sábado, 13 de abril de 2024

A DOUTRINA UNITÁRIA E O CRISTIANISMO

 

Islamismo. Livro Jesus Um Profeta do Islam. Por Muhammad Ata ur-Rahim. Capítulo I. A DOUTRINA UNITÁRIA E O CRISTIANISMO. A pesquisa histórica mostrou que o animismo e a adoração de ídolos, pelos povos primitivos de todo o mundo, constituem uma subversão da crença Unitária original, que o Deus Único, do judaísmo, cristianismo e islamismo, cresceu em oposição à multiplicidade de deuses, em vez de evoluir a partir deles. Pode-se, assim dizer, que é na fase inicial de qualquer tradição que devemos procurar o ensinamento mais puro, resultando, necessariamente, um declínio de toda a doutrina que o segue posteriormente. É, pois, sob essa perspectiva que deve, também, ser examinada a história do cristianismo. A crença inicial num só Deus veio a se corromper, tendo-se aceitado, então, a doutrina da Trindade, a qual deu origem a uma confusão que afastou cada vez mais o homem da serenidade intelectual. No século seguinte ao desaparecimento de Jesus, seus seguidores continuaram a afirmar a Unidade Divina, o que é ilustrado pelo fato de o Pastor de Hermas, escrito cerca de 90 d.C., ter sido considerado pela Igreja um Livro Revelado. Esse é o primeiro dos doze mandamentos que ele contém: «Acima de tudo, acreditem que Deus é um só, que criou todas as coisas, organizou-as, do que não existia fez tudo existir e Ele contém tudo. Mas nada o contém ...» De acordo com Theodore Zahn, o 1o artigo da Fé até cerca de 250 d.C. era «Eu acredito em Deus Todo-Poderoso» Entre 180 e 210 d.C. foi inserida a palavra Pai antes de Todo-Poderoso, o que provocou vivas contestações por parte de muitos chefes da Igreja. Entre os principais responsáveis desse movimento, contam-se os Bispos Victor e Zephysius, que entendiam ser um sacrilégio inqualificável acrescentar ou retirar qualquer palavra das Escrituras. Opunham-se à tendência de considerar Jesus como Deus e sublinhavam a unidade de Deus tal como foi expressa nos ensinamentos originários de Jesus. Defendendo que, embora Profeta e muito favorecido pelo Senhor, Jesus era, na sua essência, um homem como os outros. Essa fé era compartilhada pelas Igrejas que tinham surgido no Norte da África e na Ásia Ocidental. À medida que se expandiam, os ensinamentos de Jesus tomavam contato com outras culturas e entravam em conflito com elas, tendo sido assimilados e adaptados por essas culturas e, simultaneamente, sofrido alterações, de forma a serem reduzidas as perseguições por parte dos governantes. Na Grécia, sobretudo, sofreram uma metamorfose, devido a serem expressos pela primeira vez numa nova língua de uma cultura com ideias e filosofia próprias. E foi o ponto de vista da multiplicidade de deuses dos gregos que contribuiu largamente para a formulação desta Doutrina da Trindade. Ao mesmo tempo em que alguns, principalmente, Paulo de Tarso, transformavam gradualmente Jesus, de Profeta que era, em Deus. Apenas em 325 d.C. a doutrina da Trindade foi declarada Ortodoxa pelo Cristianismo; ainda assim, alguns dos que a subscreveram não acreditavam nela, por não encontrarem nas Escrituras nenhuma autoridade a garanti-lo. Atanasio, que é considerado o pai desse credo, não estava muito seguro da sua justeza. Admite que «sempre que forçava a inteligência na meditação da divindade de Jesus confrontava-se com a ineficácia dos seus porfiados esforços, acontecendo que, quanto mais escrevia, menos capaz era de expressar os seus pensamentos». E chega mesmo a escrever: «Não existem três, mas um ÚNICO DEUS». A sua crença na doutrina da Trindade não se baseava na certeza, mas em conveniências políticas e em necessidades circunstanciais. O papel desempenhado por Constantino, o imperador pagão de Roma que presidiu ao Concílio de Nicéia, mostra bem, como aquela histórica decisão ficou devendo a expedientes políticos e a falsos argumentos filosóficos. As florescentes comunidades cristãs constituíam, já, uma força que Constantino não desejava enfrentar e, cujo apoio ao fortalecimento do Império era insubstituível. Ao remodelar o cristianismo, Constantino esperava ganhar a simpatia da Igreja e ao mesmo tempo acabar com a confusão nela existente, o que constituía uma fonte, ainda maior, de confusão no seu Império. O processo que o levou a atingir parcialmente o seu objetivo pode ser ilustrado através de um incidente ocorrido na Segunda Guerra Mundial. Em certa altura, estava próxima a festa Islâmica do 'Id, começou a chegar a Singapura, Tóquio, anunciando que se tratava de uma ocasião histórica com repercussão em todo o mundo Islâmico. Após alguns dias, a propaganda foi subitamente suspensa, sabendo-se, através de um prisioneiro japonês, capturado numa emboscada, que Tojo, o chefe do governo japonês, planeava surgir como o maior reformador Islâmico dos tempos modernos, ajustando os ensinamentos do Islam às necessidades dos tempos atuais. Tornava-se, para isso, necessário, segundo ele, que os muçulmanos deixassem de se orientar à Meca, durante a oração e passassem a se orientar a Tóquio, onde estaria sediado o futuro centro do Islam, sob a direção de Tojo. Os muçulmanos recusaram essa reorientação do Islam e, por isso, todo o projeto abortou, não sendo permitida a oração de ‘ld, nesse ano, em Singapura. Tojo tinha compreendido a importância do Islam e desejava usá-la como instrumento dos seus desígnios imperialistas, mas não teve êxito. Constantino teve êxito onde Tojo falhou e Roma substituiu Jerusalém, como centro da Cristandade Paulina. Esta degenerescência dos ensinamentos puros de Jesus, que teve como resultado inevitável a aceitação da multiplicidade de deuses pela Cristandade, encontrou sempre antagonistas. Quando em 325 d.C., a Doutrina da Trindade foi oficialmente proposta como Doutrina Ortodoxa Cristã, Árius, um dos chefes Cristãos do Norte de África, ergueu-se contra a aliança de Constantino com a Igreja Católica e recordou que Jesus sempre afirmara a Unidade Divina. Constantino tentou esmagar, enérgica e brutalmente, o incômodo povo do Deus Único, mas falhou. Ironicamente, embora Constantino tenha morrido como Unitário, a Doutrina da Trindade transformou-se, oficialmente, a base do Cristianismo na Europa. Esta doutrina causou muita confusão, sobretudo entre aqueles a quem se pediu para acreditar sem que tentassem compreender. Todavia, não era possível impedir as pessoas de tentarem demonstrar a Doutrina e explicá-la intelectualmente e, em termos gerais, desenvolveram-se três escolas de pensamento. A primeira está associada ao Santo Agostinho, que viveu no século IV e defendia a opinião de que a doutrina não podia ser provada, mas podia ser ilustrada. S. Victor, que viveu no século XII, está associado à segunda escola, que defendia ser a Doutrina demonstrável e ilustrável. O século XIV viu nascer a terceira escola, que acreditava ser impossível demonstrar ou ilustrar a Doutrina, pelo que, nela se devia acreditar cegamente. Embora, os livros contendo os ensinamentos de Jesus tivessem sido destruídos, suprimidos ou alterados, para evitar qualquer contradição manifesta com a Doutrina, uma boa dose de verdade subsistiu, nos que sobreviveram, pelo que a defesa da Doutrina da Trindade evidenciava uma diferença de ênfase entre o que as Escrituras rezavam e o que os Chefes da Igreja diziam. Sustentava-se que a Doutrina se fundamentava numa revelação especial feita à Igreja, a "Noiva de Jesus", pelo que não surpreende assistir-se à reprimenda de Fra Fulgentio pelo Papa numa carta em que se lê: «Pregar as Escrituras è uma coisa suspeita; aquele que seguir de perto as Escrituras arruinará a fé Católica». Na carta subsequente, o Papa é ainda mais explícito, advertindo contra uma insistência exagerada nas Escrituras: «...as quais são livros que destruirão a Igreja Católica se alguém os tomar por guia». O abandono efetivo dos ensinamentos de Jesus deveu-se, em grande parte, à completa obscuridade que rodeia a sua realidade histórica. A Igreja tornou a Religião, não só independente das Escrituras, mas também de Jesus, tendo-se transformado Jesus-homem em Cristo-mítico. Mas a fé em Jesus não se identifica necessariamente com a fé na ressurreição de Cristo. Enquanto seus seguidores basearam suas vidas no exemplo de Jesus, o Cristianismo Paulino se baseou na crença de um Cristo supostamente crucificado, que desvalorizou a vida e o ensino de Cristo, enquanto vivo. À medida que a Igreja estabelecida se distanciava, cada vez mais, dos ensinamentos de Jesus, os seus chefes se envolviam, cada vez mais, nos assuntos dos que tinham poder terreno. À medida que os ensinamentos de Jesus e os desejos dos poderosos se fundiam uns nos outros, a Igreja - embora defendendo sua separação do Estado - identificou-se cada vez mais com o Estado e ganhou poder. Nos primeiros tempos, a Igreja estava submetida ao poder Imperial, mas com o seu crescente compromisso, a situação se inverteu. Sempre existiu oposição a estes desvios relativos aos ensinamentos de Jesus, mas à medida que a Igreja ganhava poder, a negação da Trindade se tornava muito perigosa e conduzia quase, inevitavelmente, à morte. Embora Lutero tivesse abandonado a Igreja Romana, a sua revolta se dirigia, mais, contra a autoridade do Papa do que contra as Doutrinas fundamentais da Igreja Católica Romana. O resultado foi a fundação duma nova Igreja encabeçada por Lutero. Os princípios Cristãos básicos foram adotados e mantidos, apesar do aparecimento de algumas Igrejas Reformistas e seitas. Assim, a doutrina de Cristo, anterior à Reforma, não sofreu perturbações e os dois ramos principais da Igreja de Paulo continuaram a existir até hoje. No Norte de África e no Oeste Asiático, a maioria das pessoas aceitou os ensinamentos de Árius e, mais tarde, quando o Islamismo apareceu, abraçaram-no prontamente. Aliás, foi por já ter sido adotada a Doutrina do Deus Único e o ensinamento puro de Jesus que reconheceram o Islam como Verdade. Na Europa, a corrente do Unitarismo, no seio da Cristandade, nunca foi quebrada e o movimento cresceu de fato, em força, sobrevivendo à perseguição continua e brutal das Igrejas no passado, bem como à sua indiferença no presente. Hoje, cada vez mais pessoas estão conscientes de que a Doutrina de Cristo, tal como é conhecida, pouco tem a ver com os ensinamentos originais de Jesus. Durante os dois últimos séculos, as pesquisas dos historiadores deixaram pouco espaço para os "mistérios" cristãos, mas o fato já comprovado de que o Cristo da Igreja estabelecida não ter, quase, nada a ver com o Jesus da História, não ajuda em nada os cristãos, no que diz respeito à Verdade. O dilema atual dos cristãos é esclarecido pelo que escrevem os historiadores da Igreja, no nosso século, sua dificuldade fundamental, tal como foi apontada por Adolf Harnack, é a seguinte: «O Evangelho existente já tinha sido mascarado pela filosofia grega no século IV, pelo que coube , aos historiadores, a missão de lhe arrancarem a máscara, revelando, assim, como os contornos iniciais da Doutrina subjacente tinham sido diferentes». Harnack, no entanto, aponta mais uma dificuldade na realização dessa tarefa, quando diz que a máscara Doutrinal, usada durante um período suficiente, pode remodelar a face da religião: «A máscara adquire vida própria — a Trindade, as duas naturezas de Cristo, a infalibilidade e todas as proposições que secundam esses dogmas, foram produto de decisões e de situações históricas e podem acabar por se revelar bastante diferentes... no entanto... mais cedo ou mais tarde, produto ou força remodelada, o dogma persiste no que tinha sido desde o princípio, um mau hábito de intelectualização que os cristãos adquiriram com os gregos quando fugiram dos judeus». Harnack retoma este tema noutro livro, onde admite o seguinte: «...o quarto Evangelho não provêm, nem declara provir, do Apóstolo João, não podendo ser considerado como uma verdade histórica... O autor desse Evangelho atuou com uma liberdade suprema, inverteu a ordem dos acontecimentos e os expôs a uma luz diferente. «Além disso, ele próprio criou a controvérsia ao explicar os grandes pensamentos com situações imaginárias». O mesmo autor se refere, ainda, ao trabalho do famoso historiador cristão, David Strauss, que descreve como tendo «quase destruído a credibilidade histórica não só do quarto, mas também dos três primeiros Evangelhos». De acordo com Johannes Lehmann, outro historiador, os autores dos quatro Evangelhos aceitos descrevem um Jesus diferente daquele que pode ser identificado na realidade histórica. Lehmann cita Heinz Zahrnt quando chama a atenção para as consequências deste fato: «Se a investigação histórica fosse capaz de provar que existe uma antítese irreconciliável entre o Jesus histórico e Cristo tal como é pregado e, portanto, que a crença em Jesus não se fundamenta no próprio Jesus, isso seria não só absolutamente fatal em termos teológicos, como diz N. A. Dahl, mas significaria, também, o fim de toda a Doutrina de Cristo. No entanto, eu estou convencido de que, mesmo assim, nós, os teólogos, seríamos capazes de encontrar uma saída — houve alguma ocasião em que não o tenhamos conseguido? Mas, ou estamos a mentir agora, ou estivemos a mentir outrora». Enquanto essas curtas citações mostram o dilema em que a Cristandade atual se debate, as palavras de Zahrnt demonstram, ainda, algo muito mais sério, subjacente a tudo isso: é possível ficar tão envolvido com os pormenores daquilo que aconteceu à Doutrina de Jesus, às Igrejas e às seitas que se lhe seguiram, que o objetivo original do ensinamento passa a ser sobrevalorizado ou esquecido. Assim, Theodore Zahn, por exemplo, esclarece os desagradáveis conflitos existentes no interior das Igrejas estabelecidas. Esse autor considera, ainda, que os católicos romanos, com boas ou más intenções, recusam a remodelação do texto da Sagrada Escritura com adições e omissões pela Igreja Ortodoxa Grega; os gregos, por seu rumo, entendem que são os próprios católicos que se afastam do texto original em diversos locais e, não obstante, as suas diferenças combinam acusar os cristãos não conformistas de se desviarem do "verdadeiro caminho", condenando-os como heréticos. Os heréticos, por sua vez, acusam os católicos de «terem dado outro cunho à verdade, como os falsificadores». E conclui: «Não são os fatos o suporte dessas acusações?» O verdadeiro Jesus está completamente esquecido e os que estão conscientes dessa degeneração e desejam, sinceramente, regressar e viver segundo os preceitos iniciais, são impedidos de fazê-lo, porque a Doutrina original, na sua totalidade, já desapareceu e é irrecuperável. Erasmo afirmou o seguinte: «Os antigos filosofaram muito pouco acerca das coisas Divinas... Primeiramente a fé estava na vida, mais do que na profissão dos crentes... Quando a fé passou à escrita, mais do que aos corações, então , apareceram quase tantas crenças como homens. Os artigos aumentaram e a sinceridade diminuiu. As contendas se tornaram quentes e o amor tornou-se frio. A Doutrina de Cristo, que no princípio não conhecia distinções demasiado sutis, veio a depender da ajuda da filosofia. Foi este o primeiro degrau no declínio da Igreja». Então, a Igreja foi forçada a explicar o que não podia ser expresso em palavras e, para ganhar o apoio do Imperador, recorreu a ambos os lados. Erasmo, comentando esse fato, continua: «A injeção da autoridade do Imperador, nesse assunto, não ajudou grandemente a sinceridade da fé ... quando a fé está na boca em vez de estar no coração, quando o sólido conhecimento das Sagradas Escrituras nos falha, mesmo que pelo terror, levemos os homens a acreditar no que não acreditam, a amar o que não amam, a saber o que não sabem. O que é forçado não pode ser sincero». Erasmo compreendeu que os primeiros cristãos, os seguidores próximos de Jesus, tinham um conhecimento da Unidade que nunca foi necessário exprimir, mas quando o seu ensino se espalhou e nasceram conflitos entre as Igrejas, os homens conhecedores foram forçados a tentar explicar os seus conhecimentos da Realidade. Entretanto, tinham já perdido a Doutrina de Jesus, na sua totalidade, bem como a linguagem da Unidade que lhe estava associada e recorriam apenas ao vocabulário e à terminologia da filosofia grega, que já não considerava a Unidade, mas uma visão tripartida da existência. E a tão simples e pura confiança na Realidade foi, inevitavelmente, expressa numa linguagem estranha a Jesus e levou à formação da Doutrina da Trindade com a deificação de Jesus e do Espírito Santo. Confusão e cisma foram os resultados inevitáveis e sucederam sempre que os homens perderam de vista a Unidade da Existência. Compreender isso é essencial para qualquer pessoa que queira saber quem foi Jesus e o que realmente ensinou, tanto como o conhecimento de que, uma vez que as pessoas deixem de recorrer completamente às ações do dia a dia de um Profeta (que não são mais do que a personificação do seu ensinamento), ficam perdidas, quer acreditem na Doutrina da Trindade, quer afirmem verbalmente a Unidade Divina. Abraço. Davi.

 

 

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