Cristianismo
Primitivo. Texto de Ricardo Lindemann. www.ricardo
lindemann@uol.com.br. Mestre em Filosofia pela Universidade
de Brasília (UnB) Brasil, aluno cursando o Doutorado em Ciência da Religião na
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Licenciado em Filosofia pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Engenheiro Civil (UFRGS).
Atua em Projetos de Pesquisa de História da Filosofia da Religião no Grupo de
Filosofia da Religião da UnB, e de As Tradições Soteriológicas dos Upanishads
do Núcleo de Estudos em Religiões e Filosofias da Índia da UFJF. II. A REENCARNAÇÃO SEGUNDO ORÍGENES DE ALEXANDRIA NO
CRISTIANISMO PRIMITIVO. O FATO HISTÓRICO. A PERSEGUIÇÃO SISTEMÁTICA (44) do
Imperador Justiniano I (482-565) à obra é a causa do problema maior para seu
estudo: O fato de que foi perdido o original grego do livro Peri Archon em que
há evidências do tratamento deste tema da QUEDA E TRANSMIGRAÇÃO das ALMAS até a
APOCATÁSTASE, tendo sido apenas parcialmente reconstituído pelo magistral
trabalho de Paul Koetschau a partir de diversas fontes e fragmentos, e que a
controvertida tradução remanescente feita ao latim por Rufino de Aquileia
(340-410), intitulada De Principiis, ser comprovadamente imprecisa por ter sido
teologicamente censurada (46), ou seja, foi até intencionalmente alterada em
alguns pontos por motivos religiosos, a fim de se contornar o problema das
condenações da Igreja. Talvez a posição sensata tenha sido a de Butterworth,
quando compara e sistematicamente em sua tradução as versões grega
reconstituída e latina em toda sua extensão, de modo a possibilitar ao leitor à
sua própria opinião, mas ponderando que: “Então, qualquer leitor de Primeiros
Princípios (De Principiis), se tomar em consideração, como deve fazer, a
irrefutável evidência de São Jerônimo (347-420) e do Imperador Justiniano, será
forçado a admitir que Orígenes pelo menos concedeu a possibilidade da
TRANSMIGRAÇÃO. Isto para pôr o caso pelo seu mínimo”. Nesta direção,
Butterworth ainda considera que se deve lembrar que Orígenes apresentava suas
“opiniões não como dogmas estabelecidos, mas como especulações delineadas para
responder a problemas do pensamento humano”, apoiando-se em declarações de
Orígenes citadas por São Jerônimo. O FATO HISTÓRICO é que até a resolução do
Concílio Constantinopla II em 553 DC, ainda havia espaço oficial no
Cristianismo para a DOUTRINA DA REENCARNAÇÃO e que Orígenes ou seu grande
número de seguidores (50) em seu nome sustentaram a TRANSMIGRAÇÃO das ALMAS
pelo menos por três séculos ocupando tal espaço. Foi o Imperador Justiniano I
(482-565) quem não mediu esforços e usou todos os meios, inclusive destituindo
e exilando o Papa anterior, O Papa Silvério (480-537) que assim morreu de
subnutrição, e nomeando seu sucessor. O Papa Vigílio que recusou a comparecer
ao supramencionado Concílio, para condenar os três capítulos que acabaram por
atingir a doutrina da PREEXISTÊNCIA DA ALMA de Orígenes, condição sine qua non para
a TRANSMIGRAÇÃO DAS ALMAS, conforme considera Butterworth: “O fato de que havia
muitos seguidores de Orígenes mesmo no século VI – foi a sua existência e
influência que fez Justiniano tão ávido de assegurar a condenação de Orígenes –
teria tornado necessário ser cauteloso. Havia abundante material para
condenação, de acordo com as ideias de Justiniano, sem a necessidade de
perverte-lo ou exagerá-lo. A supramencionada alegação das supostas
interpolações heréticas que teriam sido feitas ainda em grego no texto do Peri
Archon de Orígenes foi negada pelo próprio São Jerônimo, conforme comenta
Butterworth: “Jeronimo nega a afirmação de que as obras de Orígenes tenham
sidas corrompidas por heréticos: tanto Eusébio quanto Dídimo admitiram como
certo que Orígenes sustentou os pontos de vista incriminados. Portanto, não há
evidências de interposições de heréticos, senão muito pelo contrário o que de
fato há são evidências de interpolações e omissões de Rufinus de aquileia
(340-410) na sua tradução do Peri Archon para a versão latina ou De Principiis,
a que Butterworth escolhe como exemplo a contradição entre o texto da obra
Defesa de Orígenes, escrito por Pânfilo de Cesareia (240-309) e Eusébio de
Cesareia (263-339). Onde Pânfilo cita em grego passagens do Peri Archon que
foram deliberadamente omitidas por Rufinus na sua tradução para o latim do De
Principiis. Butter Worth comenta que tal ponto “enfraquece consideravelmente a
alegação de Rufinus de que o texto de Orígenes teria sido corrompido por
heréticos; se alguma coisa sofreu alteração foi a teologoa autorizada pela
Igreja. Conforme Butterworth também comenta, Rufinus não podia acreditar que o
texto grego do Peri Archon fosse autêntico, pois seria impossível que um
erudito como Orígenes pudesse divergir da teologia aceita no século IV, de modo
que se autorizou subjetivamente a corrigir o texto onde ele acreditava que os
heréticos haviam introduzido interpolações, “sem qualquer dúvida em total
honestidade”, como justifica a si mesmo no texto de sua autoria A Corrupção das
Obras de Orígenes, o qual anexou a sua tradução para o latim do De Principiis
de Orígenes. TRÊS DOUTRINAS INTERDEPENTES. EM RESUMO, TUDO PARECE indicar que
pelo menos três das criativas doutrinas de Orígenes são interdependentes, a
saber a PREEXISTÊNCIA DA ALMA e sua eventual queda da condição angelical
original, a sua TRANSMIGRAÇÃO que possibilita a expiação ou purificação
progressiva, e finalmente o retorno à condição primordial chamada APOCATÁSTASE
ou SALVAÇÃO UNIVERSAL. O fato é que entre os autores e Dicionários citados há
consenso somente quanto a PREEXISTÊNCIA e APOCATÁSTASE, não havendo consenso
quanto a TRANSMIGRAÇÃO. Poder-se-ia ver, mas para tanto se necessitaria muito
mais espaço do este trabalho se propõe, que aceitar a PREEXISTÊNCIA da ALMA e a
APOCATÁSTASE, sem aceitar a TRANSMIGRAÇÃO enquanto necessário processo
intermediário. Criaria uma inconsistência lógica, porém Reale e Antiseri
resumem magistralmente o essencial de Origens sobre a TRANSMIGRAÇÃO DA ALMA,
como segue: Tal visão relaciona-se estreitamente com a concepção origeniana
segundo a qual, no fim, todos os espíritos se purificarão, resgatando suas
culpas, mas para se purificarem inteiramente é necessário que sofram longa,
gradual e progressiva expiação e correção, passando, portanto, por muitas
reencarnações em mundos sucessivos”. Tudo, parece, pois indicar que a doutrina
da TRANSMIGRAÇÃO DAS ALMAS sustentada por Orígenes é algo distinta da doutrina
pitagórica particularmente na ideia dos mundo sucessivos, mencionada acima por
Reale e Antiseri. Pois quando argumenta em seu Comentário Sobre Mateus
contrariamente à doutrina pitagórica parece mais preocupado em evitar
argumentos contrários à sua doutrina da APOCATÁSTASE, mas que ele parece melhor
conciliar com a TRANSMIGRAÇÃO em mundos sucessivos levando à APOCATÁSTASE no De
Principiis, publicado aproximadamente “entre 219 e 230 DC. Quando ele ainda era
mais jovem e talvez mais ousado como também argumenta Butterworth: É possível
que a opinião de Orígenes tenha mudado ao longo dos anos intermediários. Ou ele
pode ter sentido que mais cautela fosse necessária num comentário que
circularia amplamente entre todas as classes de cristãos, do que num tratado
(De Principiis) que refletia na maior parte as discussões entre ele e seus alunos
na Escola Catequética. Assim Butterworth estaria justificando por que as
alusões de Orígenes favoráveis à TRANSMIGRAÇÃO encontram-se no De Principiis. É
sempre importante ter também em mente que a maioria das Homilias e Comentários
remanescentes de Orígenes chegou a nossa época por meio das duvidosas traduções
de Rufinus. Além disso, quando Butterworth considera que “de um caráter
diferente são os oito livros de Contra Celso, obra publicada aproximadamente em
248 DC, quando Orígenes já tinha 63 anos. Tais possibilidades acima sugeridas
por Butterworth parecem também aplicáveis à uma rápida passagem de Contra Celso
onde Orígenes critica a fundamentação da METEMPSICOSE na dieta pitagórica e
parece não asseverar “qualquer queda da alma ao nível de criaturas irracionais.
Concordando mais nesse ponto com a teosofia neoplatônica de Jâmblico (245-325)
e Proclo (412-485), pois naquela idade ele já havia sido condenado pelo menos
duas vezes. Parece, pois, muito plausível a hipótese acima sugerida por
Butterworth de que Orígenes, que, como foi visto acima, sustentava os distintos
níveis históricos, alegóricos e esotéricos para a interpretação da Escritura
Sagrada, tenha adotado um certo tipo de ensinamento interno para seus
discípulos intencionalmente distinto do que ele divulgava ao público. Como
Butterworth sugere acima particularmente em relação ao caso do Peri Archon ou
De Principiis de Orígenes para seus discípulos da Escola Catequética de
Alexandria. O que também era próprio de uma época em que o exercício da liberdade
de pensamento podia acabar em martírio, como aliás foi o seu caso. Dessa forma,
poderia se explicar a natureza declaradamente velada de sua linguagem quando no
Contra Celso parece declarar-se contrário à METEMPSICOSE. Mas simultaneamente
vela a sua opinião a respeito afirmando que “não devemos expor aos ouvidos
profanos a doutrina sobre a entrada das ALMAS NO CORPO, citando inclusive a
Escritura: “É bom manter oculto o segredo do rei”, Tobias 12,7; e também que
“não se deve dar aos cães o que é santo, nem pérolas aos porcos”, Mateus 7,6.
Concluindo o mesmo parágrafo com a utilidade da divisão dos níveis de
interpretação da Escritura Sagrada, e, nesse caso, da linguagem histórica ou
nível literal da Escritura para encobrir intencionalmente um significado mais
interno: “Basta haver exposto, em forma história, o que, ao estilo de história,
foi ocultamente dito, para que aqueles que sejam capazes elaborem para si
mesmos o que o tema encerra”. REFERÊNCIAS: (44). Conforme considera Roque
Frangiotti no prefácio da obra Contra Celso: “Orígenes permanece, sem dúvida, o
gênio maior que a Igreja cristã de língua grega produziu (...). Por causa de
sua exegese alegórica e pela influência da filosofia platônica, sua ortodoxia
foi questionada e pelos anos 400, as disputas se acirraram violentamente. As
discussões e os ataques se acalmaram só a partir do edito do Imperador
Justiniano I, de 543, e do II Concílio de Constantinopla, em 553, que condenou
nove proposições de Orígenes, o que provocou o desaparecimento sistemático de
sua imensa obra (...) 2 mil “livros”, conforme informa Jerônimo”. (46).
Bettenson chega a se referir sobre tais traduções como “as livres, e com
frequência teologicamente censuradas, versões de Rufinus de Aquilea.
Butterworth dedica várias páginas para analisar a censura teológica de Rufinus:
“Somente em poucos casos nós possuímos o (original) grego que nos capacita a
checa-lo (checar a tradução de Rufinus), e quando podemos fazê-lo o resultado
não é satisfatório. Butterworth também cita São Jeronimo clamando a Rufinus:
“Quem te deu licença, clama Jeronimo, para omitir tanto em tua tradução”? (50).
Deve ficar claro que nem todos os cristãos seguiam as doutrinas da
PREEXISTÊNCIA DA ALMA, sua possível TRANSMIGRAÇÃO até a SALVAÇÃO UNIVERSAL –
APOCATÁSTASE – no juízo final que eram sustentadas pelo padre Orígenes de
Alexandria (185-253). Mas sim que seus inúmeros seguidores tiveram a liberdade
de sustentar por três séculos uma linhagem dentro do cristianismo, o
origenismo. Esse foi oficialmente aceitável até 553, data da condenação dessas
doutrinas de Orígenes no Concílio Constantinopla II, convocado arbitrariamente
pelo Imperador Justiniano I, que destituiu e exilou o Papa Silvério, morto
nesse exílio “poucos meses depois de subnutrição”. Esse tornou-se um dos casos
mais controversos e polêmicos de cesaropapismo, ou seja, de interferência do
Estado na história da Igreja. O Papa Vigilio, indicado pelo Imperador, nem
compareceu ao referido Concílio, inicialmente alegando estar doente. Mesmo na
insistência do Imperador e dos Bispos, Vigilio não compareceu ao Concílio. www.ricardo lindemann.@uol.com.br.
Abraço. Davi
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