Tartufo
(em francês Le Tartuffe) é uma das mais célebres comédias de Jean Baptiste
Poquelin (1622-1673), mais conhecido como Molière, e uma das mais famosas da
língua francesa em todos os tempos. Sua primeira encenação data de 1664 e foi
quase que imediatamente censurada pelos devotos religiosos que, no texto, foram
retratados na personagem-título como hipócritas e dissimulados. Os devotos
sentiram-se ofendidos, e a peça quase foi proibida por esta razão, pelos
tribunais do rei Luís XIV (1638-1715) de França, onde tinham grande influência.
Na língua portuguesa, o termo tartufo, como em outro idiomas, passou a ter a
acepção de pessoa hipócrita ou falso religioso, originando ainda uma série de
derivados como tartufice, tartúfico ou ainda o verbo tartuficar - significando
enganar, ludibriar com atos de tartufice. Talvez signifique o mesmo que
"santo do pau oco"! No famoso texto, Molière utiliza elementos de
sofisticada linguagem cômica, abordando com mordacidade as relações humanas que
envolvem a religião, o poder e a ascensão social. Utilizando-se como mote a
aristocracia francesa, em luta por manter seus privilégios, a burguesia
ascendente, ávida por ampliar seu “status quo” e ainda o papel intrigante dos
religiosos, é, no entanto, através da popular e sábia "Dorina", a
empregada, que Molière desconstrói a hipocrisia de estrutura social da época,
desmascarando o farsante "Tartufo". Este personagem é símbolo dessa
bem comportada estrutura, usando-a a seu bel-prazer, a seu único e exclusivo
proveito, sendo capaz de mentir, roubar, fraudar, especular, transgredir
normalmente com o único objetivo de granjear mais privilégios. E tudo em nome
de Deus. A peça, apesar de retratar uma situação que antecedeu a ascensão da
burguesia, mantém-se atual ao denunciar males eternos e "universais",
como a corrupção, a hipocrisia religiosa, a ocupação de cargos de mando e
relevo por espertalhões. Como personagens, Molière traz Madame Permelle, mãe de
Orgon, enganada por Tartufo. Orgon, senhor da casa, esposo de Elmire, enganada
por Tartufo. Elmire, esposa de Orgon; chave para se compreender o verdadeiro eu
de Tartufo. Damis, filho de Orgon, corteja a irmã de Valère, Mariane, filha de
Orgon, noiva de Valère. Valère, noivo de Mariane. Cléante, cunhado de Orgon.
Tartufo, falso devoto, que engana Orgon e Mme. Pernelle. Dorine, criado de
Mariane, dá o tom cômico à peça, através de comentários sarcásticos e
exagerados. Monsieur Loyal, começa como belequim (agente de polícia); termina a
peça como sargento. Um exempt (policial). Flipote, criado de Madame Pernelle.
Lawrence, criado de Tartuffe. Argas, amigo de Orgon; confia a este documentos
que Tartufo rouba e chantageia Orgon; não possui nenhuma fala, na peça. O
cenário é a Paris de 1660, casa de Orgon. Para
compreender a ferrenha crítica aos falsos religiosos brilhantemente trazida por
Molière trago, resumidamente o enredo da peça: Orgon, pessoa muito importante
da sociedade parisiense, havia caído sob a influência de Tartufo, um religioso
bastante hipócrita, além de ser extremamente inescrupuloso. Na verdade, os
únicos que não se dão conta do verdadeiro caráter do espertalhão são Orgon e
sua mãe. Tartufo exagera em sua devoção religiosa, chegando mesmo a ser o
mentor espiritual de Orgon. Desde que o vilão passara a residir em sua casa,
que Orgon segue lhe todos os conselhos, chegando ao ponto de prometer-lhe a
filha em casamento, apesar de a mesma estar noiva de Valère. A jovem Mariane
fica bastante infeliz com a decisão paterna, e sua madrasta Elmire tenta
desencorajar o embusteiro de suas pretensões matrimoniais. Durante este
diálogo, Tartufo tenta seduzir a jovem esposa do velho Orgon, cena esta
testemunhada por Damis, filho de Orgon. Damis relata ao pai o que vira, mas
este, longe de acreditar, deserda (excluir do direito de herança) Damis e
decide passar a própria casa para o nome do caloteiro – uma forma de assim
forçar o casamento contra o qual todos pareciam tramar. Aumenta a tristeza de
Mariane, e Elmire adia a sua assinatura do contrato feito pelo marido. Ela
então propõe ao marido que, escondendo-se sob uma mesa, seja ele próprio
testemunha do verdadeiro caráter de Tartufo. Orgon concorda com o estratagema,
e ante as palavras de Tartufo para sua mulher, descobre finalmente qual o
verdadeiro caráter daquele hipócrita a que tanto confiara, e que sua família
sempre tivera razão. Colocando Tartufo para fora da casa, este porém impõe-se
como seu novo proprietário. E Orgon dá-se conta de que depositara com o falso
devoto documentos de um amigo, cuja fuga ocultara, comprometendo-o. A mãe de Orgon
vem lhe visitar. Pernelle tem ainda grande admiração por Tartufo, e não se
deixa convencer sobre o real caráter dele. Surge então o Sr. Loyal, policial
enviado por Tartufo, a fim de avisar que a família tem até o dia seguinte para
desocupar o imóvel. Só depois disso Pernelle reconhece que ele é mesmo um
caloteiro. Enquanto a família reunida discute como safar-se daquela situação
vexatória, chega Valère, informando que Tartufo entregara ao Rei os documentos
que incriminavam Orgon, e este deveria ser preso. Planejam rapidamente uma
fuga, mas Tartufo reaparece, desta feita acompanhado por um policial.
Autoritário, o falso amigo expede a ordem para que Orgon seja preso. Mas este,
para surpresa de todos, prende o próprio Tartufo: ele era um caloteiro conhecido,
tendo já aplicado outros golpes. A doação feita é anulada, e finalmente Orgon
permite o casamento de Valère e Mariane. Mas Tartufo se sai bem, sempre
inescrupuloso e sob a proteção de Deus que sempre melifluamente (falava
tranquila e pausadamente) invoca, mas a quem não dedica devoção ou fé alguma.
Acho engraçado como nos vemos sempre cercados de "tartufos" e como
eles se dão bem na vida. Aliás, o que me levou a escrever este post não é
simplesmente o fato de sempre termos "tartufos" por perto, mas fatos
no mínimo horripilantes que vêm aparecendo com maior frequência na mídia
(imprensa falada, escrita, televisiva e internet) envolvendo o assédio e abuso
sexual cometido por religiosos contra seus fiéis. Não faço aqui menção
específica a qualquer espécie de líder religioso. Podendo a questão referir-se
a padres, rabinos, pastores, médiuns espíritas, pais-de-santo, monges de
qualquer linhagem, etc. Mas o que me incomoda, efetivamente, são os lobos
travestidos de cordeiro que sob o manto de terem maior elevação religiosa e
contato mais próximo com o Criador. Eis que dotados de maior candura de
espírito, utilizam-se de suas funções como líderes espirituais para
arregimentar suas presas, tal como o fazia Tartufo de Molière. Em muitos casos,
até mesmo o contato físico que certas religiões permitem ou exigem em seus
cultos ou cerimônias, facilita o assédio. O líder mal intencionado, durante um
procedimento qualquer, tocando seu(sua) fiel, já passa a ter condições
de, como se diz no jargão popular, “sentir o material”, num verdadeiro processo
de bolinação, sob o argumento de o estar fazendo em nome de Deus. Mas,
independentemente da religião, seita, credo ou procedimento de que se fale,
todas essas práticas em que se observa a absoluta má-fé do líder religioso, é considerada
assédio sexual. De fato, conforme a Lei 10.224, de 15 de maio de 2001, através
da qual se introduziu no Código Penal o art. 216-A, com a seguinte redação: "Assédio sexual - art. 216-A.
Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual,
prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência
inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função." (AC) - Pena - detenção,
de 1 (um) a 2 (dois) anos." (AC), o crime de assédio é
tipificado basicamente nas relações laborais, não prevendo expressamente o
assédio sexual enquanto o algoz estiver no exercício ou se beneficiar do
ministério religioso. Mas, isto não quer dizer que a lei permita o assédio
sexual ou o estimule nestas condições! De fato, como um direito humano
fundamental o indivíduo tem o direito de não ser molestado sexualmente por quem
quer que seja, nem mesmo sendo necessária a edição da lei supra citada, sem se
falar no aspecto moral-religioso inerente à questão. Com muito mais razão tal
princípio deve ser respeitado por alguém que esteja no ministério de qualquer
religião. No entanto, uma vez que a lei é ampla ao extremo e, no meu entender,
apenas exemplificativa, eis que limita o assédio à ocorrência no curso de
relação laboral, devemos ter extrema cautela ao aplicá-la, para que não se
banalize o crime e se criem “criminosos inocentes”, que agiram de maneira
ingênua e despretensiosa, sem que nunca tivesse passado por suas cabeças que
estivessem infringindo qualquer norma jurídica, principalmente de Direito
Penal. De qualquer forma, na exegese razoável do texto legal e a exemplo do que
ocorre em outros países e, conforme vem bem entendendo a jurisprudência de nossos
tribunais, a conduta limitadamente tipificada no texto legal (já que a lei fala
somente no assédio nas relações de trabalho) é ampliada ao assédio sexual
cometido contra prestadores de serviços sem vínculo empregatício, ou cometido
por aquele que se beneficia de cargo de confiança superior, tal como o
professor, o ministro religioso, etc. Por outro lado, em muitas circunstâncias,
a suposta vítima é quem assedia o líder religioso, talvez por algum desvio,
fantasia, paixão, devendo esta responder criminalmente pela conduta imprópria.
Aliás, no mundo em que vivemos, o assédio é praticado tanto por homens como por
mulheres. Até mesmo a “traição”, outrora reservada apenas aos homens
“aventureiros e safados” , como eram antigamente rotulados, hoje é praticada
pelas mulheres, que sem o menor pudor, também podem incorrer no crime de
assédio, inclusive de um líder religioso, por mais escabrosa que possa parecer
a conduta. Coisa que faria até Nelson Rodrigues (1912-1980) jornalista e
escritor brasileiro, corar de vergonha. Desta forma, tomando o amoral Tartufo
como exemplo, em suas sórdidas condutas, devemos considerar a questão do
assédio sexual pelos ministros religiosos com extremo pormenor, tomando contra
os mesmos as medidas legais pertinentes. As denúncias são importantes para que
este crime deixe de acontecer. E o principal: não devem ser temidas as supostas
ameaças de vingança por parte de Deus, dos espíritos, das forças ocultas, do
“Esquerdo” ou dos supostos poderes ocultos do assediador religioso, eis que acima
de tudo isso estar a Lei, tanto dos homens como do Todo Poderoso. http://www.blogdoscheinmam.blogspot.com.br.
Abraço. Davi.
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