Vedanta. Texto de Swami Dayamanda Sarawasti. SOBRE A MORTE. Este é um extrato do
primeiro capítulo do Shrimat Sanatsujatiyam, uma seção do
grande épico Mahabharata, que foi comentada por Swami Dayananda durante
os encontros de estudo de março de 2007 no Ashram de Rishikesh, Índia. A
transcrição e tradução dos diálogos do épico e os comentários que Swamiji
entreteceu ao longo do texto, foi feita por Pedro Kupfer, para quem devem ser
creditadas as eventuais equivocações. Sejam todos muito bem-vindos. Temos um
texto muito interessante para comentar. Um texto que nunca comentei antes.
No Mahabharata, o grande épico, temos todos os assuntos possiveis:
administração, a arte da guerra. Todas as emoções humanas devidamente
ilustradas, o resultado e a conexão entre passado e presente, etc. Tem tanta
psicologia, tanto dharma. Tem valores. Para cada valor existe um
arquétipo. Como esses valores funcionam em situações dinâmicas, como aplicá-los
e interpretá-los corretamente. E, finalmente, o grande tema que é moksha,
a libertação. Depois, temos vários outros diálogos no épico, afora a Bhagavad
Gita, que apresentam moksha desde outros pontos de vista,
mas sempre considerando quem está lendo/ouvindo. Então, iremos olhar esta outra
conversação, entre outras duas pessoas. Estes não são Krishna e Arjuna. Este
épico tem algumas licencas poéticas. No entanto, as linhas gerais são
históricas. Quando você lê Ivanhoe, pode ter uma idéia de como eram
a Inglaterra e a Escócia no século XVI. Como havia ódio contra os judeus, como
era a sociedade, etc. Algumas personagens saíram da mente do autor, Walter
Scott. Mas o contexto é histórico. Da mesa forma, no Mahabharata também
partimos de uma situação histórica com personagens reais, onde, escrevendo de
forma muito poética, Vyasa ilustra os valores e como aplicá-los nas diferentes
situações dinâmicas da vida. Dentro deste épico, encontra-se o diálogo sobre a
morte conhecido como Shrimat Sanatsujatiyam, que acontece
entre o rei cego, Dhritarashtra, e o sábio Sanatsujata. O rei cego solicita
para o sábio que fale sobre a morte. Quer ouvir seu ensinamento sobre este
assunto: porque fala-se na tradição hindu que a morte "não existe"?
Todos sabemos que ela existe, sim. Se a morte não existisse, porque as pessoas
iriam querer fugir dela? Há alguma confusão a respeito disso. Tome por exemplo
o mantra Asato ma. Ele diz, 'Da morte, conduza-me à
imortalidade'. Amrityu significa o mesmo que moksha:
ver-se livre da morte. A Chandogya Upanishad também fala sobre
este assunto. Nesse texto, diz-se que até mesmo os devas morrem.
'Como você pode dizer que a morte não existe?', pergunta o rei cego para o
sábio. 'Gostaria de compreender esta aparente contradição. Esse é meu desejo',
diz Dhritarshtra. Todos os seres vivos estão sujeitos a momentos de sukhaduhkha,
prazer e sofrimento. Você está feliz mas, antes mesmo de se dar conta de que
está feliz, a sua felicidade já se foi. Isso acontece todo o tempo, pois
estamos condicionados pelo samsara. É preciso acharmos uma solução
para essa aparente contradição. É um fato que estamos condicionados pelo tempo
e pelo espaço. Isso é uma realidade. É algo que não muda. Se existe o ilimitado
em termos de tempo/espaço, deveríamos fazer como o mantra nos ensina;
liberar-nos da noção da morte: 'Da morte, conduza-me à imortalidade'.
Apresentando-se Dhritarshtra como um shishya (estudante),
Sanatkumara irá lhe transmitir o ensinamento por ele solicitado. Se todos os
organismos morrem, se a morte sobrevêm para todos os corpos, isso é apenas um
epifenômeno, um detalhe químico, por assim dizer. Não há dúvida de que a morte
é apenas para os organismos. O corpo morre. Nesta vida, viajamos de um lugar
para outro dentro destes corpos, que estão limitados pelo tempo e pelo espaço.
Ocasionalmente, apesar dessas limitações espaço-tempo, eu me aceito do jeito
que sou. Ocasionalmente, me vejo como alguém totalmente aceitável. O conhecedor
de atma é aquele que não tem mais confusões a respeito de quem
ele é. Atma não é um objeto de conhecimento. Quando alguém
diz eu te amo, está dizendo amo o que estou vendo de
você, mais o que estou imaginando sobre a parte que não vejo. É por isso que
dizem que o amor é cego. Você até se supreende de amar alguem nessas condições,
mas às vezes a outra pessoa se surpreende ainda mais. Chamam isso de sociedade.
Estou apenas apresentando a confusão que acontece habitualmente. Sanatkumara
irá esclarecer essa confusão neste texto. O Shastra (escritura)
ensina e clarifica a este respeito. Até mesmo aqueles que sabem que existe vida
após a vida, confundem-se em relação a isto. A explicação que Dhritarshtra pede
é para ficar tranqüilo em relação ao seu próprio investimento emocional, que
são seus filhos. Antes que Arjuna e o exército dos Pandavas comecem a guerra
com Duryodhana, ele precisa um esclarecimento para saber o que irá acontecer
com seus filhos, caso morram. No Mahabharata, este diálogo vem um
pouco antes da Bhagavad Gita e do início da grande guerra. Se
você olhar para os lados, observará apenas formas e mais formas. Formas e
substantivos (vastu) ficam totalmente associados em sua mente. Se eles
são a mesma coisa, quando a forma muda, o nome muda. Se a forma não muda, o
nome não muda. A maneira em que este assunto é introduzido é muito bela. Vyasa
apresenta Dhritarshtra como um rei que, pelo menos temporariamente, está são.
Vejamos o diálogo. I. Vaisampayana disse: 'Então, o ilustre e sábio rei
Dhritarashtra, havendo aplaudido as palavras faladas por Vidura, inquiriu
Sanatsujata em segredo, desejoso de obter o mais elevado de todos os
conhecimentos. E o rei questionou o sábio dizendo, 'ó Sanatsujata, eu
escuto que você é da opinião de que não há morte. No entanto, é dito que deuses
e asuras (demônios) fazem práticas de austeridade como forma
de evitar a morte. Desses dois diferentes pontos de vista, qual é o verdadeiro?'
Sanatsujata disse, 'Alguns dizem que a morte é evitável através de certas ações
particulares; outros opinam que não existe morte; me perguntas qual desses
pontos de vista é o verdadeiro. Escuta minhas palavras ó rei, enquanto eu
discurso sobre isso, de maneira que tuas dúvidas possam ser removidas'. 'Saiba,
ó guerreiro, que ambas opiniões são verdadeiras. Os educados são da
opinião de que a morte é um resultado da ignorância. Eu digo que ignorância é
morte e, portanto, que a ausência de ignorância é imortalidade. É por causa da
ignorância que os asuras tornan-se sujeitos a derrota e a
morte, e é a partir da ausência da ignorância que os deuses atingem a natureza
de Brahman. 'A morte não devora as criaturas como um tigre, ela não tem uma
forma definida. Além disso, alguns imaginam que Yama? seja a morte. Isto, no
entanto, acontece por causa da fraqueza [limitadora] da mente. 'A busca de
Brahman ou autoconhecimento, é imortalidade. Esse Deus da Morte, que habita a
região dos ancestrais, é a fonte da virtude para o reto e do sofrimento para o
equivocado. 'É obedecendo ao seu comando que a morte, na forma de ira,
ignorância e raiva, acontece entre os homens. 'Tomados pelo orgulho, os homens
se desviam do caminho reto. Deles nenhum é bem sucedido na tarefa da conquista
da sua natureza real. 'Com o entendimento nublado, e tomados pelas paixões,
identificam-se com seus corpos e morrem repetidamente. Eles estão sempre
dominados pelos seus sentidos. É por isso que a ignorância recebe o nome de
morte. Aqueles homens que desejam o fruto da ação, quando é chegado o momento
de desfrutar desses frutos, são conduzidos para o céu, abandonando os seus
corpos. Portanto, eles não podem evitar a morte. Criaturas encarnadas, vivas,
inaptas para alcançar o conhecimento de Brahman identificadas com os desfrutes
terrenais, continuam incessantemente subindo, descendo e girando no ciclo de
renascimentos. 'A inclinação natural do homem em relação a propósitos
ilegítimos é a única causa do erro a que são induzidos os sentidos. A pessoa
que é constantemente afetada pela busca de objetos irreais, lembrando apenas
aquilo com o qual ela está a cada momento ocupada, valoriza apenas os desfrutes
terrenais dos quais se cerca. 'O desejo do desfrute é o primeiro destruidor dos
homens. Lascívia desenfreada e ira seguem em seguida. Estes três, o
desejo, a lascívia e a ira conduzem os tolos à morte. 'Aqueles no entanto que,
através da autodisciplina, conquistaram o ser, escapam da morte. Aquele
que conquistou o Ser sem ser subjugado pelas suas
ambições, reconhece que estas não têm valor, com a ajuda do autoconhecimento.
'Ignorância, assumindo a forma de Yama [a morte física], não pode devorar o
sábio que superou seus desejos desta forma. XIII. 'O homem que segue os seus
desejos é destruído junto com eles. No entanto, aquele que consegue renunciar
aos desejos, pode certamente dispersar sua influência. 'O desejo é de fato
ignorância, trevas e sofrimento em relação a todas as criaturas, pois tomados
por ele, perdem os sentidos. XIV. 'Assim como, pessoas intoxicadas andam
tropeçando nos buracos da rua, da mesma forma os homens, sob a influência dos
desejos, enganados por alegrias ilusórias, correm em direção à destruição. XV.
'Que pode a morte fazer contra aquela pessoa que não se deixou confundir, nem
distrair pelo desejo para ele, a morte não inspira medo, é como um tigre feito
de gravetos. 'Portanto ó kshatriya, se a existência do desejo, que
é ignorância, deve ser destruída, nenhum desejo, nem até mesmo o menor, deve
ser pensado ou buscado. XVI. 'Este Ser, que habita seu corpo, associado à ira,
à raiva e à ignorância, é a própria morte. Sabendo que a morte surge desta
maneira, aquele que confia no conhecimento, não guarda medo dela. 'De fato,
assim como o corpo é destruído sob influência da morte, a própria morte é
destruída quando fica sob influência do conhecimento. XVII. Dhritarashtra
disse: 'os Vedas declaram a capacidade de emancipação daquelas regiões eternas
e sagradas, que são alcançadas através de preces e sacrifícios. Sabendo disso,
por que não deveria uma pessoa instruída recorrer a atos religiosos?' XVII.
Sanatsujata disse: 'De fato aquele que não têm conhecimento procede no caminho
indicado por você e os Vedas também declaram que esse caminho conduz a
emancipação e plenitude. Porém aquele que confunde o corpo material com o Ser,
tendo sucesso na renúncia aos desejos alcançará imediatamente a emancipação.
Se, no entanto, for buscar a emancipação sem renunciar aos desejos deve-se
proceder de acordo com um plano de ação prescrito, tomando-se o cuidado de
destruir os eventuais desvios da rota pela qual se passou'. XIX. Dhritarashtra
disse: 'Quem é esse, que é não nascido e eterno? Se ele é aquele que é todo
este universo, aquele que entrou em todas as coisas, qual pode ser
sua ação ou sua felicidade? Ó sábio erudito, explique esta verdade para mim!'
XX-XXI. Sanatsujata disse: 'Têm uma grande objeção em identificar completamente
as duas diferentes criaturas. As diferentes criaturas sempre derivam da união
das condições. Este ponto de vista não se contradiz com a supremacia do não
nascido que é o não nascido, os homens também se originam da união das
condições. Tudo isso que aparece não é sinal o Ser supremo e eterno. De fato o
universo é criado pelo Ser que sofre transformações. Os Vedas atribuem esse
poder de auto transformação ao Ser absoluto. Para essa identidade do poder e o
controlador, os Vedas e demais escrituras são a autoridade. XXII. Dhritarashtra
disse: 'Neste mundo alguns praticam a virtude e outros renunciam as ações. Em
relação aqueles que praticam a virtude: é a virtude eficiente para destruir a
equivocação ou ela é destruída pela equivocação?' XXIII. Sanatsujata disse: 'Os
frutos da virtude e da não ação perfeita, ambos são eficientes a este respeito.
De fato, ambos são meios seguros para alcançar a emancipação. O homem no
entanto, que é sábio, alcança o sucesso através do conhecimento. Por outro
lado, o materialista adquire mérito pela ação e consequentemente alcança também
a emancipação no decorrer do seu caminho ele incorre na equivocação. Havendo
colhido novamente os frutos da virtude e a equivocação que são transitórios, o
homem de ação, reforça o seu hábito de agir como uma consequência de seus
acertos e erros prévios. O homem de ação no entanto dotado de inteligência
neutraliza os seus erros através das ações virtuosas. A virtude portanto, é
forte e conduz ao sucesso o homem de ação. www.yoga.pro.br. Abraço.
Davi
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