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II. ALMA CRISTÃ VERSUS ALMA BUDISTA. Fonte: Desconhecido (2009). Saicho –
Introdutor da Tradição Tiantai no Japão. Segundo a tradição Tiantai, todos os
dharmas (fenômenos) ocorrem em um fluxo contínuo, mudando a cada instante,
nunca permanente; desta maneira, afirmando que todos os fenômenos são vazios
(sunyata, sct) e carentes de natureza própria (essência). Dizer que as coisas
não possuem essência, ou não são reais, não implica afirmar que um objeto ou
fenômeno não exista de fato. Os dharmas são transitórios e fugazes, mas não
devem ser entendidos como “miragens”. Mesmo que as coisas do mundo sensível
sejam efêmeras e encontrem-se sempre em mudança, elas são reais da forma com
que se apresentam. Uma cadeira, por exemplo, é um conceito dentro do pensamento
humano, só existe dentro da mente. Este conceito é associado à cadeira de uma
casa, atribuindo a ela um significado, numa tentativa de “congelá-la” no tempo.
A cadeira desta casa é real? Em um sentido objetivo, sim, mas ela não possui
“realidade própria” porque é meramente um fenômeno. A cadeira é o resultado de
causas e condições que propiciam sua existência: o solo que fez nascer a árvore
que serviu de matéria-prima, o marceneiro que com habilidade e conhecimento
construiu o assento, as ferramentas e os pregos que, por sua vez, foram
desenvolvidos e produzidos por outras pessoas e, além disso, após a degradação
natural com o tempo, esta cadeira “deixa de ser” cadeira, suas partes se
desagregam e retomam o processo de um novo nascimento, fazendo parte de outros
entes igualmente fugazes e compostos; assim, todos estes atributos fazem desta
cadeira apenas um fenômeno efêmero, sem “realidade substancial”, como uma
“breve faísca” em comparação à ordem de grandeza temporal do universo. Atribuir
substancialidade ou uma característica “fixa” a um fenômeno é, na concepção de
Tiantai, uma ilusão justamente por isso. Porque todas as coisas surgidas são
assim, inclusive os seres sencientes. A ilusão e os apegos humanos querem
atrelar características de ser às coisas, mas elas, segundo a tradição Tiantai,
“não são”. Elas estão num estado constante de mudança. E tudo é assim. O homem
é apenas um instante de um processo impossível de se marcar o início e mesmo
depois de se dissolver, as coisas que lhe formam não desaparecem, apenas passam
a fazer parte de outras coisas. Todas as coisas apresentam interdependência, já
que se um único estágio da produção da cadeira (ou do seu surgimento) fosse
eliminado, tudo seria diferente e ela nunca viria a existir. Neste sentido
“tudo é Vazio”. (VASCONCELOS & PRATI, 2014 e SNODGRASS, 1997). Por outro
lado, não se pode deixar de considerar que o mundo físico e seu vazio são dois
aspectos de uma mesma realidade, não há vazio sem formas fenomênicas e não há
formas fenomênicas sem a vacuidade. Formas e o vazio são inseparáveis, são
fundidas, e ambas são igualmente reais. A impermanência e o vazio ou vacuidade,
significa que as coisas surgem de um processo e elas representam apenas um
instante desse processo. As pessoas comumente apenas enxergam um dos aspectos
desta unidade. O budismo esotérico ensina que a realidade apresenta dois
aspectos, um relativo, finito e condicionado e um absoluto, infinito e
incondicionado. Em uma visão parcial, todas as coisas são transitórias e em
momentâneas transformações, carentes de natureza própria; mas na totalidade, o
imperfeito, o efêmero e os mutáveis dharmas estão fundidos com o perfeito, o
eterno e a imutável “Realidade como ela é” (tathata, sct). O mundo sensível,
fugaz e de formas impermanentes, é “movido” ou “vivificado” pelo Mundo de Buda:
adamantino e durável; e ambos os mundos se interpenetram. (SNODGRASS, 1997).
Esta “natureza essencial”, composta pelo que é impermanente em união com o
duradouro, é chamada, na literatura Budista, de Tathāgatagarbha, que em uma
tradução literal seria “Ventre do Tathagata” (Tathagata é um dos epítetos de
Buda). (YOSHINORI, 2006 e 2007). O Tathāgatagarbha não deve ser entendido como
algo transcendente, em nada se assemelha a um deus, não executa julgamentos,
condenações, tampouco concede privilégios. Não é, tampouco, um conceito de
justiça universal, mas sim, “tão somente”, a sabedoria intrínseca da vida
(shunya prajña ou alaya-vijnana). (YOSHINORI, 2007 e MUNIZ, 2014). Para o
Budismo, o Sagrado é a própria Vida que se move, impulsiona a matéria e todos
os seres, ocasionando os fenômenos que são vazios e marcados pelo tempo (é o
contínuo vir-a-ser ao incontrolável devir). Esta Lei não é a matéria, tampouco,
um ente externo a ela. Este Sagrado está tipificado na literatura pela figura
do Buda Vairocana (Dainichi, jpn) (FIGURA 2), a “suprema divindade”, a
essência, a última realidade, aquele que subjaz todas as coisas e se expressa
nos Cinco Elementos do mundo: água, fogo, terra, ar e o vazio (SAUNDERS,
1960).O Tathāgatagarbha aponta para a realidade de que todos os seres possuem,
de forma inerente, a Natureza de Buda e, por conseguinte, são Budas latentes ou
em “potencial”. Esta Natureza é na maioria das vezes ignorada pelos seres que,
prejudicados pelos kleshas (ilusões, vícios e outros estados negativos da
mente), não conseguem perceber a Verdade de suas próprias existências e acabam,
por isso, caindo no sofrimento dos reinos inferiores do Samsara. Os kleshas,
por sua vez, não fazem parte do Tathāgatagarbha, que é imaculado. (MUNIZ,
2014). “De modo semelhante, bons filhos, quando vejo todos os seres com o
meu olho búdico, vejo que escondido dentro dos kleshas da ganância, do desejo,
da raiva e da estupidez, está sentado, augusto e imutável, a sabedoria do
Tathagata, a visão do Tathagata e o corpo do Tathagata. Bons filhos, todos os
seres, embora se encontrem com todos os tipos de kleshas, têm um
Tathagatagarbha que é eternamente imaculado e que está repleto de virtudes não
diferentes das minhas”. (TATHAGATAGARBHA SUTRA, 1995, p. 2). Imagine uma
cebola e suas camadas, o núcleo da cebola seria a Natureza de Buda presente em
todos, e as camadas, as ilusões e vícios. Os seres quando olham para si não
enxergam o núcleo, e para que mudem esta situação, terão que retirar
diligentemente camada por camada até perceberem-se como realmente são. Os
kleshas somente ocultam o Tathagatagarbha. O conceito de Tathagatagarbha,
apesar de contextualmente aparecer em todos os sutras e tratados Budistas, é
exposto mais claramente em um conjunto de dez sutras, tais como
Tathagatagarbha-sutra, Srimaladevi-simhanada-sutra e o Mahaparinirvana Mahayana
Sutra, bem como o tratado Ratna-gotra-vibhaga. Basicamente, estas obras expõe o
Tathagatagarbha de duas maneiras: como o Atman (Alma Universal) e Gotra (a totalidade
de seres e fenômenos), em oposição ao conceito de atman individual, ao qual o
Budismo rejeita. No Budismo não há continuidade da personalidade (pudgala,
sct), quando os seres morrem, por não haver mais causas e condições propícias
para que subsistam, suas personalidades deixam de existir. (MUNIZ, 2014).
Contudo, existe algo que “não morre”: aquilo que é “não nascido”, isto é, a
vida como um Todo (nossas personalidades mortais são apenas manifestações
condicionadas deste Todo). Desta maneira, a vida pode ser compreendida, então,
como se todos os entes e fenômenos fossem, ao mesmo tempo, além de
“indivíduos”, o Todo, ou seja, “organismos interdependentes” e transitórios de
um mesmo sistema eterno. Desta percepção, como será visto a seguir, nasce a ética
Budista, pois, “essa interdependência [deve] sensibilizar os seres humanos para
a necessidade do cultivo de laços de uma solidariedade simbiótica e global com
todas as criaturas” a fim de se minimizar o sofrimento mútuo. (ANDRADE, 2015,
p. 17). A “Alma Universal”, ou melhor, a Vida, tem uma lógica bem determinada:
os animais sabem como sobreviver, não é preciso ensinar os órgãos do corpo a
realizarem suas funções, tampouco, as células a se dividirem, ou a gravidade ou
qualquer lei física a agir. É evidente que existe uma sabedoria toda penetrante
que impulsiona os fenômenos a executarem suas próprias naturezas. Esta
sabedoria, o fundamento último da existência, do vir a ser e do devir, é a
“Sabedoria da Vacuidade” (shunya prajña) e esta definição se confunde com a
própria ideia de Tathagatagarbha. Shunya prajña é exatamente a noção de que
todos os fenômenos são condicionados, vazios de existência essencial e apenas
conjuntos de agregados. Os fenômenos só podem ocorrer, de acordo com suas leis
próprias, quando causas e condições apropriadas se fazem presentes. Essas leis
são incompreendidas pelo ser humano e, na maioria das vezes, fogem do nosso
controle. (MUNIZ, 2014). A carreira Budista consiste em se viver de acordo com
a Natureza Iluminada (Tathāgatagarbha). A ideia central é retornar à Verdade
atemporal desvelada na compreensão genuína do Tathāgatagarbha: entendendo,
assim, como se dá a vida e a realidade sem ilusões e apegos. Este é o conceito
de “Iluminação”. Essa concepção de vida não é uma revolução no sentido
esquerdista do termo, isto é, não é uma proposição de uma “nova verdade”
subjetiva e construída através do homem, mas sim um regresso à Verdade que
sempre esteve inscrita em nós, mas que se encontrava ocultada pelos kleshas.
Esta Verdade, que é a mesma para todos (universalmente comunicável), nos
impulsiona a vivermos de maneira ética. A Natureza de Buda, ou seja, o Buda
Vairocana, é eterna, logo, sempre esteve dentro dos seres em todas as épocas.
Em períodos de degenerescência moral as pessoas sufocam esta Verdade com
ilusões efêmeras e tendem a agir de forma egoísta e cruel; por essa razão, de
tempos em tempos, segundo os Sutras, Budas aparecem no mundo para guiar seus
filhos corrompidos. (SUTRA DO LÓTUS, 2011). Deste modo, Tathāgatagarbha, embora
não seja um deus transcendente, “carrega em si” a Verdade Eterna, a sólida
referência a qual o Budismo baseia toda sua moralidade. Não pode haver uma
moral objetiva, como acontece no Budismo, sem uma referência desse tipo. O
“Embrião do Tathagata” nada mais é do que o Dharma inscrito de forma inata nos
seres, a “Semente Búdica” que repousa silenciosamente no centro de tudo o que
existe e se manifesta. Esta semente é acessada, pelo ser humano, por meio da
consciência que vai se despertando na medida em que o praticante desenvolve sua
carreira Budista. A título de ilustração, Kant defendia algo assim: as leis
morais ou éticas “existem” de forma inata nas mentes dos seres humanos; elas
não são reveladas por um deus, mas acessadas pela “Pura Razão”. Isto quer dizer
que a Verdade não perde seu caráter único e atemporal, por estar dentro da
mente. As leis morais nada mais são do que os Ensinamentos dos Budas, funcionam
como as constantes leis físicas, com a diferença de que as leis morais dizem
como as pessoas devem se comportar, não dizem o que as pessoas de fato farão.
(KANT, 1980). Baruch Spinoza (1632-1677), quase como um Buda ocidental, pela
semelhança de sua filosofia com o Dharma em muitos aspectos, também defendia
uma espécie de imanentismo, ou seja, de que o Sagrado não está fora, mas dentro
da mente. Este pensador defendia uma moral única, portanto, universal, acessada
pela razão (ESPINOSA, 2013). Para ratificar esta ideia de universalidade e
atemporalidade do Dharma, cito, por último, os Sutras do Lótus e de Amitaba
(SUTRA CURTO DE AMITABHA, 2015), escrituras que relatam histórias de
personagens do panteão Budista que pregam o mesmíssimo Dharma em universos ou
mundos diferentes e em diferentes épocas, separadas, muitas vezes, por milhões
de anos. Enfim, a caminhada Budista consiste na identificação do homem com sua
própria natureza, para que este viva, assim, em conformidade com o Dharma. Essa
“forma correta de vida” é desvelada mais e mais na medida em que a condição
primordial de UNIDADE com o Tathāgatagarbha é percebida. Segundo a Tradição
Tiantai, não existe um propósito para a existência; simplesmente as coisas
acontecem, se movimentam, se assentam e vão buscando suas condições para a
sobrevivência, isto é, esta tradição rejeita a causalidade final. Um vulcão
parece não ser bom para os humanos, porém, atua conforme suas próprias
diretrizes naturais e suas funções, segue o fluxo de sua “sabedoria
intrínseca”, ou seja, não contradiz às suas próprias leis que são oriundas de
causas e condições. Todos os fenômenos são impermanentes e seguem seu próprio
fluxo. Atuam de acordo com uma lógica interna, um direcionamento inerente e
todos são causados e condicionados. Quando estas causas e condições desaparecem
os fenômenos deixam de existir. Presentes as causas e condições, voltam a se
manifestar, estão latentes, “são” em potência – em um constante devir. Da mesma
maneira, a mente tem sua própria natureza. Sendo assim, causas e condições
fazem com que ela tome uma ou outra direção. Um pedaço de barro pode se transformar
em um vaso muito útil e belo. Existe essa “potência” no barro. Assim como é
igualmente possível ignorar o barro e considerá-lo apenas sujeira. Tudo depende
das causas e condições criadas. A mente pode revelar sua verdadeira natureza, o
Tathagatagarbha, ou pode ignorar essa potencialidade e preferir viver de forma
medíocre. Há ambas as possibilidades. O ser humano pode ser um Buda ou um ser
perverso. São os dois extremos de um mesmo mundo fenomênico. Ser vaso ou
sujeira. O Sutra do Lótus diz que as pessoas veem o mundo em chamas; mas, que o
“Mundo de Buda” nunca desaparece e que o próprio Buda, metaforicamente,
continua lá pregando continuamente (SUTRA DO LÓTUS, 2011). Isto nada mais
significa do que afirmar que é a mente quem diferencia entre ver o mundo em
chamas ou o mundo de pureza, como aquele que reconhece o joio em meio ao trigo.
Todas essas possibilidades fazem parte de uma mesma realidade, isto é, são
interpenetradas. É possível ver o mundo prático real, como “imperfeito”,
contudo, ao mesmo tempo, é possível perceber a essência de todos os fenômenos,
sua vacuidade, sua interdependência e a forma como o Dharma provoca o despertar
para a Verdade. Ver o “Mundo de Buda” é exatamente perceber que é possível se
sentir livre mesmo em meio esta aparente dualidade, enxergando tudo com uma
mente Iluminada, sem, no entanto, inventar uma suposta perfeição ou propósito
divino para a realidade (Samsara, sct). Isto é, ver as coisas como elas
são, sem invencionice ou ilusão de propósitos eternos. Aprender a agir da
forma mais correta e sábia em um mundo em chamas, esse é o nosso Dharma, isso é
o que somos. Para o Budismo, viver corretamente nesse mundo não é agir
arbitrariamente, como muitos dizem. Alcançar o conhecimento da Realidade Última
(ou seja, que tudo é condicionado e interdependente, que todos os fenômenos
surgem e desaparecem continuamente e que os seres são frutos de uma imensa teia
de relações causais) é a única chance que o ser humano tem de alcançar a
felicidade, aprendendo a lidar melhor com os acontecimentos de sua vida. Isto
é, este despertar proporciona capacitação à mente em perceber os fenômenos e ao
mesmo tempo não se deixar abater por eles. Ao se observar o mundo fenomênico
com serenidade e sabedoria, obtém-se o “olho divino do Buda”, que funciona como
uma âncora inabalável em meio a um mar de ilusões. Este é o núcleo do
ensinamento Tiantai. Ao se penetrar nesse mistério, constata-se que a realidade
não precisa ser boa ou má. Ela apenas segue seu fluxo natural. É preciso saber
viver sabiamente em meio ao que é, ou seja, entrar em sintonia com um mundo
condicionado, causado e cheio de “incômodos”. O cerne do ensinamento do Buda,
não somente na perspectiva Tiantai, mas como um todo, é a sabedoria; estar
afinado com a “Sabedoria da Vida”, a fim de que, o sofrimento dos seres sejam
minimizados e a comunhão mais plena entre os entes seja realizada. Esta é a
sabedoria que desvela a Realidade de que os entes, em essência, são uma
unidade. Não é lícito cortar as relações causais da vida, ou seja, interferir
na “sabedoria intrínseca” dos fenômenos. Não se deve lesar, interferir no ciclo
de vida dos outros seres, ferir, ou causar dor. Todos os seres são
manifestações de um mesmo fluxo de fenômenos. Somos um mesmo organismo, não
separados e não duais. COMPARAÇÃO ENTRE A ALMA
DESCRITA POR TOMÁS DE AQUINO E A ALMA SEGUNDO A CONCEPÇÃO TIANTAI.
Colocados ambos os pontos de vista a respeito da concepção entre a Alma cristã
de Tomás de Aquino (1225-1274) e a concepção de “Alma” Budista da Escola
Tiantai, vamos à parte mais importante do trabalho, a comparação entre estes
dois conceitos. Primeiramente, é preciso explicitar que o termo Alma no Budismo
é um tanto quanto inadequado, e é, inclusive, não reconhecido pela maioria das
Escolas. O uso da expressão nesse trabalho é apenas uma aproximação com o
conceito de alma cristã. Esta aproximação tem o intuito de tornar possível o
estudo comparativo, de maneira simplificada, compatível ao entendimento do
leitor ocidental. Como já descrito, a melhor forma de definir como se dá o
movimento e a vida na perspectiva Budista é pelo uso das palavras
Tathagatagarbha, Gotra ou Natureza Búdica. As concepções de alma cristã e
budista, na verdade, são bastantes diferentes, coincidem somente no que diz
respeito a explicar como ocorre o movimento, autônomo ou não, dos seres. Entre
essas divergências, a principal é a de que no cristianismo as almas são
individualizadas para cada ente, ou seja, um cachorro específico tem uma alma
diferente de seu irmão, por exemplo. A macieira do seu quintal tem uma alma
distinta da macieira do seu vizinho. Eu, como ser humano, tenho uma alma que é
outra do meu pai e assim por diante. Já no Budismo, há “apenas” uma Alma que dá
vida ao Todo. Os entes que compõe este Todo vivem por participarem desta Alma única
e se diferenciam apenas por características de suas respectivas espécies. Uma
adquire mais conhecimento que a outra, mas isso é apenas uma vantagem acidental
e depende de fatores causais. Não é a Alma, no Budismo, que determina os
limites formais dos entes, estes são determinados por suas características
físicas/biológicas. Por exemplo, um bebê não consegue desenvolver pensamentos
mais complexos que os de um animal de estimação; e se um homem permanecesse na
infância por, digamos, quarenta anos, os únicos pensamentos que “sua alma”
poderia formular seriam oriundos das sensações e paixões infantis por brincar e
comer. Para o pensamento Tendai, o homem ultrapassa os demais seres,
racionalmente falando, apenas por acidente; porque seus órgãos, dos quais seus
pensamentos dependem, adquiriram modificações que se deram devido às
características de desenvolvimento de sua espécie, o que não acontece com os
órgãos das bestas. Nada faltaria à alma que move um animal irracional, quando
“atuando” nos órgãos de uma pessoa humana, a potencialidade para adquirir todo
o conhecimento comum aos seres racionais. Da mesma forma, o homem não pode
exercer funções que são peculiares aos outros animais, mas poderia se a alma
que o move “estivesse” nos órgãos de um outro animal. Assim, um ser humano
nunca poderia voar (de maneira natural), pois está limitado à sua descendência
de animal terrestre; suas características formais não dependem da alma, mas
puramente de sua taxonomia. No Budismo, o florescimento de certas capacidades que
distinguem os seres em determinados tipos ocorreram devido a causas e condições
propícias de desenvolvimento das espécies ao longo dos anos, no mais clássico
estilo darwinista. A alma é apenas a geratriz deste movimento e deste
desenvolvimento constante dentro de uma certa regularidade e ordem necessárias
à subsistência do Todo. A natureza deu a cada animal aquilo que este precisava
para sobreviver: à águia, a visão aguçada e o privilégio de voar; aos roedores,
a velocidade; aos felinos, a agilidade; aos cães, o olfato, etc. O homem, pela
mesma razão, desenvolveu o raciocínio para fabricar armas e se defender.
Somente esta diferença, que é física, não ontológica, nos diferenciaria dos
demais entes. “O instruído e nobre discípulo não considera a forma, sensações,
percepção, constituintes mentais ou consciência como alma; nem a alma como um
desses agregados, nem tais agregados como contendo a alma, nem a alma como
contendo os agregados. Por isso se diz que um instruído e nobre discípulo não
está preso a nenhum agregado da existência, interno ou externo”. (BEISERT e
MAIA, 2014). No cristianismo, o homem é superior ontologicamente aos demais
animais e entes compostos de matéria e forma. O homem possui um tipo de alma
diferente, chamada de intelectiva, os demais animais uma alma sensitiva e os
vegetais uma alma vegetativa, enquanto que os minerais não são dotados de
nenhum tipo de alma. Esta suposta superioridade ontológica dá ao homem o
direito de subjugar os demais entes para sua própria alimentação, bem-estar e
conforto. A utilização de animais para propósitos humanos é, portanto,
considerada como um proceder ético. Já no Budismo, por não haver mais de uma
alma, não há hierarquia ontológica entre os seres, pois todos são movidos por
uma mesma alma universal. Até mesmo uma pedra participa desta alma, uma vez que
também possui suas leis internas que mantém todos os seus constituintes coesos
como um ente. Esta suposta igualdade ontológica entre os entes implica que o
homem não deve deliberadamente matar os animais em nenhuma hipótese. Ou seja, o
ser humano não tem direito de exploração sobre as demais formas de vida. A
utilização de animais para propósitos humanos é, portanto, considerada como um
proceder antiético. Inclusive, a Escola Tendai, como já mencionado, é vegetariana.
Segundo o budismo, os seres são insubstanciais e estão em constante
transformação, existem devido a uma cadeia causal praticamente infinita,
resultado da influência de ações presentes e pregressas e compostos de uma
complexa interdependência entre órgãos, tecidos, ossos e outras estruturas
típicas de cada ente. Esta cadeia causal ocorre segundo uma Sabedoria
intrínseca imanente, que é a própria Alma Budista, que contém todas as leis
universais suficientes para que a matéria, além de não ser amorfa, tenha
constituição própria e saiba realizar-se segundo fenômenos incessantes e bem
determinados. Outra consequência lógica do pensamento budista é que, como os
seres são insubstanciais, ou seja, não tem uma alma perene individualizada, não
podem viver eternamente. Isso é válido para todos os entes, até mesmo para o
homem. Ou seja, todos os seres são marcados pela finitude sem exceção nenhuma.
A alma única é eterna e se manifesta em um tipo de criação e destruição
ininterruptas da seguinte maneira: entes menores se agrupam de acordo com a
Sabedoria da natureza para formar entes maiores e depois se decompõem e o ciclo
se reinicia em um tipo de equilíbrio orgânico. Entretanto, a vida dos entes
individuais é marcada pela efemeridade, assim, não há uma outra vida a ser
experimentada após a morte, a única existência possível para todos é aqui e
agora. Este processo cíclico e dinâmico pode ser sintetizado nas palavras de
Montaigne, conforme se segue: “Os que se dedicam à crítica das ações humanas
jamais se sentem tão embaraçados como quando procuram agrupar e harmonizar sob
uma mesma luz todos os atos dos homens, pois estes se contradizem comumente e a
tal ponto que não parecem provir de um mesmo indivíduo. Mário, o Jovem, ora
parece filho de Marte ora filho de Vênus. Dizem que o Papa Bonifácio VIII
assumiu o papado como uma raposa, conduziu-se como um leão e morreu como um
cão. (...). Não somente o vento dos acontecimentos me agita conforme o rumo de
onde vem, como eu mesmo me agito e perturbo em consequência da instabilidade da
posição em que esteja. Quem se examina de perto raramente se vê duas vezes no
mesmo estado. Dou à minha alma ora um aspecto ora outro, segundo o lado para o
qual me volto. Se falo de mim de diversas maneiras é porque me olho de diferentes
modos. Todas as contradições em mim se deparam, no fundo como na forma. […] E
quem quer que se estude atentamente reconhecerá igualmente em si, e até em seu
julgamento, essa mesma volubilidade, essa mesma discordância. […]. Somos todos
constituídos de peças e pedaços juntados de maneira casual e diversa, e cada
peça funciona independentemente das demais. Daí ser tão grande a diferença
entre nós e nós mesmos quanto entre nós e outrem: ‘Crede-me, não é coisa fácil
conduzir-se como um só homem’”. (MONTAIGNE, 2000, p. 184). O
universo para o budista não é uma coisa pronta, é dinâmico. Para este universo
não há seres privilegiados; com ou sem o homem o cosmos continua sua criação
incessante. De modo muito avesso ao entendimento cristão que afirma ser o homem
a “coroa da criação” (entre os compostos de matéria e forma), ou seja, um ser
privilegiado e criado segundo um desígnio eterno. Para o budista, nossa raça é
apenas mais uma das formas de vida que participam do planeta; não tem
privilégios eternos e está sujeito à mesma cadeia de nascimento,
envelhecimento, doença e morte como qualquer ser vivo. Se não há vida eterna,
nem algum desígnio ao homem, não faz sentido então falar sobre salvação ou
condenação. Não faz sentido falar sobre pecado ou coisa parecida. A espiritualidade
budista é para ser vivida em uma mesma e única vida. Diferentemente, no
cristianismo, a espiritualidade é desenvolvida em prol do conhecimento da causa
primeira, que ocorre uma vez em que o composto alma-corpo é decomposto com a
morte física. O cristão acredita que após a morte (caso seja salvo, é claro)
poderá contemplar Deus eternamente em uma visão beatífica. Para o budismo, por
outro lado, a morte é o fim de todos os sofrimentos, o Nirvana. Essa
perspectiva de vida é bastante distinta do cristianismo, pois com isso é
desfeita toda a noção de justiça universal. Uma pessoa que comete o mal precisa
ser punida pela justiça dos homens, ainda em vida, pois não há outro tribunal
celestial. O pecado também perde seu significado, pois não há o olho onipresente
de Deus que a todos recompensa e pune. Mas não existir a concepção de pecado
não faz do budismo Tiantai uma religião niilista ou hedonista. Apesar de não
haver menção de uma alma eterna, salvação ou Deus, não se pode afirmar que o
budismo não preza por uma vida de espiritualidade. Para a Escola de Zhiyi,
encarar a finitude é a principal barreira para se viver uma vida plena e
verdadeira. É no desespero com a finitude, que o praticante retira forças para
enxergar alguma positividade na vida. Segundo o budismo, de um modo geral, as
religiões teístas superestimam o papel do homem nessa vida, levando-os a ter
expectativas muito grandes a respeito da própria existência, enquanto que viver
é uma coisa simples e sem muito mistério. A espiritualidade budista é
simplesmente um tipo de ataraxia (quietude absoluta da alma), isto é, uma busca
por uma vida sem muitas perturbações ou inquietações da mente. O budista não
espera muito mais da vida além de atingir um comedimento face aos
relacionamentos, às posses e aos prazeres; ciente de que tudo é efêmero. Para
se viver bem se faz necessário aceitar a finitude como uma regra que não se
pode mudar. A espiritualidade budista se limita na diminuição de expectativas
de felicidade perpétua e em se saber lidar com as vicissitudes da melhor forma
possível. O praticante é disciplinado de modo a aproveitar os momentos bons,
estando ciente de que eles são passageiros. A ideia é levar o homem a viver o
aqui e agora, privilegiando as coisas que realmente importam e desconsiderando
as coisas supérfluas e inúteis. A vida deve ser enxergada como um privilégio e
não deve ser desperdiçada. Segundo o budismo Tiantai, a concepção eternalista,
como a proposta pelo cristianismo, além de ser uma ilusão, uma vez que o ser
humano é tão finito quanto qualquer outro ente, induz as pessoas a adiarem
coisas que deveriam ser feitas no momento presente. O propósito de vida budista
não tem como fundamento um Deus, mas é construído pelo próprio budista quando
este se imbui em fazer seu micromundo o melhor possível, tanto para para si
mesmo, quanto para as pessoas e seres que o rodeiam. Fica evidenciado até aqui
que a alma budista “faz os papéis” de Deus e da alma do cristianismo. No
cristianismo é preciso se separar a ação de Deus no tocante à criação e às leis
universais que regem a vida, da ação de almas individualizadas que são
responsáveis pelo “movimento interno”, vontade e o intelecto (no caso do homem)
dos seres. Ou seja, no budismo uma única alma tanto cria, regula e movimenta
todos os indivíduos com o objetivo de se garantir a manutenção do Todo. Se a
alma toma os dois papéis, logo, a figura de Deus perde completamente sua função
e seu sentido, sendo, desta forma, extremamente plausível afirmar que o budismo
é ateísta, mas não ateísta em um sentido materialista ou contemporâneo do
termo. A espiritualidade budista pode ser entendida em algum sentido, como uma
espiritualidade “mais leve”, uma vez que não ensina sobre castigos ou
recompensas eternas. O budista pode ficar com sua consciência tranquila, mesmo
sabendo de suas imperfeições e vícios. Ele não será torturado em um mar de
enxofre após a morte por algum pecado inconfesso e, tampouco, precisa fazer
conjecturas sobre uma vida de contemplação eterna. Entretanto, isso não
significa que o budista, livre da preocupação do pecado original, não deva se
preocupar com a ética. Pelo contrário, é muito fácil de perceber que as
escrituras budistas dão forte ênfase ao proceder moral e nobre. Exatamente por
fazermos parte do Todo, é imprescindível agirmos de forma a garantirmos o
equilíbrio deste Todo. Assim como há leis internas no mundo, que regem o
movimento e a criação/destruição ininterruptas, pode-se dizer que também há
leis morais intrínsecas que devem ser seguidas para que a harmonia das espécies
não seja afetada. Estas leis morais são chamadas de Dharma. O ser humano, como
vive coletivamente, deve agir de forma pacífica e justa para assegurar sua
sobrevivência nesse mundo. A cada vez que o Dharma é rejeitado e as pessoas
resolvem viver suas “próprias leis”, nossa espécie se desorganiza e se torna
vulnerável, caminhando a passos largos para a extinção e a infelicidade. Para
agir bem coletivamente, é preciso agir bem também “internamente” e é por isso
que o budismo enfatiza a necessidade de autodisciplina. Disciplinar a mente é
extremamente importante para se adquirir um satisfatório controle sobre as
próprias ações e desejos e adquirir a consciência de que todos os seres são
igualmente dignos por conterem uma mesma “Alma”, que é a Natureza de Buda. Quando
o homem percebe esta unidade entre todos os entes, ele deixa de ser egoísta,
pacifica seus desejos, e começa a viver em função desta unidade. Viver
consciente desta unidade é viver de maneira bem-aventurada. A felicidade no
cristianismo consiste em se viver de acordo com a vontade de Deus, que nos
criou para que nos realizássemos conforme nossa natureza; esta felicidade
começa aqui na Terra, mas é estendida aos fiéis por toda a eternidade no Reino
dos Céus. Viver a vontade de Deus é agir conforme “a razão superior”, que é a
faculdade da alma mais nobre do homem, que lhe auxilia a elencar de maneira
hierárquica os valores mais importantes a serem considerados na vida. Já no
budismo, uma vez que não há eternidade para os indivíduos, a felicidade é efêmera.
A mensagem budista ao homem se restringe ao Reino da Terra. Expostas as
divergências entre as tradições, apontemos agora para as convergências. Pode-se
dizer que ambas as religiões têm uma espiritualidade, ou seja, há uma concepção
cosmológica espiritual. No cristianismo, baseado em uma criação por um Ser
espiritual, ou seja, um Deus que cria um homem também espiritual à sua imagem e
semelhança. Enquanto no budismo, o Tathagatagarbha é o “espírito movente”
responsável pela criação de um homem que participa deste mesmo espírito. Em
ambas as religiões, o homem deve “se encontrar” com sua verdadeira natureza que
é realizada através de uma vida de devoção à espiritualidade e busca pela
sabedoria. Tanto no budismo quanto no cristianismo, o homem tem a verdade
inscrita em “seu coração” de maneira inata. A diferença consiste em que no
cristianismo isso só não basta, pois é necessário a interferência de Deus os
dos seres puramente intelectivos para a total redenção. Até mesmo a razão
superior pode ser maculada pelo pecado. A concepção de alma, tanto na teologia
quanto na doutrina Tiantai, tem como consequência a necessidade de se exercer
uma vida moral. No cristianismo porque a sabedoria de Deus revela ao homem a
necessidade de se buscar a reta razão e as virtudes. Ter uma vida virtuosa é
colocar a razão como dominante em relação aos desejos do corpo. É também,
perceber que todos os homens são objetos do amor de Deus e que portanto, todos
são dignos dos mesmos direitos. No budismo porque uma vez que o homem se “reencontra”
com sua Natureza Iluminada, percebe-se como parte de uma cadeia causal que
precisa manter-se equilibrada. Este equilíbrio é garantido pelo autodomínio e
pela consciência os efeitos que nossas ações produzem no meio (karma). Viver de
forma desregrada e egoísta é uma forma de auto aniquilação. Ambas as religiões
enfatizam ser imprescindível voltar-se a algo maior que si mesmo, a algo
Sagrado. Ou seja, é preciso se apoiar em um fundamento sólido para se viver
bem, em Deus, no cristianismo, e no Dharma, no budismo. A mensagem cristã é
acessada por meio de revelação divina e por meio da razão, já a mensagem
budista é acessada exclusivamente por meio da razão, em uma busca mais
introspectiva. Tanto o cristianismo quanto o budismo “acreditam” em uma verdade
universal e objetiva. Não há espaços para verdades relativas ou subjetivistas
nestas concepções religiosas. Deste modo, budismo e cristianismo ensinam
conceitos atemporais e válidos para todos os seres humanos. Por exemplo, a
caridade sempre será uma verdade, da mesma maneira, a fé, a temperança, a
tolerância, a compaixão, a concentração, etc. CONSIDERAÇÕES FINAIS. Foi realizado neste trabalho uma
humilde comparação entre os conceitos de Alma budista e cristã, segundo as
concepções do Budismo da Escola Tiantai e a teologia de Santo Tomás de Aquino,
respectivamente. Constatou-se que há divergências cruciais entre as definições,
mas, curiosamente, também existem convergências. Basicamente, a Alma cristã é
individualizada (há uma para cada ser), enquanto a Alma budista é única e
permeia todos os entes. As características formais de cada ser são
determinadas, segundo Tomás, pela Alma. Assim, a razão humana é determinada
pela sua “alma racional”, que seria superior à alma puramente sensitiva dos
animais ou à alma vegetativa das plantas. Disto conclui-se que no cristianismo
há uma hierarquia de almas, que culmina no homem como portador da alma mais
evoluída entres os seres compostos de matéria (pois existiriam supostos seres
puramente imateriais com almas ainda mais superiores ontologicamente que a do
homem, como as almas dos anjos, por exemplo). Esta hierarquia outorga ao homem
poder sobre as demais criaturas, isto é, todas as coisas existem em função do
homem e podem a ele servir. No budismo todas as almas são iguais e as
características formais são acidentais, causadas somente pelas composições
“biológicas” ou “químicas” de cada ente. O homem nesta concepção não seria
racional por causa de sua alma, mas por causa de sua descendência, por trazer
características da espécie humana. O mesmo raciocínio pode ser estendido aos
vegetais e até mesmo aos minerais. Enquanto no cristianismo, os minerais não
contém alma, para o budismo até mesmo os “inanimados” são permeados pela alma.
Até mesmo uma pedra tem seu “movimento interno” que garantiria sua coesão como
um ente distinto. Alma e Deus para o cristianismo teriam “funções” distintas.
Deus é o criador, aquele que cria o mundo para o homem e o homem para um fim,
para que este volte-se ao criador e viva feliz. A alma seria algo individual,
responsável pela vontade, pelo movimento interno dos seres e pela forma. A
“alma do Todo” budista, o Tathagatagarbha, faz um papel duplo, é tanto o
criador, quanto o responsável pela vontade e pelo movimento interno dos seres.
Porém a “criação” budista não é algo pronto, com um propósito voltado à espécie
humana. A criação budista é algo dinâmico, que acontece a cada momento, a cada
nascimento e morte dos entes, em uma evolução contínua; é uma criação que não
privilegia esta ou aquela espécie. O Tathagatagarbha nada tem a ver com o Deus
cristão. Não é um ser pessoal que escuta orações, oferece bênçãos, concede leis
morais ou interfere diretamente na vida do homem. O Tathagatagarbha é,
resumidamente, uma “ação constante” que, ao permear toda a matéria, imprimi-lhe
a vida e suas leis imanentes, tanto leis físicas quanto leis morais universais.
Estas leis (conhecidas como Dharma) estão inscritas nos seres, não são
reveladas por um criador. A “alma budista” contém todas as qualidades
espirituais benéficas dos seres. Ela induz nos seres o desejo pela Iluminação e
ela própria torna possível a obtenção da Iluminação (uma vez que a Iluminação,
por meio do Tathagatagarbha, encontra-se de forma latente dentro da mente). O
Tathagatagarbha alimenta espiritualmente cada ser em quem ele se encontra. Para
o homem, o acesso a esta sublime Natureza se dá por meio de um coração puro e
pela introspecção desinteressada, ou seja, por uma sincera busca pela Verdade.
O Tathagatagarbha é o fundamento de toda a realidade. Nenhuma forma de
linguagem pode exprimir plenamente a totalidade de seu mistério e perfeição;
qualquer palavra ou conceitualização são inadequadas. Quando o vento se move,
ali está o Tathagatagarbha. Quando o pássaro alimenta seu filhote, ali está o Tathagatagarbha.
O Tathagatagarbha também está no movimento do sol e da lua. O Tathagatagarbha
também está presente no nascer de uma nova vida. Na doença também se encontra o
Tathagatagarbha. E, da mesma forma, na morte ele também se esconde. Fica
evidenciado, então, que Tathagatagarbha não é Deus e que esta ideia de deus ou
deuses no budismo é algo sem importância. O budista não crê ou adora deuses ou
deus e nada espera ou pede a eles. O budismo é uma doutrina humana,
desenvolvida por humanos para que estes se realizem em sua natureza. A verdade
budista deve ser procurada não em algo externo ao praticante, mas dentro dele
mesmo. O fiel budista olha para dentro de si em busca de sua “redenção”,
enquanto o cristão procura sua redenção em uma verdade transcendente. O budismo
não trata de fatos considerados sobrenaturais, doutrinas inobserváveis, vida
após a morte, espíritos ou qualquer coisa do gênero. O budismo não se ocupa de
superstições e não é uma religião utilitarista, isto é, não é ponte para se
conseguir saúde, fama, dinheiro ou influenciar por “meios místicos” o destino
da vida humana ou os fatos pertinentes a ela. Enfim, apesar de tão numerosas
diferenças entre o budismo e o cristianismo, este artigo também demonstrou
haver algumas convergências interessantes entre as religiões estudadas. Entre
elas destaca-se a ideia de que ambas acreditam em uma verdade universal e são
avessas ao subjetivismo e ao relativismo. Ambas também afirmam haver
necessidade de que o homem se autodomine, tenha conduta ética e saiba elencar
verdadeiras prioridades e verdadeiros valores. Finalmente, tanto o budismo
quanto o cristianismo também falam da importância do homem em realizar-se em
sua própria natureza racional. www.rodadalei.com.br.
Abraço. Davi
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