Judaísmo. www.morasha.com.br.
MILAGRE E FÉ. Pessach (Pascoa) é a festa da fé. É conhecida pela Matzá que
comemos, chamada de “pão da fé”, e pelos milagres que comemora, como são
contados no Livro Êxodo e na Hagadá que recitamos durante o
Seder. A fé e os milagres são temas que fazem parte de qualquer religião – e certamente
da nossa. Mas qual o significado da fé e dos milagres segundo o Judaísmo? A fé
não se relaciona apenas a crenças religiosas, mas, na mesma intensidade, senão
mais, a uma infinidade de pequenas coisas que são parte de nossa vida diária.
Certas pessoas são crédulas enquanto outras são céticas, mas todos somos
crentes, em algum grau. Há muita fé mesmo em pessoas que se julgam ateus.
Muitos de nós se orgulham de sua racionalidade, acreditando basear seus atos e
crenças em conhecimentos precisos, fatos comprovados e uma apurada triagem de
nossas opiniões. A verdade, contudo, é que ninguém é totalmente descrente.
Todos nós aceitamos quase tudo de boa-fé. A fé está entranhada em nossa vida e
é impossível viver sem ela. Quando crianças, acreditamos em tudo o que nos
ensinam no colégio e raramente questionamos algo. A maior parte de nosso
conhecimento, mesmo já adultos, não é verificada e, quase sempre, impossível de
sê-lo – e nós acreditamos, de bom grado, que seja verdadeiro e correto. E o
fazemos por ser praticamente impossível tentar comprovar até mesmo as coisas
mais básicas. Não temos tempo nem recursos nem o conhecimento que nos permita
pesquisar e tentar comprovar a maioria das coisas que julgamos saber. Por
exemplo, qual o estudante que tem tempo, recursos e conhecimentos necessários
para verificar se cada uma das informações em seus livros didáticos de
Geografia e Biologia estão corretas? Em História, também; quase tudo o que
aprendemos não pode ser verificado: baseamos nosso conhecimento em fontes históricas
que são muito subjetivas e, em certos casos, imprecisas. Contudo, as aceitamos
e aceitamos os fatos como verdadeiros. E não apenas as crianças acreditam no
que lhes é ensinado. Mesmo os adultos têm de dar, com frequência, muitos votos
de confiança, acreditando no que lhes dizem. Por exemplo, damos um voto de
confiança sempre que compramos um medicamento em uma farmácia: quem tem tempo e
recursos para enviar o medicamento para um laboratório verificar se está tudo
certo? E ainda que o mandássemos ao laboratório, teríamos que confiar que eles
o verificariam corretamente. Da mesma maneira, sempre que entramos em um avião,
damos um voto de confiança ao piloto, confiando que ele tenha capacidade de o
pilotar, mesmo sem o conhecermos pessoalmente, e também confiamos que a
aeronave esteja perfeitamente apta a voar, apesar de a maioria de nós não saber
coisa alguma sobre aviação e pilotagem. Praticamente tudo o que alegamos saber
se baseia em fé, em maior ou menor grau, pois é impossível ter certeza absoluta
de algo, qualquer coisa que seja. De tempos em tempos, somos lembrados disso:
os jornais admitem ter apresentado de maneira errônea os fatos; descobrem-se
erros factuais em livros didáticos; uma empresa farmacêutica é processada por
conter informações errôneas nas bulas acerca dos ingredientes, dosagens e
instruções. Contudo, apesar de todas as informações erradas e os percalços,
temos confiança nos professores, nos pilotos e nas empresas que produzem e
manuseiam os alimentos que ingerimos e os medicamentos que tomamos. Quando
alguém alega ser cético, esse alguém não está fazendo uma afirmação precisa. Um
verdadeiro cético despido de qualquer fé não aceita nada sem que ele próprio o
possa verificar. Mas isso é impossível de ser feito. Mesmo o mais cético dos
cientistas precisa fundamentar suas pesquisas e resultados em várias premissas,
e mesmo aquele que é paranoico e obcecado por teorias da conspiração tem de
aceitar que certas coisas são verdadeiras. Mesmo o ser humano menos crédulo tem
de ter fé a cada instante de sua vida, desde acreditar que o Sol irá nascer no
dia seguinte até crer que um gigantesco meteoro não colidirá com a Terra,
fazendo-a desaparecer. Se as pessoas não tivessem fé alguma, elas não
investiriam no futuro – nem em seus estudos nem em sua carreira, que dirá em
poupar para sua aposentadoria – porque ao fazê-lo precisam ter fé de que
estarão vivas para colher o que plantaram. A fé é onipresente e ninguém vive
sem tê-la. Mas podemos decidir o que aceitar como fé e o que não. É importante
observar, porém, que a percepção da dicotomia entre “questões de fé” e “fatos
incontestáveis” tem menos a ver com racionalidade do que com o que é
socialmente aceito em nossa sociedade, grupo social ou em nosso período
histórico. Aquilo que é do “conhecimento de todos” é algo que não nos sentimos
obrigados a comprovar, ao passo que tudo aquilo que não é parte do saber geral
da maioria das pessoas fica a critério dos crédulos – ou seja, dos que creem.
Todos nós conhecemos pessoas que não frequentam sinagogas ou igrejas pelo fato
de julgarem não haver provas da existência de D’us, mas que falam, com
naturalidade, sobre as vibrações ou buscam a cura nos cristais, ou mesmo que
consultam a página de Astrologia no jornal. Nem todas as pessoas creem em tais
superstições; algumas preferem aderir a outras menos óbvias, como acreditar em
tudo que leem nas mídias sociais ou se deixar levar por influenciadores
digitais e celebridades. Há pessoas que se recusam a procurar um lugar de
oração porque alegam não ter provas de que as orações são eficazes, mas que
creem que se vestir com roupas de certas cores no Réveillon traz boa sorte. Há
muita fé e talvez mesmo um excesso de credulidade nos seres humanos – mesmo
entre aqueles que se vangloriam de serem céticos e racionais. A questão é: por
que essa abundância de crença não inclui, na maioria das vezes, a fé em D’us?
Talvez seja porque exige muito esforço o fato de se abrir a essa possibilidade,
e talvez até uma mudança significativa na vida da pessoa. A principal razão para
tantas pessoas acreditarem em superstições e, por outro lado, serem tão
esquivas a ter fé em D’us é porque é muito fácil e não exige esforço algum crer
em coisas banais. Já as crenças religiosas, essas carregam em si muitas
consequências mentais, morais e práticas. Outra razão para o fato de os seres
humanos aceitarem tantas coisas sem exigir qualquer prova é simplesmente o fato
de não considerarem tais coisas importantes ou significativas. Por exemplo, se
perguntássemos a um estudioso de História em que época viveu Alexandre, o
Grande, essa pessoa nos daria a data e provavelmente vários detalhes sobre sua
vida e seus feitos. Ninguém duvida da existência desse grande líder militar
grego. E por quê? Acreditamos na sua existência graças a registros históricos bastante
antigos a respeito de eventos que ocorreram há mais de dois milênios.
Obviamente, nenhum de nós conheceu Alexandre, o Grande, em pessoa. Acreditamos
que tenha existido porque aceitamos como verdade o que nos dizem os livros de
História da Civilização. Certamente há evidências circunstanciais que embasam a
crença em sua existência, e mesmo o Talmud se refere a ele. Mas não podemos
dizer que temos certeza de sua existência como temos dos governantes atuais.
Alexandre, o Grande, viveu há muito tempo e ninguém tem como afirmar que haja
prova absoluta e irrefutável de que ele não seja um personagem de ficção. Por
que, então, é tão fácil as pessoas acreditarem na existência de Alexandre, o
Grande? Porque não nos importa, ao menos para a maioria de nós, se ele
realmente existiu. Se não existiu, mas é fruto da invenção de alguém, que
diferença faz? Da mesma forma, aceitamos dados sobre o tamanho do Oceano
Pacífico e sobre a altitude do Monte Everest. Essas crenças não trazem
consequências, por isso aceitamos como verdadeiras as informações dos livros
didáticos e dos mapas-múndi. No entanto, há certas crenças que acarretam muitas
consequências. A fé em assuntos importantes e existenciais deixa muitas marcas
em nossa vida: molda nossa visão de mundo e nosso comportamento, o certo e o
errado e nossos valores de vida. A existência Divina obviamente tem implicações
extensas. A aceitação de um princípio de fé não é difícil – nós o fazemos o
tempo todo. O difícil é aceitar as consequências inerentes a esse princípio. Milagres
e fenômenos naturais. Quando, em 1961, os primeiros cosmonautas soviéticos
retornaram do espaço, o premiê Nikita Khrushchev lhes perguntou: “Vocês viram
alguém lá em cima?”. Quando responderam negativamente, Khrushchev declarou,
alegremente, que isso constituía a prova derradeira de que D’us não existia. O
raciocínio do líder soviético era que se os cosmonautas não viram D’us no
espaço sideral – o lugar onde tantas pessoas acreditam, erroneamente, que Ele
se encontra –, isso significava que Ele inexistia. O problema óbvio com a
conclusão do líder soviético – além do fato de que D’us não é um ser físico – é
que várias coisas que existem no mundo e têm profundo impacto em nossa vida não
podem ser captadas por nossos cinco sentidos. O fato de os seres humanos não
conseguirem ver algo obviamente não significa que esse algo inexista. Um
exemplo atual e relevante, ainda que infeliz: não podemos ver a olho nu, falar,
ouvir, tocar ou cheirar o Coronavírus. Contudo esse vírus virou o mundo de
cabeça para baixo, afetando a vida de bilhões de pessoas. Os cientistas têm as
ferramentas avançadas – potentes microscópios – que lhes permitem identificar o
vírus. Mas, e se vivêssemos em uma época em que não se tinha o conhecimento
científico nem esses poderosos microscópios para ver e identificar o
Coronavírus? E mesmo hoje, apesar de todos os óbitos e destruição, há pessoas
que alegam que o Coronavírus é uma fraude. Talvez essa gente siga o mesmo
raciocínio que Khrushchev utilizou para tentar negar a existência Divina:
aquilo que não conseguimos ver não existe. E mesmo quando os cientistas
fornecem imagens aumentadas do vírus, essas pessoas dizem que se trata de uma
invenção da comunidade científica e da indústria farmacêutica que lucra com a
mesma. Não há comprovação que baste para alguém que se recusa a crer em algo.
Se há pessoas que esperam ver D’us “andando” pelo espaço sideral, elas ficarão
desapontadas pois não O encontrarão. Há pessoas que entendem que um Ser
Infinito não é corpóreo – e que, portanto, não pode ser visto –, mas que pedem
milagres como prova da existência Divina. No entanto, filosoficamente – como
indicou Maimônides (o Rambam) há quase um milênio – um milagre não prova coisa
alguma. Um milagre apenas significa que algo de extraordinário ocorreu, e
apenas isso. Um milagre que viola o que conhecemos por leis da natureza é
simplesmente o que é: algo surpreendente que está além do que entendemos das
leis da Ciência. Por exemplo: o relato que consta na Torá sobre o cajado de
Aaron ter virado uma serpente e depois voltar a ser um cajado é muito
surpreendente e sobrenatural – não há explicação científica para isso. Mas não
tem nada que ver com a existência de D’us. Nem sequer comprova que Aaron e
Moshé eram emissários Divinos, pois, como a própria Torá nos conta, os
feiticeiros do Faraó também souberam replicar esse feito sobrenatural. Os
eventos sobrenaturais não provam que D’us exista. Tudo o que provam é que o
mundo não é totalmente regido pela lei natural. Um evento sobrenatural é apenas
uma anomalia – e nada mais. De fato, pode mesmo nem ser um evento
significativo. Há uma parábola na literatura árabe que se aplica à nossa
discussão. Um velho filósofo estava perdido em uma ilha com um jovem discípulo.
Ele havia educado o jovem, ensinando-lhe tudo o que sabia. Quando cresceu, o
aluno perguntou ao mestre: “Como viemos parar neste mundo?”. E o professor lhe
descreveu o processo. O jovem, apesar de sua educação e respeito pelo mestre,
respondeu: “Isso que você me diz é uma ficção tão mirabolante que não dá para
se acreditar. Por experiência própria sei que se eu não respirar por dois
minutos, morro. E agora você vem me dizer que eu sobrevivi durante nove meses
sem respirar! Isso claramente é uma impossibilidade, sem lógica alguma, e prova
cabal de que toda essa história é inventada!”. Um dos pontos dessa parábola é
que mesmo uma teoria improvável não compromete a realidade. Se algo existe,
simplesmente existe, quer seja provável ou improvável, quer acreditemos nesse
algo quer não, quer possamos ou não provar sua existência. Se é, é; se não é,
não é. Não importa quão plausível ou implausível seja algo, as opiniões de
terceiros não têm impacto algum em sua existência ou inexistência. Por exemplo,
acreditamos que as girafas existam porque a maioria de nós já as viu. Por outro
lado, há pessoas que não creem na existência do Leviatã – uma gigantesca
criatura marinha mencionada no Talmud e no Livro dos Salmos – pelo fato de
nunca a termos visto. Mas se tivéssemos que descrever uma girafa a alguém que
nunca tivesse visto esse animal, essa pessoa poderia dizer que se trata de um
conceito implausível; as girafas não parecem mesmo criaturas plausíveis. O
planeta Marte, a galáxia de Andrômeda e as girafas existem – quer acreditemos
ou não em sua existência. E existem independentemente do fato de acreditarmos
ou não em sua existência. Da mesma forma, a existência de D’us independe de
seres humanos que acreditem ou não em Sua existência. D’us existe mesmo que
ninguém o creia. Como ensinou Maimônides, os fatos moldam as opiniões e não o
contrário – as opiniões não moldam os fatos. As coisas são verdade ou não;
existem ou não existem, independentemente das crenças e opiniões das pessoas. Os
Milagres de Pessach. Como o Êxodo do Egito marca a gênese do Povo Judeu
como nação, muitos creem, erroneamente, que os eventos que levaram à libertação
dos Filhos de Israel sejam as bases da Fé Judaica. Acreditam que a veracidade
do Judaísmo gira em torno do fato de as Dez Pragas do Egito e da abertura do
Mar serem decorrentes de milagres. E que, se houvesse explicação científica
para a razão disso ter ocorrido, a história do Êxodo do Egito não seria prova
alguma da existência de D’us e da veracidade da Torá. A verdade é que nós,
judeus, somos os primeiros a admitir, como ensinou Maimônides, que os milagres
não provam nada. O Judaísmo e seus princípios fundamentais, como o conhecimento
da Existência Divina, a Providência e a Revelação independem da ocorrência das
Dez Pragas e da abertura do Mar. Cremos em D’us e em Sua Torá não por causa do
Êxodo do Egito, mas por causa da Revelação Divina no Sinai, perante milhões de
pessoas. E por que o Judaísmo não se originou nos milagres ocorridos no Egito e
no Mar de Juncos? Porque, como vimos acima, milagres não comprovam a existência
de D’us nem a veracidade de religião alguma. Os membros de todas as religiões e
até os idólatras conseguiram realizar milagres. A própria Torá atesta isso ao
relatar que os feiticeiros do Faraó realizavam feitos sobrenaturais. Se um
milagre é definido por romper as leis da Natureza, então o maior milagre de
todos os ocorridos no Egito não foram as Dez Pragas nem a divisão do Mar. Foi,
como dissemos acima, o cajado de Aaron ter virado uma serpente e depois voltado
a ser o cajado. Chama atenção o fato desse fenômeno sobrenatural nem sequer
constituir uma das Pragas. De fato, como conta a Torá, nem chegou a
impressionar o Faraó, pois seus feiticeiros conseguiram replicar o mesmo feito.
Entre as Dez Pragas, a única que constituiu um fenômeno sobrenatural foi a
primeira: fazer as águas do Egito virarem sangue. Não há explicação científica
para isso. Mas como a própria Torá nos conta, os feiticeiros do Faraó também
conseguiram fazê-lo. Claramente, nem o cajado virar serpente nem as águas
virarem sangue provaram algo sobre a existência de D’us. Afinal, como poderiam
fenômenos sobrenaturais que podem ser realizados por feiticeiros politeístas,
idólatras e malvados atestar a existência de D’us? E as demais nove pragas e a
abertura do Mar nem mesmo foram sobrenaturais. Rãs, piolhos, insetos, pragas e
morte do gado, chagas, granizo, nuvens de gafanhotos, trevas e a morte súbita
dos primogênitos foram eventos assombrosos, mas não sobrenaturais. Há
explicações científicas até para o fato do granizo que abateu o Egito conter
fogo. Quanto à abertura do Mar, isso poderia ter sido causado por um tsunami.
Ironicamente, as últimas oito pragas, que não eram sobrenaturais, foram as que
os feiticeiros egípcios não conseguiram reproduzir: eles conseguiram replicar
apenas a praga do sangue – que foi, de fato, sobrenatural – e a praga das rãs.
Isso serve de corroboração de que não podemos definir um milagre como sendo uma
violação das leis da natureza, pois nove dos dez milagres que D’us realizou
para libertar os judeus do Egito não foram fenômenos sobrenaturais. O que,
então, houve de milagroso nas Dez Pragas e na abertura do Mar, que constituem
um dos temas principais do Seder de Pessach? Foi o
fato de terem caído sobre os egípcios, poupando os judeus. O Faraó libertou os
Filhos de Israel não pelo fato de o Egito estar assolado por desastres, pois
estes ocorrem de tempos em tempos. Tampouco o impressionou o cajado de Aaron
ter transformado as águas do Egito em sangue; seus feiticeiros também o
fizeram. O que perturbou o Faraó foi o fato desses fenômenos só terem ocorrido
com os egípcios, não com os judeus, que viviam na mesma terra. O mesmo se
aplica às demais pragas, já que nenhuma delas caiu sobre os judeus e suas
propriedades. Por exemplo, como foi possível que uma praga apenas matasse o
gado dos egípcios, sem afetar nem um único animal dos milhões de judeus que
viviam no país? Seus animais não eram diferentes daqueles dos egípcios. Não há
explicação lógica para os animais pertencentes aos judeus terem sido poupados.
A 10ª praga finalmente derrubou o Faraó – não devido à morte súbita no Egito,
mas porque foi direcionada a alvos específicos – os primogênitos egípcios,
poupando todos os judeus. Finalmente, ficou claro ao Faraó aquilo que seus
feiticeiros lhe tinham alertado, no momento em que não conseguiram replicar a
terceira praga, a do piolho: tudo o que ocorria não era causado por forças
aleatórias da natureza, mas eram ato de um Poder Superior que claramente punia
os egípcios. Assim sendo, a definição de um milagre – como explicamos em um
artigo anterior em Morashá (Ed. 106, Os Milagres no
Judaísmo) – não é necessariamente um evento sobrenatural, mas um
favorecimento e ato de graça Divinos. O que as Dez Pragas e a abertura do Mar
demonstraram, ao Povo de Israel e ao Faraó e seus magos, foi que Aquele que controla
as forças da natureza poupou os judeus enquanto castigava os egípcios. O Mar de
Juncos, as fontes de água de um país, as rãs, os piolhos e as demais pragas não
diferenciam entre os cidadãos de diferentes nacionalidades. A única razão
lógica para as pragas pouparem os judeus foi o fato de não serem desastres
naturais, mas sim, recursos usados pelo Todo Poderoso. Ou seja, os milagres do
Egito não foram as pragas, mas o fato de terem sido instrumentos da Divina
Providência. Se as pragas também tivessem atingido os judeus, não haveria
milagre e o Povo de Israel não teria sido libertado. A Graça Divina a favor dos
judeus expressa pelas Dez Pragas é o tipo de milagre que pode reforçar a fé na
existência de D’us – a percepção de que os eventos no mundo, naturais ou
sobrenaturais, não são aleatórios, mas sim, orquestrados por um Poder Superior.
O propósito de um milagre, portanto, não é a violação das leis da natureza. O
propósito de um milagre é nos fazer lembrar que há um Ser Superior que coordena
tudo o que ocorre no mundo, sejam essas ocorrências fenômenos naturais ou
sobrenaturais. Em Pessach, e particularmente durante o Seder,
narramos e celebramos os milagres – os favorecimentos Divinos – que conduziram
à libertação de nosso povo da escravidão egípcia. Mas temos que enfatizar que
mesmo os milagres da Providência Divina expressos nas Dez Pragas não constituem
o berço do Judaísmo. Cremos na veracidade do Judaísmo não apenas por causa dos
eventos que levaram ao Êxodo do Egito, mas por causa da Revelação Divina no
Monte Sinai. Como explica o Sefer HaChinuch: Se D’us não Se tivesse
revelado a todo o Povo Judeu no Monte Sinai e nos dado a Sua Torá, uma pessoa
desafiadora poderia dizer, ao ver todos os milagres que Moshé realizou perante
o Faraó e perante o Povo de Israel: “Quem sabe se Moshé os realizou por meio do
poder de D’us ou por meio de técnicas demoníacas de sabedoria ou do poder do
nome dos anjos?”. E apesar de que todos os sábios e feiticeiros
egípcios disseram ao Faraó que Moshé fizera os milagres
por meio do poder de D’us, como está escrito: “É o dedo de D’us” (Êxodo 8:15),
mesmo assim uma pessoa obstinada ainda poderia dizer: “Tudo se deveu à
superioridade de conhecimento de Moshé sobre a magia e as forças demoníacas que
o levaram a fazer as mágicas – e foi por isso que os magos egípcios cederam
perante ele”. Em outras palavras, um cético poderia argumentar que Moshé
dominava certas artes de magia que eram desconhecidas pelos egípcios, e por
isso estes atribuíram os milagres a D’us apenas por desconhecerem o fato de que
tais atos milagrosos podiam ser realizados por outros meios. Contudo, depois
que o Povo de Israel vivenciou a profecia no Monte Sinai, ouvindo a Voz de
D’us, não houve mais lugar para ceticismo algum. E eles entenderam claramente que
todos os atos de Moshé haviam sido efetuados sob o comando do Mestre do
Universo e que Sua Mão comandara tudo o que lhes ocorrera. Uma das razões
para Pessach ser considerado a Festa da Fé é que apesar de
haver documentos históricos e achados arqueológicos que atestem os relatos da
Torá sobre as Dez Pragas, é preciso termos fé e acreditarmos nelas, assim como
fazemos ao estudar História Antiga. E ainda, uma pessoa cética pode sempre
argumentar que essas pragas não provam a Existência Divina, pois pode ter sido
apenas uma incrível coincidência o fato de terem assolado apenas os egípcios,
poupando os judeus. Alguns desses argumentos são válidos, e é por essa razão
que o Êxodo não constitui a base do Judaísmo. A história da saída do Egito é
relatada pelo segundo livro da Torá e está associada a muitos mandamentos do
Judaísmo, inclusive à própria mitzvá de mencionar o Êxodo
todos os dias de nossa vida. Contudo, as Dez Pragas e a abertura do Mar de
Juncos não constituem a base do Judaísmo. Afinal, como ensinou o Rambam, os
milagres não provam nada. Mas os eventos históricos, particularmente quando
envolvem milhões de pessoas, como foi a Revelação Divina no Monte Sinai, exigem
uma medida de fé, mas o tipo de fé que é usado pelos cientistas e historiadores
respeitados e por todos aqueles que buscam sinceramente a verdade – a fé que é
aceita como fato apenas porque se baseia em evidência concreta. Pessach celebra
a liberdade do Povo Judeu, mas apenas marca o início de um processo que culmina
50 dias depois, na festa de Shavuot, quando celebramos a Divina
Revelação no Monte Sinai – um evento no qual a fé em D’us do Povo de Israel foi
corroborada com fatos concretos.
BIBLIOGRAFIA
Simple Words - Rabbi Adin Even-Israel Steinsaltz - Simon & Schuster. The
Schottenstein Edition Sefer Hachinuch / Book of
Mitzvos - Volume #1 - Artscroll – Mesorah. www.morasha.com.br. Abraço. Davi
Nenhum comentário:
Postar um comentário