sexta-feira, 19 de abril de 2024

O CONCEITO DE DEUS PARA JUDEUS E CRISTÃOS. Parte II

 

Judaísmo. Livro Judaísmo e Cristianismo. As Diferenças. Por Trude Weiss Rosmarin (1908-1989). Capítulo I. O CONCEITO DE DEUS PARA JUDEUS E CRISTÃOS. Parte II. A crença num Deus pessoal está calcada na convicção de que o Eterno do universo, apesar de inimaginavelmente superior e elevado acima do ser humano, está, entretanto, próximo e é acessível a ele. Essa crença, não depende da suposição de que Deus seja uma pessoa ou possuidor das características e traços geralmente associados ao ser humano. Simplesmente implica, conforme os rabinos afirmam, que “apesar de Ele ser exaltado, acima de seu mundo, mesmo quando o homem adentra na Casa de Oração, permanece por trás de uma coluna e ora sussurrando, o Santíssimo – abençoado seja Ele – ouvirá essa prece (...). Pois Deus está tão próximo de suas criaturas quanto a boca do ouvido”. Tal visão naturalmente inspirou a conclusão reconfortante dos sábios de que Deus, ao proclamar os Dez Mandamentos, apresentou-se como “teu Deus”, empregando a forma singular, com o intuito de ensinar que Ele é o Deus de cada homem, mulher e criança”. Essa consciência e certeza da proximidade de Deus para com todos aqueles que o buscam, apesar de sua incomensurável distância de qualquer atributo ou faculdade que possa ser compreendida pelo intelecto humano. Não foi necessário para o judaísmo humanizar Deus com o intuito de trazê-lo mais próximo â alma e suas necessidades humanas. O judaísmo, portanto, não necessita da segurança e do conforto que o cristianismo encontra na doutrina da encarnação de Deus em Jesus. Ao contrário, essa doutrina parece ao judeu ser uma infração e uma diminuição da incomparável Unicidade e Unidade de Deus. Num recente e respeitável estudo sobre o cristianismo, encontramos a seguinte definição: “O cristianismo é um monoteísmo ético-pessoal> o Supremo é espírito, é pessoa, é um é bom”. Tal conceito de Deus é diametralmente oposto aquele que o judaísmo aceita. Assim o judaísmo é um monoteísmo ético não baseado em uma pessoa: o Supremo é o espírito, mas não uma pessoa. Ele é um, mas o mistério dessa Unicidade é incomensurável. Não obstante – e disso os judeus sempre tiveram certeza – é indivisível em três partes mesmo sendo todas partes do um, conforme prega o cristianismo. O monoteísmo judaico não é somente a negação dos vários deuses, mas também a rejeição da personificação de Deus por um lado e da deificação dos seres humanos por outro. O judaísmo se recusa a adorar Jesus, não somente devido ao seu repúdio à doutrina da encarnação, da crença que Deus se tornou uma pessoa. Mas também devido a sua resistência a toda e qualquer tentativa de atribuir qualidades e honrar divinas a meros mortais. Já foi ressaltado que o abismo que separa o judaísmo do catolicismo é mais amplo e mais profundo que o que existe entre o judaísmo e o protestantismo. Porém esse último aboliu vários conceitos e práticas helenistas que a Igreja antiga adotava. É importante entender, todavia, que as diferenças entre judaísmo e protestantismo são menos pronunciadas somente em quantidade e não em qualidade. Pode-se notar prontamente este aspecto ao se examinar a atitude dos católicos e protestantes na adoração de pessoas. O catolicismo adora pessoas e suas imagens. Contudo, enquanto o catolicismo venera, além de Jesus, uma grande e crescente galeria de santos e suas relíquias. Além de devotar um culto especial a adoração da “Mãe de Deus”, o protestantismo adora somente o Jesus Triuno, além do “Pai”. O judaísmo, contudo, sumariamente rejeita a adoração de pessoas, independentemente de ser uma ou várias, e assim não é menos incompatível como protestantismo do que com o catolicismo. Todavia, é inútil especular se o judaísmo está mais próximo do protestantismo ou do catolicismo.  De fato, ele é afastado dos dois, sendo que qualquer distância menor que o separe do protestantismo é insignificante. Poderemos melhor compreender esse aspecto ao examinar atentamente a postura tradicional judaica com relação a deificação de mortais. Antes disso, não obstante, façamos urna pausa para provar as diferenças entre as posturas judaica e cristã com relação a adoração de imagens. O judaísmo, por tempos e tempos, tem sido ilimitadamente fiel a cada letra do segundo mandamento, que proíbe a elaboração de imagens, e não somente sua adoração, apesar de alguns judeus ocasionalmente terem transgredido essa lei. O cristianismo tem sido menos severo na aplicação desse mandamento. O catolicismo, especialmente,  tem feito concessões consideráveis para aquecer conceitos, concessões estas que o protestantismo não faz. Como a que permite aos católicos orarem não somente defronte o crucifixo, mas também em frente às imagens da “Mãe de Deus” e de santos. Contudo o protestantismo, mesmo tendo extinguido todas as imagens e estátuas com exceção do crucifixo, não se aproxima do judaísmo, em qualidade, uma vez que, este rejeita o pensamento de rezar diante de qualquer objeto, independentemente de seu significado simbólico. Para demostrar a aversão a qualquer símbolo material de veneração, os antigos tanaítas judeus já haviam interpretado alegoricamente o incidente da “serpente abrasadora”, registrado no Pentateuco. Quando o povo de Israel foi atormentado por serpentes venenosas como castigo pela falta de fé. Deus instruiu Moisés, Números 21,8: “Fazei para si uma serpente abrasadora e põe na sobre uma haste. E acontecerá que todo aquele, olhando para ela, viverá”. Na verdade, essa foi uma aproximação muito perigosa da adoração de imagens. Os rabinos, apesar disso, se apressaram em destacar que essa história é uma alegoria, ”pois pode uma serpente matar, ou manter vivo? Isso se deu simplesmente para mostrar que quando o povo olhou para os Céus e manteve o coração submisso ao Pai do Céus, foram curados; senão estariam perdidos”. A interpretação dos rabinos sobre a história da serpente abrasadora prova o quanto a aversão a adoração de imagens está entranhada no judaísmo. Claro que o judeu é bastante consciente de que os cristãos inteligentes não rezam e adoram o crucifixo, mas sim, o que ele representa. Contudo, ele só pode considerar o papel do crucifixo no ritual cristão como uma ofensa ao segundo mandamento. Que proíbe não somente a adoração de imagens, mas também sua fabricação, o que invariavelmente conduz a pecado mais grave. O judaísmo tem sido singularmente cuidados em manter a Unicidade de Deus. Tem, todavia, veementemente, se recusado a representar essa Unicidade de qualquer forma material ou de conceder a qualquer ser humano a possibilidade de compartilhar dessa Unicidade. O judaísmo é, portanto, zeloso no que diz respeito à manutenção do domínio de Deus e dos limites do ser humano separados. Todavia, desde o início, negou a possibilidade de qualquer pessoa, mesmo a mais perfeita, atingir a perfeição Divinal. No judaísmo, o homem é homem e Deus é Deus, e permanecerá Deus em sua majestade eterna e inigualável. Vale a pena mencionar quão diligentemente todas as fontes judaicas, da Bíblia aos filósofos racionalistas, enfatizam o aspecto de que nenhum mortal atingiu a perfeição Divina. Por esse motivo, Moisés, o outorgador das leis e “mestre dos profetas”, foi representado simplesmente por um homem – mais devoto, claro, e possuidor de uma mente mais aguçada, certamente superior a de qualquer mortal, sendo somente assim somente um homem. Moisés também pecou e foi punido por sua transgressão. Também amava a vida e temia a morte, pois era um homem e não um ser Divino. O judaísmo, atento ao perigo da deificação e ocultada na sombra de uma personalidade tão elevada quanto Moisés, constantemente ressaltava seu caráter humano. “O homem Moisés”. É assim que o Pentateuco se refere a ele. E pelo fato de que o judaísmo pretende mantê-lo como o “homem Moisés”, até mesmo escondeu sua sepultura para que as gerações futuras não viessem a orar e adorá-lo. O Maimônides postulou a fé na verdade da profecia Maimônides – a profecia de Moisés, e não o Moisés homem – como uma das crenças judaicas mais importantes, resumindo o consenso judaico sobre ele mesmo como: “Ele foi o mestre de todos os profetas que o precederam, e os que vieram depois dele foram todos inferiores”. Ainda assim, quando o mais perfeito dos profetas e mestres implorou a Deus, Êxodo 33,18: Rogo-te que me mostres a tua glória”. Deus explicou a ele, citando Maimônides. “Mas isso era impossível já que seu intelecto estava vinculado à matéria – isto é, era um ser humano. Ele (Deus), portanto, disse a ele, Êxodo 33,20 “Não poderás ver minha face, porque o homem não pode ver-me e continuar vivendo”. Em outras palavras, quando Moisés presumiu estar invadindo o eterno enigma do Divino, foi rejeitado e remetido â sua própria esfera – a esfera dos mortais. Moises sempre foi para o judaísmo o que era desde o início: um ser humano. Os judeus não acreditam em Moisés, mas sim, como o Maimônides colocou, na profecia de Moisés, ou seja, em sua mensagem. O Maimônides é bastante explícito ao ressaltar, em outro contexto, que o caráter Divino da revelação da Torá de maneira alguma conferiu divindade a Moisés. Uma vez que, “ao outorgar a Torá, Moisés atuou como um escriba que anota o ditado na sua totalidade (...). É neste sentido que é tido coo portador das leis”. Os resultados desta investigação, superficial quanto ao estudo das características e papel de Moisés, deem ter deixado claro o porquê de o judaísmo se recusar ousadamente a reconhecer Jesus e a divina perfeição atribuída a ele. O judaísmo nunca concedeu honras divinas a qualquer ser humano nascido do ventre de uma mulher. O “homem Moisés” tem sido o lema ao longo do tempo, e assim a religião tem evitado todas as tentativas de entronar qualquer mortal como um deus. Com veemência semelhante, tem recusado a admitir a possibilidade de qualquer pessoa compatibilizar da perfeição de Deus ou a encarnação de Deus em qualquer ser humano. Por esse motivo, na religião judaica não se glorificam pessoas. Nenhuma festa judaica é centrada em pessoas, independentemente do papel que certo indivíduo tenha nos eventos comemorados. Apesar de Moisés ter sido o líder da libertação dos judeus do Egito. Ele não é glorificado na Hagadá, o livro de rezas que rege a celebração do Sêder (ceia) que comemora o Êxodo. Claro que essa omissão não é acidental, mas motivada pela forte tendência de evitar a glorificação de méritos e importância de grandes seres humanos, um tributo, o que poderia facilmente conduzir à adoração de um herói e à deificação de pessoas. Enquanto o judaísmo excluiu rigorosamente qualquer vestígio de adoração a heróis de seus rituais festivos, as festas cristãs, sem exceção, são centradas em pessoas. No protestantismo, em Jesus Triuno, e no catolicismo, além de Jesus, na “Mãe de Deus” e nos vários santos. Esta diferença tem uma implicação consideravelmente maior do que a simples ênfase em pessoas numa religião e a ausência completa desta ênfase na outra. Isso significa que o Judaísmo mantém, em todos os aspectos e incondicionalmente, a pureza inalterada do absoluto monoteísmo, que foi abandonado consideravelmente em todas as formas de cristianismo. Abraço. Davi.

 

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