quarta-feira, 17 de setembro de 2014

A Crença da Pessoalidade do diabo. Parte I.

Transcrevo aqui nesse artigo A Crença da Pessoalidade do diabo as palavras de Helena P. Blavatsy (1831-1899), no livro Ísis sem Véu volume IV, páginas 135-140. "Parece impossível, e todavia esta é a triste realidade, que, entre todas as várias nações da Antiguidade, não houve uma só que acreditasse num diabo pessoal mais do que os cristãos liberais do século XIX. Nem os egípcios, que Porfírio chama de "a mais erudita nação do mundo", nem os gregos, seus fiéis imitadores, caíram em absurdo tão grande. Podemos acrescentar que nenhum deles, nem mesmo os judeus antigos, acreditou no inferno ou numa condenação eterna mais do que no diabo, embora nossas igrejas cristãs atribuem ao demônio tudo quanto se relacione com os gentios. Em todo lugar em que a palavra "inferno" ocorre nas traduções dos textos sagrados hebraicos, ela está distorcida. Os hebreus ignoravam essa ideia, mas os Evangelhos contêm exemplos frequentes de compreensões erradas. Assim, quando Jesus diz em Mateus 16:18 "( ... ) e as portas do hades não prevalecerão contra ela", o texto original apresenta "as portas da morte". Em nenhum lugar aparece a palavra "inferno", aplicada com o significado de condenação, seja temporária ou eterna, utilizada no Velho Testamento com o sentido que lhe deram os forjadores desse dogma."Tophet" ou o "Vale do Hinon" não tem esse significado. O termo grego "Gehenna" tem um sentido bastante diferente e equivalente, na opinião de escritores competentes, ao Tártaro homérico. O próprio Pedro nos dá prova desse fato. Em sua segunda Epístola 2:4 o apóstolo no texto original, diz, sobre os anjos pecadores, que Deus "os lançou ao Tártaro". Essa expressão, que lembra muito inconveniente a guerra entre Júpiter e os Titãs, foi alterada e agora, na versão bíblica  King James, apresenta "os lançou no inferno". No Velho Testamento as expressões "portas da morte" e "câmaras da morte" aludem simplesmente às "portas do túmulo", mencionadas especificamente nos Salmos e nos Provérbios. O inferno e seu soberano são ambos invenções do Cristianismo, contemporâneo do seu poder e do recurso à tirania. São alucinações nascidas dos pesadelos dos Antônios do deserto. Antes da nossa era, os sábios antigos conheciam o "Pai do Mal" e não o tratavam senão como asno, o símbolo escolhido de Typhon, "o diabo". Triste degeneração de cérebros humanos! Assim como Typhon era a sombra escura de seu irmão Osíris, Python é o lado mau de Apolo, o brilhante deus das visões, o vidente e adivinho. É morto por Python, mas mata-o por sua vez, redimindo a humanidade do pecado. Foi em memória dessa façanha que as sacerdotisas do deus Sol se vestiam com peles de serpente, típicas do fabuloso monstro. Sob sua poderosa influência, a pele da serpente era considerada magnética, as sacerdotisas caíam em transe magnéticos e "recebiam de Apolo as suas vozes", tornavam-se proféticas e proferiam oráculos. Além disso, Apolo e Python são apenas um, e moralmente andróginos (aquele que possui concomitantemente os dois sexos masculino e feminino). As ideias do deus Sol são todas duais, sem exceção. O calor benéfico do Sol traz o germe à existência, mas o calor excessivo mata a planta. Quando toca a lira planetária de sete cordas, Apolo produz a harmonia, mas, como outros deuses sóis, sob seu aspecto sombrio ele se torna o destruidor Python. Sabe-se que São Jão viajou pela Ásia, uma região governada pelos magos e imbuída de ideias zoroastrianas e, naqueles dias, repleta de missionários budistas. Se ele não tivesse visitado esses lugares e entrado em contato com os budistas, seria duvidoso acreditar que o Apocalipse pudesse ter sido escrito. Além das suas ideias do dragão, dá narrativas proféticas inteiramente desconhecidas dos outros apóstolos e que, relativas ao segundo advento, fazem de Cristo uma cópia fiel de Vshnu. Assim, Ophios e Ophiomorphos, Apolo e Python, Osíris e Typhon e Christos e a serpente são termos equivalentes. Todos eles são Logos e um é ininteligível sem o outro, como não se poderia saber o que é dia, se não se conhecesse a noite. Todos são regerneradores e salvadores, um num sentido espiritual, o outro num sentido físico. Um assegura a imortalidade para o Espírito Divino, o outro a concede através da regeneração da semente. O Salvador da Humanidad tem de morrer, porque ele oculta à Humanidade o grande segredo do ego imortal, a serpente do Gênesis é amaldiçoada porque disse à matéria "não morrerás". No mundo do Paganismo, a contrapartida da "serpente" é o segundo Hermes, a reencarnação de Hermes Trimegisto. Hermes é o companheiro constante e o instrutor de Osíris e Ísis. É a sabedoria personificada, como Caim, o filho do "senhor". Ambos construíram cidades, civilizaram e instruíram a Humanidade nas artes. Já foi repetidamente afirmado pelos missionários cristãos do Ceilão (atual Sri Lanka) e da Índia que as pessoas estão saturadas de idolatria, que são adoradoras do diabo, no sentido amplo da palavra. Sem qualquer, exagero, dizemos que elas não o são mais do que as massas de cristãos incultos. Mas eram adoradores do (o que é mais do que crentes no) diabo, embora haja uma grande diferença entre os ensinamentos do seu clero sobre o tema de um diabo pessoal. E os dogmas dos pregadores cristãos, e de muitos ministros protestante, também. Os sacerdotes cristãos estão presos, e se limitam a impô-la às mentes de seu rebanho, à existência do diabo, e as páginas inaugurais desse capítulo mostram a ração desse procedimento. Mas os Upassampanna cingaleses, que pertencem a um sacerdócio superior, não só não confessam acreditar num demônio pessoal, como também os Sâmanera, candidatos e noviços, ririam dessa ideia. Tudo na adoração externa dos budistas é alegórico e, por conseguinte, não é aceito, nem ensinado pelos punghis (pânditas) cultos. Tem um certo fundamento a acusação de que eles permitem e concordam permitem tacitamente em deixar o povo imerso nas mais degradantes supertições, mas negamos veementemente que eles reforcem essas superstições. E, nesse particular, eles parecem levar vantagem em relação ao nosso clero cristão, que (pelo menos aqueles que não permitem que seu fanatismo interfira em seus cérebros), sem acreditar numa só palavra disso, ainda prega a existência do diabo, como inimigo pessoal de um Deus pessoal e o gênio mau da Humanidade. O dragão de São Jorge, que figura com tanta evidência nas maiores catedrais dos cristãos, não excede em beleza o rei das serpentes, o Nammadâ Nârada budista, o grande dragão. Se a superstição popular dos cingales acredita que o demônio zodiacal Râhu destrói a lua devorando-a e se o povo da China e da Tartária sai às ruas batendo bombos, pratos e discos, com que fazem estrépito para afugentar o monstro durante os eclipses, por que o clero da França Meridional, ocasionalmente, no aparecimento de cometas, na ocorrência de eclipses ou outros fenômenos celestiais? Em 1456, quando o cometa de Halley fez sua aparição, "tão tremenda foi sua aparição", escreve Draper, "que o próprio Papa teve de interferir. ele o exorcizou e o afugentou dos céus. Foi lançado nos abismos do espaço, aterrorizado pelas maldições de Calixto III (1378-1458) e não se atreveu a voltar antes de setenta e cinco anos. Nunca ouvimos falar que um clérigo cristão ou o Papa houvessem tentado convencer as mentes ignorantes de que a crença no diabo tivesse algo a ver com eclipse e cometas, mas vemos um prelado budista dizendo a um oficial que lhe atirava na cara essa superstição: "Nossos livros religiosos cingaleses ensinam que os eclipses do sol e da lua denotam um ataque de Râhu, não de um diabo. A origem do mito do "dragão", que ocupa um lugar importante no Apocalipse e na lenda dourada, e da fábula sobre Simão Estilita convertendo o dragão e inegavelmente budista e até mesmo pré budista. Foram as doutrinas puras de Sidarta Gautama, Buda  (563 AC 483) que atraíram para o budismo os cachemirianos (Caxemira - um sub continente disputado pela Índia e o Paquistão desde o fim da colonização britânica) cuja adoração primitiva era a ofita, ou a adoração da serpente. O olíbano e as flores substituíam os sacrifícios humanos e a crença em demônios pessoais. O Cristianismo herdou a degradante superstição de diabos investidos de poderes pestilentos e assassinos. O Mahavansa, o mais antigo dos livros cingaleses, relata a história do rei Covercapal (cibra de capelo), o deus serpente, que foi convertido para o budismo por um santo Rahat.e desta lenda derivou seguramente a de Simão Eslita e seu dragão, que faz parte da Lenda dourada. O Logos triunfa uma vez mais sobre o grande  dragão, Miguel o arcanjo luminoso, chefe dos Aeóns, vence Satã. É digno de menção o fato de que, enquanto o iniciado mantiver em segredo "o que sabe", ele estará perfeitamente seguro. Isso acontecia nos tempos antigos e acontece agora. tão logo o Deus dos cristãos, emanando do Silêncio, se manifestava como a Palavra ou Logos, este último se tornava a causa de sua morte. A serpente é o símbolo da sabedoria e da eloquência, mas é também o símbolo da destruição. "Ousar, conhecer, querer e calar" são os axiomas cardeais dos cabalistas. Como Apolo e outros deuses, Jesus é morto por seu Logos, ele se ergue novamente, mata-o por sua vez e se torna seu senhor. Será que esse velho símbolo tem, como as outras concepções filosóficas antigas, mais de um sentido alegórico e insuspeitado? As coincidências são estranhas demais para resultarem do mero acaso. E agora que mostramos essa identidade entre Miguel e Satã e os salvadores e dragões de outros povos, o que pode ser mais claro do que todas essas fábulas filosóficas originadas na Índia, que viveiro universal do misticismo metafísico? "O mundo", diz Rmatsariar em seus comentários sobre os Vedas, "começou com uma luta entre o Espírito de Deus e o Espírito do Mal, e em luta há de acabar. Após a destruição da matéria, o mal não mais existirá, deverá voltar ao nada". Na sua Apologia, Tertuliano (160-220) falsifica evidentemente toda doutrina e toda crença dos pagãos relativas aos oráculos e aos deuses. Chama-os, indiferentemente de domônios e de diabos, acusando estes últimos de possuírem até mesmo as aves do ar! Que cristão ousaria duvidar de tal autoridade? Não afirmou o salmista que "Todos os deuses das nações são ídolos" e não explicou o anjo das Escolas, Tomás de Aquino (1225-1274), com sua autoridade cabalística, a palavra ídolos por diabos? "Eles vêm até os homens", diz ele, "e os incitam a adorá-los, valendo-se de certas obras que parecem milagrosas". Os padres foram tão prudentes, quanto sábios em suas invenções. Para ser imparciais, após terem criado um diabo, começaram a criar santos apócrifos. Nomeamos vários eles em capítulos precedentes, mas não devemos nos esquecer de Caesar Baronius (1538-1607), que, ao ler uma obra de João Crisóstomo (347-407) sobre o santo Xynoris, palavra que significa par, casal, tomou-a pelo nome de um santo e criou com ela um mártir da Antioquia e chegou a dar uma biografia detalhada e autêntica do "mártir ferido". Outros teólogos fizeram de Apollyon, ou antes Apolouôn, o Anticristo. Apolouôn é o "banhador" de Platão (428 AC 348), o deus que purifica, que lava e nos livra do pecado, porém que foi transformado naquele "cujo nome na língua hebraica é Abadon, mas na língua grega tem o nomo de Apollyon, diabo! Apocalipse 9: 11. Max Muller (1849-1874) diz que a serpente do paraíso é uma concepção que deve ter brotada entre os judeus e "dificilmente parece convidar a uma comparação com as concepções mais grandiosas do poder terrível de Vritra e de Ahriman no Veda e no Avesta". Para os cabalistas, o diabo foi sempre um mito, o aspecto invertido de Deus ou do bem. O mago moderno Eliphas Lévi (1810-1875), chama o diabo de "l ivresse astrale" (uma palavra francesa que traduzido em português significa a intoxicação astral). É uma força cega como a eletricidade, diz ele; e, falando alegoricamente, como sempre fez. Jesus observou que ele "considerava Satã com se fosse um raio caído do céu". O clero insiste que Deus enviou o diabo para tentar a humanidade, o que seria antes uma maneira singular de mostrar seu amor infinito para com o gênero humano! Se o Supremo foi realmente culpado dessa traição incompatível com sua augusta paternidade, ele é digno, certamente, de adoração por parte de uma Igreja que canta o Te Deum depois do massacre de São Bartolomeu (morte de aproximadamente 25.000 protestantes por católicos franceses em Paris nos dias 23 e 24 de agosto de 1574) e de abençoar as espadas maometanas feitas para exterminar os cristãos gregos! Isto soa ao mesmo tempo lógico e legal, não diz uma máxima da jurisprudência que "Qui facit per alium, facit per se"? A grande dessemelhança que existe entre as várias concepções do diabo é verdadeiramente ridícula. Enquanto os beatos o enfeitam invariavelmente com chifres e rabos e o concebem numa figura repulsiva que inclui um cheiro humano pestilento, John Milton (1608-1674), Lord Byron (1788-1824), Johann Goethe (1749-1832). Mikhail Lermontov (1814-1841) e um exército de romancistas franceses ergueram seu louvor em poesia graciosa e em prosa emocionante. O Satã de Milton e até mesmo o Mefistóles (personagem do romance Fausto) de Goethe possuem um relevo mais vigoroso do que alguns dos anjos representados na prosa de beatos estáticos. Comparemos duas descrições. Premiemos em primeiro lugar o incomparavelmente sensacional des Mousseaux. Ele nos dá uma narrativa emocionante de um íncubo, nas palavras da própria penitente: "Certa vez, ela conta, "durante  todo o espaço de meia hora, ela viu claramente perto dela um indivíduo com um corpo preto, espantoso, horrível, cujas mãos, de um tamanho enorme, exibiam dedos agatanhados estranhamente encurvados. Os sentidos da visão, do tato e do olfato foram corroborados pelo da audição"! E, pelo espaço de muitos anos, a donzela foi arrastada por tal herói! Quão distante desse galante odorífero está a majestosa figura do Satã miltoniano! Que o leitor então imagine, se puder, essa quimera soberba, esse ideal do anjo rebelde tornado o Orgulho encarnado, e encerrado na pele do mais repulsivo dos animais? Muito embora o catecismo cristão nos ensine que Satã in própria persona tentou nossa primeira mãe, Eva, num paraíso real, e na forma de uma serpente, que de todos os animais era o mais insinuante e o mais fascinante!. Continuamos na parte II. Abraços. Davi.      


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