Islamismo. Livro Jesus um
Profeta do Islam. Por Muhammad Ata Ur-Rahim. Capítulo II. Parte I. JESUS NUMA
PERSPECTIVA HISTÓRICA. Parte I. Quanto mais pessoas tentam saber quem foi
realmente Jesus, mais se descobre quão pouco se sabe sobre ele. Há registros
restritos de seus ensinamentos e de algumas de suas ações, mas, além disso,
muito pouco se conhece acerca da maneira como realmente viveu a vida, momento a
momento, como se relacionou diariamente com as outras pessoas. Certamente, as
imagens que muitas pessoas deram de Jesus — de quem era e daquilo que fez — são
distorcidas. Embora haja alguma verdade nos quatro Evangelhos aceitos, sabe-se
que não só têm sido alterados e censurados através dos tempos, como também não
constituem registros de testemunhas oculares. O primeiro Evangelho é o de
Marcos, escrito por volta dos anos 60-70 d.C.. Marcos era o filho da irmã de
São Barnabé. Mateus, por sua vez, era um coletor de impostos, um oficial menor
que não viajava com Jesus. O Evangelho de Lucas também foi escrito muito mais
tarde e teve, de fato, a mesma origem dos anteriores. Lucas era o médico de
Paulo e, tal como Paulo, nunca conheceu Jesus. Por sua vez, o Evangelho de João
tem uma origem diferente e foi escrito ainda mais tarde, por volta do ano 100
d.C. Além disso, esse João não deve ser confundido com João, o discípulo, que
foi outro homem. Aliás, durante dois séculos foi ardentemente debatido, se esse
Evangelho deveria ser aceito como um registro seguro da vida de Jesus e se
poderia ser incluído nas Escrituras. A descoberta dos famosos Pergaminhos do
Mar Morto veio lançar uma nova luz acerca da natureza da sociedade em que Jesus
nasceu. O Evangelho de Barnabé cobre, mais extensamente do que os outros, a
vida de Jesus, enquanto o Alcorão e os Ahadice clarificam ainda mais a imagem
real de Jesus. Nós descobrimos que Jesus não era o "filho de Deus" no
sentido literal da palavra, mas, tal como Abraão e Moisés, antes dele e Maomé
(ár. Mohammad) depois dele, era um Mensageiro que, como todos os seres humanos,
necessitava de alimentos e ia ao mercado. Nós descobrimos que Jesus travou,
inevitavelmente, batalhas com outras pessoas, cujos interesses estavam em
conflito com o que ensinava. Pessoas que não aceitavam a orientação que
recebiam ou que, mesmo sabendo da verdadeira, optavam por ignorá-la em favor da
busca do poder, da riqueza e da reputação aos olhos dos homens. Além disso,
descobrimos que a vida de Jesus, na terra, faz parte integrante da história
judaica e, por conseguinte, para perceber a sua história é necessário conhecer
a dos judeus. Ao longo da vida, Jesus foi um Judeu Ortodoxo praticante e chegou
a reafirmar e reviver os ensinamentos originais de Moisés, que tinham sido
alterados através dos anos. Finalmente, descobrimos que não foi Jesus quem foi
crucificado, mas alguém que se parecia com ele. Lentulus, um oficial romano,
descreve Jesus da seguinte forma: «Tinha o cabelo castanho, cor de avelã, liso
até as orelhas e formando caracóis que caiam levemente até os ombros, em anéis
abundantes; usava risco ao meio, segundo a moda dos Nazarenos. A testa era lisa
e clara e a face rosada, sem borbulhas nem sardas, nem defeitos no nariz e nem
na boca. Usava uma barba farta e luxuriante, da mesma cor do cabelo e dividida
ao meio. Os olhos eram dum azul acinzentado com uma capacidade de expressão
variada e fora do vulgar. Tinha altura média, com quinze punhos e meio. Alegre
na seriedade e, por vezes chorava, mas jamais alguém o viu rir». Uma Tradição
Muçulmana, no entanto, traça uma imagem diferente, dando lhe um aspecto
delgado. De acordo com essa fonte: «Era um homem rosado, tendendo ao branco e
não tinha o cabelo comprido. Nunca ungiu a cabeça e costumava andar descalço;
não tinha casa, nem bens, nem roupas, não usava adornos e não levava consigo
provisões, exceto os alimentos necessários ao próprio dia. O seu cabelo era
desgrenhado e o rosto pequeno. Era um asceta neste mundo, esperando
ansiosamente pelo próximo a fim de adorar Deus (àr. Allah)». A data exata do
nascimento de Jesus não é conhecida. De acordo com Lucas, essa data está
associada a um censo efetuado no ano 6 d.C. Mas, por outro lado, é também
afirmado que Jesus nasceu no reinado de Herodes e que esse morreu no ano 4 a.C.
Vicent Taylor, contudo, conclui que a data do nascimento de Jesus pode ter sido
anterior, isto é, no ano 8 a.C.; dado que o decreto de Herodes, desencadeado
pelas notícias do recente ou do eminente nascimento de Jesus, pretendia que
todas as crianças recém-nascidas em Belém fossem mortas, tem que, obviamente,
ter precedido a morte de Herodes. Mesmo se seguirmos Lucas, a discrepância
entre dois versículos no mesmo Evangelho é de dez anos. A maioria dos
comentadores acredita no segundo versículo, que infere que Jesus nasceu no ano
4 a.C., isto é, quatro anos "Antes de Cristo". A miraculosa concepção
e o nascimento de Jesus têm sido igualmente assuntos de muita discussão.
Algumas pessoas creem que ele não era mais do que o filho de carne e osso de
José; enquanto outras, acreditando na imaculada concepção, concluem que ele era
o "filho de Deus", mas permanecem divididas, quanto ao fato de o
tratamento dos termos poder ser feito literal ou figurativamente. Lucas diz o
seguinte: «O Anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma virgem ... e o nome da
virgem era Maria. Ao entrar em sua casa, o Anjo lhe disse: "Salve, ó cheia
de Graça, o Senhor está contigo". Ao ouvir essas palavras, perturbou-se e
inquiriu-se a respeito do significado de tal saudação. Disse-lhe o Anjo:
"Não tenhas receio, Maria, pois achaste graça diante de Deus. Hás de conceber
no teu seio e dar à luz a um filho, ao qual porás o nome de Jesus ... "
Maria disse ao Anjo: "Como será isso, se eu não conheço homem?" E o
Anjo lhe respondeu: "...porque nada é impossível a Deus". Maria
disse, então: “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua
palavra”. E o Anjo se retirou». (Lucas 1: 26-39). O mesmo episódio é descrito
no Alcorão da seguinte forma: “Recorda-te de quando os anjos disseram: Ó Maria,
Deus te elegeu, purificou-te e te preferiu a todas as mulheres da humanidade! Ó
Maria, consagra-te ao Senhor. Prostra-te e ajoelha-te com os que se ajoelham!
Esses são alguns relatos do desconhecido, que te revelamos (ó mensageiro). Tu
não estavas presente com eles (os judeus) quando, com setas, tiravam a sorte
para decidir quem se encarregaria de Maria; tampouco estavas presente quando
estavam a discutir entre si. E quando os anjos disseram: Ó Maria, Deus te
anuncia o Seu Verbo, cujo nome será o Messias, Jesus, filho de Maria, nobre
neste mundo e no outro, que se contará entre os próximos de Deus. Falará aos
homens, ainda no berço, bem como na maturidade e se contará entre os virtuosos.
Perguntou: Ó Senhor meu, como poderei ter um filho, se mortal algum jamais me
tocou? Disse-lhe o anjo: Assim será. Deus cria o que deseja, posto que quando decreta
algo, basta dizer: Seja! E é”. (Alcorão, 3:42-47) Dos quatro Evangelhos, Marcos
e João mantêm silêncio em relação ao nascimento de Jesus e, Mateus, só
casualmente o menciona. Tal como entre Mateus e Lucas, o primeiro indica vinte
e seis pessoas entre Adão e Jesus, ao passo que Lucas tem quarenta e dois nomes
em sua lista. Portanto, há uma discrepância, entre os dois, de dezesseis
pessoas. Se considerarmos os quarenta anos, a idade média de uma pessoa, então,
há uma lacuna de seiscentos e quarenta anos entre os dois registros da suposta
linha da ascendência de Jesus! Contradições desse gênero não existem na
Doutrina do Alcorão, nem quanto à imaculada concepção, nem em relação ao
milagroso nascimento de Jesus. No entanto, o Alcorão rejeita firmemente a Divindade
de Jesus, tal como é mostrado nessa descrição, do que aconteceu pouco depois de
seu nascimento: “Regressou ao seu povo levando-o (o filho) nos braços. E lhe
disseram: Ó Maria, eis que trouxeste algo extraordinário! Ó irmã de Aarão, teu
pai jamais foi um homem do mal, nem tua mãe uma (mulher) sem castidade! Então,
ela lhes indicou que interrogassem o menino. Disseram: Como falaremos a uma
criança que ainda está no berço? Ele lhes disse: Sou o servo de Deus, o Qual me
concedeu o Livro e me designou como profeta. Fez-me abençoado, onde quer que eu
esteja, recomendou-me a oração e o Zakat enquanto eu viver. E me fez gentil com
a minha mãe, não permitindo que eu seja arrogante ou rebelde. A paz está
comigo, desde o dia em que nasci; estará comigo no dia em que eu morrer, bem
como no dia em que eu for ressuscitado. Este é Jesus, filho de Maria; é a pura
verdade, da qual duvidam. É inadmissível que Deus tenha tido um filho.
Glorificado seja! Quando decide uma coisa, basta-lhe dizer: Seja! E é.”
(Alcorão, 19:27-35) O nascimento de Adão foi o maior milagre, uma vez que
nasceu sem pai nem mãe; mas o nascimento de Eva foi um milagre maior do que o
nascimento de Jesus, pois, também, ela nasceu sem uma mãe. O Alcorão diz: “O
exemplo de Jesus, ante Deus, é idêntico ao de Adão, que Ele criou do pó; então
lhe disse: Seja! E foi”. (Alcorão, 3:59) É muito importante examinar a vida de
Jesus, no contexto do que estava acontecendo, no âmbito político e social, na
sociedade em que nasceu, pois era um tempo de grande desassossego no mundo
judaico. Ao longo de sua história, os judeus têm sido espezinhados pelos
invasores, um em seguida do outro, numa série de invasões que serão examinadas,
detalhadamente, mais à frente. Além disso, devido às derrotas e ao abandono
delas resultante, a chama do ódio se manteve sempre ardendo em seus corações.
No entanto, mesmo nos dias de mais negro desespero, grande parte dos judeus
manteve o equilíbrio mental e continuou à espera de um novo Moisés, que viesse,
com seu exército, afastar o invasor e dar início ao Governo de Jeová. Esse
seria o Messias, ou o Anunciado. Sempre existiu uma parte da nação judaica que
idolatrava todas as auroras e desfraldava as velas, qualquer que fosse o vento,
na ocasião, de maneira a tirar o maior proveito, mesmo de um mau negócio. Assim
adquiriam fortuna e posição, tanto temporais, como religiosas, mas eram odiados
pelo restante dos judeus e considerados traidores. Além desses dois grupos,
havia um terceiro agrupamento de judeus que diferia profundamente dos primeiros.
Refugiava-se no deserto, onde podia praticar a religião, de acordo com a Torá e
preparava-se para combater os invasores sempre que a oportunidade surgisse.
Durante este período, os romanos fizeram muitas tentativas falhas para
descobrir o seu esconderijo, mas o número desses patriotas continuou sempre a
crescer. A primeira vez que tivemos conhecimento deles, foi através de Flavius
Josephus (37-100), que apelidava esses três grupos judeus de fariseus, saduceus
e essênios, respectivamente. A existência dos Essênios era conhecida, mas sem
grande pormenor, não sendo mencionada, nem uma vez, nos Evangelhos. Então,
subitamente, os documentos conhecidos como Pergaminhos do Mar Morto vieram a
lume nas montanhas do Jordão, perto do Mar Morto, descoberta que desabou sobre
todo o mundo intelectual e eclesiástico como uma tempestade. A história de como
esses documentos foram encontrados precisa ser contada. Em 1947, um rapaz
árabe, enquanto apascentava o seu rebanho, perto de Qumran, notou que lhe
faltava uma das ovelhas e, como tal, decidiu subir a montanha mais próxima à
procura do animal que lhe faltava. Durante a busca, chegou à boca de uma
caverna onde pensou que a ovelha entrou. Atirou um calhau no interior e esperou
ouvi-lo bater em pedra. Em vez disso, o calhau provocou um estalido como se
tivesse atingido um pote de barro e o rapaz pensou que, talvez, tivesse
tropeçado num tesouro escondido. Na manhã seguinte, voltou à caverna e entrou,
levando um amigo para ajudá-lo. Porém, em vez do tesouro, encontraram alguns
potes de barro entre olaria partida. Levaram um deles ao acampamento onde
viviam, mas ficaram amargamente desapontados ao verem que tudo o que
encontraram foi uma coisa suja e cheirando a pergaminho de couro, que
desenrolaram até chegar de uma ponta à outra da tenda. Era um dos pergaminhos
que, mais tarde, foi vendido por um quarto de milhão de dólares. Os rapazes
venderam-no a um cristão sírio, chamado Kando, por alguns xelins. Kando era um
sapateiro e estava apenas interessado na pele, que lhe poderia servir para
reparar sapatos velhos. No entanto, o sapateiro reparou que a folha de couro
tinha letras escritas, que não conhecia. Após uma observação mais minuciosa,
decidiu mostrá-la ao Bispo Primaz Sírio, do Mosteiro de São Marcos, em
Jerusalém e essas duas figuras sombrias carregaram, então, o pergaminho de país
em país, na esperança de ganhar dinheiro. No Instituto Oriental Americano do
Jordão, verificaram que o pergaminho era a mais antiga cópia do Livro de Isaías
do Antigo Testamento. Sete anos depois, o pergaminho foi colocado pelo governo
de Israel no Santuário do Livro em Jerusalém. Numa estimativa incerta, existem
cerca de seiscentas cavernas na encosta sobranceira ao leito do rio. Ora,
nessas cavernas viviam os essênios, uma comunidade de pessoas que tinha
renunciado ao mundo, dado que o verdadeiro judeu podia viver, apenas, sob a
soberania de Jeová e não lhe era permitido obedecer a nenhuma autoridade, além
d’Ele. Portanto, segundo as suas crenças, um judeu vivendo sob outro domínio e
reconhecendo o Imperador Romano como senhor absoluto, cometia um pecado.
Cansados da pompa, do espetáculo do mundo e oprimidos por forças incontroláveis
que conduziam, inevitavelmente, ao conflito e à autodestruição, os essênios
procuraram refúgio no silêncio dos rochedos, que se elevavam às margens do Mar
Morto. Recolhiam-se à solidão das cavernas, nas montanhas, a fim de poderem se
concentrar, levando uma vida de pureza, para conseguirem, assim, ganhar a
salvação. Ao contrário de muitos dos judeus do Templo, não usavam o Antigo
Testamento para ganhar dinheiro, mas tentavam viver segundo seus ensinamentos
e, com isso, esperavam alcançar perfeição e santidade. A sua finalidade era
criar um exemplo que mostrasse, aos restantes judeus, como escapar da estrada
que os levava à destruição e que sabiam aproximar-se rapidamente, a menos que
os judeus seguissem a Palavra de Deus. Escreviam canções gnósticas, o que devia
ter agitado os corações das pessoas, mais profundamente do que as palavras, por
si só, pudessem exprimir. Uma vida gnóstica é como uma embarcação numa
tempestade, diz uma canção. Noutra, um gnóstico é descrito como um viajante
numa floresta cheia de leões, cada um com uma língua afiada como uma espada. No
princípio do caminho, um gnóstico é atormentado pela dor, tal como uma mulher
em trabalho de parto ao dar à luz ao seu primeiro filho, mas, se conseguir
suportar essa dor, torna-se iluminado pela Luz perfeita de Deus. Então,
percebe-se que o homem é uma criatura frívola e vazia, moldado em barro e
amassado com água. Depois de ter passado pelo severo teste do sofrimento, de
ter suportado os limites da dor e do desespero, alcançará a paz na agitação, a
alegria no sofrimento e uma nova vida de felicidade na dor. Então, ficará
envolto no manto do amor de Deus. Nesse ponto, com um humilde reconhecimento,
alcançará o significado do que é ter sido arrebatado de um fosso e colocado num
plano elevado. E, assim iluminado pela Luz de Deus, poderá se manter ereto e
inflexível perante a força bruta do mundo. Antes da descoberta dos Pergaminhos
do Mar Morto, muito pouco se sabia acerca dos Essênios. Abraço. Davi
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