Islamismo. Livro Jesus Um
Profeta do Islam. Por Muhammad Ata ur-Rahim. Capítulo I. A DOUTRINA UNITÁRIA E
O CRISTIANISMO. A pesquisa histórica mostrou que o animismo e a adoração de
ídolos, pelos povos primitivos de todo o mundo, constituem uma subversão da
crença Unitária original, que o Deus Único, do judaísmo, cristianismo e
islamismo, cresceu em oposição à multiplicidade de deuses, em vez de evoluir a
partir deles. Pode-se, assim dizer, que é na fase inicial de qualquer tradição
que devemos procurar o ensinamento mais puro, resultando, necessariamente, um
declínio de toda a doutrina que o segue posteriormente. É, pois, sob essa
perspectiva que deve, também, ser examinada a história do cristianismo. A
crença inicial num só Deus veio a se corromper, tendo-se aceitado, então, a
doutrina da Trindade, a qual deu origem a uma confusão que afastou cada vez
mais o homem da serenidade intelectual. No século seguinte ao desaparecimento
de Jesus, seus seguidores continuaram a afirmar a Unidade Divina, o que é
ilustrado pelo fato de o Pastor de Hermas, escrito cerca de 90 d.C., ter sido
considerado pela Igreja um Livro Revelado. Esse é o primeiro dos doze
mandamentos que ele contém: «Acima de tudo, acreditem que Deus é um só, que
criou todas as coisas, organizou-as, do que não existia fez tudo existir e Ele
contém tudo. Mas nada o contém ...» De acordo com Theodore Zahn, o 1o artigo da
Fé até cerca de 250 d.C. era «Eu acredito em Deus Todo-Poderoso» Entre 180 e
210 d.C. foi inserida a palavra Pai antes de Todo-Poderoso, o que provocou
vivas contestações por parte de muitos chefes da Igreja. Entre os principais
responsáveis desse movimento, contam-se os Bispos Victor e Zephysius, que
entendiam ser um sacrilégio inqualificável acrescentar ou retirar qualquer
palavra das Escrituras. Opunham-se à tendência de considerar Jesus como Deus e
sublinhavam a unidade de Deus tal como foi expressa nos ensinamentos
originários de Jesus. Defendendo que, embora Profeta e muito favorecido pelo
Senhor, Jesus era, na sua essência, um homem como os outros. Essa fé era
compartilhada pelas Igrejas que tinham surgido no Norte da África e na Ásia
Ocidental. À medida que se expandiam, os ensinamentos de Jesus tomavam contato
com outras culturas e entravam em conflito com elas, tendo sido assimilados e
adaptados por essas culturas e, simultaneamente, sofrido alterações, de forma a
serem reduzidas as perseguições por parte dos governantes. Na Grécia,
sobretudo, sofreram uma metamorfose, devido a serem expressos pela primeira vez
numa nova língua de uma cultura com ideias e filosofia próprias. E foi o ponto
de vista da multiplicidade de deuses dos gregos que contribuiu largamente para
a formulação desta Doutrina da Trindade. Ao mesmo tempo em que alguns,
principalmente, Paulo de Tarso, transformavam gradualmente Jesus, de Profeta
que era, em Deus. Apenas em 325 d.C. a doutrina da Trindade foi declarada
Ortodoxa pelo Cristianismo; ainda assim, alguns dos que a subscreveram não
acreditavam nela, por não encontrarem nas Escrituras nenhuma autoridade a
garanti-lo. Atanasio, que é considerado o pai desse credo, não estava muito
seguro da sua justeza. Admite que «sempre que forçava a inteligência na
meditação da divindade de Jesus confrontava-se com a ineficácia dos seus
porfiados esforços, acontecendo que, quanto mais escrevia, menos capaz era de
expressar os seus pensamentos». E chega mesmo a escrever: «Não existem três,
mas um ÚNICO DEUS». A sua crença na doutrina da Trindade não se baseava na
certeza, mas em conveniências políticas e em necessidades circunstanciais. O
papel desempenhado por Constantino, o imperador pagão de Roma que presidiu ao
Concílio de Nicéia, mostra bem, como aquela histórica decisão ficou devendo a
expedientes políticos e a falsos argumentos filosóficos. As florescentes
comunidades cristãs constituíam, já, uma força que Constantino não desejava enfrentar
e, cujo apoio ao fortalecimento do Império era insubstituível. Ao remodelar o
cristianismo, Constantino esperava ganhar a simpatia da Igreja e ao mesmo tempo
acabar com a confusão nela existente, o que constituía uma fonte, ainda maior,
de confusão no seu Império. O processo que o levou a atingir parcialmente o seu
objetivo pode ser ilustrado através de um incidente ocorrido na Segunda Guerra
Mundial. Em certa altura, estava próxima a festa Islâmica do 'Id, começou a
chegar a Singapura, Tóquio, anunciando que se tratava de uma ocasião histórica
com repercussão em todo o mundo Islâmico. Após alguns dias, a propaganda foi
subitamente suspensa, sabendo-se, através de um prisioneiro japonês, capturado
numa emboscada, que Tojo, o chefe do governo japonês, planeava surgir como o
maior reformador Islâmico dos tempos modernos, ajustando os ensinamentos do
Islam às necessidades dos tempos atuais. Tornava-se, para isso, necessário,
segundo ele, que os muçulmanos deixassem de se orientar à Meca, durante a oração
e passassem a se orientar a Tóquio, onde estaria sediado o futuro centro do
Islam, sob a direção de Tojo. Os muçulmanos recusaram essa reorientação do
Islam e, por isso, todo o projeto abortou, não sendo permitida a oração de ‘ld,
nesse ano, em Singapura. Tojo tinha compreendido a importância do Islam e
desejava usá-la como instrumento dos seus desígnios imperialistas, mas não teve
êxito. Constantino teve êxito onde Tojo falhou e Roma substituiu Jerusalém,
como centro da Cristandade Paulina. Esta degenerescência dos ensinamentos puros
de Jesus, que teve como resultado inevitável a aceitação da multiplicidade de
deuses pela Cristandade, encontrou sempre antagonistas. Quando em 325 d.C., a
Doutrina da Trindade foi oficialmente proposta como Doutrina Ortodoxa Cristã,
Árius, um dos chefes Cristãos do Norte de África, ergueu-se contra a aliança de
Constantino com a Igreja Católica e recordou que Jesus sempre afirmara a
Unidade Divina. Constantino tentou esmagar, enérgica e brutalmente, o incômodo
povo do Deus Único, mas falhou. Ironicamente, embora Constantino tenha morrido
como Unitário, a Doutrina da Trindade transformou-se, oficialmente, a base do
Cristianismo na Europa. Esta doutrina causou muita confusão, sobretudo entre
aqueles a quem se pediu para acreditar sem que tentassem compreender. Todavia,
não era possível impedir as pessoas de tentarem demonstrar a Doutrina e
explicá-la intelectualmente e, em termos gerais, desenvolveram-se três escolas
de pensamento. A primeira está associada ao Santo Agostinho, que viveu no
século IV e defendia a opinião de que a doutrina não podia ser provada, mas
podia ser ilustrada. S. Victor, que viveu no século XII, está associado à
segunda escola, que defendia ser a Doutrina demonstrável e ilustrável. O século
XIV viu nascer a terceira escola, que acreditava ser impossível demonstrar ou
ilustrar a Doutrina, pelo que, nela se devia acreditar cegamente. Embora, os
livros contendo os ensinamentos de Jesus tivessem sido destruídos, suprimidos
ou alterados, para evitar qualquer contradição manifesta com a Doutrina, uma
boa dose de verdade subsistiu, nos que sobreviveram, pelo que a defesa da
Doutrina da Trindade evidenciava uma diferença de ênfase entre o que as
Escrituras rezavam e o que os Chefes da Igreja diziam. Sustentava-se que a
Doutrina se fundamentava numa revelação especial feita à Igreja, a "Noiva
de Jesus", pelo que não surpreende assistir-se à reprimenda de Fra
Fulgentio pelo Papa numa carta em que se lê: «Pregar as Escrituras è uma coisa
suspeita; aquele que seguir de perto as Escrituras arruinará a fé Católica». Na
carta subsequente, o Papa é ainda mais explícito, advertindo contra uma
insistência exagerada nas Escrituras: «...as quais são livros que destruirão a
Igreja Católica se alguém os tomar por guia». O abandono efetivo dos
ensinamentos de Jesus deveu-se, em grande parte, à completa obscuridade que
rodeia a sua realidade histórica. A Igreja tornou a Religião, não só
independente das Escrituras, mas também de Jesus, tendo-se transformado
Jesus-homem em Cristo-mítico. Mas a fé em Jesus não se identifica
necessariamente com a fé na ressurreição de Cristo. Enquanto seus seguidores
basearam suas vidas no exemplo de Jesus, o Cristianismo Paulino se baseou na
crença de um Cristo supostamente crucificado, que desvalorizou a vida e o
ensino de Cristo, enquanto vivo. À medida que a Igreja estabelecida se
distanciava, cada vez mais, dos ensinamentos de Jesus, os seus chefes se
envolviam, cada vez mais, nos assuntos dos que tinham poder terreno. À medida
que os ensinamentos de Jesus e os desejos dos poderosos se fundiam uns nos
outros, a Igreja - embora defendendo sua separação do Estado - identificou-se
cada vez mais com o Estado e ganhou poder. Nos primeiros tempos, a Igreja
estava submetida ao poder Imperial, mas com o seu crescente compromisso, a
situação se inverteu. Sempre existiu oposição a estes desvios relativos aos
ensinamentos de Jesus, mas à medida que a Igreja ganhava poder, a negação da
Trindade se tornava muito perigosa e conduzia quase, inevitavelmente, à morte. Embora
Lutero tivesse abandonado a Igreja Romana, a sua revolta se dirigia, mais,
contra a autoridade do Papa do que contra as Doutrinas fundamentais da Igreja
Católica Romana. O resultado foi a fundação duma nova Igreja encabeçada por
Lutero. Os princípios Cristãos básicos foram adotados e mantidos, apesar do
aparecimento de algumas Igrejas Reformistas e seitas. Assim, a doutrina de
Cristo, anterior à Reforma, não sofreu perturbações e os dois ramos principais
da Igreja de Paulo continuaram a existir até hoje. No Norte de África e no
Oeste Asiático, a maioria das pessoas aceitou os ensinamentos de Árius e, mais
tarde, quando o Islamismo apareceu, abraçaram-no prontamente. Aliás, foi por já
ter sido adotada a Doutrina do Deus Único e o ensinamento puro de Jesus que
reconheceram o Islam como Verdade. Na Europa, a corrente do Unitarismo, no seio
da Cristandade, nunca foi quebrada e o movimento cresceu de fato, em força,
sobrevivendo à perseguição continua e brutal das Igrejas no passado, bem como à
sua indiferença no presente. Hoje, cada vez mais pessoas estão conscientes de
que a Doutrina de Cristo, tal como é conhecida, pouco tem a ver com os
ensinamentos originais de Jesus. Durante os dois últimos séculos, as pesquisas
dos historiadores deixaram pouco espaço para os "mistérios" cristãos,
mas o fato já comprovado de que o Cristo da Igreja estabelecida não ter, quase,
nada a ver com o Jesus da História, não ajuda em nada os cristãos, no que diz
respeito à Verdade. O dilema atual dos cristãos é esclarecido pelo que escrevem
os historiadores da Igreja, no nosso século, sua dificuldade fundamental, tal
como foi apontada por Adolf Harnack, é a seguinte: «O Evangelho existente já
tinha sido mascarado pela filosofia grega no século IV, pelo que coube , aos historiadores,
a missão de lhe arrancarem a máscara, revelando, assim, como os contornos
iniciais da Doutrina subjacente tinham sido diferentes». Harnack, no entanto,
aponta mais uma dificuldade na realização dessa tarefa, quando diz que a
máscara Doutrinal, usada durante um período suficiente, pode remodelar a face
da religião: «A máscara adquire vida própria — a Trindade, as duas naturezas de
Cristo, a infalibilidade e todas as proposições que secundam esses dogmas,
foram produto de decisões e de situações históricas e podem acabar por se
revelar bastante diferentes... no entanto... mais cedo ou mais tarde, produto
ou força remodelada, o dogma persiste no que tinha sido desde o princípio, um
mau hábito de intelectualização que os cristãos adquiriram com os gregos quando
fugiram dos judeus». Harnack retoma este tema noutro livro, onde admite o
seguinte: «...o quarto Evangelho não provêm, nem declara provir, do Apóstolo
João, não podendo ser considerado como uma verdade histórica... O autor desse
Evangelho atuou com uma liberdade suprema, inverteu a ordem dos acontecimentos
e os expôs a uma luz diferente. «Além disso, ele próprio criou a controvérsia
ao explicar os grandes pensamentos com situações imaginárias». O mesmo autor se
refere, ainda, ao trabalho do famoso historiador cristão, David Strauss, que
descreve como tendo «quase destruído a credibilidade histórica não só do
quarto, mas também dos três primeiros Evangelhos». De acordo com Johannes
Lehmann, outro historiador, os autores dos quatro Evangelhos aceitos descrevem
um Jesus diferente daquele que pode ser identificado na realidade histórica.
Lehmann cita Heinz Zahrnt quando chama a atenção para as consequências deste
fato: «Se a investigação histórica fosse capaz de provar que existe uma
antítese irreconciliável entre o Jesus histórico e Cristo tal como é pregado e,
portanto, que a crença em Jesus não se fundamenta no próprio Jesus, isso seria
não só absolutamente fatal em termos teológicos, como diz N. A. Dahl, mas
significaria, também, o fim de toda a Doutrina de Cristo. No entanto, eu estou
convencido de que, mesmo assim, nós, os teólogos, seríamos capazes de encontrar
uma saída — houve alguma ocasião em que não o tenhamos conseguido? Mas, ou
estamos a mentir agora, ou estivemos a mentir outrora». Enquanto essas curtas
citações mostram o dilema em que a Cristandade atual se debate, as palavras de
Zahrnt demonstram, ainda, algo muito mais sério, subjacente a tudo isso: é
possível ficar tão envolvido com os pormenores daquilo que aconteceu à Doutrina
de Jesus, às Igrejas e às seitas que se lhe seguiram, que o objetivo original
do ensinamento passa a ser sobrevalorizado ou esquecido. Assim, Theodore Zahn,
por exemplo, esclarece os desagradáveis conflitos existentes no interior das
Igrejas estabelecidas. Esse autor considera, ainda, que os católicos romanos,
com boas ou más intenções, recusam a remodelação do texto da Sagrada Escritura
com adições e omissões pela Igreja Ortodoxa Grega; os gregos, por seu rumo,
entendem que são os próprios católicos que se afastam do texto original em
diversos locais e, não obstante, as suas diferenças combinam acusar os cristãos
não conformistas de se desviarem do "verdadeiro caminho",
condenando-os como heréticos. Os heréticos, por sua vez, acusam os católicos de
«terem dado outro cunho à verdade, como os falsificadores». E conclui: «Não são
os fatos o suporte dessas acusações?» O verdadeiro Jesus está completamente
esquecido e os que estão conscientes dessa degeneração e desejam, sinceramente,
regressar e viver segundo os preceitos iniciais, são impedidos de fazê-lo,
porque a Doutrina original, na sua totalidade, já desapareceu e é
irrecuperável. Erasmo afirmou o seguinte: «Os antigos filosofaram muito pouco
acerca das coisas Divinas... Primeiramente a fé estava na vida, mais do que na
profissão dos crentes... Quando a fé passou à escrita, mais do que aos
corações, então , apareceram quase tantas crenças como homens. Os artigos
aumentaram e a sinceridade diminuiu. As contendas se tornaram quentes e o amor
tornou-se frio. A Doutrina de Cristo, que no princípio não conhecia distinções
demasiado sutis, veio a depender da ajuda da filosofia. Foi este o primeiro
degrau no declínio da Igreja». Então, a Igreja foi forçada a explicar o que não
podia ser expresso em palavras e, para ganhar o apoio do Imperador, recorreu a
ambos os lados. Erasmo, comentando esse fato, continua: «A injeção da
autoridade do Imperador, nesse assunto, não ajudou grandemente a sinceridade da
fé ... quando a fé está na boca em vez de estar no coração, quando o sólido conhecimento
das Sagradas Escrituras nos falha, mesmo que pelo terror, levemos os homens a
acreditar no que não acreditam, a amar o que não amam, a saber o que não sabem.
O que é forçado não pode ser sincero». Erasmo compreendeu que os primeiros
cristãos, os seguidores próximos de Jesus, tinham um conhecimento da Unidade
que nunca foi necessário exprimir, mas quando o seu ensino se espalhou e
nasceram conflitos entre as Igrejas, os homens conhecedores foram forçados a
tentar explicar os seus conhecimentos da Realidade. Entretanto, tinham já
perdido a Doutrina de Jesus, na sua totalidade, bem como a linguagem da Unidade
que lhe estava associada e recorriam apenas ao vocabulário e à terminologia da
filosofia grega, que já não considerava a Unidade, mas uma visão tripartida da
existência. E a tão simples e pura confiança na Realidade foi, inevitavelmente,
expressa numa linguagem estranha a Jesus e levou à formação da Doutrina da
Trindade com a deificação de Jesus e do Espírito Santo. Confusão e cisma foram
os resultados inevitáveis e sucederam sempre que os homens perderam de vista a
Unidade da Existência. Compreender isso é essencial para qualquer pessoa que
queira saber quem foi Jesus e o que realmente ensinou, tanto como o
conhecimento de que, uma vez que as pessoas deixem de recorrer completamente às
ações do dia a dia de um Profeta (que não são mais do que a personificação do
seu ensinamento), ficam perdidas, quer acreditem na Doutrina da Trindade, quer
afirmem verbalmente a Unidade Divina. Abraço. Davi.
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