Hinduísmo Tântrico. Texto escrito por Roberto
de A. Martins. A palavra Tantra significa teia (como a teia
de aranha), tecido, rede. Indica a ideia de fios entrelaçados, unidos e
formando um todo. Representa a ideia de que todas as coisas do universo estão
conectadas, entrelaçadas, unidas entre si, através de uma espécie de fio
invisível que forma essa união íntima de todas as coisas. Aquilo que une tudo, que está dentro
de tudo, é o Poder divino (Shakti). Esse Poder está dentro de cada um de nós, e
está também fora de nós. Penetrando em tudo, o Poder torna todas as coisas
divinas. Porém, nosso modo comum de ver o universo e de vermos a nós mesmos não
permite que enxerguemos essa perfeição de tudo. O Tantra, como prática, leva a
uma transformação da pessoa, permitindo-lhe ver além das aparências Uma parte
da base do Tantra vem do pensamento indiano tradicional, podendo ser encontrada
nas Upanishads, por exemplo, que enfatizam o conhecimento do Absoluto, Brahman,
que está presente em todas as coisas, em todos os seres do universo. Outra
parte, no entanto, é diferente. Pois o Tantra é essencialmente não-dualista,
ele rompe com todo tipo de limitações impostas pelo pensamento racional,
conceitual. E isso se reflete também nas práticas do Tantra, que não respeitam
regras morais e éticas. Tudo aquilo que existe pode ser utilizado como um
veículo para entrar em contato com a Divindade, nada é errado ou impuro. Desde
que tenha desenvolvido a atitude espiritual correta, o praticante do Tantra
pode vivenciar a perfeição em tudo. e perceber a realidade divina em
tudo. “Não existe nada que
não se possa fazer e nada que não se possa comer. Não há nada que não se possa
pensar ou falar, seja agradável ou desagradável. O Eu supremo existe dentro
dele assim como nos outros seres. Assim considerando, o Yogue deve se aproximar
da comida e da bebida e das outras coisas”. No ocidente, o nome
Tantra está fortemente associado ao sexo. É utilizado às vezes como uma simples
desculpa teórica para práticas sexuais sem objetivo espiritual. O Tantra
indiano tem, é verdade, práticas de natureza sexual, mas isso é apenas um dos
seus múltiplos aspectos. Fazer sexo e ter prazer não é nem o objetivo, nem o
principal instrumento do Tantra. A
tradição indiana nunca considerou o sexo como algo errado: os objetivos humanos
listados nos textos clássicos indicam que as pessoas podem buscar a libertação
espiritual (moksha), a ação correta no mundo (dharma), riquezas (artha)
e prazer (kama). O famoso manual indiano sobre práticas sexuais, Kama
Sutra, é um texto que fala sobre os modos de obter prazer – mas não é um texto
tântrico. O que o Tantra adicionou foi o uso do sexo como um dos muitos modos
de obter desenvolvimento espiritual através daquilo que nos atrai – pela união
de moksha e kama. No
entanto, sexo não é o centro do Tantra. O ponto central é obter uma
transformação de nosso modo de ver a realidade, através de práticas que podem
utilizar aquilo que desperta em nós emoções e sensações muito fortes. Através
dessas práticas, o modo comum de funcionamento de nossa mente é ultrapassado, e
surgem vivências espirituais completamente diferentes. Gradualmente, abre-se um
canal de comunicação com a realidade divina, e por fim se estabelece um contato
constante com esse estado de consciência. A filosofia tântrica é ensinada
em muitos textos antigos, como os Puranas, e também em textos específicos, que
se chamam também Tantras. Apenas no início do século XX alguns textos tântricos
começaram a ser traduzidos para idiomas ocidentais, especialmente através do
trabalho de John Woodroffe (1865-1936) mais conhecido por seu pseudônimo Arthur
Avalon. As obras deste autor são o resultado de uma pesquisa muito profunda e
séria sobre o Tantra. Atualmente, no entanto, há muitos livros sobre Tantra que
são equivocados e que distorcem sua doutrina. Dentro do Tantra há diversas linhas ou
correntes de pensamento e de prática. Pode-se dizer que os dois maiores grupos
de pensamento tântrico são o Shivaísta (no qual Shiva é considerado a principal
divindade) e o Shakta (no qual Shakti, a Grande Deusa, é considerada a
principal divindade). Vamos apresentar aqui um esboço da doutrina tântrica
Shakta. Segundo essa doutrina, tudo o
que se manifesta no universo como matéria, vida e consciência é o Poder Divino
(Shakti). O Poder é feminino. É a Grande Deusa (Maha Devi), a Mãe de
todos os seres e dos próprios Devas. Tudo o que existe brota dos órgãos
genitais (Yoni) da Grande Mãe. Aquele que possui o poder é Shiva.
Não existe Shiva sem Shakti, nem Shakti sem Shiva (Na shivah shaktirahito na
shaktih shivavarjita). Shiva, sozinho, é semelhante um cadáver (shava),
pois ele próprio não tem poder. Apenas quando está unido à sua Shakti, Shiva se
torna o Deva poderoso. Shiva é, essencialmente, a consciência inativa, é aquele
que testemunha a ação da Shakti. A fusão íntima entre Shakti e Shiva é
representada pela união sexual entre eles, ou por uma figura com os dois sexos
(Ardhanarishvara), um lado sendo masculino, e o outro feminino.
Shiva e Shakti, unidos, formam o Absoluto não-manifesto, ou Brahman, que
pode ser descrito por Sat, Cit, Ananda. Quando estão unidos num
só, Parashiva e Parashakti são inativos e invisíveis. Esse estado corresponde à noite de
Brahman, em outras tradições. Nessa união, Shiva pode ser pensado como um
ponto, e Shakti como uma linha enrolada em torno deste ponto. Como a linha não
tem espessura, é impossível distinguir o ponto e a linha. São uma única coisa.
A criação do universo se dá quando Shiva e Shakti se separam, ou seja, com o
surgimento da dualidade. Quando a linha (Shakti) se desenrola do ponto central
(Shiva), surgem a meia-lua (Candra) e o ponto (Bindu) que
aparecem na parte superior do símbolo OM. http://www.shri.yoga.devi.org. Presumo
que está claro para os leitores do Mosaico, que toda prática tântrica realizada
apenas com a finalidade de prazer sexual, foge ao verdadeiro pressupostos dos
principais textos dessa tradição espiritualistas. Nada é mais temerário e
perigoso que usar a religiosidade para fins egoístas e mesquinhos. Levando o
suposto adepto ao extremo da luxúria, concupiscência e lascívia. Expondo sua
mente e corpo ao uso indevido dos Asuras (demônios) que aproveitando-se dessa
abertura proposital ou premedita do indivíduo, usa-os como instrumento de sua
involução na licenciosidade e perversão maligna. Aos que desejam a prática
“verdadeira” e saudável do Tantra, recomendo procurar um Yogue ou Guru
conhecido e respeitado em sua comunidade, ou livros indicados por estudiosos do
assunto como Yogues conhecedores dos exercícios espirituais dos Upanishads e
Yoga Sutra. Não é aconselhável fazer esses exercícios com psicólogos ou
terapeutas (que dizem conhecer a teoria do Tantra) dentro da perspectiva de
melhora da incontinência e disfunção sexual, seja individual (solteiro) ou
coletiva (conjugal). Faz-se necessário uma averiguação e certificação quanto a
esses profissionais se estão mesmo dentro do espírito místico e espiritual da
tradição ou apenas aproveitam desse milenar conhecimento para usurpar
(deturpando e desvirtuando) o direito sagrado que todos temos de acessar o
divino em nosso interior, em santidade e pureza, nas variadas formas que se
apresenta. Além de solicitar a credencial de qual escola budista ou hinduísta o
“especialista” fez seu curso ou formação. Isso é fundamental para a certeza de
que você está se associando a um empreendimento espiritual místico que evoluirá
sua alma eterna pela Senda Espiritual. O Yogue ou Guru que domina as técnicas
tântricas através da sabedoria e compaixão acessa e distribui ordenadamente os
vários conhecimentos, disponibilizando aos que realmente desejam assumir uma
disposição de busca, abnegação e altruísmo na sua espiritualidade. O
apropriado, caso exista interesse na prática desses exercícios, é usá-lo
eminentemente dentro da perspectiva espiritual do conhecimento de Brahman, a
Consciência Cósmica, o Logos Divino que está em tudo e em todos. Bem como a iluminação e o despertar búdhico que é inerente ao nosso ser individual. Elevando nossa alma ao Nirvana e Samadhy. Espero que os
leitores ponderem e reflitam antes de qualquer decisão à praticar esse salutar
e higiénico exercício espiritual.
Abraço. Davi.
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