segunda-feira, 1 de abril de 2024

INTRODUÇÃO

 

O Livro das Religiões – INTRODUÇÃO. Não existe uma definição simples de religião que expresse todas as suas dimensões. Abrangendo elementos espirituais e sociais, é um fenômeno que aparece em todas as culturas, desde a Pré-história até os dias atuais, conforme evidenciado nas pinturas das cavernas, nos costumes funerários de nossos ancestrais distantes e na contínua busca por um objetivo espiritual na vida. No período Paleolítico e em grande parte da história humana, a religião serviu como forma de compreender os fenômenos naturais e exercer influência sobre eles. Assuntos como tempo, estações, vida, morte, criação, vida após a morte e a estrutura do cosmos estavam sujeitas a explicações religiosas que evocavam deuses controladores ou um plano da realidade fora do âmbito visível, habitado por divindades e criaturas místicas. A religião era um modo de se comunicar com esses deuses por meio de rituais e rezas, e essas práticas, quando compartilhadas por membros de uma comunidade, ajudaram a consolidar grupos sociais, reforçar hierarquias e criar um sentido de identidade coletiva. Quando as sociedades se tornaram mais complexas, os sistemas de crenças acompanharam essa evolução, e a religião passou a ser usada, cada vez mais, como ferramenta política. Conquistas militares costumavam preceder a assimilação do panteão dos derrotados por parte dos vencedores, reinados e impérios eram apoiados por suas deidades e classes sacerdotais. 1. Um deus pessoal. A religião atendia a grande parte das necessidades dos primeiros povos, oferecendo modelos para organizar a vida – por meio de ritos, rituais e tabus – além de servir como base para a compreensão de seu lugar no mundo. Poderia a religião, portanto, ser explicada como um mero artefato social? Muitos afirmam que é muito mais que isso. Ao longo dos séculos, as pessoas desafiaram posições contrárias à sua fé, sofrendo perseguição e morte para defender o direito de cultuar seus deuses. E até hoje, numa era mais materialista do que nunca, mais de três quartos da população mundial admite possuir algum tipo de credo religioso. Pelo que se vê, a religião é uma parte necessária da existência humana, tão importante para a vida quanto a própria linguagem. Seja como experiência pessoal – a consciência interna do divino – ou como forma de encontrar significado e sentido na vida e servir como ponto de partida para qualquer empreendimento. A religião parece ser fundamental tanto no nível pessoal quanto no social. 2. Primórdios. Sabemos sobre as religiões das primeiras sociedades pelas relíquias deixadas e pela história de civilizações recentes. Além disso, algumas tribos isoladas em lugares remotos, como a floresta amazônica na América do Sul, as ilhas indonésias e parte da África, ainda praticam religiões aparentemente inalteradas há milênios. Os praticantes dessas religiões ancestrais, de um modo geral, creem na união entre a natureza e o espírito, vinculando inextricavelmente o indivíduo a seu meio. Homero: “Todo homem tem necessidade de deuses”. Com a evolução das primeiras religiões, suas cerimônias e sua cosmologia se tornaram cada vez mais sofisticadas. As religiões primitivas dos povos nômades e seminômades da Pré-história deram lugar às religiões das civilizações antigas, e posteriormente, das civilizações clássicas. Seus credos são vistos com certo desprezo hoje em dia, considerados “mitologia”. Mas muitos elementos dessas tradições narrativas milenares permanecem presentes nos credos atuais. Religiões foram adaptadas, antigos credos foram absorvidos pela religião da sociedade que as sucedeu e novos credos surgiram, com diferentes observâncias e rituais. 3. Do antigo para o moderno. É difícil precisar o momento em que muitas religiões começaram, sobretudo porque suas raízes estão na Pré-história e as fontes que descrevem suas origens datam de períodos muito menos remotos. No entanto, a religião considerada como a mais antiga ainda existente é o hinduísmo, com raízes nas religiões tradicionais do subcontinente indiano e compilada nos escritos dos Vedas, do século XIII a.C. Dessa tradição védica vieram não somente a religião pluralista que conhecemos hoje como hinduísmo, mas o jainismo, o budismo e, mas tarde, o sikhismo, no século XV. Enquanto isso, outros sistemas de crenças se desenvolveram no Oriente. A partir do século XVII a.C. as dinastias chinesas estabeleceram seus estados e impérios. Onde surgiram religiões populares e uma devoção ancestral, que mais tarde foi incorporada nos sistemas de crença mais filosóficos do taoísmo e do confucionismo. No Mediterrâneo Oriental, religiões egípcias e babilônicas ainda eram praticadas quando as novas cidades-estados da Grécia e de Roma desenvolveram suas próprias mitologias e seus panteões. Mais para o Leste, o zoroastrismo – a primeira grande religião monoteísta conhecida – já havia se estabelecido na Pérsia, e o judaísmo surgiu como a primeira religião abraâmica, seguido pelo cristianismo e pelo islamismo. Muitas religiões reconhecem a importância específica de um ou mais indivíduos com fundadores de seu credo. Como personificação de Deus – Jesus e Krishna – ou receptor de uma revelação divina especial – Moisés e Maomé ou Mohamad. As religiões do mundo moderno continuaram a evoluir junto com os avanços da sociedade, mesmo com certa relutância, e geralmente se ramificaram. Algumas religiões aparentemente novas despontaram, sobretudo nos séculos XIX e XX, mas com características evidentes de credos anteriores. 4. Elementos da religião. A história humana testemunhou a ascensão e a queda de inúmeras religiões, cada uma com seus próprios credos, rituais e mitologia. Embora algumas sejam similares e consideradas ramificações de uma tradição maior, existem muitos sistemas de crenças conflitantes e contraditórios. Issac Thomas Hecker (1819-1888) padre católico  “Não há sentido em disfarçar o fato de que nossas necessidades são as mais profundas. Não teremos paz enquanto elas não forem atendidas”. Algumas religiões, por exemplo, têm uma série de deuses, enquanto outras, especialmente as mais modernas, são monoteístas, e existem grandes diferenças de opiniões entre as religiões no tocante a questões como vida após a morte. Podemos, contudo, identificar certos elementos comuns a quase todas as religiões, de modo a examinar semelhanças e diferenças entre elas. Esses elementos – a maneira como os credos e as práticas de uma religião se manifesta – são o que o escritor e filósofo britânico Ninian Smart (1927-2001), especializado em religiões, chamou de “dimensões da religião”. Talvez os elementos mais óbvios para identificar e comparar religiões sejam as observâncias do credo, incluindo rezas, peregrinações, meditação, jejum, vestimenta e, claro, cerimonias e rituais. Outro ponto a considerar são os aspectos físicos, artefatos, relíquias, lugares de adoração e locais sagrados. Há também um aspecto mais subjetivo os elementos místicos e emocionais e como um observante vivencia a religião para alcançar o nirvana. A iluminação ou a paz interior, por exemplo, ou ainda para estabelecer um relacionamento pessoal com o divino. Outras características da maioria das religiões são os mitos fundadores ou narrativas que as acompanham. Isso pode ser uma simples tradição oral de histórias ou um conjunto mais sofisticado de escrituras. Todavia, em geral, inclui a história da criação e os relatos de deuses, santos ou profetas, com parábolas que ilustram e reforçam seu credo. Toda religião existente possui um conjunto de textos sagrados que expressam suas ideias centrais e narram a história da tradição. Esses textos, que em muitos casos se acredita que tenham sido passados diretamente por uma divindade, são utilizados nos rituais e na educação religiosa. Em muitas religiões, além dessa narrativa, há um elemento mais sofisticado e sistemático que explica sua filosofia e doutrina, expondo uma teologia singular. Alguns desses textos secundários acabaram adquirindo status de cânones. George Santayana filósofo espanhol (1863-1952) “A religião que um homem terá é um acidente histórico, tanto quanto o idioma que falará”. É comum haver também um elemento ético, com regras de conduta e tabus, e um elemento social que define as instituições da religião e da sociedade em que ela está inserida. Essas regras costumam ser concisas – os Dez Mandamentos do judaísmo e cristianismo. Ou o Nobre Caminho Óctuplo do budismo, por exemplo. 5. Religião e moralidade. A ideia de bem e mal também é fundamental em muitas crenças, e a religião normalmente tem a função de fornecer orientação moral à sociedade. A definição do que constitui uma “vida boa” difere na maior parte das grandes religiões – e a linha divisória entre filosofia moral e religião – é bastante tênue em sistemas de crenças como o confucionismo e o budismo. Porém existem certos códigos morais básicos que são quase universais. Tabus, mandamentos e outros preceitos religiosos, além de garantir que a vontade de Deus ou dos deuses seja obedecida. Isso forma um modelo social e legal que possibilita a convivência pacífica. A liderança espiritual, que em muitas religiões era atribuída a profetas com inspiração divina, passou para a classe sacerdotal. Esse regime se tornou parte essencial para muitos credos, em alguns casos com grande influência política. 6. Morte e vida após a morte. A maioria das religiões aborda a questão da morte, a principal preocupação da humanidade, com a promessa de algum tipo de existência após a morte. Nas tradições orientais, como o hinduísmo, acredita-se que a alma reencarne após a morte, assumindo uma nova forma física. Enquanto outras religiões afirmam que a alma é julgada e vai para um céu ou inferno não físico. O objetivo de se libertar do ciclo de morte e renascimento ou atingir a imortalidade motiva os seguidores religiosos a seguir as regras de sua fé. 7. Conflito e história. Assim como as religiões criaram coesão nas sociedades, elas também foram fontes – ou propagadoras – de muitos conflitos. Albert Einstein (1879-1955) “Todas as religiões são ramificações da mesma árvore”. Apesar de todas as grandes tradições sustentarem que a paz é uma virtude essencial, elas fazem uso de força em certas circunstâncias, por exemplo, para defender seu credo ou aumentar seu poderio. A religião serviu como pretexto para a hostilidade entre poderes ao longo da história. Embora a tolerância também seja considerada uma virtude, muitos foram perseguidos por suas crenças, e a religião serviu como subterfúgio para genocídios consumados, como o Holocausto nazista. 8. Desafio à fé. Em face dos aspectos negativos da crença religiosa e respaldados pelas ideias da filosofia humanista, inúmeros pensadores questionaram a própria validade da religião. As religiões, argumentaram eles, são cosmologias lógicas e coerentes baseadas na razão, não na fé. De fato, as religiões tornaram-se irrelevantes no mundo moderno. Novas filosofias, como o marxismo-leninismo, consideraram as religiões como uma força negativa no desenvolvimento humano. Dando origem a estados comunistas, explicitamente ateístas e antirreligiosos. 9. Novas orientações. Em resposta a mudanças sociais e avanços científicos, algumas religiões antigas fizeram adaptações em seu modelo ou se ramificaram. Outras rechaçaram convictamente o que consideram um progresso herético em um mundo cada vez mais racional, materialista e ímpio. Movimentos fundamentalistas cristãos, islâmicos e judaicos, ganharam muitos adeptos, que rejeitam os valores liberais do mundo moderno. Ao mesmo tempo, muitas pessoas, reconhecendo uma falta de espiritualidade na sociedade moderna, voltaram-se para as denominações carismáticas das grandes religiões. Ou para os diversos novos movimentos religiosos que surgiram nos últimos duzentos anos. Outras, influenciadas pelo movimento da Nova Era do final do século XX, redescobriram antigos credos ou procuraram o exotismo das religiões tradicionais sem conexão com o mundo atual. Não obstante, as grandes religiões continuam crescendo, e, até hoje, pouquíssimos países podem ser considerados sociedades realmente seculares. Abraço. Davi.

 

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