quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Pátria Minha.

Pátria Minha.

A minha pátria é como se não fosse.
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo.
É minha pátria. Por isso, no exílio.
Assistindo dormir meu filho.
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria.
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água.
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa.
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria.
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos.
Vontade de mudar as cores do vestido (auri verde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos.
E sem meias pátria minha.
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento.
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço.
Em contato com a dor do tempo, eu elemento.
De ligação entre a ação e o pensamento.
Eu fio invisível no espaço de todo adeus.
Eu, o sem Deus!

Tenho te no entanto em mim como um gemido.
De flor; tenho-te como um amor morrido.
A quem se jurou; tenho-te como uma fé.
Sem dogma; tenho-te em tudo a que não me sinto a jeito.
Nesta sala estrangeira com lareira.
E sem pé direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra.
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra.
E eu vi Alfa e Beta de Centauro escalarem o monte até o céu.
Muitos me surpreenderam parados no campo sem luz.
A espera de ver surgir a cruz do sul.
Que eu sabia, mas amanheceu ( ... ).

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha.
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada.
O não poder dizer-te: aguarda ( ... ).
Não tardo!

Quero rever-te pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizonte
Fiquei simples, sem fontes

Pátria minha ( ... ). A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num enxame escrito:
"Libertas que serás também"
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão ( ... )
Que vontade de adormecer-me
Em teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, pátria minha
Não rima com mãe gentil!
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a ilha
Brasil, talvez

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Ao sabiá
Para levar presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te ama ( ...)
Vinícius de Moraes".

Poeta brasileiro Vinícius de Moraes ( 1913-1980)
 







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