quarta-feira, 3 de abril de 2024

O CONCEITO DE DEUS PARA JUDEUS E CRISTÃOS. Parte I

 

Judaísmo. Livro Judaísmo e Cristianismo – As Diferenças. Por Trude Weiss Rosmarin (1908-1989). Capítulo I. O CONCEITO DE DEUS PARA JUDEUS E CRISTÃOS. Parte I. A maior e fundamental diferença entre as duas religiões é que o judaísmo está comprometido com o puro e inflexível monoteísmo, e o cristianismo é partidário da crença da natureza trinitária do Ser Divino. O Trinitarianismo, que significa a crença e fé no “Pai, Filho e Espírito Santo” é tão fundamental e relevante para todas as formas e denominações de cristianismo, como é contrário a tudo que o judaísmo considera sagrado. Para o incondicional monoteísmo judaico, a doutrina da Trindade é profundamente objetável porque trata-se de uma concessão ao politeísmo ou, de certa maneira, uma adulteração da ideia de “Um”, Único”, “indefinível” e “indivisível” Deus. A façanha revolucionária da religião mosaica antiga foi a completa ruptura com os cultos às várias divindades, e a incondicional e franca adoração do Deus único. Por séculos e séculos, os profetas judeus, sábios e mestres se empenharam em prol de um melhor e mais perfeito conhecimento do Ser de Deus. Várias definições de Deus existiram no judaísmo, porém todas no âmbito de que Deus é “Um”, a “Unidade da Unicidade” indivisível. Conceitos distintos de Deus foram evocados em diferentes épocas, mas há um aspecto que nunca foi colocado em discussão, devido ao seu caráter axiomático: a indivisível “Unicidade” de Deus a qual sempre foi interpretada como significado de unicidade qualitativa e quantitativa. A “Unidade” de Deus, além de sua “Unicidade”, deve ser enfatizada, se quisermos manter a pureza do monoteísmo inalterada. Mera unicidade quantitativa permite, logicamente adições, aumentos ou divisões, com é evidente no Trinitarianismo cristão. Uma vez, entretanto, que a singular característica, não existe mais qualquer fundamento para dividir ou adicionar ao Ser de Deus, Schopenhauer (1788-1860), apesar de suas amargas investidas contra o judaísmo, ainda assim merece o crédito de ter reconhecido esse fato. Ao afirmar que “ao judaísmo” não se pode negar o mérito de ser a única religião genuinamente monoteísta na face da Terra. Não existe outra que possua um Deus objetivo, o Criador do céu e da Terra”. O princípio judaico da Unicidade de Deus também inviabiliza a crença em qualquer outra força criativa além Dele. Satã, o poder do mal, desenvolve importante papel no cristianismo. O judaísmo não reconhece Satã como força criativa do mal em oposição ao benevolente poder criativo de Deus. Somente reconhece um Criador, que criou a luz e a escuridão e que criou o ser humano e a boa e a má inclinação. Assim como a faculdade do livre-arbítrio ético. Um judeu, portanto, não teme o Satã pois, como um ditado chassídico vigorosamente coloca, aquele que teme qualquer coisa além de Deus, será culpado de idolatria. Pois medo é uma espécie de tributo ao poder que se teme, e um tributo somente pode ser ofertado a Deus. Apesar de o judaísmo desejar que seus seguidores meditem e reflitam sobre o Ser de Deus, também deixa registrado que Deus é incognoscível e não pode ser definido ou entendido pelo limitado intelecto do ser humano. Mas existe algo que sabemos a respeito de Deus, que Ele é uma Unidade indivisível. Essa certeza de a eterna impossibilidade de uma pessoa realmente entender e conhecer Deus, apesar de poder glorificar sua Unicidade, nunca foi tão categoricamente expressado como no põem: “A Coroa Real”, de Salmão Ibn Gabirol (1021-1058); “Tu és Único, ponto de partida de todo número, base de toda estrutura. Tu es Único, e o sábio de coração permanece assustado com o mistério de Tua Unicidade, pois não sabe o que ela é. Tu és Único e Tua Unicidade não pode ser diminuída, pois não sabe o que ela é. Tu és Único, não como algo possível ou contável, pois de Ti não se concebe crescimento algum e nenhuma mudança. Tu és subsistente, e não há ouvido que Te ouça, não há olhar que Te veja. Não há onde, nem como, nem porque, que se possa dizer de Ti. Tu és subsistente, mas em Ti mesmo, e não há outro contigo. Tu és subsistente, mas em Ti mesmo, e não há nenhum outro contigo. Tu és subsistente, foste antes que o tempo fosse, és sem lugar e enches o espaço. Tu és subsistente, e o Teu segredo, que ninguém sabe, quem o pode atingir? Profundamente profundo, quem poderá desvendar-Te? Os filósofos medievais, não foram os primeiros a fazer referência à certeza de que o intelecto limitado do ser humano é insuficiente para atingir o Ser de Deus. Isaías já havia se desesperado com a possibilidade de conhecer Deus por analogia e comparação. “A quem Me compararás, que deveria ser igual”?, Isaías 40,25. Representa a ameaça de Deus ao ser humano, cujo intelecto insignificante ousaria se empenhar para desvendar os segredos de Seu Ser. Deus é “incognoscível” pois, para realmente conhecê-lo, o ser humano teria de possuir faculdades Divinas. Nas palavras de Iedaiá há-Penini: “se eu o conhecesse, seria Ele. O judaísmo, portanto, concede aos seus seguidores liberdade considerável para definir Deus. Isso, entretanto, não tem relação com o Ser de Deus como tal. Pois Ele permanece a Absoluta Unidade do Ser, apesar das diferentes imagens que o ser humano possa ter Dele. Definições subjetivas e individualizadas de Deus, todavia, são legítimas somente se reconhecidas com tal, por necessidade. Porém são apenas tentativas inadequadas de trazer a compreensão de Deus mais próxima do ser humano. “Não deves acreditar” – Deus é representado pelos sábios como tendo se dirigido ao povo de Israel – que existem vários deuses nos Céus porque tiveste várias visões. Sabia que eu sou o único Deus. A mesma certeza foi manifestada por um rabino chassídico aproximadamente quinze séculos mais tarde, ao explicar que o Eterno é aclamado como “Deus dos deuses”, Deuteronômio 10,17. Para nós Ele é um Deus que desafia qualquer definição ou conceito de Seu ser – o que significa dizer que “Ele é exaltado acima de qualquer concepção a qual o ser humano é capaz”. O conceito de que Deus não pode ser definido por qualquer atributo positivo e definitivo foi defendido pelo fiel racionalista Maimônides (1138-1204). O motivo de sua relutância em descrever Deus em termos de atributos humanos foi o reconhecimento de que o ser humano não pode saber o que Deus é. Apesar de ser capaz de saber o que Deus não é nem pode ser – por exemplo, algo que se assemelhe a uma criatura de carne e osso ou qualquer forma de matéria inorgânica ou estrutura orgânica. Em vez de descrever Deus por meio de atributos positivos, Ele foi, portanto, definido por meio de atributos negativos. A ponto de, em vez de dizer que Deus é ativo, os filósofos judeus racionalistas medievais afirmaram que Ele não é inativo etc. Existe uma continuidade na tradição e criatividade judaica. Isso não significa que nada de novo foi acrescentado à cultura judaica no decorrer dos anos, mas somente que todos os acréscimos e criações foram no mesmo espírito de tudo que as precedeu e as sucedeu. Como resultado, encontramos uma tendência de professar o que Deus não é, em vez de o que Ele é, já em vigor nos tempos bíblicos. Ao imprimir sobre Israel o caráter incorpóreo da Revelação Divina no Sinai, o Deuteronômio insiste: “Som de palavras vós ouvistes, porém, imagem alguma não vistes, tão somente uma voz” Deuteronômio 4,12. Consequentemente, segue o aviso: “E guardareis muito vossas almas, porque não vistes imagem alguma do dia em que o Eterno vos falou em Horeb, do meio do fogo”. Se o Maimônides estipulou em seu “Código” que quem quer conceba Deus como ser corpóreo, é um apóstata, ele tão somente extraiu esta conclusão lógica dos ensinamentos bíblicos e das explicações talmúdicas. Provavelmente, nada é tão estranho ao judaísmo quanto a uniformidade. Com certeza, sempre existiu uma certa disciplina, mas, num espaço claramente definido pela Lei, sempre houve uma ampla e notável liberdade de expressão. Devido ao respeito à opinião da minoria, encontramos na Bíblia, e especialmente na literatura talmúdica, afirmações que descrevem Deus em corpóreos quase chocantes. Ao lado de afirmações como “Descrevemos através de imagens emprestadas de suas criaturas, de forma que o ouvido possa compreender ... E que o mundo vindouro a Unidade de Deus será tal que Ele será conhecido somente por um nome. Encontramos várias afirmações que só podem ser entendidas adequadamente se as considerarmos simbolismos. Ou concessões antropomórficas aquelas que acham impossível encontrar conforto espiritual na adoração de um Deus invisível e indefinível. Também houve os que pensassem em Deus exclusivamente em termos espirituais, além dos sábios de mentalidades filosóficas, e os que estavam inclinados a acreditar que Deus era o modelo físico do ser humano criado à Sua imagem. Os rabinos com maior inclinação mística interpretam a bondade de Deus como Aquele que abençoa os noivos, enfeita as noivas, visita os doentes, enterra os mortos e consola os enlutados. Ele é representado obedecendo o mandamento dos filactérios e usando o xale de rezas. Estuda a Torá três horas por dia e se ocupa com os feitos e ações recomendadas ao ser humano como meritórias. Em comparação, entretanto, com a carga impositora das afirmações e ensinamentos sobre a pura espiritualidade e absoluta incorporalidade de Deus, essas criativas e ingênuas opiniões não são levadas em consideração. “Acredito com perfeita fé que o Criador – Abençoado seja seu nome! Não possui forma corpórea e que nenhuma forma pode representá-las. Como parte das preces diárias de um judeu, essa confissão de fé é sua estrela guia na questão de Deus. O que quer que Deus seja, não é um corpo, e não deve ser representado sob qualquer forma corpórea. Essa convicção é responsável pela “pobreza de imagens” das sinagogas das quais toda e qualquer “forma” é banida como sendo perturbação em potencial da concentração na singularidade incomparável da espiritualidade de Deus. A unidade de Deus,  sagrada para o judaísmo, além de tudo mais, é completamente incomparável com a ideia cristã da Triunidade do Ser Divino e, acima de tudo, com a crença da encarnação de Deus no ser humano. De acordo com a crença judaica, Deus é espírito puro, eternamente transcendente e apartado do menor vestígio corpóreo. O cristianismo por outro lado, afirma que Deus se tornou ser humano em Jesus, ensinamento contrário ao verdadeiro espírito do judaísmo. Seria errôneo conceber que o protestantismo moderno, de qualquer maneira, nega a crença que Deus se tornou o homem através de Jesus. Mesmo o Doutor John A. Mackay (1889-1983), teólogo protestante progressista, afirma de maneira inflexível que “a fé cristã é que Deus estava em Cristo”. E a mensagem da Conferência de Oxford de 1937 determinou que “a verdade base de nossa fé é a autorrevelação de Deus em Jesus Cristo (...) por nós homens e por nossa salvação, ele foi feito homem”. Em outras palavras, conforme coloca o Doutor Harry Emerson Posdick (1878-1969), “cristianismo é a religião da encarnação e sua afirmação central é que Deus pode ter vida Humana”. Não é esse aspecto contrário a todos os ensinamentos judaicos sobre Deus, que enfatizam e ressaltam que Ele não é como o ser humano e nunca se tornará um, ou mesmo se assemelhará a ele? O judaísmo sempre combateu com todas as armas disponíveis a ideia cristã da encarnação, o que significa dizer, Deus vir a ter forma humana. O pensamento que “Deus foi feito homem” choca sobremaneira ao judeu que acredita ser Deus Um e Único e que tal Unicidade consiste também na sua total diferença de qualquer coisa e de tudo inexistente. E de tudo o que o ser humano pode possivelmente imaginar e rotular como sendo “Deus”. Como, então, podem os conceitos de judeus e cristãos sobre Deus serem reconciliados, ou como se pode afirmar que as duas religiões são de fato, verdadeira e basicamente uma? Será que o Um e Único Deus, a Unidade absoluta, incognoscível e indefinível é realmente o mesmo da Trindade cristã que aceita a Triunidade de Deus em três, a saber: Deus o Pai, Jesus é o Filho e o Espírito Santo? Será que a crença espiritual legítima e transcendente judaica num Deus, no qual não existe traço de matéria e que nunca se tornará corpóreo, realmente a mesma que a crença cristã, que glorifica Deus que “foi feito Homem? Apesar da insistência judaica na incorporeidade e pura espiritualidade de Deus. Ele, entretanto, é uma realidade, viva e vital aos judeus através dos tempos. Deus tem sido invariavelmente um Deus pessoal para o judeu observante, apesar de Ele nunca ter se reduzido a uma pessoa. É importante se dar conta que o verdadeiro significado de Deus pessoal, de forma nenhuma é idêntico ao de Deus personificado. Abraço. Davi

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