segunda-feira, 15 de abril de 2024

BUDISMO BÁSICO - Parte I

 

Budismo. Livro A Vida de Compaixão. Por Tenzin Gyatso (1935 - ) O Dalai Lama. BUDISMO BÁSICO – Parte I. Apesar de Acreditar que a compaixão e a afeição humanas sejam valores universais que transcendem as fronteiras da diferença religiosa, o significado da compaixão dentro do budismo está baseado em uma visão de mundo específica, com objetivos e métodos. Essa visão de mundo não expõe apenas o que expliquei anteriormente a respeito dos benefícios da compaixão e dos métodos para desenvolvê-la. Mas também mostra como o desenvolvimento da compaixão é parte integrante do entendimento budista da realidade e do caminho para a iluminação. Assim, pode ser útil fornecer algumas explicações sobre a filosofia budista. As Quatro Nobres Verdades e a Causalidade. Os ensinamentos fundamentais do Buda se baseiam nas quatro nobres verdades. Elas são a base do ensinamento budista. São a verdade do sofrimento, sua origem, a possibilidade da cessação do sofrimento e o caminho que leva a essa cessação. Os ensinamentos das quatro nobres verdades baseiam-se na experiência humana, no centro da qual está a aspiração natural para buscar a felicidade e evitar o sofrimento. A felicidade que desejamos e o sofrimento que afastamos não são aleatórios, mas ocorrem devido a determinadas causas e condições. Entender esse mecanismo causal do sofrimento e da felicidade é o objetivo das quatro nobres verdades. De modo a entender o mecanismo causal por trás de nosso sofrimento e de nossa felicidade, devemos analisar a causalidade com cuidado. Por exemplo, você pode pensar que suas experiências de dor e sofrimento e felicidade ocorrem sem razão – em outras palavras, que não tem causa. Os ensinamentos budistas dizem que isso não é possível. Talvez você pense que uma substância primeva possa estar na origem de todas as coisas. Os ensinamentos budistas rejeitam essa possibilidade também. Usando razões para eliminar essas possibilidades, o budismo conclui que nossas experiências de sofrimento e felicidade não ocorrem por moto próprio nem devido a alguma causa de existência independente. Nem tampouco são o produto de alguma combinação dessas coisas. pelo contrário, o ensinamento budista compreende a causalidade em termos do que chama de originação interdependente. Todas as coisas e acontecimentos, incluindo nossas experiências de sofrimento e felicidade, vêm da reunião de uma multiplicidade de causas e condições. Entendendo o Papel Primário da Mente. Se examinarmos com cuidado o ensinamento das quatro nobres verdades, descobriremos a importância primordial da consciência, ou da mente, na determinação de nossas experiências de sofrimento e felicidade. O ponto de vista budista é que existem diferentes níveis de sofrimento. Por exemplo, há o sofrimento que é óbvio para todos nós, como as experiências dolorosas. Todos podemos reconhecer isso como sofrimento. Um segundo nível de sofrimento inclui o que definimos normalmente como sensações prazerosas. Na realidade, as sensações prazerosas são sofrimentos porque carregam dentro de si a semente da insatisfação. Há também um terceiro nível de sofrimento, que na terminologia budista chama-se sofrimento penetrante do condicionamento. Poder-se-ia dizer que esse terceiro nível de sofrimento é o simples fato de nossa existência como seres não iluminados sujeitos a emoções, pensamentos e ações cármicas negativas. Carma significa ação, e é o que nos mantém presos a um ciclo negativo. Estar preso ao carma dessa maneira é o terceiro tipo de sofrimento. Se você olhar para esses três tipos diferentes de sofrimentos, verá que em última instância estão baseados em estados de espírito. Na verdade, estados de espírito indisciplinados são por si só sofrimento. Se olharmos para a origem do sofrimento nos textos budistas, veremos que, embora leiamos sobre carma e sobre ilusão que motiva a ação cármica, estamos lidando com ações cometidas por um agente. Já que sempre há um motivo por trás de cada ação, o carma também pode ser compreendido em termos de estado de espírito que está indisciplinado. Da mesma forma, quando falamos sobre ilusões que fazem com que uma pessoa aja de modo negativo, elas também são estados de espírito indisciplinados. Portanto, quando os budistas se referem à verdade da origem do sofrimento, estamos falando sobre um estado de espírito indisciplinado e indomado, que obscurece nossa iluminação e que nos faz sofrer. A origem do sofrimento, a causa dele e o sofrimento em si, no final das contas, só podem ser entendidos em termos de estado de espírito. Quando falamos sobre a cessação do sofrimento, estamos falando apenas em relação a um ser vivo, um agente com consciência. Os ensinamentos budistas descrevem a cessação do sofrimento como o estado mais elevado de felicidade. Essa felicidade não deve ser entendida em termos de sensações prazerosas, não estamos falando e felicidade no nível do sentimento ou da sensação. Estamos, isso sim, nos referindo ao nível mais elevado de felicidade: total liberação do sofrimento e da ilusão. Mais uma vez, isso é um estado de espírito, um nível de realização. Por fim, de modo a compreender nossa experiência de sofrimento e dor, e o caminho que leva à cessação – as quatro nobres verdades – temos que entender a natureza da mente. Mente e Nirvana. O processo pelo qual a mente cria o sofrimento no qual vivemos é descrito pelo mestre indiano Chandrakirti (600-650) em seu Guia para o Caminho do Meio, quando afirma: “Um estado de espírito indisciplinado dá origem a ilusões que levam um indivíduo a ações negativas, que em seguida criam o ambiente negativo no qual a pessoa vive”. Para tentar entender a natureza da ausência de sofrimento que os budistas chamam de nirvana, podemos examinar um trecho do célebre Fundamento do Caminho do Meio, de Nagarjuna (século II e III d.C.), onde ele, de algum modo, equilibra a existência não iluminada (samsara) e a existência iluminada (nirvana). O que Nagarjuna explica é que não devemos pensar que existe uma natureza intrínseca, essencial de nossa existência, seja ela iluminada ou não. Do ponto de vista do vazio, ambas são igualmente desprovidas de qualquer tipo de realidade intrínseca. . o que diferencia um estado não iluminado de um iluminado é o conhecimento e a experiência do vazio. O conhecimento e a experiência do vazio do samsara por si só é o nirvana. A diferença entre samsara e nirvana é um estado de espírito. Assim, levando isso em conta, é legítimo perguntar: o budismo está sugerindo que tudo nada mais é do que a projeção da nossa mente? Essa é uma questão crítica que suscitou diferentes respostas de professores budistas ao longo da história do budismo.  Por um lado, grandes mestres argumentaram que, em última análise, tudo, até nossa experiência do sofrimento e da felicidade, nada mais é do que uma projeção de nossa mente. Mas existe outra vertente que argumentou com veemência contra essa forma extrema de subjetivismo. Essa segunda vertente afirma que, embora se possa, em certo sentido, entender tudo, até mesmo as próprias experiências como criações da própria mente, isso não significa que tudo seja apenas na mente. Eles argumentam que é preciso manter um grau de objetividade e acreditar que as coisas de fato existem. Embora essa vertente também afirme que a consciência desempenha um papel na criação de nossa experiência e do mundo, ao mesmo tempo existe um mundo objetivo. Há outra coisa que penso que se deva entender em relação ao conceito budista de nirvana. Nagabuddhi, um aluno de Nagarjuna, afirma que: “A iluminação ou a liberdade espiritual não é uma dádiva que alguém possa lhe dar, nem tampouco a semente da iluminação é algo que pertença a alguma outra pessoa”. O que isso implica é que o potencial para a iluminação existe naturalmente em todos nós. O aluno de Nagarjuna prossegue, perguntando: “O que é o nirvana, o que é a iluminação, o que é a liberdade espiritual’? Em seguida ele responde: “A verdadeira iluminação não é nada até que a natureza do próprio ser seja plenamente realizada”. Essa natureza do próprio ser é o que os budistas chamam de luz clara derradeira ou natureza interna radiante da mente. Quando isso estiver plenamente cumprido ou realizado, isso é a iluminação, isso é a verdadeira budeidade. Podemos ver que, quando falamos de iluminação e nirvana, que são frutos das realizações espirituais de cada um, estamos falando de estado de espírito. Do mesmo modo, quando falamos das ilusões que obstruem nossa realização desse estado iluminado, também estamos nos referindo em particular às ilusões baseadas em uma maneira distorcida de apreender o próprio ser e o mundo. A única maneira de podermos eliminar esse entendimento errado, essa maneira distorcida de apreender o próprio ser e o mundo, é cultivando uma compreensão da verdadeira natureza da mente. Em suma os ensinamentos do Buda identificam, por um lado, um estado de espírito indisciplinado com o sofrimento e, por outro, um estado de espírito disciplinado com a felicidade e a liberdade espiritual. Esse é um ponto essencial. Abraço. Davi.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário