Budismo. Livro A Vida de
Compaixão. Por Tenzin Gyatso (1935 - ) O Dalai Lama. BUDISMO BÁSICO – Parte II.
Pensamento Válido e Inválido. No budismo, mente tem um significado amplo que
abrange todo o espectro da experiência consciente, incluindo todos os pensamentos
e emoções. Um fato natural – suponho que se possa chamá-lo de lei psicológica –
de nossa experiência subjetiva é que dois pensamentos ou emoções diretamente
opostas não podem coexistir ao mesmo tempo. A partir de nossa experiência
cotidiana normal, sabemos que existem pensamentos que podem ser classificados
como válidos e inválidos. Por exemplo, se um determinado pensamento corresponde
a realidade, ou seja, se existe uma correspondência entre um estado de coisa no
mundo e a percepção que temos dele, então se pode chamar isso de pensamento
válido ou de experiência válida. Mas também temos pensamentos e emoções
completamente contrários à maneira como as coisas se apresentam. Em alguns
casos, podem ser formas de exagero, mas em outros podem ser diametralmente
opostos à maneira como as coisas realmente são. Esses pensamentos e emoções
podem ser chamados de inválidos. Os textos budistas, especialmente aqueles que
lidam com os modos de conhecimento, fazem essa distinção entre pensamentos e
emoções válidos e inválidos para discutir a cognição válida e seus resultados.
O que queremos dizer é que, para que um empreendimento seja bem-sucedido e leve
a realização de um objetivo, são necessários pensamentos e emoções válidos. Nos
textos budistas, o alcance de mais alta liberação espiritual é considerado
fruto de pensamentos e emoções válidos. Por exemplo, segundo os ensinamentos
budistas, considera-se que o principal fator que dá origem a iluminação é a
verdadeira percepção da natureza da realidade. Essa percepção da natureza da
realidade é uma maneira válida de conhecer as coisas, tais como a natureza do
mundo. A compaixão, o altruísmo e o bodichita – o espírito de iluminação – são
parte integrante dessa verdadeira percepção da realidade e, assim, baseiam-se
em pensamentos válidos. Embora o altruísmo e a compaixão sejam mais emoções do
que pensamentos cognitivos, o processo que leva à realização da compaixão
universal e do bodichita envolve a comparação de verdades e falsidades.
Portanto, podemos dizer que ser um Buda em si é uma consequência de pensamentos
e emoções válidos. Pelo contrário, podemos ver a experiência não iluminada
(samsara) como produto de modos de experiência inválidos. Por exemplo, segundo
o budismo, a raiz fundamental de nossa existência não iluminada é a ignorância.
A principal característica dessa ignorância é uma percepção distorcida do mundo
e de nós mesmos. Mais uma vez, pensamentos e emoções inválidos, maneiras
inválidas de ver e experimentar as coisas e nós mesmos, são, no final das
contas, a origem de nosso sofrimento e de nossa não iluminação. Em última
análise, pensamentos e emoções válidos estão relacionados com a felicidade e
com a liberdade espiritual. Enquanto pensamentos e emoções inválidos estão
relacionados com o sofrimento e com o estado não iluminado. As Duas Verdades.
Ao treinar a mente, desenvolvemos, intensificamos e aperfeiçoamos pensamentos e
emoções válidos, assim como impedimos, minamos e acabamos por eliminar as
formas inválidas. As múltiplas abordagens do treinamento da mente têm dois
aspectos principais. Um deles é o desenvolvimento da percepção ou da sabedoria,
ou seja, desenvolver essas maneiras válidas de pensar. O outro é o método ou os
meios habilidosos. Esse modo de ver a essência dos ensinamentos do Buda como ensinamentos
sobre conhecimento e sobre método corresponde maravilhosamente a uma observação
de Nagarjuna, quando diz que todos os ensinamentos do Buda devem ser
compreendidos por meio das duas verdades – a verdade convencional e a absoluta.
É preciso entender os ensinamentos essenciais das quatro nobres verdades em
termos dessas duas verdades. No entanto, quando falamos sobre a natureza das
duas verdades, devemos entender que elas não são dois reinos independentes e
sem relação. As várias escolas filosóficas budistas têm entendimentos
diferentes dessas duas verdades. Quando falo sobre elas, meu entendimento está
fundamentado na perspectiva dos pensadores indianos da Escola Madhyamika, com
relação aos quais tenho inclinação particular baseada na admiração. Segundo a
visão Madhynujam a realidade convencional é constituída pela experiência comum
do reino da causa e efeito. Esse é o reino da multiplicidade, no qual vemos
operarem as diversas leis da realidade. Esse nível de realidade é chamado de
verdade convencional porque a verdade de nossa experiência nesse nível é
especifica a uma maneira convencional ou normal de entender o mundo. Se formos
mais além, descobrimos que todas as coisas são o resultado de muitas causas e
condições. A origem das coisas e acontecimentos depende de fatores múltiplos.
Qual a implicação dessa realidade de interdependência? A implicação é que
nenhuma coisa, nenhum acontecimento, incluindo o próprio eu de cada um, possui
uma realidade independente ou intrínseca. Essa ausência de realidade, independente
é chamada de verdade absoluta. A razão pela qual é chamada de verdade absoluta
é que ela não é óbvia para nós, em nosso nível comum de percepção do mundo. É
preciso ir adiante para encontrá-la. Essas duas verdades são, na realidade,
dois lados da mesma coisa – duas perspectivas de um mesmo e único mundo. O
princípio das duas verdades é muito importante porque fala diretamente ao nosso
entendimento da relação entre nossa percepção e a realidade do mundo.
Encontramos na literatura budista indiana inúmeras conversas, debates e
análises sobre como a mente, ou consciência, apreende o mundo. Surgem perguntas
como: Qual a natureza da relação entre nossa experiência subjetiva e o mundo
objetivo? Até que ponto nossas experiências são constituídas pelo mundo que
apreendemos? Penso que a razão pela qual essas questões foram tão intensamente
discutidas no budismo é que sua resposta tem um papel crucial no
desenvolvimento de nossa mente. O Dois Aspectos da Budeidade. A esses dois
níveis de realidade correspondem as duas dimensões do caminho: método e
sabedoria E porque há duas dimensões principais do caminho existem dois
aspectos do estado resultante de budeidade. Um deles é o corpo formal de um
Buda, e o outro é seu corpo verdadeiro, a verdadeira realidade de uma mente
iluminada. O corpo formal é definido como o aspecto de um ser plenamente
iluminado que existe puramente em relação aos outros. Ao assumir formas e
aparências tão diversas, um ser plenamente iluminado pode realizar todo tipo de
atividade para assegurar o bem-estar dos outros. O corpo verdadeiro de um Buda
é definido como o aspecto que existe em relação a outras Budas. A razão para
tal é que o corpo verdadeiro só é diretamente acessível a um ser plenamente
iluminado. É só assumindo um corpo formal que o corpo verdadeiro pode se
manifestar e realizar atividades benéficas para seres não iluminados. Assim, a
budeidade pode ser considerada a realização tanto do interesse pessoal de uma
pessoa quanto do interesse dos outros. Tornar-se um Buda significa que uma
pessoa compreendeu plenamente a verdadeira natureza da realidade e desenvolveu
plenamente o desejo de beneficiar outras pessoas. Portanto, um buda é uma
manifestação completa tanto de sabedoria quanto de compaixão. Abraço. Davi.
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