Mahabharata. Texto
de Krishna Dharma (1955 - ). Capítulo Quatro. O REI CEGO. CHEGOU O DIA EM QUE OS
PRÍNCIPES deveriam deixar a escola de Drona. Era a hora deles darem a ele a
dakshina, o presente oficial que os professores solicitavam a seus alunos.
Drona só quis uma coisa: Tragam-me o rei Drupada, de Panchala, como cativo. Os
príncipes sabiam por que Drona pedira a prisão de Drupada. Ele lhes contara
como ele e Drupada eram amigos e moravam juntos no ashram (eremitério hindu
onde os sábios viviam em paz e tranquilidade no meio da natureza) do rishi
Agnivesha. Drupada prometera a Drona que, quando herdasse o reino de seu pai,
lhe daria metade. Mas quando, muitos anos depois, aquele momento chegou e
Drona, sem um tostão, lembrou o antigo amigo da promessa feita, ente se sentira
insultado. De que servem amizades do passado? Drupada teria lhe perguntado,
gargalhando. Só iguais podem ser amigos. Hoje você é um pobre mendigo e eu sou
um grande rei. Não tente reviver uma amizade morta há muito. Oferecendo-lhe
apenas um pequeno presente como caridade. Drupada o despedira. Ofendido e
magoado pelo rei que faltara com a palavra empenhada. Drona se foi. Desde
então, estudar e adquirira uma fantástica habilidade com as armas, mas não
tinha a menor vontade de se vingar de Drupada matando-o. Seria melhor
simplesmente cortar seu orgulho e fazê-lo cumprir a promessa. E a melhor
maneira de fazer isso seria forçando-o a aceitar a derrota pelas mãos dos
príncipes, alunos de Drona. Duriodhana agarrou firme o arco. Ó mestre,
considere isso feito. O senhor logo verá que traremos aquele rei arrogante aos
seus pés, fortemente amarrado. Seguido dos irmãos, ele chegou rapidamente a
kampilia. Entraram na capital panchala de armas em punho, bradando seus gritos
de guerra. Os pandavas os esperavam fora da cidade, com Drona. Eles não
esperavam que o ataque impetuoso dos kauravas surtisse algum efeito sobre o
poderoso Drupada. Deixe-nos atacar depois que eles forem repelidos, sugeriu
Arjuna. Ao saber que sua cidade estava sendo atacada, Drupada imediatamente
montou no seu carro de guerra e foi encontrar os agressores. Um exército logo
se formou e foi ao encontro dos kauravas nas ruas da cidade. Drupada os atacou
com inúmeras flechas, torcendo –se no carro como um dançarino no palco. Seus
soldados cercaram os cem príncipes por todos os lados, e os cidadãos de
Kampilia também se juntaram à refrega, saindo de suas casa para lutar, armados
de paus e pedras, contra os kauravas. Vendo-se atacados por milhares de
soldados e cidadãos, os kauravas não tiveram outra opção senão recuar. Quando
as flechas de Drupada atingiam seus alvos, os príncipes urravam de dor e saíam
correndo. E, correndo, fugiram da cidade, com os panchalas atrás deles. Os
pandavas riram e Arjuna disse a Iudistira: Esses príncipes impetuosos são
conversa fiada. Está na hora de pegarmos Drupada. Dê-nos sua permissão pra
lutarmos, enquanto você fica aqui com Drona. Iudistira deu seu consentimento.
Seus irmãos reverenciaram Drona e se dirigiram para enfrentar os panchalas.
Esperando outro ataque, Drupada tinha arranjado uma fileira de imensos
elefantes à frente do muro da cidade. Bima avançou contra eles, girando sua
maça sobre a cabeça, seguido por Arjuna de carro, com os gêmeos dos dois lados.
Arjuna atirava tantas flechas, e com tal velocidade, que elas mais pareciam
enxames de abelhas pretas que desciam sobre os panchalas. Bima cheou aos
elefantes e começou a soca-los com golpes tremendos de maça (arma de mão
medieval forte e pesada). Os paquidermes (pele espessa como rinoceronte)
urravam e desabavam. Bima parecia um tornado, girando entre as fileiras de
soldados, até que fez com que eles recuassem, como um pastor faz com o gado.
Chegando ao centro da cidade, os quatro irmãos encontraram Drupada cercado de
tropas. Arjuna deu seu grito de guerra e imediatamente atirou uma infinidade de
flechas contra as forças do rei. Os dardos saíam de seu arco em linha reta e se
espalhavam em todas as direções, enquanto ele furava destemidamente as fileiras
do inimigo. Os panchalas reagiram com furiosa energia. Flechas, dardos, lanças
e paus voavam na direção dos pandavas, mas os irmãos contra atacavam com
agilidade, abatendo os projéteis com suas próprias armas. Arjuna, então, se
enraiveceu e lutou com energia redobrada. Ninguém podia distinguir o intervalo
entre ele pegar as flechas e atirá-las. Elas voavam de seu arco sem parar. Ao
mesmo tempo, Bima avançava rodando a maça seu redor. Ninguém podia se aproximar
dos dois irmãos, e os soldados panchalas bateram em retirada, aterrorizados.
Somente Drupada ficou para enfrenta-los, no seu grande carro de ouro. Elogiando
o poder dos pandavas, ele levantou o arco e atirou inúmeras flechas. As
primeiras desataram a armadura de Arjuna e as seguintes cercaram Bima, mas este
se defendeu com a maça. Em segundos, Arjuna respondeu ao ataque com cinquenta
flechas, que quebraram o arco de Drupada, derrubaram a bandeira de seu carro e
mataram seus cavalos. Uma outra chuva de flechas fez o rei panchala sair
correndo. Arjuna largou o arco e empunhou uma longa espada. Descendo do carro,
correu atrás de Drupada. Saltando por cima do rei apavorado, colocou a espada
em seu pescoço. Então, os quatro irmãos saíram da cidade e levaram o rei cativo
a Drona. Drona sorriu. E então, grande monarca? Parece que agora seu reino e
sua riqueza pertencem a mim. Drupada manteve a cabeça baixa e não respondeu,
nem poderia. Drona colocou um braço por cima do ombro do rei e lhe disse: Não
tema. Sou um brâmane (casta de sacerdotes hindus) e tenho por princípio sempre
perdoar. Na verdade, ainda sinto afeto por você e gostaria que nossa amizade
continuasse. Mas como é que pessoas que não são iguais podem ser amigas?
Portanto, vou lhe devolver metade do reino panchala. Drupada respirava
pesadamente, apertando os dentes numa frustração silenciosa. Agarrando-se a
toda a paciência que possuía, conseguiu sorrir e respondeu: Ó Drona, você é
realmente uma lama nobre. Vamos continuar amigos, como você quer, cada um
governando metade dos panchalas. Depois que os brâmanes fizeram os rituais de
sua instalação como governante dos panchalas do norte. Drona libertou Drupada.
Agora dono apenas da parte sul de seu reino, o rei se pôs a caminho, chorando
de raiva e humilhação. Sua honra tinha de ser vingada. Mas quem poderia
enfrentar Drona numa batalha? Parece que até seus alunos eram invencíveis
(...). E o rei voltou vagarosamente para seu palácio. EM HASTINAPURA, A
SITUAÇÃO CONTINUAVA tensa para os pandavas. Eles tinham que se manter
constantemente em guarda, na expectativa de que Duriodhana tentasse alguma nova
traição a qualquer hora. O príncipe Kaurva era muito arrogante e dado a certo
comportamento licencioso. Ele e os irmãos adoravam beber muito vinho e ficar
com mulheres, rindo-se dos pandavas, que se mantinham fieis aos princípios da
virtude. Dritarastra era gentil com os sobrinhos, mas super condescendente com
os próprios filhos, permitindo que cometessem toda sorte de excessos e sem se
preocupar com o antagonismo que sentiam pelos pandavas. Um dia, um emissário de
Madrua chegou para fazer uma visita a Dritarastra. Madrua era a capital dos
iadus e vrishnis, amigos dos kurus. Havia entre eles um elo familiar por
intermédio de kunti, que nascera na linhagem vrishni. Vasudeva, irmão dela,
tinha um filho chamado Krishna, que era reconhecido pelos rishis como o Ser
Supremo que descera à Terra em forma humana. Tendo ouvido sobre a tensão em que
sua tia kunti e seu primos estavam vivendo em Hastinapura, Krishna enviara seu
conselheiro Akrura à cidade, para avaliar a situação Depois que os kurus
receberam Akrura com demonstrações de amizade, o conselheiro foi ver kunti. Ela
ficou feliz em vê-lo e perguntou por todos os membros de sua família. Kunti
estava particularmente interessada em saber de Krishna, que também ela aceitava
como Deus. Na ansiedade pela segurança dos filhos, ela orava por proteção a
Krishna constantemente. O meu sobrinho Krishna pensa em mim e nos meus filhos?,
perguntou a Akrura. Será que ele sabe que estou sofrendo muito aqui, no meio
dos inimigos, como um corça no meio de lobos? Kunt estava certa de que Krishna
tinha plena consciência de tudo. Nada podia escapar a seu conhecimento. A
chegada de Akrura a Hastinapura era a prova de que Krishna pensava nela. Ela
apenas revelava seus sentimentos a Akrura. Akrura gentilmente a confortou.
Krishna muitas vezes falava dela. Tomara conhecimento do antagonismo de
Duriodhana e certamente viria vê-la em breve, depois de cuidar de alguns
negócios importantes em Madura. Kunti recentemente soubera que Krishna matara
um rei maldoso chamado Kamsa, que de alguma forma chegara ao trono de Madura.
Kamsa tentara muitas vezes matar Krishna e seu irmão, Balaram. Os dois meninos
tinham crescido numa pequena aldeia chamada Vrindavan. Tendo ouvido uma
profecia de que Krishna provocaria sua morte. Kamsa enviou vários e grandes
demônios para liquidá-lo, mas todos foram mortos por Krishna e Balarama.
Finalmente, os meninos divinos foram a Madura e mataram Kamsa. Akrura
confortava kunti, que chorava. Seus filhos são todos expansões dos deuses. Além
disso, são devotos do Senhor e, assim, sempre estão sob sua proteção. Não se
preocupe, os kauravas não conseguirão feri-los. Akrura ficou em Hastinapura por
alguns meses, desejoso de entender melhor toda aquela situação. Quando,
finalmente, estava pronto para regressar a Madura, falou com Dritarastra. O
ministro inteligente de Madura percebera que tudo dependia, em última análise,
do rei cego. Embora não totalmente mau ou corrupto como Kamsa o fora.
Dritarastra encorajava a perversidade dos filhos. Só ele tinha o poder de
evitar ou minimizar os conflitos, restringindo a liberdade de Duriodhana, quem
sabe enviando-o para algum país distante. Dritarastra ouviu em silêncio as
palavras de Akrua. Ó rei, o trono só se tornou seu por falta de opção. Por
direito, pertencia a Pandu, assim são os filhos dele que merecem a primeira
escolha, ou pelo menos metade da escolha dos seus filhos. Você deveria,
portanto, agir com igualdade para com todos os príncipes. Aliás, um homem sábio
trata igualmente todos os seres vivos, vendo-os a todos como partes iguais do
espírito supremo. O afeto, ou apego, pelos membros da família surge da ilusão.
Como grande rei que é, seu dever é governar imparcialmente, sempre tendo na
mente essas verdades espirituais eternas. Dritarastra nada falou enquanto
Akrura o aconselhava. O ministro vrishni deixou bem claro que o rei cego estava
atraindo um desastre, se continuasse a se opor à moralidade. Se não tratasse os
virtuosos pandavas com generosidade, acabaria colhendo só tristezas no final.
Dritarastra suspirou: Aceito tudo o que me disse, ó sábio Akrura. Se pelo menos
pudesse seguir seu conselho! O apego pelos meus próprios filhos é muito forte.
Talvez eu queira que eles sejam o que não pude ser. Dritarastra sempre
amaldiçoara sua cegueira. Nascido na linhagem kuru, era um guerreiro poderoso,
mas nunca havia podido provar isso. Fora Pandu quem saíra e espalhara as
glórias dos kurus pelo mundo. E tinha sido Pandu quem ganhara o amor e a
admiração do povo, que não tinha ficado muito satisfeito quando Pandu fora para
a floresta, deixando no seu lugar o cego Dritarastra. O rei continuou: O que
posso fazer? Sou apenas um homem, influenciado pelo desejo e pelo ódio. Foi o
Senhor que me fez assim como sou. E tudo se move de acordo com sua suprema
vontade. Agora Ele veio suavizar a carga do mundo e isso certamente acontecerá.
Quem pode evitar o destino? Livro Mahabharata – Recontado por Krishna Dharma –
Versão Condensada da Maior Epopeia do Mundo. AGORA ELE VEIO SUAVIZAR A CARGA DO
MUNDO e isso certamente acontecerá. Quem pode evitar o destino? Dristarastra
tinha ouvido os sábios descreverem como Krishna havia aparecido para destruir
todos os elementos da Terra. Talvez Duriodhana e seus irmãos estivessem nessa
categoria. Se esse fosse o caso, o que se poderia fazer? E por que alguém
deveria se preocupar? Krishna certamente retificaria a situação - se ele fosse, realmente, o Senhor Supremo.
Akrura percebeu que seu conselho estava caindo em ouvidos moucos. A cegueira de
Dritarastra se completava pela recusa em ver os fatos ou, pelo menos, em agir
com responsabilidade. Só poderia haver um resultado para tudo aquilo, que com
certeza Dritarastra entenderia: por meio de sua política de favorecer os
kauravas em detrimento dos pandavas, ele provocaria um conflito tal que
acabaria destruindo a casa Kuru. Akrura se despediu de Dritarastra e regressou
a Madura. Depois que Akrura partiu, Dritarastra sentiu uma grande ansiedade.
Talvez houvesse mais alguma coisa que pudesse fazer. Certamente os filhos de
Pandu tinham direito prioritário ao trono. Assim Como tinham direito à herança,
eram virtuosos, poderosos e muito amados pelo povo. Iudistira era especialmente
competente, demonstrando uma compreensão acima da média sobre religião e leis.
O rei tinha que admitir que seus próprios filhos eram inferiores. Mas era muito
difícil pensar neles se afastando para que os pandavas tomassem o trono. E se
isso acontecesse, é claro, significaria que ele próprio teria de se afastar.
Ferido pela indecisão, Dritarastra pediu conselhos a Bishma. Vidura e aos
brâmanes. E todos foram unânimes: Iudistira deveria ser feito príncipe regente.
Bishma falou: Este é o único caminho virtuoso, ó rei! Quantas vezes o povo nos
enviou representantes pedindo que ele se tornasse herdeiro do trono? Agora, ele
já completou seu treinamento e é muito capaz. Não demore mais em torna-lo
príncipe regente. Dritarastra não podia argumentar e logo preparou a cerimônia.
Para alegria do povo e horror de Duriodhana, Iudistira se tornou o rei
aparente, ou herdeiro do trono. O príncipe kaurava ficou atônito. Como é que
seu pai permitirá uma coisa daquelas? Vendo sua raiva e decepção, Bima lhe
acenou, imitando suas caretas miseráveis. Levando consigo karna e Dushasana,
Duriodhana foi correndo para falar com Shakuni. Quando os quatro ficaram a sós,
Duriodhana exclamou: Ó tio, não posso tolerar mais! Bima é odiosos e
detestável. Iudistira se tornou o príncipe regente, e eu me tornei um zero à
esquerda no palácio! O que podemos fazer? Cheio de ódio, Duriodhana explodia,
enquanto Shakuni parecia pensativo. Depois de alguns momentos, seu rosto
pareceu se iluminar. Acho que o grande festival de Varanavata está para
acontecer logo. O rei sempre manda um representante àquela cidade distante para
a celebração anual. Por que não deixarmos que os pandavas sejam os
representantes deste ano? Duriodhana ficou pasmo. Os cantos da boca de Shakuni
se levantaram num leve sorriso. Os incêndios sempre aparecem do nada nesses
lugares quentes (...). Não seria uma tragédia terrível se os pandavas fossem
pegos numa fogueira? Os olhos de Driodhana se arregalram, enquanto ele assentia
com a cabeça. Dushasana deu uma gargalhada e apertou a mão do tia, mas karna
não podia concordar com eles e, levantando-se rápido, disse: Não posso
compactuar com essa traição. Somos guerreiros, são as armas que nos dão poder.
Se temos inimigos, vamos até um campo de batalha resolver essa questão da
melhor maneira. Shakuni foi até karna e apertou as mãos do rapaz, dizendo: Meu
menino, você é um herói, sem dúvida alguma. Nunca foi sábio enfrentar aqueles
que nos são superiores em força. Não se lembra do que aconteceu em Kampila? Não
viu como Bima os venceu com a maior facilidade? Karna franziu a testa numa
carranca. Preferia se esquecer do que ocorrera em Kampilia. Tinham sido pegos
de surpresa. Drupada era mais poderoso do que parecia – e, ao contrário dos
kauravas, os pandavas tiveram a oportunidade de conhecer esse fato antes de
ataca-lo. Pois diga o que quiser, Shakuni. Não tenho medo de Bima nem de nenhum
dos seus irmãos. Sou a favor do combate aberto e não posso me aliar a esquemas
covardes para ataca-los pelas costas. Assim dizendo, Karna se retirou.
Duriodhana ainda o chamou, mas Shakuni lhe disse que não se preocupasse.
Deixe-o. É teimosos e impetuoso, mas nunca sairá do nosso lado. Tenho certeza
de que você ainda terá oportunidade de usar o poder e o heroísmo dele, muito em
breve. Então, Shakuni contou a Duriodhana sua ideia. O príncipe deveria usar
sua influência para fazer com que seu pai enviasse os pandavas para Varanavata.
O astuto Shakuni já tinha analisado a situação cuidadosamente, inclusive a
mentalidade de Dritarastra. Se você o pressionar, seu pai certamente concordará
com sua proposta, ó príncipe. Confiante no julgamento de Shakuni. Duriodhana
logo acedeu. Sentado ao lado do tia, maquinou cautelosamente os detalhes do
plano, e então foi direto ver o rei. DRITARASTRA ESTAVA SOZINHO EM SEU QUARTO,
o queixo apoiado na mão, pensando. Depois da instalação de Iudistira, percebera
como Duriodhana tinha ficado furioso. O filho quase não lhe falara desde o dia
da cerimônia. Preocupado, Dritarastra tinha comentado o fato com Shakuni, seu
cunhado, então, lhe sugerira que falasse com um brâmane chamado Kanika, que era
um especialista em política e coisas do estado. Esse brâmane era amigo de
Shakuni e tinha pensamentos e critérios tão alienados quanto. Quando o rei lhe
pediu conselhos, ele respondeu que os pandavas deveriam ser imediatamente
destruídos. Se o senhor vê esses irmãos como inimigos, então não deve ter
nenhuma compaixão, ó rei! Não hesite. Antes que se fortaleçam, devem ser
liquidados. Se não, sua posição será seriamente ameaçada. Kanika sugeriu que o
rei empregasse alguma forma secreta para liquidá-los. Externamente, Dritarastra
deveria manter uma disposição amigável pra com os sobrinhos, mas assim que uma
oportunidade aparecesse, deveria atacar. O senhor não terá o apoio dos
ministros para um confronto direto. Nem o povo ficará feliz se souber que feriu
os pandavas. Dritarastra ponderou sobre o conselho de Kanika. Mas como ele
poderia ferir os filhos de Pandu? Havia algum sentido em vê-los como inimigos?
Que mal lhe teriam feito? Mas quando pensou em Duriodhana, a mente do rei se
alienou. Seu filho nunca seria feliz na presença dos pandavas. Nem poderia
reivindicar o trono, isso era bem claro. Também era muito improvável que o povo
ou os anciãos kurus escolhessem Duriodhana em vez de iudiistira, ou mesmo em
vez de qualquer um de seus irmãos. Ele já ouvira muitos relatórios acerca dos
comentários do povo. Passe o trono para Iudistira agora. Por que deveríamos ser
governados pelo cego Dritarastra? O rei sabia que tinha de tomar uma decisão.
Ou pegava Duriodhana pelas mãos e fazia com que ele aceitasse o fato de que
Iudistira seria o rei, ou seguia o conselho de Kanika. Mas nenhuma das duas
opções lhe parecia muito atrativa. Enquanto pensava, o rei ouviu as passadas de
Duriodhana, que se aproximava. Quando o príncipe chegou até ele, Dritarastra
pode sentir sua agitação. Perguntou-lhe o que o tornava irrequieto e Duriodhana
respondeu: É que tenho ouvido relatórios muito preocupantes do reino. Parece
que o povo quer que Iudistira seja coroado rei imediatamente. Não estão
satisfeitos com você, querido pai, e parece que tampouco se importam comigo.
Enquanto falava, Duriodhana andava de um lado para outro, balançando os inúmeros
ornamentos de ouro que normalmente usava. A ignomínia logo nos cobrirá. Como é
que você pensa que o rude Bima vai nos tratar? Seremos uma chacota. Rejeitados
e desprezados por todos, teremos de abandonar a casa de nossa família.
Duriodhana, então, contou que tinha pensado num meio de salvar a situação. E
revelou com cuidado o plano que ele e Shakuni tinham forjado, observando de
perto as reações do pai. O príncipe não sabia exatamente que sentimentos o rei
alimentava pelos pandavas. Primeiro, sugeriu que eles fossem mandados para
Varanavara para o próximo festival, sob o pretexto de dar-lhes uma férias.
Duriodhana falava em voz baixa, olhando para os lados, pelo quarto do rei, para
ver se alguém entrava. Uma vez que os irmãos estejam naquela cidade distante,
quem sabe o que pode acontecer? Talvez nunca mais regressem. Dritarastra
compreendeu imediatamente e exclamou, levantando a mão: Não! Esses pensamentos
são altamente pecaminosos. Como poderia permitir que você fizesse algum mal aos
filhos de Pandu? Meu irmão era gentil e generoso para comigo. Deu-me todo este
reino que hoje governo. Não tenho por ele nem por seus filhos a menor má
vontade. Amei Pandu, e seus filhos me são igualmente queridos. Mas, à medida
que falava, Dritarastra sentia aumentar a incerteza que o acometera desde que
fizera de Iudistira príncipe regente. Sua voz se tornou mais baixa. E, depois,
o que o povo diria se mandássemos os pandavas embora? O povo bem pode se
rebelar e nos afastar pela força. E estou certo de que Bishma e os outros
anciãos kurus estão do lado dos filhos de Pandu. Duriodhana sorriu. Já tinha
considerado aquela possibilidade. Não precisa ter medo, ó rei. Deixe-nos
começar a ganhar a preferência do povo, com a distribuição de riquezas e
honras. Assim que nossa posição se estabelecer, poderemos mandar os irmãos
embora. Na ausência deles, continuaremos a reforças nossa posição como o povo
até que esteja na hora da minha coroação. E quando me tornar rei os pandavas
poderão até voltar. Dritarastra se abaixou, aproximando seu rosto do de
Duridhana. Esse mesmo pensamento já me passou pela cabeça, filho querido, mas o
mantive secreto, com medo de pecar. Esses atos não serão apoiados por Bishma,
Vidura, Drona ou Kripa. Esses homens sábios e virtuosos não vêm nenhuma diferença
entre os kurus e os pandavas. Se souberem que estamos tentando tirar os
direitos dos pandavas – inclusive ferindo-os – você não acha que quererão nos
castigar. Duriodhana nem ligou para essa objeção do pai. Passara bastante tempo
analisando cautelosamente cada possibilidade com Shakuni. Aproximando-se do
pai, sussurrou: Ó rei, Bishma sempre se mantêm neutro; na verdade, jurou
proteger o trono de Hastinapura – e é você que hoje o ocupa. Quanto aos outros,
o filho de Drona, Asvatama, apoia-me em tudo, e Drona certamente não se oporá
ao filho querido. Kripa é nosso empregado, é pago para nos apoiar, e sua irmã é
a mulher de Drona. Portanto seremos apoiados por ele também. Vidura pode ser
que se oponha, mas que pode fazer ele? Depende de nós para sobreviver e tem
pouco poder. Duriodhana repetia sem parar ao pai que mandasse embora os
pandavas. Descrevia como, na presença dos primos, ele sofria intensamente. O
rei ainda relutou, mas o apego pelo filho finalmente venceu. Concordando com a
proposta do príncipe, disse: Assegure-se de que isso seja mantido em segredo,
oculto até mesmo de todos os seus conselheiros mais confiáveis. Duriodhana
assentiu e saiu feliz do quarto do rei, deixando o pai ainda consumido pela
dúvida. Imediatamente começou a fazer os arranjos. Livro Mahabharata –
Recontado por Krishna Dharma – Versão Condensada da Maior Epopeia do Mundo.
Abraço. Davi.
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