Budismo. www.budavirtual.com.br. Texto de Jetsunma
Tenzin Palmo. I. PRÁTICA DA MEDITAÇÃO E SABEDORIA NO COTIDIANO. “Vamos começar
de onde estamos. E vamos começar com o que somos. Não adianta querer ser outra
pessoa, não é bom fantasiar sobre como seria se fôssemos assim ou assado. Temos
que começar do aqui e do agora, na situação em que estamos. Temos que lidar com
nossa família, com os amigos e com todos que encontramos. Esse é o desafio. Às vezes evitamos as circunstâncias atuais e
achamos que seguramente encontraremos a situação perfeita em algum outro lugar.
Mas isso nunca vai acontecer. Nunca haverá um momento e um lugar ideais, porque
levamos conosco a mesma mente a todos os lugares. O problema não está lá fora,
em geral o problema está dentro de nós. E por isso precisamos cultivar a transformação
interior. Uma vez que tenhamos
desenvolvido a mudança interna, podemos lidar com o que quer que aconteça”. Jetsunma Tenzin Palmo (1943- ) no livro NO CORAÇÃO DA VIDA. COMEÇANDO
A MEDITAR, PRIMEIRO PASSO. Quer esteja sentado em uma
almofada ou em uma cadeira, sente-se ereto. O importante é manter as costas
retas e os pés apoiados no chão. Erga os ombros, leve-os para trás e baixe-os
novamente, dessa maneira você fica em uma boa postura. Agora, apenas relaxe.
Caso contrário, irá se cansar. Concentre a sua atenção do vai
e vem da respiração. A respiração é um bom foco para a prática porque existe
uma forte ligação entre a respiração e o nosso estado mental. Fique
ciente de sua respiração conforme ela vem e vai. Com a respiração como
foco, você estará presente. Você não consegue respirar no passado ou no futuro.
Você só pode respirar no agora. Normalmente, não temos consciência dela,
trazemos a nossa mente para o presente. Esse é um meio hábil. Você pode tomar
consciência da sua respiração durante o dia a dia, a qualquer momento:
dirigindo, andando, sentado no computador, mesmo enquanto estiver falando.
Inspirando, expirando. E isso em si é uma meditação. Nem é necessário sentar-se
ereto, mantendo uma postura formal. De acordo com a tradição
tibetana, deve-se ser capaz de manter a mente unifocada em 21 respirações, sem
se distrair. Os pensamentos não são o problema. Seguir e identificar-se com os
pensamentos é o problema. Pensamentos podem ser como um rio e nós, muitas
vezes, ficamos no meio desse rio, sendo jogados para cima e para baixo. Tomar
consciência dos pensamentos é uma forma de sair desse rio. Quando sai da
corrente do rio, você pode concentrar a sua atenção no que está em primeiro
plano: na respiração, na entrada e na saída do ar, e especialmente na
expiração. Você pode contar um quando inspira, dois quando expira. Não dê
nenhuma atenção aos pensamentos que estão no fundo da mente. Se, por acaso,
você pular de volta no rio e for arrastado, vá para a margem e comece de novo.
Um quando inspira, dois quando expira. Mantenha a mente bem relaxada, centrada,
concentre-se apenas na respiração, conforme o ar entra e sai. E isso é tudo o
que você tem que fazer. Agora, nada mais no mundo importa, a não ser inspirar e
expirar, e saber disso. Começando a Meditar, SEGUNDO
PASSO. Agora, tome esse foco de
consciência que está centrado na respiração e volte-o para dentro, para os seus
próprios pensamentos. Nossos pensamentos estão constantemente fluindo, a cada
momento. O conteúdo do rio muda o tempo todo. Mas, agora, como estamos muito
relaxados, podemos sair do rio e descansar na margem. Podemos apenas observar o
rio passar sem mergulhar nele. Nessa ocasião não julgamos os
nossos pensamentos. Não ficamos pensando que esse é um pensamento inteligente,
ou um pensamento terrível, estúpido ou interessante – são apenas pensamentos.
Quaisquer que sejam os pensamentos que surjam dentro de nós, quaisquer que
sejam os sons que surjam fora de nós, são apenas pensamentos, apenas sons, e
não são importantes. O que é importante é a qualidade conhecedora, a qualidade
conhecedora que está centrada no fluxo de pensamentos. Normalmente, quando
estamos pensando, nós somos os pensamentos. Mas agora recuamos e nos tornamos
testemunhas dos pensamentos, observadores. Portanto, há a corrente de
pensamentos e há aquele que está ciente da corrente de pensamentos. Mantenha a mente bem relaxada, mas muito centrada, apenas observe
os pensamentos conforme eles fluem e não se envolva com eles. Tente isso por
cinco minutos e veja o que acontece. Seja qual for o som que você
ouça, é apenas um som, e não é importante. Não siga. Seja qual for o pensamento
que surja em sua mente, é apenas um pensamento. Não fique, fascinado pelos
pensamentos, não os siga. Continuei apenas sentado na margem. Veja se consegue
realizar uma espécie de separação na mente, entre o fluxo de pensamentos e a
consciência conhecedora. Começando a
Meditar, TERCEIRO PASSO. O terceiro passo é o mais fácil de todos. Simplesmente, repouse
nessa consciência. Pode ser que você pense que não tem consciência de
nada, mas o próprio fato de poder pensar e saber que está pensando é uma
manifestação da consciência. No entanto, normalmente, não estamos conscientes
de estarmos conscientes. Basta sentar-se e ter consciência de estar consciente.
Não há absolutamente nada para fazer. Queremos estar sempre fazendo
alguma coisa, e esse é o problema. Sempre pensamentos ”O que eu faço agora”?
Não há nada a fazer, não há nada em que se concentrar, não há nada, além de
estar neste momento, do jeito que ele é. Tecnicamente falando, se quiser um
nome oficial para esse tipo de meditação, ela é chamada de ”repousar na
natureza da mente”. A maneira mais rápida de parar
de sofrer é reconhecer a ausência de identificação com pensamentos e
sentimentos. Normalmente, tentamos superar nossa insatisfação subjacente nos
distraindo. Tentamos fortalecer nosso senso de ego, alimentando-o com o
máximo de prazer possível. Nos distraímos interminavelmente para não
precisarmos ver que por baixo de tudo há uma insatisfação profunda. Nos EUA por
exemplo, país que tem um alto grau de prosperidade material, é notória a
impressão de que praticamente todas as pessoas que podem pagar parecem ter seu
próprio terapeuta ou psiquiatra particular, da mesma forma que teu seu próprio
dentista ou médico. Então, está claro que ter muito prazer e conforto não basta
para encobrir o desconforto subjacente ou o que Buda chamou de dukkha. Na verdade, ”desconforto” é uma boa tradução para dukkha, que é o
oposto de sukha, ou seja, ”conforto”, aquilo que é aparentemente suave e
agradável. Quando reconhecemos dukkha, o desconforto, dentro de nós mesmos,
passamos a reconhecer o quanto estamos doentes com os 3 venenos do desejo, ódio
e confusão. A renúncia é uma questão de soltar. E a renúncia absoluta é liberar
a fixação a um eu autônomo, duradouro e separado, que está no centro do
universo. Uma das maneiras mais rápidas de obter a realização é realmente
observar a mente – observar os pensamentos e ver que não somos nossos
pensamentos. Existe algo por trás dos pensamentos: existe
uma consciência por trás das idas e vindas dos pensamentos. E é a isso que
devemos prestar mais atenção, especialmente durante a prática. Nossa mente é
como um computador inteligente. Podemos programa-lo muito bem, mas essa não é a
energia motriz do computador. Precisamos reconectar com a energia que está por
trás do computador, e a meditação é uma maneira de nos trazer de volta a isso.
A fonte de energia é imensa. Nosso computador é apenas um pequeno computador,
mas essa energia é vasta e todo-abrangente. DHYANA
PARAMITA, OU MEDITAÇÃO. Basicamente, a meditação é
dividida em duas correntes: shamatha, ou permanência serena, que vamos discutir
aqui, e vipassana, ou insight, que é tradicionalmente explicada em relação a
última das seis perfeições, e da sabedoria. Externa e internamente, somos capazes de conhecer alguma coisa
apenas por meio da mente. Vivenciamos tudo através da mente. Se a mente
não estiver funcionando, estaremos mais ou menos mortos, ou como um zumbi. Tudo
o que experienciamos e conhecemos nos chega através dos seis sentidos. Nossos
seis sentidos são não apenas os cinco sentidos habituais, mas incluem a mente,
o que significa que todas as coisas que pensamos são processados pela mente.
Todavia, quantos de nós tema alguma ideia do que é amente? Quantos de nós tem a
experiencia da mente em si? Estamos sempre a procura de algo fora de nós, e
mesmo quando falamos a respeito da mente, falamos do ponto de vista
intelectual. Ouvimos todos tipos de teorias, ideias e tipos de psicologia, mas
quase nunca nos perguntamos como é experimentar um pensamento como um
pensamento, uma emoção como uma emoção. No entanto, tudo – nossas alegrias e
tristezas, nossas esperanças e medos -, que sentimos e poderíamos possivelmente
sentir só é possível através da mente. Atenção
Plena. Antes de estudarmos a meditação em mais detalhes, é
útil discutirmos a atenção plena, que, no contexto das perfeições, é
tecnicamente um fator que contribui para o desenvolvimento shamatha. No
entanto, pode também ser entendida de forma mais geral como uma qualidade da
consciência que podemos desenvolver na vida diária e que traz grande benefício.
Assim, embora a atenção plena, nesse sentido, não seja estritamente parte das
paramitas, gostaria de aprofundar nossa investigação sobre como podemos
incorporar essa prática espiritual em nossa vida diária. O que significa atenção plena? ”Atenção plena”, em sânscrito, é
smriti e em tibetano, drenpa. Ambas, tem o mesmo significado, que é ‘lembrar’.
Isso é muito próximo da ideia católica de relembrar, de recordar, ou de auto
recordação. É a qualidade de estar aqui e agora, que em geral é exatamente onde
não estamos. Normalmente, nós nem sequer estamos conscientes de que estamos
aqui ou de que estamos um pouco aqui e um pouco em outro lugar. É
extraordinário o quanto ignoramos nossa mente. No budismo a prática da atenção
plena também está ligada a estados mentais positivos. Por exemplo, um ladrão de
banco pode estar muito atento e consciente de suas ações, mas não se diria que
ele possui atenção plena porque sua motivação não é virtuosa e se baseia em
ganância e desejo. Quando começamos a treinar a atenção plena,
vemos o quanto nossa mente de fato está totalmente fora de controle. Uma das
maneiras de perceber isso é tentar permanecer no aqui e agora. Se dizemos:
”Tome consciência do corpo neste momento, apenas perceba”, nesse momento
conseguimos, podemos sentir – não julgamos, apenas percebemos. Porém, quando pensamos,
”Isso é fácil! Olhe, estou consciente do meu corpo estou plenamente atento,
entendi tudo”, já nos perdemos. Porque estamos apenas pensando em estar
plenamente atentos, e não estamos mais plenamente atentos. Então é
complicado. A qualidade de estarmos atentos ao que fazemos
no momento é muito importante, porque o momento presente é tudo o que temos.
Todo o resto é passado, já foi. Nosso futuro ainda não chegou. A única coisa
que está acontecendo é o momento presente, tão rápido que já quase o perdemos
antes mesmo de ele chegar. Está fluindo, certo? Se não estivéssemos presentes
apenas de vez em quando, não teria importância, mas o fato é que não estamos
presentes na maior parte de nossa vida. Ficamos presentes por alguns segundos e
saímos em seguida. Por isso nossa vida se torna aborrecida, rotineira e chata.
Os franceses têm uma expressão para estar entediado – je mennuie – que
significa literalmente, ”eu entedio a mim mesmo”. Exatamente. Não tem nada a
ver com o que está acontecendo ao nosso redor. Nossa mente nos
entedia. Vejamos como podemos estar presentes. Porque, se pudermos
aprender a desenvolver algum grau básico de atenção plena, daremos mais vida a
tudo, a todas as coisas que fizermos durante o dia. Isso é muito importante,
portanto, não durma! Thich Nhat Hanh (1926- ), mestre zen vietnamita, fala sobre duas
maneiras de lavar pratos. Uma maneira é lavar os pratos para obter pratos
limpos, e a outra maneira é lavar os pratos para lavar os pratos. Normalmente,
quando lavamos pratos, como em qualquer outra atividade que fazemos, queremos
um resultado. Lavamos pratos para termos pratos limpos e depois seguimos para
próxima tarefa. A tarefa real, de lavar pratos em si, é irrelevante. Enquanto
lavamos os pratos, estamos pensando no que foi dito no café da manhã, ou no
programa de televisão que vimos na noite passada, ou pensamos ”Bem, depois
disso, vou tomar um pouco de café e a seguir tenho que ir ao supermercado – o
que preciso comprar”? Pensamos em algo que faremos naquela noite, ficamos presos
em algum mundo de fantasia ou o que seja. Só não estamos pensando naqueles
pratos. Certo? E, quando terminamos de lavar os pratos, que agora estão limpos
e empilhados, vamos tomar o nosso café com uma fatia de bolo. Tomamos o café.
Normalmente estamos bastante conscientes no primeiro gole; julgamos se gostamos
ou não gostamos. Mas, já no segundo gole, não estamos mais conscientes. E, no
terceiro gole, estamos totalmente inconscientes de que estamos tomando café
porque estamos pensando no que temos que comprar no supermercado, isto é, antes
de surgir uma memória de anos atrás – ”e então ele me disse isso, e eu respondi
aquilo…”. Quando comemos o bolo ou qualquer outra coisa boa, decidimos se está
gostoso na primeira mordida, na segunda mordida já perdemos o interesse, e na
terceira mordida estamos mastigando e nem sequer sabemos. Toda nossa vida é
levada assim. Um dos significados da palavra buda é
”despertar”. Ele é O Desperto. Ele despertou do sonho da ignorância. Mas o
resto de nós ainda está sonhando. Sonhos bons ou pesadelos – é tudo um sonho.
Somos sonâmbulos. Parecemos muito brilhantes, mas estamos dormindo. Onde está
nossa mente? As vezes realmente acho que seria interessante – horrível, mas
interessante – se tivéssemos alto-falantes conectados a nossa mente, para que
todos pudessem ouvir nossos pensamentos. Todo mundo iria correr para aprender a
meditar, não iriam?! Porque, quando olhamos para dentro e vemos o que está
acontecendo em nossa mente, encontramos conversas sem fim, trivialidades sem
fim, e não é nem mesmo divertido. Se observarmos, veremos como tudo é chato. Os
mesmos pensamentos, opiniões e memórias velhos e rançosos são constantemente
reciclados. Enquanto tagarelamos sozinhos, temos o rádio ligado ou a televisão
berrando ao fundo. Não há silêncio. Atenção plena tem a ver com estar em
silêncio. Diz respeito a ter uma mente completamente quieta e presente no que
está acontecendo. A outra maneira é lavar pratos para lavar pratos. Dessa
maneira também obtemos pratos limpos. Porém, quando lavamos a louça desse
jeito, estamos fazendo a coisa mais importante que poderíamos fazer nesse
momento. Estamos lavando os pratos. É o que estamos fazendo. Este é o momento.
Se não estivermos presentes, nós o perdemos. Se ficamos alertas, conscientes da
água, das próprias mãos e dos pratos, podemos perceber e apenas estar
presentes. Essa sensação de presença, de conhecimento, é o ponto vital. Porque,
se realmente aprendermos a fazer isso, quando tivermos terminado não teremos
apenas lavado os pratos – teremos lavado nossa mente. Nossa mente será
agradável limpa e brilhante assim como a louça. É muito fácil. Mas o problema é
que esquecemos. O verdadeiro significado de atenção plena é lembrar, e seu
inimigo direto é o esquecimento. A inércia de nossa mente é
muito grande. Às vezes, quando ouvem ensinamentos sobre atenção plena, as
pessoas pensam: ”É, isso parece bom, deixa eu experimentar um pouquinho”.
Realmente tentam estar presente com o que estão fazendo. Tentam ouvir a si
mesmas quando falam e saber o que estão pensando, tentam estar presentes e
saber como estão se movendo e como estão aqui, no momento, o máximo possível.
Logo que começamos, pensamentos basicamente em ficar presentes, e isso é muito
difícil. Prosseguimos de onde estamos. As pessoas tentam ficar
presentes, e a seguir dizem: ”Isto foi ótimo, realmente gostei. Tenho tentado
praticar a dois ou 3 dias e é muito divertido estar atento. Meus amigos já
estão dizendo que me tornei uma pessoa muito mais agradável e me sinto muito
bem. Isso é ótimo”. E pensamos ”Ah, sim, vamos
aguardar”. Dentro de 6 semanas perguntamos como vai à
atenção plena. ”Atenção plena? Opa, esqueci! Esqueceu. Não porque não
estivesse funcionando. Não porque fosse incrivelmente difícil. Na verdade, a
atenção plena é razoavelmente fácil. Mas a inércia, a preguiça da mente e a
relutância em estar no presente são muito profundas. O Buda disse que a atenção plena era como o sal nos molhos curry.
Em outras palavras, é o que dá sabor a tudo o que fazemos. Dá vida a tudo,
porque é como se estivéssemos fazendo as coisas pela primeira vez. O mundo se
torna vívido e claro. Normalmente, é como se olhássemos através de uma lente e
tudo estivesse embaçado. Não conseguimos ver com clareza. Assim é com a mente.
Mas, quando ajustamos a lente, tudo entra em foco e parece recém-lavado, como
os pratos, e não como a velha mente rançosa com a qual normalmente vivemos.
Esta é uma noa mente. A qualidade da atenção plena é muito importante no
desenvolvimento das qualidades espirituais em nossa vida diária. E é ago que
todos nós podemos cultivar dia e noite. O Buda dividiu a atenção plena
em quaro aspectos: atenção plena ao corpo, atenção plena as sensações, atenção
plena a própria mente e, na interpretação do Mahayana, atenção plena aos darmas
ou fenômenos externos. Ou seja, tudo o que é recebido por meio dos 5 sentidos –
imagens, sons, sabores, toques e odores. Vamos começar com a atenção
plena ao corpo. O corpo é o mais tangível dos aspectos. Os tibetanos usualmente
enfatizam a atenção plena a própria mente, mas isto é bastante difícil nessa
fase inicial, visto que nossa mente flui de forma muito rápida e turbulenta, e
é bem difícil acompanhá-la. Talvez seja melhor começarmos com algo bem mais
estável e sólido, como o corpo. O Buda diz que começamos pensando: ”Quando
estou em pé, sei que estou em pé; quando estou sentado, sei que estou sentado;
quando estou deitado, sei que estou deitado, quando estou caminhando, sei que
estou caminhando”. Pense sobre isso. Quantas vezes ficamos em pé
ou sentamos sem nem mesmo estarmos conscientes de que estamos em pé ou sentados
porque nossa mente está correndo lá na frente? Normalmente nem sequer sabemos o
que nosso corpo está fazendo. No entanto, isto é algo muito simples de trazer
para o presente – basta sabermos que estamos sentados quando estamos sentados.
Experienciar como o corpo se sente no momento: isto é consciência corporal.
Ficar ciente da respiração. Inspirar e expirar com consciência é uma maneira de
ficar instantaneamente centrado. Não podemos respirar no passado ou no futuro –
só podemos respirar agora. Existem infinitas oportunidades
ao longo do dia para a prática da atenção plena ao corpo. Alguns anos atrás, em
Nova Délhi, em cima da luz vermelha dos semáforos, escreveram em grandes letras
brancas: RELAXE. Quando paramos no farol vermelho, relaxamos, inspiramos e
expiramos, sentindo gratidão pelo sinal estar fechado, dando a oportunidade de
nos centrarmos novamente. Se ligamos para alguém e temos que ouvir a gravação
interminável da secretária eletrônica, ótimo – inspiramos e expiramos, nos
centramos, e então estamos prontos para deixar uma mensagem após o sinal. Ao
longo do dia, existem inúmeras oportunidades para voltarmos ao nosso centro, ao
nosso ser consciente – escovando os dentes, comendo e bebendo, penteando o
cabelo, fazendo a barba etc. Use esse momento, essa ação simples – e saiba o
que está fazendo nesse momento. Não escove os dentes pensando em mil outras
coisas. Apenas escove os dentes para escovar os dentes, e perceba. Tudo
faz parte do treinamento para estar presente. Porque o presente é tudo o que
temos. Se aprendermos como usar o nosso dia para desenvolver a qualidade
de atenção plena e consciência, quando nos sentarmos para meditar tais
problemas não existirão. Em vez de a mente não ser nada mais que um obstáculo,
nós a utilizamos para nos ajudar. Aqueles que são sérios quanto ao cultivo
dessa prática devem ler livros sobre o assunto e, se possível, participar de
cursos de meditação e perguntar a quem tem mais experiência na prática da
atenção plena. Porque essa é uma qualidade muito importante, e não tem nada a
ver com orientação espiritual. Todo mundo pode utiliza-a. Durante essa prática
profunda, ninguém sequer sabe que estamos praticando! Podemos leva-la conosco a
todos os lugares em qualquer circunstância, até mesmo para o banheiro. Não
importa onde – cada ação, cada pensamento, e cada palavra pode ser um objeto
para nossa consciência, para nosso conhecimento. Shamatha, ou permanência serena. Nossa mente costuma ser muito agitada pelos seis sentidos –
imagens, sons, odores, sabores, tato e pelo sexto sentido da própria mente, com
seus pensamentos, julgamentos, memórias, ideias e opiniões. Tudo isso revolve a
nossa mente de maneira contínua. E, por causa disso, não vemos as coisas com
clareza. Não retratamos o ambiente externo como realmente é. Apenas temos a
nossa versão, a nossa interpretação do que está acontecendo, que é distorcida
por todo esse tumulto que ocorre dentro de nós. Respondemos apenas a nossa
versão, a nossa interpretação do que está acontecendo, e não aos fatos
propriamente. Quando tentamos observar a própria mente, ela está tão revolta
que não conseguimos enxergar nada além dos pensamentos e da tagarelice
superficiais. Por meio da meditação de shamatha, a mente começa a se acalmar.
Os sentidos externos se tornam menos reativos. E o sexto sentido interior, a
própria mente, torna-se mais tranquila, calma e unifocada. Torna-se clara. E,
quando está clara, a mente enxerga com muita precisão porque já não está mais
interpretando. Ao mesmo tempo, temos condições de usar essa mente calma e
unifocada para olhar para si mesma e enxergar por entre camadas cada vez mais
sutis da psique. Portanto, atingir esse primeiro estado de calma e concentração
é realmente importante. Certa vez, um lama me disse que se tivermos uma boa
prática de shamatha, todo o Darma estará na palma de nossa mão. Qualquer que seja a prática que façamos, se fizermos com uma mente
distraída não funcionará. Há livros que dizem que, ainda que passemos uma
centena de éos (imensurável período de tempo) recitando mantras, se recitarmos
com uma mente distraída não atingiremos o objetivo. Mas, se recitarmos alguns
poucos mantras com a mente concentrada e fundida na prática, então os
resultados virão com rapidez. Portanto, vale a pena treinar nossa mente, tanto
quanto pudermos, para torna-la quieta, focada e calma. Este é o estágio número
um. Nossa prática não termina aqui. […]. Embora esse tipo de
meditação seja muito importante como preparação, desfrutar dele por muito tempo
poderia ser contraproducente. As vezes os praticantes entram em estados de
bem-aventurança e acham que estão liberados, tudo é tão claro. Mas pode acontecer
que esse estado de bem-aventurança atue como um escudo que esconde as emoções
negativas. As delusões (enganos), a avareza, a luxúria, a raiva e a má vontade
estão todas ainda ali de forma latente. Isso é perigoso porque nos delude a
pensar que estamos muito mais avançados espiritualmente e que todas as nossas
emoções negativas foram erradicadas. Podemos imaginar que não temos mais
nenhuma emoção negativa porque estamos neste estado de bem-aventurança e
clareza, onde todas as coisas são uma e tudo é muito maravilhoso. Olhamos e não
conseguimos ver nada de negativo porque está encoberto, mas as contaminações
estão todas ali, crescendo debaixo da superfície e, se surgir a oportunidade,
interromperão, muitas vezes de forma incontrolável. […]. Há, também, o problema
de permanecermos no estado de calma e os apegarmos a ele. Podemos nos apegar a
qualquer coisa, e isso é, em última análise, um obstáculo. No entanto, como o
primeiro passo, é muito importante desenvolver a qualidade de acalmar e
concentrar a mente. Existem muitas maneiras de fazer isso. Quando
começamos a meditar, é importante que não consideremos a prática como uma
espécie de teste de resistência. Podemos pensar na mente como um cavalo
selvagem, e existem basicamente duas maneiras de lidar com a questão de
domá-lo. Podemos prendê-lo e espancá-lo até que se submeta, forçando-o a
realizar a nossa vontade; por fim, o cavalo irá sucumbir e ficar dócil. O que
teremos então será um animal surrado, triste e ressentido. As vezes podemos ver
cavalos assim na Índia. Eles puxam carroças, e podemos imaginar a maneira como
são tratados. São infelizes, desanimados, tentam tudo o que podem para fugir de
seus trabalhos, mas são submetidos de novo por espancamento. No entanto, há
outra maneira. Podemos domar o cavalo de forma mais suave, lentamente.
Induzindo-o, e tentando aos poucos conquistar sua boa vontade. Acalmando o seu
medo, fazemos com que saiba que nada de ruim vai acontecer. Pacientemente o
conquistamos, e por fim ele começa a confiar em nós e se dispõe a fazer o que
queremos. Da mesma forma, existem duas abordagens para domar a mente. Uma
delas é realmente a força, por meio de longas sessões sentados, sem nos
movermos por um instante, coagindo-a a se concentrar. Pode funcionar. Pode ser
que a mente nunca mais queira meditar novamente, o u que se sinta muito
triunfante por ter sido capaz de se acomodar e se concentrar durante horas e
horas a fio, e fique disposta a seguir em frente. De maneira geral, a forma como meu mestre ensinou é mais hábil,
por meio da conquista da cooperação da mente. Se estamos assistindo a um filme
ou programa de TV interessante, se estamos lendo um livro muito fascinante,
ninguém precisa nos coagir a nos concentrarmos. Estamos absortos, fundidos com
o que estamos fazendo, as horas passam e nem notamos. A mente está muito
concentrada. Todos temos a capacidade de nos mantermos
concentrados e absortos em um único fluxo de eventos. Nosso desafio é trazer
esse tipo de interesse e absorção para algo que inicialmente não é
absolutamente fascinante, como observar a inspiração e a expiração minuto após
minuto, hora após hora, dia após dia, ano após ano. Portanto, caso não se tenha praticado muito antes, é uma boa ideia
começar com sessões curtas. Isso porque, quando damos início a meditação, se
começarmos a ficar mais concentrados e calmos, está ótimo. Se paramos quando
ainda estamos apreciando a prática e ainda poderíamos seguir um pouco mais,
nossa mente se lembra de que a prática foi divertida, e ficamos dispostos a
tentar novamente. Se forçamos, amente se cansa e perdemos a concentração. Se
continuarmos forçando, na próxima vez em que nos sentarmos a mente se lembrará
de que se sentiu cansada e entediada e haverá um sentimento de aversão.
Não estamos travando uma batalha. Não é uma questão de sub julgar, de
espancar a mente até que finalmente obedeça. É uma questão de estimulá-la a
cooperar e compreender que existe felicidade genuína em estar calma,
concentrada e clara. As dificuldades iniciais são as distrações internas que
experienciamos, que não são realmente um problema se pudermos utilizá-las como
parte do processo. As pessoas imaginam que, quando se sentam para
meditar, deveriam imediatamente ser capazes de acessar níveis profundos de
silêncio, calma, e concentração, mas, quando se sentam e descobrem que parecem
ter mais pensamentos do que seria normal, ficam desencorajadas. Todo mundo
experimenta mais ou menos os mesmos problemas. Estou certa de que até mesmo o
próprio Senhor Buda jamais se sentou e imediatamente deixou de ter pensamentos.
Se tivesse sido assim, nunca poderia ter ensinado a meditação porque não teria
conhecido os problemas. Mas, como deu muitos ensinamentos sobre as dificuldades
de meditação, imagino que deve tê-las experimentado. Todo mundo tem problemas, dificuldades, e os que finalmente
atingem realizações são os que perseveram. Mas, ás vezes, quando sentimos que
não vamos conseguir, manter as sessões por um tempo não muito longo pode
ajudar. Nós praticamos, então descansamos e recomeçamos, praticamos,
descansamos e recomeçamos. Aos poucos, a mente começa a se acostumar. É como
fazer exercícios físicos. Se queremos fazer ioga ou ginástica aeróbica e
começamos com uma sessão de duas horas, sem nunca ter feito exercício antes, ou
temos um colapso durante a sessão, ou não conseguiremos nos mexer no dia
seguinte. Claro que não conseguiremos nos mexer porque tudo estará doendo! Nós
pensamos: ”Ah yoga nem fale disso”. Não queremos tentar de novo. Porém, se
fizermos uma sessão curta, alongando o quanto conseguimos, mas não demais,
pensamos: ”Isso não é tão ruim, vamos tentar de novo”. Seguimos adiante, e as
sessões se tornam mais e mais longas, e, sem que percebamos, de repente
estaremos fazendo aqueles exercícios que os alunos de ioga mais avançados fazem
e que pareciam impossíveis. Por que seria diferente com a
mente que nunca foi treinada? Claro que no início haverá problemas de
resistência. Por isso precisamos ser habilidosos. Precisamos tranquilizar a
mente. ”Esse é seu refúgio genuíno. É uma coisa maravilhosa! Se minha mente
puder ficar só um pouco mais calma, um pouco mais quieta, centrada, focada e
concentrada – Ah, é aí que mora a felicidade, este é o caminho”! Temos que
continuar e continuar. Em algumas sessões a mente começa a cooperar, tudo é
mais fácil, agradável e calmo. ”Agora consegui”, pensamos, mas na sessão
seguinte os pensamentos estão por toda parte. Tudo bem. Não tem problema. Se a
mente quer ser selvagem e distraída, deixa-a ser selvagem e distraída, mas
lentamente traga-a de volta – esse é o caminho a seguir. Claro que a mente
tem pensamentos, a natureza da mente é essa. Pensemos na mente como o oceano,
cuja superfície tem ondas. Sem problemas. Se pensarmos na mente como o céu, o
céu tem nuvens. Não se preocupe com os pensamentos! Solte-os, sem dar a eles
nenhuma energia. Além do fato de a mente ter pensamentos, encontramos
basicamente dois problemas na nossa prática. O primeiro é chamado de sonolência
ou afundamento. Significa que, quando sentamos, começamos a nos sentir
sonolentos – um afundamento grosseiro e muito comum. Quando Milarepa
(1052-1135), o grande iogue tibetano do século XI, começou a meditar, colocou
uma lamparina de manteiga acesa sobre a cabeça. Obviamente também teve seus
problemas. Uma amiga minha utilizava uma tigela pequena com água até a borda
sobre a cabeça. São estratégias que nos impedem de cochilar! Precisamos ser
criativos e não ceder a sonolência. O afundamento sutil é mais
perigoso porque é menos obvio. Podemos entrar em um estado calmo e pacífico,
mas com pouca consciência, e ficar assim durante horas. A mente meditativa
genuína é relaxada e espaçosa, mas completamente alerta, brilhante e clara.
Portanto, se estamos em um estado em que nos sentimos calmos e espaçosos, mas
em que não há clareza vívida ou consciência alerta, estamos afundando. É
perigoso, pois podemos permanecer nesse estado por muito tempo e acharmos que
estamos em profunda meditação. Mas não. É apenas um estado sutil de
afundamento, e depois, quando saímos da meditação, meio que vagamos ou
flutuamos por aí – tudo é lindo e pacífico, a síndrome da nuvem de
bem-aventurança. Estamos nos desviando gravemente porque deveríamos sair da
prática nos sentindo bastante centrados e presentes, conscientes e despertos.
Meditação é o processo de despertar, e não de colocarmos a dormir. O outro problema principal, claro, é a nossa velha companheira, a
distração. Se a mente está hiperativa e distraída, o antidoto é praticar em uma
sala um pouco mais quente, usar roupas pesadas, comer mais, e de maneira geral
ficar mais aterrado. As vezes visualizamos um ponto escuro logo abaixo do
umbigo para trazer a mente para baixo. Diz se também que devemos pensar no
sofrimento do samsara, na impermanência e na morte inevitáveis, e que não temos
tempo a perder, para que possamos nos sentar com um senso de urgência. Visto
que já desperdiçamos muito tempo, não devemos continuar desperdiçando. É hora
de meditarmos. Está na hora de sermos sérios e de colocarmos todo o nosso
esforço nessa prática. Não devemos simplesmente dissipar nossas energias novamente
seguindo muitos pensamentos, ficando agitados, querendo levantar e ir para
outro lugar. Temos que ser enérgicos, firmes e claros sobre o que vamos fazer.
A tarefa importante que temos é apenas trazer a qualidade de saber
e atenção a respiração. Inspirar, expirar – só isso, não para modificar a
respiração ou comentar a respeito, não para pensar a respeito ou analisar,
apenas para ter conhecimento da respiração e experiencia-la a cada momento,
tanto quanto possível. Tão logo começamos a comentar mentalmente, não estamos
mais conectados com a respiração, estamos só pensando nela novamente. Todos os
pensamentos que vêm a mente sao comparados a visitantes indesejados. Ficam à
espera de serem convidados a se sentar, mas ninguém os convida. Certamente não
oferecemos chá, nem perguntamos como vão as coisas. Ignoramos. Por fim, eles se
sentem envergonhados e vão embora. Nossa atenção se concentra
apenas na inspiração e na expiração – é tudo o que devemos fazer. Se nossa
mente se desviar e for novamente apanhada por pensamentos, apenas os soltamos e
voltamos para a respiração. Se passamos todo o tempo com a respiração, nos
perdendo e trazendo a mente de volta, nos perdendo novamente e trazendo a mente
de volta, está ótimo, não tem problema. Pouco a pouco, a respiração começa a se
destacar mais, tornando-se mais clara e vívida, enquanto todas as outas coisas
passam para o segundo plano. Pensamentos e sons tornam-se ruídos distantes. Ao
final, é claro que eles começarão a se acalmar por si, mas isso não acontecerá
de imediato. As qualidades mais necessárias para a vida espiritual são
paciência e perseverança. www.budavirtual.com.br.
Abraço. Davi
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