Judaísmo. www.morasha.com.br.
Por Zevi Ghivelder. O ÊXODO DO SÉCULO 20. No dia 15 de junho de 1970, onze
judeus soviéticos capturaram um avião no aeroporto de Leningrado. Pretendiam
voar para a Suécia e de lá para Israel. Foram presos e no dia 28 de dezembro do
mesmo ano, sentenciados a longas penas. Este julgamento foi o estopim de um
protesto que transformou o Mundo Judaico e o Estado de Israel. A vida dos
judeus na Rússia e na União Soviética foi marcada por muitos séculos com sangue
e lágrimas. A repulsa aos judeus está entranhada na alma russa desde o século
11, quando se constituiu a Igreja Ortodoxa Russa que consagrou nos respectivos
cultos apenas o Novo Testamento e, portanto, ignorou as raízes bíblicas do Povo
Judeu, acusado para sempre como “responsável pela crucificação de seu Senhor”.
É um sentimento que perdurou por dois mil anos e até hoje permanece vivo. O
antissemitismo russo se intensificou a partir do século 19 com uma horrenda
sucessão de pogroms (matanças) que primeiro tiveram como alvos
aldeias com maioria de população judaica e depois se estenderam até cidades
como Kishinev, em 1903, e Kiev, em 1919, ambas na Ucrânia. A matança em Kiev
foi particularmente dolorosa para milhares de judeus que, impregnados pelo
nacionalismo e pelo marxismo emergente da 1ª Guerra Mundial, acreditaram que uma
sociedade igualitária significaria sua aceitação na sociedade. Reproduzo, a
seguir, um texto já publicado nestas páginas (Morashá, no.
78) que expõe de forma sucinta a traição dos bolcheviques aos judeus. No início
da revolução soviética, foi o judeu Leon Trotsky, cujo verdadeiro sobrenome era
Bronstein, quem assumiu as rédeas do país ao lado de Lenin. Somente meses mais
tarde, ao ocupar um posto menor no novo governo, o georgiano Iossif (depois
Joseph) Vissarianovitch Ivanovitch Djugashvili, autodenominado Stalin, criou um
departamento que deu origem à Yevsektzia, braço judaico do Partido
Comunista. De dezembro de 1918 a agosto de 1919 coube a este órgão a
bem-sucedida missão de abolir nas escolas judaicas o ensino do idioma hebraico,
proibir as lições religiosas, suprimir qualquer manifestação de caráter
sionista e eliminar todas as instituições judaicas tidas como incompatíveis com
o marxismo. Cumprida a tarefa, Stalin escreveu um artigo para uma publicação
soviética, no qual afirmou: “As massas judaicas agora têm sua pátria-mãe
socialista que está sendo defendida ao lado dos trabalhadores e camponeses
russos contra o imperialismo ocidental e seus agentes. A questão judaica não
mais existe na Rússia soviética. Os trabalhadores judeus e as massas operárias
doravante possuem direitos civis e nacionais”. E a última frase, uma síntese da
falsidade: “A cultura judaica não mais encontra obstáculos para o seu
desenvolvimento”. A maioria dos judeus se deixou iludir por tais declarações,
mesmo porque era espantosa a quantidade de judeus detentores de importantes
cargos no primeiro escalão do governo: Trotsky, Zinoviev, Sverdlov, Kamenev,
Radek, Kaganovitch, Litvinov, Yoffe e muitos outros em posição de destaque.
Depois de centenas de milhares de judeus terem lutado no Exército Vermelho
durante a 2ª Guerra Mundial, os anos subsequentes lhes foram terríveis com uma
breve pausa. Esta aconteceu em 1947 quando a União Soviética se colocou
vigorosamente a favor da causa sionista, com um célebre e inesperado discurso
pronunciado por seu embaixador, Andrei Gromyko, e votou a favor da partilha da
Palestina nas Nações Unidas. Aquilo que parecia um endosso soviético ao
Sionismo, era na verdade uma estratégia de Stalin destinada a eliminar a
presença britânica no Oriente Médio. Em outubro do ano seguinte a opressão
contra os judeus russos foi intensificada a partir da conturbada chegada de
Golda Meir a Moscou, como embaixadora do recém-criado Estado de Israel. Os
líderes comunistas não conseguiam acreditar no que se desenrolava perante seus
olhos: uma multidão de cerca de cem mil judeus havia se deslocado até o
aeroporto de Moscou para saudar a vinda da embaixadora. As autoridades não se
conformaram que30 anos depois da revolução bolchevique, a população judaica da
Rússia soviética, calculada em três milhões de pessoas, não tivesse total e
irrestrita fidelidade ao país em que vivia. Trinta meses depois, uma equipe
israelense de basquete desembarcou em Moscou para disputar um torneio
internacional. Na saída do terminal do aeroporto, o ônibus que conduzia os
jogadores foi cercado por uma multidão de judeus que aclamava os rapazes do
time e gritava em hebraico “No ano que vem, em Jerusalém! ”. Dessa vez, porém,
o regime já sabia como agir. A equipe de Israel deveria fazer a primeira partida
no estádio X que, na última hora, foi transferida para o estádio Y para evitar
o público judaico que, decerto, lotaria a arquibancada. O mesmo aconteceu no
jogo seguinte, com igual troca de estádios. Os donos do poder assim se
contentaram em varrer a repressão para debaixo do tapete. Para todos aqueles
acontecimentos a resposta soviética foi cruel. Em 1952, a elite dos escritores
e poetas judeus foi acusada de crimes inexistentes e rotulada com o selo mais
estigmatizante e impiedoso: eram cosmopolitas, seja lá o que isso pudesse
significar. Uma dezena de escritores e poetas foram executados. No ano
seguinte, a caça aos judeus teve como alvo um grupo dos melhores médicos do
país, ativos em Moscou, acusados de conspirar para envenenar os dirigentes do Partido
Comunista. Também foram assassinados. Stalin morreu em março de 1953, mas isso
não significou o arrefecimento do antissemitismo. Qualquer judeu que tivesse –
e havia milhares que tinham – um parente nas Américas ou na Europa era tachado
de cosmopolita e isso trazia consequências que se estendiam desde maus-tratos e
prisões até deportações para a Sibéria. Prevaleciam o pânico e o pavor. Um
irmão da minha avó materna, Liova, era residente de Leningrado, atual São
Petersburgo. Apesar de ter chegado ao posto de coronel-médico do Exército
Vermelho ficou marcado por causa de um pacote com presentes de ínfimo valor que
minha mãe lhe enviou pelo correio. Jamais conseguiu obter das autoridades um
apartamento pouco maior do que o quarto e sala onde vivia com a mulher e a
filha, dividindo o banheiro e a cozinha com outras cinco famílias. Outra irmã,
Sarah, emigrou em 1931 da Bessarábia para São Paulo, onde se casou com o
engenheiro elétrico Eduardo Annenberg, natural de Odessa. No início dos anos de
1950, obter um visto de turista para a União Soviética correspondia a uma
proeza que acabou sendo alcançada por um casal paulista de judeus que Eduardo
conhecia. Informou um endereço em Odessa, que talvez ainda fosse o de sua da
mãe, com a qual tinha perdido contato por causa da guerra. Pediu apenas que o
casal a procurasse e lhe dissesse que ele estava vivo e bem, trabalhando em São
Paulo. Os amigos encontram a dita senhora no endereço fornecido, mas a mulher
demonstrou enorme temor ao ter que falar com estrangeiros e bateu a porta com
uma só frase: “Eu não tenho nenhum filho chamado Eduardo”. Mas, enquanto os
judeus soviéticos estavam submetidos a uma letargia com relação à sua
ancestralidade nacional, os judeus de todas as partes do mundo não os tinham
abandonado. Nos Estados Unidos começou a ganhar corpo o movimento Let my
people go, deixe meu povo sair, a conclamação feita por Moisés ao faraó do
Egito. Em 1962, foi realizado no Hotel Glória, no Rio de Janeiro, um seminário
com dois dias de duração, focado na questão judaica na União Soviética,
presidido pelo escritor e pensador Alceu Amoroso Lima com a participação de
expressivos intelectuais brasileiros. O encontro resultou numa petição pela
liberdade dos judeus russos, entregue ao então presidente João Goulart que a encaminhou
para Moscou. A partir de 1960, em função de pressões internacionais, para as
quais o Kremlin, apesar de todo o seu poder, era sensível, os soviéticos
começaram a permitir que judeus e não-judeus solicitassem vistos de saída.
Mesmo cientes de que poderiam sofrer retaliações, as pessoas se arriscavam e
preenchiam infindáveis papéis burocráticos, nos quais se comprometiam a deixar
o país praticamente com apenas a roupa do corpo. Um jovem judeu chamado
Vladimir Slepak enfrentou a situação e cumpriu todas as formalidades. O visto
de saída foi recusado. As autoridades alegaram que, como ele era engenheiro e
havia trabalhado em diversas fábricas produtoras de materiais sensíveis,
poderia transferir segredos industriais para o Ocidente. Ele insistiu e sete
anos depois foi bem- sucedido. Outros milhares de judeus russos pediram vistos
e a maioria foi indeferida. Por isso passaram a se autodenominar refuseniks,
algo como recusados ou rejeitados. Esses refuseniks foram se
multiplicando com incrível rapidez e volume. Hoje, visto em perspectiva, se
constata que eles deixaram para o mundo o legado de uma coragem sem paralelo.
Sabiam que enfrentariam um futuro sombrio só por assinar aqueles formulários.
Como consequência, perderam os empregos e não puderam ter outros porque o
Estado era o único patrão. Mesmo com alta qualificação profissional, muitos se
conformaram em trabalhar, por exemplo, como varredores noturnos de ruas, porque
se não tivessem nenhum trabalho seriam acusados de parasitas e levados às
prisões. O caso de Yossef Begun é emblemático. Matemático de fama
internacional, também dava aulas clandestinas de hebraico. Quando pediu o visto
para emigrar para Israel, perdeu o emprego e foi deportado para um gulag (campo
de trabalhos forçados) na Sibéria.S ó chegou a Israel oito anos depois. A
miséria e a humilhação a que os refuseniks estavam submetidos
emocionou o mundo e impulsionou o movimento Let my people go.
Judeus e não-judeus de todos os continentes passaram a ajudá-los, inclusive com
remessas de dinheiro que em parte eram confiscadas pelas autoridades. Ao mesmo
tempo, a luta dos refuseniks chegou às páginas da imprensa
internacional com acentuado destaque. Um jornalista americano entrevistou
uma refusenik que não se deixava intimidar e perguntou se ela
não tinha medo de ir para a prisão. A mulher respondeu: “E onde você acha que
eu estou, agora?” No movimento em favor dos judeus soviéticos avultou a figura
de um homem extraordinário, chamado Yakov Birnbaum, que a história esqueceu.
Birnbaum nasceu em Hamburgo, Alemanha, em 1926. Com doze anos de idade foi
resgatado do nazismo para a Inglaterra no famoso Kindertransport, ao
lado de outras centenas de crianças. Completou um curso superior em Londres e,
em 1964, foi para Nova York onde fundou a Liga de Estudantes Pelos Judeus
Soviéticos, à frente da qual organizou manifestações de tal maneira ruidosas
que chegaram a impressionar os ativistas americanos em luta pelos direitos
civis. Essas manifestações aconteciam em diversos pontos da cidade e, de
preferência, em frente à missão soviética nas Nações Unidas. Ao longo dos anos,
Birnbaum foi incansável na coleta de fundos para os refuseniks. Em
dezembro de 1987, na véspera de um encontro entre Reagan e Gorbachev, mobilizou
um protesto que atraiu 200 mil pessoas, a metade delasnão-judeus. Yakov
Birnbaum morreu pobre e abandonado em Nova York, no dia 9 de abril de 2014. A
seu respeito, Nathan Sharansky, ícone dos refuseniks, declarou: “Ele foi
um dos primeiros que começou a nossa luta. Sem ele, o Êxodo dos tempos modernos
jamais chegaria a ser uma realidade”. Na década de 1960, a União Soviética se
havia tornado a maior fornecedora de material bélico para o Egito e a Síria,
além de liderar as esquerdas do mundo numa sistemática campanha destinada a
deslegitimar a existência de Israel. Apesar do rígido controle exercido sobre a
imprensa, o regime soviético não conseguiu ocultar a vitória de Israel na
Guerra dos Seis Dias. Esta vitória foi um rastilho que incendiou milhões de
judeus russos. Era como se tivessem despertado de um torpor de centenas de anos
para reencontrar suas identidades, consciências, valores e religião ancestrais.
De súbito, após tantas matanças e submissões, os judeus russos ficaram
extasiados com Israel, aquele pequeno e distante Estado Judeu que tinha
enfrentado e derrotado três exércitos inimigos em apenas seis dias. O orgulho
judaico iluminou os refuseniks que, em 1970, não tiveram medo
de protestar em Leningrado contra as sentenças impostas aos 11 judeus
sequestradores e que foram aclamados como heróis. A política de concessão de
vistos de saída para Israel ou outros países continuou em ritmo de conta-gotas
até os estertores da União Soviética, por mais dois anos, desde a queda do Muro
de Berlim até o colapso do sistema comunista. O fim do regime soviético
determinou a abertura dos até então lacrados portões da Rússia, proporcionando
a emigração de mais de um milhão de judeus para Israel, um êxodo com
verdadeiros contornos bíblicos, com a mesma dimensão de grandeza e de conquista
humana do êxodo do Povo Judeu do Egito, três mil anos atrás. Na história
moderna inexiste outro país que tenha aumentado a sua população em 20 por cento
no decorrer de uma década. O jornalista israelense Matti Friedman escreve que
tem na retina o desembarque, em 1991, de mais de uma centena de imigrantes
russos, ainda na escada do avião, trazendo pesadas roupas de inverno, que
seriam desnecessárias em Israel e sob iminente ameaça dos mísseis Scud, que,
naquela mesma hora, na 1ª guerra do Golfo, Saddam Hussein disparava contra o
país que os acolhia. Outro jornalista observou, 30 anos após a chegada da
primeira onda de judeus da União Soviética: “É como se em dez anos os Estados
Unidos tivessem absorvido toda a população da França e da Holanda”. Houve,
ainda, quem dissesse que o êxito dessa imigração era um milagre. Porém um
milagre, por mais milagroso que seja,nãoacontece duas vezes e no mesmo lugar. O
primeiro tinha ocorrido nos dois primeiros anos de independência, quando Israel
absorveu uma quantidade de imigrantes equivalente ao yishuv, a
população judaica que fincara os alicerces do novo país. A absorção dos russos
não foi um milagre, mas o resultado de enorme consciência nacional, de um
esforço econômico sem precedentes e de um complexo planejamento graças ao qual
para os recém-chegados não faltou água, sempre escassa no país, nem tetos que
os abrigassem, nem escolas para as crianças. A adaptação de um milhão de russos
em Israel foi tão única, tão insólita, tão consumada, que desafia a avaliação
dos mais minuciosos antropólogos e sociólogos. Embora chamados de russos, da
Rússia mesmo só emigrou um terço dos judeus, outro terço era oriundo da Ucrânia
e os demais viviam em diversas repúblicas soviéticas, com destaque para a
Geórgia. Todos estes, ao mesmo tempo em que se tornaram cidadãos israelenses
integrais, souberam preservara prática de seu idioma, sua cultura, tradições e
gastronomia. Dizem os entendidos que quem quiser saborear autêntica comida
russa, deve se dirigir aos restaurantes da cidade portuária deAshdod, ao sul de
Tel Aviv, também conhecida como “pequena Moscou”, onde se come o melhor pão
preto e salame do planeta. Não houve um choque entre a sociedade já existente e
a que lhe foi acrescida. Pelo contrário, houve uma complementação e um
enriquecimento nos meios de comunicação com a impressão de publicações em
cirílico, além de programas de rádio e de televisão falados em russo.
Contribuiu principalmente para tal sucesso o engajamento no serviço militar dos
jovens à medida que iam completando 18 anos de idade. Na verdade, os imigrantes
jovens tiveram um papel fundamental no processo de assimilação ao novo país.
Casais jovens acreditaram no futuro e não hesitaram em ter filhos,
proporcionando considerável aumento demográfico. Alguns cientistas políticos
julgam que essa geração, nascida no início dos anos de 1990, será a elite
política, científica e intelectual de Israel por volta de 2035. Por ora, muitos
deles, que estão na casa dos 19 aos 29 anos,jáse tornaram celebridades
como pop stars, atores e músicos. A par disso, como até agora só se
passaram 30 anos, ainda está para ser escrita a história de como médicos e
enfermeiras russos se tornaram um pilar no sistema de saúde de Israel; como
engenheiros, matemáticos, físicos e pesquisadores científicos obtiveram
conquistas tecnológicas que situaram Israel como o país mais inovador do mundo.
No início dos anos de 1990, o establishment político de Israel
se dividia em duas correntes majoritárias: o partido trabalhista e o
conservador, ou esquerda e direita como agora se prefere, inclusive com
rotatividade no poder. Os novos imigrantes não tinham a mais remota intimidade
com a democracia, mesmo porque nos últimos mil anos a Rússia não tinha
experimentado um só dia sem tirania. Eles tinham, sim, o mais profundo horror
ao regime comunista, com justa causa. Em pouco tempo os judeus russos
apreenderam os meandros do regime democrático, ignoraram a esquerda e se
voltaram para a direita, causando um impacto espetacular no espectro eleitoral
israelense. Assim, robusteceram o Partido Likud, então liderado por Ariel
Sharon, já admirado como o herói e salvador de Israel desde a Guerra do Yom
Kipur, em 1973, que também havia mobilizado e dado ânimo aos refuseniks.
A invalidez de Sharon em 2008 e morte seis anos depois propiciaram a ascensão
política de Binyamin Netanyahu, que conta com boa parte do eleitorado russo.
Mas, nem tudo são flores. Os imigrantes russos enfrentaram – e continuam
enfrentando – um sério problema em Israel. Conforme a Halachá, o
conjunto das leis judaicas, um judeu, homem ou mulher, deve ser necessariamente
filho de mãe judia. Na massa de imigrantes, cerca de 30 por cento dos casais
eram constituídos por casamentos mistos ou pelo homem ou a mulher convertidos
de forma duvidosa, não reconhecida pelo judaísmo, com raras exceções. Apesar de
a primeira lei vigente em Israel ter sido a Lei do Retorno, segundo a qual
qualquer judeu que se radicasse no país teria direito a imediata cidadania,
aquela parte dos imigrantes em conflito com a Halachá ainda
batalha para regularizar sua condição legal. Nos últimos anos as autoridades
religiosas têm sido mais flexíveis em função da mobilização da sociedade e os
israelenses têm a esperança de que a situação encontre um caminho para ser
resolvida. Integra esse movimento Nathan Sharansky, o mais proeminente, o
gigante dos refuseniks. Anatoli Sharansky nasceu na Ucrânia, então
pertencente à União Soviética, no dia 20 de janeiro de 1948 e se formou em
matemática no Instituto de Física e Tecnologia de Moscou. Foi cativado pela
luta em favor dos direitos humanos quando atuou como intérprete para o idioma
inglês dofísico Andrei Sakharov, incansável opositor do regime, alvo de cruel e
constante perseguição promovida pelo Kremlin. Em 1973, sensibilizado pela
Guerra doYom Kipur, pediu um visto para Israel, negado, conforme soube,
“por motivos de segurança”. Isto fez com que se aproximasse dos refuseniks e
se tornasse um dos mais combativos ativistas do movimento. Sobre seu
engajamento, anos depois escreveu: “Em poucas semanas eu me senti conectado com
meus irmãos judeus soviéticos e, mesmo longe, conectado com meus irmãos
israelenses e com os judeus de todas as partes do mundo”. Registrou em outra
publicação: “Na solicitação de vistos havia uma brecha legal que permitia a
reunificação de famílias, mas os judeus tinham medo de apontar a existência de
parentes no exterior. Além disso, as autoridades abarrotaram os pedidos de
vistos de saída com tormentosas exigências burocráticas, pensando que isto
levaria os judeus a desistir da solicitação. Ficaram assombrados quando, apesar
de tanto aparato, os pedidos dobraram”. A proeminência de Sharansky o
levou à prisão em 1977. No interrogatório a que foi submetido, não se intimidou
perante os inquisidores da KGB e lhes disse: “É uma afronta me dizerem que
estou contra o povo e a cultura da Rússia. Por acaso imaginam que Dostoievsky e
Tolstoi estejam do lado de vocês? Eles estão do meu lado! ”. No ano seguinte,
acusado de traição e de espionagem em favor dos Estados Unidos, foi condenado a
13 anos de encarceramento num gulag da Sibéria. Naquela
altura, Sharansky já era um nome internacionalmente conhecido e admirado como
porta-voz dos refuseniks. Petições por sua liberdade começaram a ser
entregues em dezenas de embaixadas da União Soviética. Mais uma vez o Kremlin
sentiu o golpe e, num esforço de relações públicas, começou a permitir que
cientistas, matemáticos, músicos e outros artistas judeus viajassem para o
Ocidente e comparecessem a entrevistas coletivas da imprensa. Eram os chamados
“judeus oficiais” que, em troca de privilégios, se prestavam àquele desprezível
papel. Anos depois, Sharansky escreveu: “De nada adiantou. O mundo percebeu que
somente as nossas vozes eram sinceras”. No dia 9 de fevereiro de 1986,
Sharansky foi libertado, por iniciativa de Gorbachev, e levado para Leipzig, na
Alemanha Oriental, onde atravessou a chamada “ponte dos espiões”, lugar de
troca de prisioneiros dos dois lados da Cortina de Ferro, e foi recebido no
lado ocidental pelo embaixador de Israel que ali mesmo lhe entregou um
passaporte israelense no qual, em vez de Anatoli, constava seu nome em
hebraico, Nathan. No dia 11, foi acolhido em Tel Aviv pelo então
primeiro-ministro Shimon Peres e em sua pátria sonhada começou uma bem-sucedida
carreira política que cobriu desde postos ministeriais até a presidência da
Agência Judaica, onde encerrou a carreira de homem público para se dedicar à
literatura. Há um momento especialmente significativo na saga de Sharansky. Na
Sibéria, quando foi aberta a porta da cela que o detinha, ele caminhou para a
liberdade levando como única bagagem seu Livro de Salmos. O guarda impediu a
saída do livro e Sharansky reagiu: “Então volto para a cela. Sem meu Livro de
Salmos, não vou”. Foi com esse livro embaixo do braço que Nathan Sharansky
desembarcou em Israel.
Bibliografia
Sharansky, Nathan, “Never Alone”, Public Affairs, EUA, 2020.
Sharansky, Nathan, “Não Temerei o Mal”, Best-seller, Brasil,
1988.
Friedman, Matti, “Israel’s Russian Wave”, Mosaic, novembro 2020.
Kosharovski, Iuli, “We Are Jews Again”, Syracuse University
Press, EUA, 2017. www.morasha.com.br.
Abraço. Davi
Zevi Ghivelder é escritor e jornalista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário