domingo, 7 de setembro de 2014

Psicanálise e Religião.

Ola! Samuel. Interessante esse artigo (Psicanálise e Religião) que você me enviou, penso ser uma análise crítica de um tema contemporâneo inserido em nossa sociedade brasileira pós moderna tão confusa, doentia e carente de reparações e ajustes em seu modelo cultural vigente. Sigmund Freud tem dois textos (1927) que embasaram seus estudos e pesquisas na formação teoria e clínica da psicanálise. (A). O Mal Estar da Civilização e (B). O Futuro de uma Ilusão, sendo o segundo objeto do tema que estamos abordando. O primeiro fala da formação do processo cultural e social humano em como ele se sedimentou ao longo do tempo. Que elementos foram agregados nesse desenvolvimento e que consequência tiveram nos grupos sociais que emergiram a partir deles. A cultura é vista por Freud como um sistema do inconsciente coletivo humano que desde os primórdios da coletividade é passado como um arquétipo de socialização para a preservação do indivíduo, contra os danos advindos de flagelos terrestres e celestes que fortuitamente acontecem em determinados períodos. A sociedade é o âmbito de práticas e ofícios que interligam as pessoas para o bem comum, mas o ponto de inflexão onde os problemas psíquicos: neuroses, histerias, pulsões, surtos psicóticos, traumas e outras patologias são manifestados expõem os desajustes e diferenças que o sistema cultural não consegue solucionar. Algumas ideias são claramente expostas no artigo e enumero algumas. 1. A tentativa da vulgarização da psicanálise. Se Sigmund Freud (1856-1939) de onde está tivesse acesso a este texto, penso, que pelo menos duas coisas ele sentiria: uma grande tristeza e uma extrema irritação. A princípio para entendermos de uma maneira global o assunto, a psicanálise freudiana até os nossos dias não é considerada uma ciência como é dito no artigo. Um dos discípulos de Freud chamado Jacques Lacan (1901-1981) empreendeu um enorme esforço intelectual em suas conferência psicanalíticas para que a psicanálise fosse reconhecida como ciência mas não logrou sucesso. Mesmo matematizando e colocando em linguagem lógica vários conceitos como: libido, id, ego, superego, complexo de Édipo, consciente, inconsciente e outros. Lacan dizia que o homem é um número racional de valor: 0,66 sendo impossível chegar a ser um inteiro devido a sua complexidade e incompletude. Postulou também a noção Aristotélica de Vazio e Nada no ser humano como maneira de mensurar os questionamentos inconscientes, usando para isso simbologias com algarismos significativos de números reais na base 10. Suas consistente abstrações não angariaram o tão almejado título de ciência para a psicanálise. Não discutiremos esse assunto específico porque foge de nosso propósito. Lacan tem uma famosa frase: "O ser do homem não pode ser compreendido sem sua loucura, assim como não seria o ser do homem se não trouxesse em si a loucura como limite da liberdade". Nesse argumento Lacan expõe o que muitos filósofos ponderaram a séculos atrás que é o perigo da liberdade, sendo que racionalmente o homem não sabe usá-la para seu proveito e do próximo. Assim o impasse entre a loucura e a liberdade sendo um dos objetivos da investigação psicanalítica Lacaniana a tentativa de conciliar pela análise teórica esses dois extremos. Mas isso não impediu o sucesso da psicanálise como tratamento clínico de situações psíquicas e traumáticas pois a agenda dos (bons) analistas estão cheias com esperas para ser atendido por um deles. Sendo também o valor das análises compatíveis para poucos que dispõem de condições para tal. A psicanálise é uma "pseudo" ciência com tradição entre os principais países ocidentais e expandindo-se entre as nações orientais (China, Japão e Índia dentre outras) mais influentes. Assim essa massificação da psicanálise no Brasil como é relatada no texto é preocupante pois produz insegurança e desviou das ideias e objetivos que Freud postulou no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. 2. A suposta reconciliação entre psicanálise e religião. Os conceitos que Freud desenvolve em seu livro O Futuro de uma Ilusão mostram enfaticamente que a psicanálise e religião são duas linhas paralelas que nunca se encontrarão. Freud via a religião como um entorpecente (droga) que anestesiava as pessoas para que não vissem sua verdadeira situação. Ele diz: "quanto menos um homem conhece a respeito do passado e do presente, mais inseguro terá de mostrar-se seu juízo sobre o futuro". A religião encobre o passado e o presente embutindo um discurso futurista que leva o crente a esperar sempre por um futuro que nunca chega, pois ao morrer ele acha que todos os seus problemas de vícios e deméritos serão solucionados estando amparado pela promessa da esperança porvir. O presente é revelado pelo crente na saciedade do consumismo materialista e as futilidades de bem estar transitórios e descartáveis claro que guardando as devidas proporções. A psicanálise percebe o homem num mundo irreconciliável  e desarmônico tendo que aprender a sua maneira, como lidar com extremos contraditórios nesse plano da existência. O analista apenas tenta fazer com que o paciente tome consciência de suas próprias limitações e busque por si mesmo o melhor caminho para desfazer os nós e amarras que vão nos prendendo ao longo da vida. Outra citação do livro: "O homem que não vai além, mas humildemente concorda com o pequeno papel que os seres humanos desempenham no grande mundo, esse homem é, pelo contrário irreligioso no sentido mais verdadeiro da palavra". Bom falar que Freud conhecia a Torah e o Talmud judaicos pois como judeu aprendeu os principais conceitos do Judaísmo que ele discute em um outro livro famoso chamado Moisés e o Monoteísmo que não vem ao caso, mas Freud aqui nesse trecho insinua que a religião com sua visão distorcida quanto ao futuro distante e imaginário produz homem irreligiosos. Alienados no presente, subordinados em seu passado e manipulados no futuro sem voz ativa e com pouca condição de pensar e questionar o porque realmente está neste mundo e pra que veio a ele. Freud em nenhum momento do livro O Futuro de uma Ilusão que estamos ponderando concluiu pelo extermínio de toda religião, mas disse que ela é uma ilusão. E como tal sempre existirá (religião) pois a ilusão é produzida pelo nosso consciente como um instrumento de barganha para expiar a culpa, ressentimento e pecado que cometemos ao longo da vida. 3. A relação de algumas lideranças pastorais com a psicanálise. Meu argumento tem se desenvolvido na desaprovação do uso da psicanálise para fins de crença como remédio para cura ou resolução de problemas nos mais variados aspectos. Nessa perspectiva da promoção pessoal de quem a usa sem habilidade teórica ou clínica conotando favorecimento ou bônus institucional. Acho segundo a leitura do artigo essa relação promíscua e interesseira, inclusive duvido que esses tratamentos terapêuticos gerem algum resultado positivo. Um ponto que faltou no artigo foi alguns testemunhos de pessoas que foram alcançadas por esses procedimentos psicanalíticos e como elas estão atualmente. Sendo esse aspecto imprescindível para fazermos um juízo plausível sobre esse tema. Sem essa estatística ficamos sem comprovar o "milagre" que foi alardeado no artigo, duvidando inclusive que esse método tenha tido êxito. Sabemos que nas igrejas pentecostais e neo pentecostais as coisas precisam ser imediata e instantânea quando o assunto é cura e alívio do sofrimento. Sendo isso incompatível com a psicanálise. Assim parece trivial sem generalizar, esse suposto tratamento terapêutico. Grande parte desses líderes pousam com ares de pessoas perfeitamente comportáveis, saudáveis física e psiquicamente como se tivessem solucionado todos os seus problemas. Bem ao contrário do que viveu Freud que teve uma infância difícil com um pai judeu dominador e obsessivo que queria coercitivamente passar a religiosidade judaica a seus filhos. Em 1938 com ajuda de amigos do clube de Viena conseguiu fugir da Alemanha nazista que perseguia os judeus acusando-os de ser a maldição do mundo. Esforçou-se sobremaneira para adquirir salvo conduto para as suas 4 irmãs saírem com vida do território alemão naqueles terríveis dias, mas em vão. Elas foram executadas num dos campos de concentração na Polônia para desespero de Freud. Suas duas últimas décadas foram de muito sofrimento pois contraíra um câncer na boca que provocava intensas dores, mesmo assim continuava suas pesquisas vindo a falecer dessa doença. Uma palavra chamou a atenção no artigo "evocar". A evocação é um ritual onde é chamado um ser dos mundos superiores ou inferiores para que tome posse de algum objeto ou de indivíduos em transe ou êxtase.  Muito usado na antiguidade em cerimoniais de iniciação aos mistérios ocultos e hoje vulgarizado com propósito de propaganda e espetáculo de fé e demonização. Passando a ideia de poder e operador de milagre que o condutor da cena encarna como mágico e homem de Deus. "Freud considerava que essa questão sobrenatural entre deuses e demônios era resultado da ambivalência do filho para com seu pai. O pai da psicanálise entendia que as representações mentais do demônio maligno, constituíam exatamente a antítese de Deus, e que a entidade oposta estava muito perto do divino em sua natureza. Uma coisa não se pode negar é que a guerra entre deuses e demônios vem se travando nas mentes dos religiosos fundamentalistas desde épocas remotas. Com a descoberta do inconsciente ficou claro que esses deuses e demônios que os antigos percebiam nada mais são que produtos da psique humana, traduzidas por eles como forças externas personificadas no mal e bem". A psicanálise passa a ideia de que os demônios são instintivos a nosso inconsciente e estarão sempre conosco como representação do mal em oposição ao bem que precisa ser apreciado e experimentado. Assim devemos aprender a lidar com eles (demônios interiores) adestrando-os e domesticando-os, pois o expediente do exorcismo é inútil nesse contexto de pulsação onde mente e corpo devem estar interligados e trabalhando para o bem do organismo físico e psíquico. Freud quando postulava seus primeiros conceitos tem um texto chamado: A Análise Terminável e a Análise Interminável onde discorre sobre a singularidade que cada indivíduo tem no processo da análise clínica, sendo percebido que o universo do psiquismo humano é abissal e o inconsciente individual e coletivo dão forma a esse micro cosmo. Esses conceitos estão em outro livro seu chamado Totem e Tabu onde ele nos alerta com relação a obscura percepção interior do nosso eu, nossos pensamentos projetados no exterior visando o futuro. Elementos tais como imoralidade, castigo, vida após a morte são reflexos do interior profundo do nosso psiquismo sendo exteriorizados nos campos religiosos e relacionais da vida. Os homens reunidos em bandos obedecem pela força, a um pai violento, ciumento, que guarda para si, e expulsa seus filhos a medida que crescem. Prevalecendo a lei do mais forte não havendo laço afetivo. Esses filhos se revoltam e unidos exterminam o "dominador", ou seja, "o pai". Ele faz uma significativa contribuição a antropologia social remontando a origem das instituições sociais e culturais. Relata os ritos dos primitivos fazendo uma breve comparação com a neurose, que está relativamente ligado ao totemismo em relação ao desejo do seu significado original nos mitos e nos costumes dos povos. Diz Freud nesse livro: "A psicanálise dos seres humanos de per si, contudo, ensina-nos com insistência muito especial que o deus de cada um deles é formado a semelhança do pai, que a relação pessoal com Deus depende da relação com o pai em carne e osso. Oscilando e modificando de acordo com essa relação e que, no fundo, Deus nada mais é que um Pai glorificado". Reconheceu a incongruência de juntar religião e psicanálise, sendo a mesma coisa que associar água e óleo e dizer que é uma mistura homogênea onde as duas "substâncias" são visivelmente reconhecidas como sendo heterogêneas. Assim a análise em muitos casos é infindável, pois os humanos são um abismo sem fim, vivendo num nada e num vazio repletos de conteúdos simbólicos, imaginários e intuitivos. Freud deve ter recordado do texto no Talmud Judaico correspondente a Eclesiastes "Ele fez tudo apropriado a seus tempo. Também pôs no coração do homem o anseio pela eternidade, mesmo assim este não consegue compreender inteiramente o que Deus fez". Perceba que a psicanálise "vendida" pelos evangélicos está baseada nas crendices religiosas e barganhas espirituais, nas vitrines dos shopping center (templos) e prateleiras dos consultórios pastorais como mercadoria de consumo  para a saúde espiritual e psíquica do cristão. A meu ver um modismo que a elite evangélica está implantando para distrair os fieis com mais um artifício de dominação e repressão dos instintos conscientes de liberdade e opinião que individualizam o ser. Enquanto estas manobras "políticas" continuarem os crentes permanecem reféns de credos e dogmas que os torturam e impossibilitam de viveram suas realidades. Abraço. Davi.            

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