
prerrogativas das comunas populares, e também as "Três liberdades e uma
garantia" (三自一包) relativas às produções individuais e à sua
comercialização. Estas medidas aparecem numa altura em que Mao havia lançado
uma "Campanha de Educação Socialista", em que os membros do Partido
Comunista eram exortados a fazer algum trabalho manual. É, então, que Lin Biao,
que havia substituído Peng Dehuai (1898-1974) (彭德怀) no cargo de
Ministro da Defesa, organiza as citações de Mao Zedong no que ficou conhecido
como o Livrinho Vermelho. É interessante fazer a comparação entre este e o
livro dos "Analectos" de Confúcio: - são livros básicos do pensamento
dos seus mestres; - nenhum dos livros foi escrito pelos autores da ideologia
respectiva; têm um formato bastante prático e uma linguagem simples que permite
a rápida assimilação da ideologia proposta; - os ensinamentos apresentam-se sob
a forma de mandamentos; - contêm considerações sobre elementos chave para a
época em que surgiram. Ora, o Livrinho Vermelho teve a sua maior divulgação
durante o período da chamada "Grande Revolução Cultural". Esta
iniciou-se com um incidente menor relacionado com uma peça escrita por Wu Han (1909-1969),
vice-presidente do município de Pequim, e que parecia criticar a opção do Partido
por este ter afastado Peng Dehuai (1898-1974) devido às suas críticas à forma de atuação de
Mao Zedong. A crítica a esta peça foi publicada em Shanghai, o que levantou uma
onda de contestação que, em Pequim, se iniciou com os famosos jornais de parede
de grandes caracteres (da zi bao, 大字报) elaborados pelos estudantes da Universidade de
Pequim. Tentou-se, então, direcionar a crítica para os membros do Partido que
fossem opositores de Mao, todos aqueles que tentassem travar as suas reformas.
O Livrinho Vermelho veio sublinhar ainda mais a fé em Mao, o que atingiu
dimensões impensáveis com a criação dos Guardas Vermelhos. Pode-se dizer que
Mao ascendeu, então, para muitos milhares de jovens, à categoria de ídolo e
mesmo de deus. Ora, a atenção dos jovens começou também a direcionar-se contra
tudo o que tivesse alguma ligação com o antigo regime imperial, o que inclui os
princípios confucionistas. Para além dos jovens, também os operários,
inicialmente em Shanghai, se começam a manifestar, surgindo aqui os primeiros conflitos
sociais, com vista a aumentar os seus salários e a melhorar as suas condições
de vida. É, então, necessária a intervenção do exército para normalizar a
situação em que se encontrava o país. É neste contexto que surge, em 1974, a
crítica de Confúcio e de Lin Biao (1907-1971) (pi lin pi kong, 批林批孔), que havia
morrido três anos antes. "Entre as críticas às atitudes de Confúcio, as
mais frequentes são as seguintes: - ele era um defensor do sistema
escravagista; - ele preconizava o desprezo pelos trabalhadores, «homens
vulgares», dedicados aos trabalhos agrícolas; - ele considerava as mulheres
como escravas; - a sua filosofia humanista desenvolvia, através das noções de
vontade do céu, de benevolência, de piedade filial, a justificação da opressão
do povo. Todo o seu pensamento era uma incitação à docilidade e à
obediência." Contudo, segundo Almerido Lessa, "apesar da intensidade
da ação política desenvolvida, o confucionismo continuou a resistir por força
do seu enraizamento cívico, nomeadamente no agregado familiar. Perdido o
controlo durante os dez anos caóticos da Revolução Cultural em que os ultra
esquerdistas tentaram até em Qufu delapidar as suas relíquias, um sentido novo
se estabeleceu." Um outro aspecto interessante comum a Confúcio e a Mao
Zedong é que, durante as suas vidas pelos seus seguidores, mas especialmente
após as suas mortes, assistiu-se ao culto da personalidade, tornando-se em
quase deuses. Na realidade, Confúcio tem na China já diversos templos onde pode
ser adorado, como mestre ou sábio, mas nunca como um deus. Será que é
necessário que mais algumas décadas passem para que possamos ver erigido um
templo a Mao Zedong? Ou será que já poderemos considerar como templo o seu
Mausoléu estrategicamente colocado na principal praça de Pequim, a Praça Tiananmen
e onde tantos chineses vindos de todos os pontos do território afluem? A
verdade é que se assiste atualmente na China a um estranho fenômeno de
saudosismo em relação ao maoísmo, com a venda de todo o tipo de amuletos,
quadros, pins, etc, com a figura de Mao Zedong. Será que se trata do regresso
ao culto da personalidade de Mao Zedong ou de uma crítica velada à liderança
atual, mostrando nostalgia por tempos considerados melhores? Não será esta uma
manifestação semelhante aos desejos de Confúcio de reavivar os Reis Sábios da
Antiguidade que os comunistas em tempos tanto criticaram? A ERA DENG XIAOPING (1904-1997) E
DEPOIS. O CONFUCIONISMO E AS GRANDES MUDANÇAS DA ECONOMIA CHINESA Com a morte
de Mao Zedong e a condenação do Bando dos Quatro, 38 responsabilizado pelas
consequências negativas que as duras políticas implementadas durante uma década
(1966-1976) tiveram sobre o povo chinês, a China sofreu uma viragem
considerável. A ascensão de novos líderes foi acompanhada por uma série de
transformações, especialmente a nível económico, como seja a célebre política
de reformas e abertura (gaige kaifang,改革开放政策) preconizada por Deng
Xiaoping (邓小平). No Quinto Congresso Nacional do Povo chinês de
fevereiro de 1978, sob inspiração de Deng, é proposto um novo rumo para a economia
no sentido da modernização da agricultura, da indústria, da defesa nacional, da
ciência e técnica, são as chamadas “Quatro modernizações” (四个现代化:工农,科技,国防). No terceiro plenário do XI Comité Central, Deng
Xiaoping (1904-1997) propôs uma série de reformas com o objetivo de implementar
a economia de mercado em algumas zonas e a abertura aos investimentos
estrangeiros. E este novo caminho parece ter saído reforçado com o relatório do
primeiro-ministro Zhao Ziyang (1919-2005) (赵紫阳), no XIII Congresso do PCC de outubro de 1982,
intitulado "Avanço no Caminho para o Socialismo de Características
Chinesas", onde se estabelece a necessidade de distinção entre a acção do
governo e a do partido. Trata-se do que Deng Xiaoping mais tarde chamaria uma
economia socialista de mercado (社会主义市场 经济). Esta mudança de que é alvo a economia chinesa passa
também pela integração na economia mundial, como é o caso da adesão da China ao
Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial (BM), em 1980, e à
Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001. Contudo, estas grandes mudanças
provocaram alguma instabilidade económica e, consequentemente social, o que
esteve na base de algumas demonstrações estudantis durante o primeiro semestre
de 1989, após a morte de Hu Yaobang (1915-1989) (胡耀邦). Os slogans pugnavam pela
reforma do sistema político, o que é de certa forma corroborado por Zhao Ziyang
(1919-2005) como a única forma de fazer face às dificuldades encontradas na
reforma do sistema económico. Tornando-se estas movimentações incontroláveis, o
que atinge o auge a 4 de junho, os líderes não encontraram outra solução senão
a repressão, o que foi altamente criticado por toda a comunidade internacional.
Nessa altura, de acordo com James Wang,39 os líderes chineses deparavam-se com
três ordens de problemas ideológicos: a adaptação do marxismo à nova realidade
chinesa, pelo que as reformas económicas não se deviam desviar do socialismo,
seguindo os princípios da propriedade pública dos meios de produção, «a cada um
de acordo com o seu trabalho» e a economia socialista planeada para as maiores
produções; a redefinição do socialismo, cujo princípio nunca devia ser violado,
mesmo em face das experiências de economia de mercado, pois se bem que Deng
Xiaoping tenha afirmado que «Enriquecer é glorioso», isso devia significar
prosperidade para toda a população (é o socialismo com características
chinesas); evitar a corrosiva influência da burguesia, tal como preconizado na
resolução do PCC de 1986 sobre a cultura e a ideologia, assegurando o
cumprimento dos "Quatro princípios básicos" (四 项基本原则) - a
estrada socialista, a ditadura popular, a liderança do partido e o pensamento
marxista-leninista. Em consequência das reformas preconizadas por Deng, a
economia chinesa atingiu um verdadeiro boom em 1992/93, considerando-a, o FMI,
em 1993, como a terceira maior economia do mundo. O sucesso foi de tal ordem
que na última alteração de 1999 da Constituição de 1982, se consagrou a teoria
de Deng Xiaoping como um dos elementos da ideologia chinesa, ao lado do
marxismo-leninismo e do pensamento de Mao Zedong. Diz o sexto parágrafo do
Preâmbulo: "Sob a liderança do Partido Comunista da China e a orientação
do marxismo-leninismo, o Pensamento de Mao Zedong e a Teoria de Deng Xiaoping,
o povo chinês de todos os grupos étnicos continuarão a aderir à ditadura
popular democrática e à via socialista, e a defender a reforma e a abertura ao
mundo exterior, a melhorar substancialmente as instituições socialistas, a
desenvolver uma economia de mercado, a promover uma democracia socialista, a melhorar
o sistema legal socialista e a trabalhar arduamente e com autoconfiança para
modernizar a indústria, a agricultura, a defesa nacional e a ciência e
tecnologia do país, passo a passo para fazer da China uma nação socialista
próspera, culturalmente avançada e democrática."40 No entanto, tal como
dizia Deng Xiaoping, quando se abrem as janelas, tudo entra, inclusivamente
moscas. A abertura da China ao exterior impulsionou o seu desenvolvimento
económico mas acelerou também a entrada de ideias e valores ocidentais. Se
estas ideias não forem foram completamente absorvidas pela sociedade chinesa,
poderá dar origem ao aparecimento de fricções entre os valores chineses
tradicionais e os modernos valores ocidentais. Numa era de globalização 41 em
que nos encontramos, principalmente no plano econômico, o que se passa numa
região do globo não pode deixar de influenciar todo o mundo, estimulando-se
assim os fluxos de diferente natureza e provocando uma inter-penetração de
valores e princípios. Se por um lado, os modos de vida e formas de pensar
tendem a estandardizar-se segundo o modelo ocidental, por outro lado,
verifica-se um regresso às origens, às tradições que tende em afirmar-se.
Segundo Victor Olea (1950- ) e Abelardo Flores, “Em presença da globalidade e da imposição
de valores e modelos culturais exógenos (ocidentais), às vezes como resposta e
outras como auto conservação e princípio de vida, multiplicam-se as expressões
locais, regionais e nacionais, e perante a homogeneidade que comporta a
globalidade e o capitalismo exacerbam-se as diferenças e o carácter heterogéneo
da sociedade e do mundo dos nossos dias.” Contrapondo-se a um sistema decadente
dominado pelas potências ocidentais, a sociedade chinesa tem manifestado um
desejo de afirmação dos valores tradicionais. Existe ainda questão da relação
existente entre o confucionismo e a modernização. Alguns autores defendem que o
confucionismo é anti-modernização, o que é desmentido mais flagrantemente pelos
casos de sucesso econômico do Japão e dos Quatro tigres asiáticos - a Coreia do
Sul, Hong Kong, Taiwan e Singapura - sociedades de tradição confucionista que
apresentaram na década de 60 e 70 respectivamente elevados graus de
desenvolvimento econômico. E Zhang Wei-Bin justifica esse sucesso econômico: “A
bem sucedida industrialização das regiões confucionistas é caracterizada por
uma forte liderança governamental, estrita competição na educação, força de
trabalho disciplinada, e princípios de igualdade (no sentido confucionista)
medidas em termos de mérito e frugalidade.”
Na realidade, características como a liberdade económica com intervenção
estatal, a ênfase na acumulação de capital humano através da educação prática e
a estrutura social hierárquica baseada no talento e mérito, que se verificam na
atualidade em regiões como Japão, Coreia, Singapura , Taiwan, Hong Kong e mesmo
China continental, atribuem-se à filosofia confucionista. Na realidade, algumas
das características confucionistas existentes nestas sociedades têm sido o
núcleo do tão falado conceito de “valores asiáticos” (亚洲价值观), a chamada “Asian Way”. No caso da China, desde as
reformas de Deng Xiaoping, a economia chinesa tem vindo a crescer rapidamente.
Por isso, aparentemente os valores confucionistas que caracterizam a sociedade
chinesa não têm sido entrave à modernização económica, antes pelo contrário. No
entanto, tal como sublinha o vice-presidente da Associação Confucionista
Chinesa, Tang Yijie ( 汤一介 ), há que
analisar a contribuição do confucionismo para a modernização pois “há alguns
aspectos do pensamento confucionista que ajudam na modernização e outros que
não a favorecem. Por exemplo, o facto do confucionismo enfatizar a harmonia
entre as pessoas favorece a modernização, pois uma empresa deve favorecer a
harmonia interna, enquanto externamente pode haver competição. Desta forma se
pode fortalecer. (…) O confucionismo também tem um ponto fraco que é a ênfase
na hierarquia. As classes inferiores devem uma obediência às classes
superiores, não podendo levantar uma opinião diferente, tenha ou não razão. Mas
isto não é assim”. Tu Wei-ming (1940 - ) também fez uma sistematização dos
pontos do confucionismo favoráveis e desfavoráveis à modernização. Segundo ele,
existem dois tipos de confucionismo: o confucionismo politizado e o
confucionismo tradicional. “A ideologia confucionista muito politizada
desempenhou tradicionalmente um papel muito negativo, desencorajando o espírito
empresário, as iniciativas individuais, e mesmo as maiores inovações. É esta
parte da razão pela qual a China falhou em modernizar em face do desafio do
Ocidente. (…) Além desta forma fortemente politizada de Confucionismo, temos a
tradição confucionista como forma de auto compreensão humana, uma forma de
vida, com especial ênfase no «globo» multidimensional da pessoa, não somente em
casa, mas também no Estado, a pessoa como centro das relações, mas também como
alguém que, através do processo de autodesenvolvimento, abre-se a si mesma a
outras dimensões da inter-relação humana”.
É este último tipo de confucionismo que promove o desenvolvimento
econômico e também o desenvolvimento intelectual pessoal. Finalmente, não nos
esqueçamos também que Confúcio chegou a ser apelidado do “Grande Reformador”, e
ainda que Kang Youwei (1858-1927), o precursor das Grandes Reformas de finais
do séc. XIX, também adotou o confucionismo como modelo. Confúcio dizia: “O Bom
Mestre é aquele que ao recuperar o antigo, é capaz de encontrar modernidade”
(Analectos II:11) Para além de impulsionar a modernização e o progresso, os
valores confucionistas têm também desempenhado um papel de estabilizador da
sociedade, devido a alguns efeitos negativos provocados pela implementação das
reformas econômicas. Ao longo dos tempos, o confucionismo sempre serviu como
cimento, permitindo à China modernizar-se economicamente e atingir níveis de
crescimento elevados, mas ao mesmo tempo mantendo a estabilidade social e a
legitimidade política. Mesmo apesar de todas as críticas de que foi alvo,
especialmente aquando da Revolução Cultural, os valores confucionistas não
foram abandonados pela sociedade chinesa, porque já faz parte da sua génese,
faz parte da vivência do povo, forjado nas alterações de que foi alvo o seu
meio. A ética confucionista serve como verdadeira fonte de toda a estabilidade
chinesa, o princípio de todas as normas que regulam a sociedade chinesa, o seu
Princípio Supremo, segundo a terminologia de Zhou Dunyi (1017-1073). Segundo Tu
Wei-Ming a ética confucionista inclui “a ideia do eu como centro das relações,
um sentido de comunidade da confiança moldado na família, a importância de um
ritual estabelecido regulando o comportamento diário normal, a primazia da
educação como construtiva da personalidade, a importância da liderança exemplar
na política, a aversão por litígio civil, a crença na formação de consensos e a
prática da auto-cultivação”. E estes aspectos continuam a caracterizar a
sociedade chinesa na atualidade. Especialmente desde o Grande Salto em Frente,
as relações de poder na China têm sido marcadas por uma grande personalização,
em que as relações pessoais são valorizadas, tal como defendia Confúcio.
Estabeleceram-se redes complexas entre os indivíduos e o poder, as chamadas
guanxi(关系), pelo que é a posição do indivíduo em relação ao
poder que determina o seu nível de vida. Todos fazem parte da mesma família,
embora uns com mais influência do que outros. Por isso na China, o controlo
burocrático é muito ténue, nomeadamente devido à extensão territorial e à
variedade da população. Deve haver, então, por parte de cada um o desejo de
obedecer a uma mesma cabeça, no caso à ideologia do Estado. Para que isso se
faça de uma forma espontânea, o Estado deve zelar pelo bem-estar do povo, qual
governo benevolente pregado pelos confucionistas.50 Foi exatamente com o fim de
promover uma China rica e próspera, que Deng Xiaoping lançou as reformas
económicas de 1978. Mais uma vez aqui os valores confucionistas aparecem como
estabilizador da sociedade chinesa, pelo que entramos num ciclo vicioso em que
o confucionismo foi uma das raízes da ideologia comunista chinesa e é agora um
dos principais garantes da sua estabilidade. Tal como sistematizou Geng Yun
Zhi, a herança confucionista chinesa baseia-se em "quatro ensinamentos
fundamentais: 1 - um ensino político, segundo o qual o príncipe sábio deve
governar em função de princípios morais; 2 - um ensino ético privilegiando as
relações familiares; 3 - um ensino relativo à "cultivação de si" com
vista à formação de um espírito sólido; 4 - um ensino intelectual destinado a
promover o exercício do conhecimento e uma pedagogia”. Livro Os Princípios
Confucionistas da Ideologia Chinesa Atual. Abraço. Davi
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