O Livro das Religiões – INTRODUÇÃO.
Não existe uma definição simples de religião que expresse todas as suas
dimensões. Abrangendo elementos espirituais e sociais, é um fenômeno que
aparece em todas as culturas, desde a Pré-história até os dias atuais, conforme
evidenciado nas pinturas das cavernas, nos costumes funerários de nossos
ancestrais distantes e na contínua busca por um objetivo espiritual na vida. No
período Paleolítico e em grande parte da história humana, a religião serviu
como forma de compreender os fenômenos naturais e exercer influência sobre
eles. Assuntos como tempo, estações, vida, morte, criação, vida após a morte e
a estrutura do cosmos estavam sujeitas a explicações religiosas que evocavam
deuses controladores ou um plano da realidade fora do âmbito visível, habitado
por divindades e criaturas místicas. A religião era um modo de se comunicar com
esses deuses por meio de rituais e rezas, e essas práticas, quando
compartilhadas por membros de uma comunidade, ajudaram a consolidar grupos
sociais, reforçar hierarquias e criar um sentido de identidade coletiva. Quando
as sociedades se tornaram mais complexas, os sistemas de crenças acompanharam
essa evolução, e a religião passou a ser usada, cada vez mais, como ferramenta
política. Conquistas militares costumavam preceder a assimilação do panteão dos
derrotados por parte dos vencedores, reinados e impérios eram apoiados por suas
deidades e classes sacerdotais. 1. Um deus pessoal. A religião atendia a grande
parte das necessidades dos primeiros povos, oferecendo modelos para organizar a
vida – por meio de ritos, rituais e tabus – além de servir como base para a
compreensão de seu lugar no mundo. Poderia a religião, portanto, ser explicada
como um mero artefato social? Muitos afirmam que é muito mais que isso. Ao
longo dos séculos, as pessoas desafiaram posições contrárias à sua fé, sofrendo
perseguição e morte para defender o direito de cultuar seus deuses. E até hoje,
numa era mais materialista do que nunca, mais de três quartos da população
mundial admite possuir algum tipo de credo religioso. Pelo que se vê, a
religião é uma parte necessária da existência humana, tão importante para a
vida quanto a própria linguagem. Seja como experiência pessoal – a consciência
interna do divino – ou como forma de encontrar significado e sentido na vida e
servir como ponto de partida para qualquer empreendimento. A religião parece
ser fundamental tanto no nível pessoal quanto no social. 2. Primórdios. Sabemos
sobre as religiões das primeiras sociedades pelas relíquias deixadas e pela história
de civilizações recentes. Além disso, algumas tribos isoladas em lugares
remotos, como a floresta amazônica na América do Sul, as ilhas indonésias e
parte da África, ainda praticam religiões aparentemente inalteradas há
milênios. Os praticantes dessas religiões ancestrais, de um modo geral, creem
na união entre a natureza e o espírito, vinculando inextricavelmente o
indivíduo a seu meio. Homero: “Todo homem tem necessidade de deuses”. Com a
evolução das primeiras religiões, suas cerimônias e sua cosmologia se tornaram
cada vez mais sofisticadas. As religiões primitivas dos povos nômades e
seminômades da Pré-história deram lugar às religiões das civilizações antigas,
e posteriormente, das civilizações clássicas. Seus credos são vistos com certo
desprezo hoje em dia, considerados “mitologia”. Mas muitos elementos dessas
tradições narrativas milenares permanecem presentes nos credos atuais.
Religiões foram adaptadas, antigos credos foram absorvidos pela religião da
sociedade que as sucedeu e novos credos surgiram, com diferentes observâncias e
rituais. 3. Do antigo para o moderno. É difícil precisar o momento em que
muitas religiões começaram, sobretudo porque suas raízes estão na Pré-história
e as fontes que descrevem suas origens datam de períodos muito menos remotos.
No entanto, a religião considerada como a mais antiga ainda existente é o
hinduísmo, com raízes nas religiões tradicionais do subcontinente indiano e
compilada nos escritos dos Vedas, do século XIII a.C. Dessa tradição védica
vieram não somente a religião pluralista que conhecemos hoje como hinduísmo,
mas o jainismo, o budismo e, mas tarde, o sikhismo, no século XV. Enquanto
isso, outros sistemas de crenças se desenvolveram no Oriente. A partir do
século XVII a.C. as dinastias chinesas estabeleceram seus estados e impérios.
Onde surgiram religiões populares e uma devoção ancestral, que mais tarde foi
incorporada nos sistemas de crença mais filosóficos do taoísmo e do
confucionismo. No Mediterrâneo Oriental, religiões egípcias e babilônicas ainda
eram praticadas quando as novas cidades-estados da Grécia e de Roma
desenvolveram suas próprias mitologias e seus panteões. Mais para o Leste, o
zoroastrismo – a primeira grande religião monoteísta conhecida – já havia se
estabelecido na Pérsia, e o judaísmo surgiu como a primeira religião abraâmica,
seguido pelo cristianismo e pelo islamismo. Muitas religiões reconhecem a
importância específica de um ou mais indivíduos com fundadores de seu credo.
Como personificação de Deus – Jesus e Krishna – ou receptor de uma revelação
divina especial – Moisés e Maomé ou Mohamad. As religiões do mundo moderno
continuaram a evoluir junto com os avanços da sociedade, mesmo com certa
relutância, e geralmente se ramificaram. Algumas religiões aparentemente novas
despontaram, sobretudo nos séculos XIX e XX, mas com características evidentes
de credos anteriores. 4. Elementos da religião. A história humana testemunhou a
ascensão e a queda de inúmeras religiões, cada uma com seus próprios credos,
rituais e mitologia. Embora algumas sejam similares e consideradas ramificações
de uma tradição maior, existem muitos sistemas de crenças conflitantes e
contraditórios. Issac Thomas Hecker (1819-1888) padre católico “Não há sentido em disfarçar o fato de que
nossas necessidades são as mais profundas. Não teremos paz enquanto elas não
forem atendidas”. Algumas religiões, por exemplo, têm uma série de deuses,
enquanto outras, especialmente as mais modernas, são monoteístas, e existem
grandes diferenças de opiniões entre as religiões no tocante a questões como
vida após a morte. Podemos, contudo, identificar certos elementos comuns a
quase todas as religiões, de modo a examinar semelhanças e diferenças entre
elas. Esses elementos – a maneira como os credos e as práticas de uma religião
se manifesta – são o que o escritor e filósofo britânico Ninian Smart
(1927-2001), especializado em religiões, chamou de “dimensões da religião”.
Talvez os elementos mais óbvios para identificar e comparar religiões sejam as
observâncias do credo, incluindo rezas, peregrinações, meditação, jejum,
vestimenta e, claro, cerimonias e rituais. Outro ponto a considerar são os
aspectos físicos, artefatos, relíquias, lugares de adoração e locais sagrados.
Há também um aspecto mais subjetivo os elementos místicos e emocionais e como
um observante vivencia a religião para alcançar o nirvana. A iluminação ou a
paz interior, por exemplo, ou ainda para estabelecer um relacionamento pessoal
com o divino. Outras características da maioria das religiões são os mitos fundadores
ou narrativas que as acompanham. Isso pode ser uma simples tradição oral de
histórias ou um conjunto mais sofisticado de escrituras. Todavia, em geral,
inclui a história da criação e os relatos de deuses, santos ou profetas, com
parábolas que ilustram e reforçam seu credo. Toda religião existente possui um
conjunto de textos sagrados que expressam suas ideias centrais e narram a
história da tradição. Esses textos, que em muitos casos se acredita que tenham
sido passados diretamente por uma divindade, são utilizados nos rituais e na
educação religiosa. Em muitas religiões, além dessa narrativa, há um elemento
mais sofisticado e sistemático que explica sua filosofia e doutrina, expondo
uma teologia singular. Alguns desses textos secundários acabaram adquirindo
status de cânones. George Santayana filósofo espanhol (1863-1952) “A religião
que um homem terá é um acidente histórico, tanto quanto o idioma que falará”. É
comum haver também um elemento ético, com regras de conduta e tabus, e um
elemento social que define as instituições da religião e da sociedade em que
ela está inserida. Essas regras costumam ser concisas – os Dez Mandamentos do
judaísmo e cristianismo. Ou o Nobre Caminho Óctuplo do budismo, por exemplo. 5.
Religião e moralidade. A ideia de bem e mal também é fundamental em muitas
crenças, e a religião normalmente tem a função de fornecer orientação moral à
sociedade. A definição do que constitui uma “vida boa” difere na maior parte
das grandes religiões – e a linha divisória entre filosofia moral e religião –
é bastante tênue em sistemas de crenças como o confucionismo e o budismo. Porém
existem certos códigos morais básicos que são quase universais. Tabus,
mandamentos e outros preceitos religiosos, além de garantir que a vontade de
Deus ou dos deuses seja obedecida. Isso forma um modelo social e legal que
possibilita a convivência pacífica. A liderança espiritual, que em muitas
religiões era atribuída a profetas com inspiração divina, passou para a classe
sacerdotal. Esse regime se tornou parte essencial para muitos credos, em alguns
casos com grande influência política. 6. Morte e vida após a morte. A maioria
das religiões aborda a questão da morte, a principal preocupação da humanidade,
com a promessa de algum tipo de existência após a morte. Nas tradições
orientais, como o hinduísmo, acredita-se que a alma reencarne após a morte,
assumindo uma nova forma física. Enquanto outras religiões afirmam que a alma é
julgada e vai para um céu ou inferno não físico. O objetivo de se libertar do
ciclo de morte e renascimento ou atingir a imortalidade motiva os seguidores
religiosos a seguir as regras de sua fé. 7. Conflito e história. Assim como as
religiões criaram coesão nas sociedades, elas também foram fontes – ou
propagadoras – de muitos conflitos. Albert Einstein (1879-1955) “Todas as
religiões são ramificações da mesma árvore”. Apesar de todas as grandes
tradições sustentarem que a paz é uma virtude essencial, elas fazem uso de
força em certas circunstâncias, por exemplo, para defender seu credo ou aumentar
seu poderio. A religião serviu como pretexto para a hostilidade entre poderes
ao longo da história. Embora a tolerância também seja considerada uma virtude,
muitos foram perseguidos por suas crenças, e a religião serviu como subterfúgio
para genocídios consumados, como o Holocausto nazista. 8. Desafio à fé. Em face
dos aspectos negativos da crença religiosa e respaldados pelas ideias da
filosofia humanista, inúmeros pensadores questionaram a própria validade da
religião. As religiões, argumentaram eles, são cosmologias lógicas e coerentes
baseadas na razão, não na fé. De fato, as religiões tornaram-se irrelevantes no
mundo moderno. Novas filosofias, como o marxismo-leninismo, consideraram as
religiões como uma força negativa no desenvolvimento humano. Dando origem a
estados comunistas, explicitamente ateístas e antirreligiosos. 9. Novas
orientações. Em resposta a mudanças sociais e avanços científicos, algumas
religiões antigas fizeram adaptações em seu modelo ou se ramificaram. Outras
rechaçaram convictamente o que consideram um progresso herético em um mundo
cada vez mais racional, materialista e ímpio. Movimentos fundamentalistas
cristãos, islâmicos e judaicos, ganharam muitos adeptos, que rejeitam os
valores liberais do mundo moderno. Ao mesmo tempo, muitas pessoas, reconhecendo
uma falta de espiritualidade na sociedade moderna, voltaram-se para as
denominações carismáticas das grandes religiões. Ou para os diversos novos
movimentos religiosos que surgiram nos últimos duzentos anos. Outras, influenciadas
pelo movimento da Nova Era do final do século XX, redescobriram antigos credos
ou procuraram o exotismo das religiões tradicionais sem conexão com o mundo
atual. Não obstante, as grandes religiões continuam crescendo, e, até hoje,
pouquíssimos países podem ser considerados sociedades realmente seculares.
Abraço. Davi.
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