AS
MAIS ANTIGAS ESCRITURAS da Índia, e as mais importantes, são os Vedas. Todos os
hindus ortodoxos reconhecem neles a origem da sua fé e o seu texto escrito mais
autorizado. Os Vedas são em número de quatro: o Rig, o Sama, o Yajur e o
Atharva. Cada um deles está dividido em duas partes: Trabalho e Conhecimento. A
primeira é composta principalmente de hinos, instruções com relação aos rituais
e às cerimônias, e regras de conduta. A segunda diz respeito ao conhecimento de
Deus, o aspecto mais elevado da verdade religiosa, e é denominada Upanishads. O
significado literal de Upanishad, sentando perto devotadamente, traz à mente,
de modo pitoresco, um discípulo dedicado aprendendo com seu mestre. A palavra
também significa ensinamento secreto, secreto, sem dúvida, porque um
ensinamento só é outorgado àqueles que estão espiritualmente prontos para
recebê-lo. Outra interpretação ainda é fornecida pelo grande comentarista do
século XVII, Shankara (788-820): conhecimento de Deus, o conhecimento de
Brahman, o conhecimento que destrói os laços da ignorância e leva à meta
suprema da liberdade. Não se sabe quantos Upanishads já existiram. Cento e oito
foram preservados, que variam em extensão de algumas centenas a muitos milhares
de palavras, alguns em prosa, outros em verso, e outros ainda parte em prosa e
parte em verso. Variam enormemente no estilo e na forma, frequentemente dentro
do mesmo Upanishad, ora sendo simples e concretamente narrativos, ora sutil e
abstratamente descritivos, assumindo muitas vezes, em ambos os casos, uma forma
de diálogo. Seu tom também flutua, e a seriedade e elevação características
encontram um alívio ocasional num humor primitivo. Não se sabe quem os escreveu
e nem, com qualquer precisão, quando foram compostos. Os Rishis, cujo
conhecimento intuitivo eles personificam, permanecem totalmente nos bastidores,
impessoais como a verdade que defenderam, estando suas vidas pessoais perdidas
para sempre, inclusive os seus nomes: In the dark backward and abysm of time.
(No escuro reverso e no abismo do tempo.) Dos cento e oito Upanishads que foram
conservados, dezesseis foram reconhecidos por Shankara como autênticos e
oficiais. Ele escreveu elaborados comentários sobre dez deles, que incluíam
citações dos outros seis; e foram esses dez que vieram a ser encarados como os
principais Upanishads. Seus nomes são os seguintes: Isha, Kena, Katha, Prasna,
Mundaka, Mandukya, Taittiriya, Aitareya, Chandogya, Brihadaranyaka. Juntos,
eles constituem, e provavelmente sempre constituirão, o principal objeto de atenção
de todos os que conheçam a religião hindu. Uma das características dos
Upanishads é a sua homogeneidade. Muitas concepções que aparentemente diferem
são encontradas neles, mas estas são, grosseiramente falando, encontradas em
todos eles, e não distribuídas, uma num Upanishad, outra em outro. É verdade
que um Upanishad poderá enfatizar certas ideias, ou determinado ponto de vista,
mais do que o resto, ou poderá especializar-se num tópico específico; porém,
tais distinções parecem com frequência puramente acidentais, e nunca são
importantes. As divisões entre os Upanishads podem, portanto, para todas as
finalidades práticas, ser completamente abolidas, com todos os cento e oito
Upanishads reduzidos a apenas um. Uma característica mais importante surge do fato
de os Upanishads representarem o trabalho de santos e profetas. Seus autores
estavam preocupados em relatar o conhecimento intuitivo que veio a eles em
pensamento ou visão, e não em tornar esse conhecimento superficialmente
coerente. Eles não eram formadores de sistemas, e sim narradores de
experiências. Temos de estar preparados, portanto, para encontrar aparentes
inconsistências, para esquecer uma concepção pela absorção temporária em outra.
Não devemos esperar encontrar toda a verdade reunida de uma vez para sempre
numa formulação fácil, triunfante e consciente. Outra característica ainda dos
Upanishads está relacionada com a sua forma. Em nenhum outro lugar, poderia
suspeitar um comentador, que ideias foram registradas com tão pouca
consideração quanto á sua conveniência. Em nenhum lugar existe um começo
lógico, ou um final coerente. Além disso, em todas as ocasiões, a atenção não
está focalizada nas partes, claramente reconhecidas como partes, e sim no todo
talvez numa afirmação concisa, completa e não analisada, ou em elementos
particulares que formem, quando reunidos, uma concepção do momento. Para
realizar o estudo dos Vedas, de acordo com uma longa tradição, e mesmo de
acordo com os próprios Vedas, temos de ter um mestre, ou Guru: Aproximai-vos de
um mestre, lemos no Rik, com humildade e com desejo de servir; e nos
Upanishads: A muitos não é concedido ouvir falar NAQUELE, significando Deus,
que habita a eternidade. Muitos, embora ouçam falar dele, não o entendem.
Maravilhoso é aquele que fala a respeito dele. Inteligente é aquele que aprende
a respeito dele. Abençoado é aquele que, tendo aprendido com um bom mestre, é
capaz de compreendê-lo. A função de um bom mestre, como o hinduísmo o concebe,
é dupla. Ele naturalmente explica as escrituras, em forma e conteúdo; porém, o
que é ainda mais importante, ele ensina através da sua vida: através das suas
ações diárias, das suas palavras mais casuais, algumas vezes até através do seu
silêncio. O simples fato de estar perto dele, de servi-lo e de obedecer-lhe
humilde e reverentemente significa acelerar o espírito; e a finalidade do
estudo das escrituras não é mera ou primariamente informar o intelecto, e sim
purificar e enriquecer a alma. Como são agradáveis o estudo e o ensinamento dos
Vedas! Aquele que se ocupa com essas coisas alcança a concentração, e não é
mais um escravo de suas paixões; piedoso, autocontrolado, disciplinado no
espírito. Ergue-se para a celebridade e é uma bênção para a humanidade.
Dissemos que o hindu ortodoxo encara os Vedas como o seu texto escrito mais
autorizado. Qualquer escritura subsequente, para ser encarada por ele como
válida, tem de ser compatível com os Vedas. Poderá desenvolvê-los, ampliá-los,
e ainda assim ser reconhecida; mas não poderá, porém, contradizê-los. Os Vedas representam
para o hindu, o mais aproximadamente que um documento humano pode representar,
a expressão da verdade divina. Ao mesmo tempo, seria um engano supor que sua
lealdade à autoridade dos Vedas seja servil ou cega. Se ele os considera a
palavra de Deus, é porque acredita que sua verdade seja comprovável,
imediatamente, a qualquer momento, através da sua experiência pessoal. Se o
hindu verificasse, após o devido exame, que não eram tão comprováveis, ele os
rejeitaria. Se descobrisse que determinada parte deles não era tão comprovável,
ele a rejeitaria. E nessa posição as escrituras, ele lhe dirá, o sustentam. O
verdadeiro estudo, dizem os Upanishads, não é um estudo deles mesmos, e sim um
estudo daquilo através do qual percebemos o imutável. Em outras palavras, o
verdadeiro estudo, na religião, significa vivência direta de Deus. Na verdade,
o termo Vedas, como é empregado pelos ortodoxos, não designa apenas um grande
corpo de textos transmitidos de geração a geração, porém, em outro sentido,
simboliza nada menos do que a verdade inexprimível da qual as escrituras são
necessariamente um pálido reflexo. Considerados sob esse segundo aspecto, os
Vedas são infinitos e eternos. Eles representam esse conhecimento perfeito que
é Deus. Em resumo, eles são idênticos ao Verbo do cristão São João em seu
evangelho: No início era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era
Deus. Abraço. Davi.
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