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Texto de Alexander Berzin. ACREDITA NO RENASCIMENTO? Sim, eu acredito. Mas demorei muito tempo a chegar
a esse ponto. A crença no renascimento não surge imediatamente. Algumas pessoas
vêm de um ambiente em que a crença no renascimento faz parte dessa cultura.
Esse é o caso de muitos países asiáticos e, deste modo, como as pessoas ouvem
falar sobre o renascimento desde crianças, esta crença surge automaticamente.
Contudo, para aqueles como nós de culturas ocidentais, de início isso parece
estranho. Geralmente, nós não adquirimos a convicção no renascimento de repente,
com arco-íris, música de fundo e "Aleluia! Agora eu acredito!"
Geralmente não funciona assim. A maior parte das pessoas leva muito
tempo a se habituar à ideia do renascimento. Eu atravessei vários estágios no
processo de obter convicção nele. Primeiro, tive de me abrir à ideia, no
sentido de começar a pensar: "Na verdade, eu não compreendo o
renascimento". É importante admitirmos que não o compreendemos, porque
poderíamos às vezes rejeitar o renascimento, e o que estariamos realmente rejeitando
seria uma ideia do renascimento que o budismo também rejeitaria. Alguém poderia
pensar: "eu não acredito no renascimento porque acho que não há uma alma
com asas que voe para fora do corpo e entre num outro corpo". Os budistas
concordariam: "nós também não acreditamos numa alma com asas". Para
decidir se acreditava no renascimento, tive de compreender o conceito budista
do renascimento, e esse conceito não é simples. É muito sofisticado, como podem
ver do que já expliquei à cerca da consciência e das energias mais sutis, e dos
instintos que a acompanham. Então pensei dar ao renascimento o benefício
da dúvida. Provisoriamente, digamos que há renascimento. Agora, o que se segue
ao vermos a nossa existência dessa maneira? Podemos estabelecer todos os
treinamentos do bodhisattva, podemos reconhecer todos os seres como tendo sido
nossas mães e, assim, podemos sentir alguma ligação com todos os outros. Também
poderia explicar por que é que as coisas que aconteceram na minha vida,
aconteceram. Por que é que alguém com o meu background foi fortemente atraído
para o estudo da língua chinesa? Por que é que eu fui atraído à Índia e a
estudar com os tibetanos? Considerando os interesses e o ambiente da minha
família onde cresci, o meu interesse por estas coisas não faria nenhum sentido.
No entanto, quando pensei em termos de renascimento, havia uma explicação. Eu
devo ter tido alguma ligação com a Índia, a China e o Tibete em diferentes
vidas, e isso fez com que eu estivesse interessado nesses lugares, nas suas
línguas e culturas. O renascimento começou a dar respostas a muitas perguntas
sobre as quais eu não poderia encontrar respostas de outra forma; se não
houvesse vidas passadas nem carma, então o que aconteceu na minha vida não
faria nenhum sentido. O renascimento poderia também explicar os sonhos
recorrentes que eu costumava ter. Assim, comecei lentamente a me acostumar à
ideia. Nestes últimos dezenove anos, eu venho estudando na Índia e tive
o grande privilégio e oportunidade de estudar com alguns dos antigos mestres,
quando eles ainda eram vivos. Muitos faleceram e regressaram, e agora
encontro-os outra vez, como pequenas crianças. Eu conheço-os em duas das suas
vidas. Há uma certa altura no caminho budista em que podemos controlar
os nossos renascimentos. Não temos de ser Budas, nem seres liberados, ou
arhats, para fazer isso. No entanto, temos de ser bodhisattvas. Temos também de
ter avançado até um certo estágio na via tântrica, e de ter uma determinação
muito forte em renascer numa forma em que possamos ajudar a todos. Há certos
métodos e visualizações que nos permitem transformar a morte, o estado
intermediário e o renascimento. Se tivermos mestria a esse nível, poderemos
controlar os nossos renascimentos. Há cerca de mil pessoas entre os tibetanos
que atingiram esse nível e, quando morrem, são encontrados outra vez. No
sistema tibetano, são chamados tulkus. Um tulku é um lama
reencarnado, alguém a quem é dado o título Rinpoche. O título Rinpoche,
contudo, não é usado exclusivamente para tulkus ou lamas reencarnados. É usado
também para o abade ou o abade aposentado de um mosteiro. Nem todos os que são
chamados Rinpoche são lamas reencarnados. E devo também clarificar que o
modo como a palavra lama é usada varia entre as tradições
tibetanas. Em algumas delas, lama se refere a um professor
espiritual muito elevado, tal como um geshe – que tem o
equivalente a um doutoramento em estudos budistas – ou um lama reencarnado. Em
algumas tradições, lama é usado para alguém que age um pouco
como um padre numa comunidade. Essa pessoa fez um retiro de três anos e
aprendeu os diversos rituais. Ele ou ela irá então às vilas e fará rituais nas
casas das pessoas. O título lama pode ter diferentes
significados. Como já disse, há cerca de mil reconhecidos lamas
encarnados, ou tulkus, e são identificados através de várias indicações que
eles próprios dão, assim como por outras indicações, tais como oráculos ou
sinais significativos no ambiente. Os assistentes do lama anterior procurarão a
nova encarnação. Levarão objetos rituais e pertenças pessoais do lama anterior,
juntamente com outros semelhantes artigos. A criança será capaz de reconhecer o
que pertenceu à sua vida anterior. Por exemplo, Sua Suprema Presença, Sua
Santidade o Dalai Lama, reconheceu as pessoas que o foram procurar. Chamou-os pelo
nome e começou a falar com eles no dialeto de Lhasa, que não é a língua da
região onde nasceu. Por tais sinais, conseguiram identificar a criança. Foi
muito impressionante para mim encontrar novamente os meus professores nas suas
vidas seguintes. O exemplo mais impressionante foi Ling Rinpoche, que era o
tutor sênior de Sua Santidade o Dalai Lama. Era também líder da tradição Gelug.
Quando faleceu, permaneceu em meditação durante quase duas semanas, embora a
sua respiração tivesse parado e, para todos os fins médicos, ele teria sido
considerado morto. Contudo, a sua consciência sutil estava ainda dentro do
corpo: ele estava absorto numa meditação muito profunda com a mente muito
sutil. A zona em redor do coração estava ainda ligeiramente morna, e sentou-se
na posição de meditação sem o seu corpo se decompor. Quando acabou a meditação,
a sua cabeça se quedou e um pouco de sangue pingou das suas narinas. Nessa
altura a sua consciência havia deixado seu corpo. Em Dharamsala, onde
vivo, este tipo de coisas ocorre duas, três, quatro vezes por ano. Não é
incomum, embora seja necessário estar-se num nível avançado de prática
espiritual para se fazer isto. Esta faculdade pode ser alcançada. A
reencarnação de Ling Rinpoche foi reconhecida quando tinha um ano e nove meses.
Geralmente, as crianças não são identificadas assim tão novas, porque quando
ficam com mais idade – com cerca de três ou quatro anos – elas próprias podem
falar e dar algumas indicações. A criança foi levada de novo à sua velha casa.
Houve uma ceremónia muito grande para lhe dar as boas-vindas. Alguns milhares
de pessoas alinharam nas ruas, e eu tive a sorte de estar entre eles. Estavam
vestidos com roupas especiais e estavam cantando. Foi uma ocasião muito alegre.
Como é que a criança foi identificada? Através de oráculos e médiuns, e por
ela ter identificado vários objetos da sua vida anterior. Também manifestou
certas características físicas. Por exemplo, o seu predecessor segurava sempre
seu mala (rosário budista de “missangas”) com as duas mãos, e
a criança também fazia isso. Também reconheceu as pessoas da sua família. No
entanto, o que mais me convenceu foi o comportamento da criança durante a
cerimónia. A criança foi levada à casa onde estava instalado um trono perto do
patamar, confrontando uma grande varanda, com duas a três mil pessoas reunidas
no pátio. A maioria das crianças com menos de dois de idade ficaria muito
assustada nessa situação. Esta não. Puseram a criança sobre o trono.
Normalmente, qualquer criança quereria descer e gritaria se não conseguisse o
que queria. Esta sentou-se de pernas cruzadas, sem se mexer durante uma hora e
meia, enquanto as pessoas faziam um puja (ritual) para a sua
longa vida. Estava totalmente interessada no que se estava a passar, e estar
entre essa enorme multidão não a incomodou nada. Parte da cerimônia
envolvia a doação de oferendas ao lama e o pedido da sua longa vida. Havia uma
procissão de pessoas, cada uma delas trazendo uma oferenda – uma estátua do
Buda, um texto escritural, um monumento do relicário stupa, um
conjunto de vestes de monge, e muitas outras coisas. Quando alguém lhe dava uma
oferenda, era suposto que ele a recebesse com as duas mãos e a desse a uma
pessoa à sua esquerda. Ele assim o fez, perfeitamente, com cada objeto. Foi
realmente notável! Como se poderia ensinar a uma criança com um ano e nove
meses a fazer algo como isso? Não se pode. Quando a cerimónia terminou,
todas as pessoas se alinharam para receber a benção da sua mão. Alguém segurou
a criança, e ela deu a bênção com a mão, mantendo a sua mão na posição correta.
Com total concentração, e sem perder o interesse nem ficar cansado, a criança
deu então uma benção com a mão a duas ou três mil pessoas. Depois disso, Sua
Suprema Presença, Sua Santidade o Dalai Lama, almoçou com ele e passaram algum
tempo juntos. A única vez que a criança chorou ou ficou agitada foi quando o
Dalai Lama começou a sair. Ele não queria que ele se fosse. De fato, a
criança já dava benção de mão até antes de ter sido reconhecida como Ling
Rinpoche (1903-1983). Ele e seu irmão mais velho estavam num orfanato, porque a
mãe havia morrido pouco depois dele ter nascido. O pai era muito pobre e por
isso teve de pôr as crianças num orfanato. Ali, ele costumava dar a benção de
mão às pessoas. Seu irmão, que era três ou quatro anos mais velho, dizia às
pessoas: "O meu irmão é muito especial. É um lama. É um Rinpoche. Não lhe
façam nada de mal. Tratem-no como especial". Os anteriores Ling
Rinpoche tinham sido professores de três Dalai Lamas consecutivos. Um Ling
Rinpoche foi o professor do XII Dalai Lama; o Ling Rinpoche seguinte foi o
professor do XIII; o seguinte foi o professor do XIV. Certamente, as pessoas
olham para este como o professor do próximo Dalai Lama. Ver exemplos
como este impressionou-me muito sobre a possibilidade de vidas futuras. Assim,
pensando, ouvindo histórias e vendo coisas como estas, fiquei gradualmente mais
e mais convencido sobre a existência de vidas passadas e futuras. Se agora me
perguntarem: "Acredita em vidas futuras?" Sim, eu acredito. Os
lamas encarnados são encontrados apenas entre os tibetanos? Não, cerca de
sete também foram identificados em países ocidentais. Um destes, Lama Osel, a
reencarnação de Lama Thubten Yeshe (1935-1984), é uma criança espanhola. As
pessoas que conheceram Lama Yeshe, ao se encontrarem com Lama Osel ganharam
muita convicção no renascimento.
Singapura, agosto de 1988. Excerto revisado Berzin, Alexander e Chodron,
Thubten. Glimpse of Reality. Singapore: Amitabha Buddhist
Centre, 1999. www.studybuddhism.com.
Abraço. Davi
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