Budismo.
Texto de Alexander Benzin. MEDO – LIDANDO COM AS EMOÇÕES PERTURBADORAS. O medo
é um dos principais obstáculos para alcançarmos qualquer coisa positiva na
vida. Sendo um estado mental confuso, é baseado na falta de consciência,
especialmente no que diz respeito ao significado da sensação de segurança.
Entretanto, podemos nos livrar das garras paralisantes do medo através de uma
ampla gama de métodos preventivos e emergenciais. Métodos de Emergência para Tratar do Medo. NO BUDISMO TIBETANO, a figura búdica feminina Tara
representa o aspecto de um Buda que nos protege do medo. Na verdade, Tara
representa os ventos energia do corpo e da respiração. Quando purificada, ela
representa também a capacidade de agir e alcançar os nossos objetivos. Este
simbolismo sugere diversos métodos de emergência de se trabalhar com a
respiração e com as energias sutis para se controlar o medo. Os
métodos de emergência derivam de práticas preparatórias (preliminares) que
fazemos antes de meditar, de estudar ou de escutar os ensinamentos. Por si
próprias, estas práticas ajudam-nos a acalmar em emergências, quando estamos
com um medo extremo ou começamos a entrar em pânico. Servem também como os
primeiros passos que tomamos antes de aplicarmos métodos mais profundos.
1. CONTAR OS CICLOS de respiração com os olhos
fechados, tomando como ciclo a inspiração e a expiração, e focalizando na
sensação da respiração ao entrar, ao ir para baixo, ao expandir o abdomen e
depois contrair e da expiração.
2. CONTAR OS CICLOS de respiração com os olhos
meio-abertos, focalizados frouxamente, olhando para baixo para o assoalho,
tomando como o ciclo a expiração, uma pausa e a inspiração, com o mesmo foco
descrito acima e, um pouco depois, adicionar a consciência da sensação das
nossas nádegas a tocar na cadeira ou no chão.
3. REAFIRMAR A MOTIVAÇÃO ou o objetivo que nós
queremos alcançar (tornarmo-nos mais calmos) e o porquê.
4. IMAGINAR QUE A MENTE e a energia tornam-se em foco
como a lente de uma câmara fotográfica.
5. SEM CONTAR A RESPIRAÇÃO, focalizar no expandir e
contrair da parte de baixo do abdómen consoante a respiração e sentir que todas
as energias do corpo estão a fluir harmoniosamente.
Que é o
Medo? O MEDO É UM
DESCONFORTO físico e emocional que sentimos sobre qualquer coisa conhecida ou
desconhecida, sobre a qual sentimos que não temos nenhuma capacidade de
controlar, lidar ou levar ao resultado que desejamos. Queremos livrar-nos daquilo
que temos medo e, por isso, há uma forte repulsão. Mesmo se o medo for uma
ansiedade geral, sem um objecto específico do qual temos medo, mesmo assim há
um desejo forte de nos livrarmos dessa “coisa” indefinida. O medo não é apenas raiva. No entanto, como a
raiva, o medo envolve o exagero das qualidades negativas do objeto do qual
temos medo e um exagerar do “eu.” O medo adiciona à irritação o fator mental de
distinguir ('du-shes, reconhecimento) que nós não podemos controlar ou
lidar com a situação. Prestamos então atenção (yid-labyed- pa)
àquilo que temos medo e a nós próprios, a partir desse modo de distinguir. Essa
maneira de distinguir e de prestar atenção pode estar correta ou incorreta.O Medo É
Acompanhado pelo Não-Apercebimento. O MEDO É
SEMPRE ACOMPANHADO pelo não-apercebimento (ignorância, confusão) de algum fato
da realidade – que entendemos, ou não, de uma maneira que contradiz a
realidade. Vamos considerar seis variações possíveis.
(1) QUANDO EXISTE O MEDO de não poder controlar ou lidar com uma
situação, o nosso medo pode ser acompanhado pelo não-apercebimento da causa e
efeito e do modo de existir das coisas. Os objetos conceitualizados (zhen-yul,
objeto implícito) a partir do nosso modo amedrontado de prestar atenção a nós
próprios e àquilo a que temos medo são:
·
um “eu” que existe de uma forma sólida que, apenas
por seu próprio poder deveria ser capaz de controlar tudo, assim como controlar
que a nossa criança não se venha a magoar
·
uma coisa que existe solidamente, por si própria,
sem ser influenciada por qualquer outra coisa, que deviamos ser capazes de
controlar apenas através dos nossos próprios esforços, mas que somos incapazes
de o fazer devido a uma falha pessoal.
Estas são maneiras impossíveis de existir e
maneiras impossíveis em que a causa e efeito trabalham. (2) QUANDO TEMOS MEDO
de não conseguir lidar com uma situação, o não-apercebimento que acompanha esse
medo pode ser sobre a natureza da mente e sobre a impermanência. Temos medo de
não conseguir controlar as nossas emoções ou a perda de uma pessoa amada e não
percebemos que as nossas experiências de dor e de tristeza são meramente o
surgir e a cognição de aparências. São impermanentes e vão passar, assim como a
dor de um dentista a brocar os dentes. (3) O MEDO DE SERMOS incapazes de lidar
com uma situação pode ser um medo de não podermos lidar com ela sozinhos. Pode
também envolver o medo de se estar sozinho e da solidão. Pensamos que podemos
encontrar alguém que possa aliviar a situação. Aqui, os objetos do conceito
são:
·
um “eu” que existe solidamente e que é
incompetente, inadequado, insuficientemente bom e sem nunca poder aprender
·
uma “outra pessoa” que existe solidamente, que é
melhor do que eu e que me pode salvar.
Esta é uma outra forma do não-apercebimento de como
os outros e nós existimos e do não-apercebimento da causa e efeito. Pode ser
correto que não tenhamos, neste momento, conhecimento suficiente para lidar com
algo, tal como com o nosso carro que avariou e outra pessoa pode ter esse
conhecimento e pode ser capaz de nos ajudar. No entanto, isso não significa
que, devido ao processo de causa e efeito, nós não possamos aprender. (4)
QUANDO ESTAMOS MEDO de alguém, por exemplo dos nossos empregadores, é porque
não estamos entendendo as suas naturezas convencionais. Os nossos empregadores
são seres humanos, com sentimentos, assim como nós. Eles querem ser felizes e
não querem ser infelizes, querem ser apreciados e não querem ser rejeitados.
Eles têm vidas fora do escritório que afetam o modo como eles se sentem. Se nós
pudermos nos relacionar com os nossos empregadores em termos humanos,
mantendo-nos cientes das nossas respectivas posições, nós teremos menos medo.
(5) SIMILARMENTE QUANDO TEMOS MEDO das serpentes ou dos insetos, também não
estamos entendendo que eles são, assim como nós, seres sencientes que querem
ser felizes e não querem ser infelizes. De um ponto de vista budista, podemos
não estar conscientes de que eles sejam a manifestação atual de um fluxo mental
individual sem ter uma identidade inerente como uma espécie ou outra. Não
estamos conscientes de que eles poderiam ter sido nossas mães em vidas
passadas. (6) QUANDO ESTAMOS COM MEDO de falhar ou da doença não estamos
conscientes das nossas naturezas convencionais como seres samsáricos limitados.
Nós não somos perfeitos e, naturalmente, vamos fazer erros e às vezes vamos
falhar ou ficar doentes. “O que é que você espera do samsara (sofrimento)?” Sentirmo-nos
Seguros. Numa perspectiva budista, sentirmo-nos seguros não
envolve:
·
virarmo-nos para um ser omnipotente que nos
proteja, uma vez que a omnipotência é impossível
·
a necessidade de satisfazer esse ser ou fazer
ofertas ou sacrifícios a fim de receber proteção ou ajuda, mesmo se esse ser
poderoso nos pudesse ajudar de algum modo
·
tornarmo-nos, nós próprios, omnipotentes.
Para nos sentirmos seguros, nós necessitamos:
1. DE SABER DO QUE temos medo e de reconhecer a confusão e o
não-apercebimento subjacentes ao medo
2. DE TER UMA IDEIA realista do que significa lidar com aquilo que tememos,
especialmente em termos de nos livrar da confusão subjacente
3. DE AVALIAR NOSSAS CAPACIDADES de lidar com aquilo que tememos, tanto no
momento presente como a longo prazo, sem as exagerar ou as diminuir, e
aceitando o estágio atual do nosso desenvolvimento
4. DE IMPLEMENTAR, NO ENTANTO, aquilo que podemos fazer – se o estivermos a
fazer, alegramo-nos; se não o estivermos a fazer, precisamos de tomar a decisão
de o fazer com o melhor das nossas capacidades e, depois [de tomarmos essa
decisão, precisamos de] tentar realmente fazê-lo
5. SE NESTE MOMENTO não conseguirmos fazê-lo completamente, precisamos de
saber como chegar ao ponto em que conseguiremos fazê-lo completamente
6. DE TER COMO OBJETIVO trabalhar para alcançar esse estágio de
desenvolvimento
7. DE SENTIR QUE ESTAMOS a seguir uma direção segura.
Estas sete etapas descrevem o que o budismo chama
“seguir uma direção segura” (tomar refúgio). Não é um estado passivo, mas um
estado ativo de dar uma direção segura às nossas vidas – a direção de
trabalhar, de uma maneira realista, para nos livrarmos dos nossos medos.
Consequentemente, sentimo-nos seguros e protegidos porque sabemos que estamos a
seguir numa direção positiva e correta na vida que nos vai eventualmente tornar
capazes de nos livrarmos de todos os problemas e dificuldades.
Uma Visão
Realista de Como Lidar com Situações Que Provocam Medo
Precisamos de nos lembrar que:
·
O que quer que seja que aconteça àqueles a quem
amamos ou a nós próprios é o amadurecer de uma enorme rede de forças kármicas
individuais, assim como forças históricas, sociais e economicas. Irão acontecer
acidentes e outras coisas que não queremos e nós não podemos proteger aqueles
que amamos, não obstante o quanto cuidadosos nós possamos ser e quanto nós os
aconselhamos a terem cuidado. Tudo o que nós podemos fazer é tentar dar bons
conselhos e querer-lhes bem.
·
Para superar os acidentes e o medo, precisamos
atingir a cognição não conceitual da vacuidade. No entanto, permanecer
totalmente absorvido na vacuidade não é enterrar a cabeça na areia. Não é fugir
do medo, mas sim um método de eliminar o não-apercebimento e a confusão que
fazem com que o nosso karma amadureça em coisas indesejáveis e que fazem com
que nós tenhamos medo.
·
Ao trabalharmos com a cognição não conceptual da
vacuidade para purificar o nosso karma, ainda continuaremos a experienciar
acidentes e medo durante todo o caminho até ao estágio da liberação do samsara
(arhatship). Isto porque a natureza do samsara é aos altos e baixos. O
progresso não é linear; às vezes as coisas correm bem e às vezes não.
·
Mesmo quando alcançamos a liberação, como um arhat,
vamos continuar a experienciar acidentes e coisas que não queremos que
aconteçam. Contudo, nós vamos experienciá-las sem dor ou sofrimento e sem medo,
porque estamos livres de todas as emoções e atitudes perturbantes. É apenas
nesse estágio de arhatship que nós vamos conseguir lidar completamente e mais
profundamente com todos os nossos medos.
·
Só quando alcançamos a iluminação é que já não
experienciamos acidentes ou acontecimentos de qualquer coisa indesejada. Só um
Buda não receia proclamar
o
os seus ou as suas próprias realizações, de todas
as boas qualidades e habilidades
o
os seus ou as suas próprias verdadeiras paragens
[cessações] de todas as obscurações que impedem a liberação e a iluminação
o
as obscurações das quais os outros precisam se
livrar para alcançarem a liberação e a iluminação
o
as forças oponentes em que os outros precisam
confiar para que eles próprios se livrem delas.
Métodos
Provisionais para Tratar do Medo
1. REAFIRMAR A TOMADA de uma direção segura na vida, através das sete
etapas acima indicadas.
2. AO ENFRENTAR UMA SITUAÇÃO assustadora, tal como um teste para o cancer;
imaginar a pior cena que pudesse vir a acontecer e imaginar o que aconteceria
depois e como nós iriamos lidar com isso. Isto ajuda a afugentar o medo do
desconhecido.
3. ANTER DE EMPREENDER ALGO, tal como chegar ao aeroporto a tempo de
apanhar o avião, ter várias alternativas preparadas de modo a que se uma
falhar, não ficarmos numa situação assustadora de não termos nenhuma outra
forma de alcançar o nosso objetivo.
4. COMO SHANTIDEVA ENSINOU, se houver uma situação assustadora e nós
pudermos fazer algo por ela, porquê a preocupação; faça apenas o que pode
fazer. Se não houver nada que possamos fazer, então porquê a preocupação; ela
não ajudará em nada.
5. UMA VEZ VAMOS experienciar o medo e a infelicidade durante todo o
caminho até à liberação, precisamos de focalizar nas nossas mentes como se elas
fossem tão profundas e tão vastas quanto o oceano e, quando o medo ou a
infelicidade surgirem, as deixar passar como uma onda no oceano. A onda não
perturba as profundidades calmas e quietas do oceano.
6. SE NÓS TIVERMOS acumulado suficiente força kármica positiva (mérito) a
partir das nossas ações construtivas, podemos confiar que vamos continuar a ter
um precioso corpo humano em vidas futuras. A melhor proteção ao medo é o nosso
próprio kárma positivo, embora precisemos de ter consciência de que a natureza
do samsara é andar aos altos e baixos.
7. FACE A UMA SITUAÇÃO assustadora, podemos encomendar ou executar um
ritual pedindo ajuda a um protetor do Dharma ou a uma figura búdica tal como a
Tara ou o Buda da medicina. Tais figuras não são seres omnipotentes que nos possam
salvar. Nós pedimos e abrimo-nos à sua influência iluminadora ('phrin-las),
por forma que ela possa agir como um fator de amadurecimento das forças
kármicas das nossas ações construtivas, previamente cometidas e que, de outro
modo, não poderiam ter amadurecido. Um efeito mais seguro é que a sua
influência iluminadora aja como uma circunstância para amadurecer as forças
kármicas das nossas ações destrutivas previamente cometidas em inconveniências
triviais que poderiam, de outro modo, ter amadurecido em sérios obstáculos que
iriam impedir o sucesso. Assim, em vez de termos medo das dificuldades, nós
damos-lhes as boas-vindas como “consumidoras” das forças kármicas negativas.
8. REAFIRMAR A NOSSA NATUREZA búdicas. Nós temos os níveis básicos de
consciência profunda para compreender situações difíceis e assustadoras
(percepção profunda qual espelho), para reconhecer padrões (percepção profunda
que iguala), para apreciar a individualidade da situação (percepção profunda
que individualiza), e para saber como agir (que pode incluir o entendimento de
que não há nada que possamos fazer) (percepção profunda que realiza). Temos
também o nível básico de energia para realmente agir.
9. REAFIRMAR QUE TER A NATUREZA búdica significa que temos a base para
todas as boas qualidades completamente dentro de nós. Em termos psicológicos
ocidentais, estas qualidades podem ser conscientes ou inconscientes (podemos
ter consciência delas ou não, e elas podem ser desenvolvidas até níveis
diferentes). Frequentemente, projetamos as qualidades inconscientes como uma
“sombra.” Porque o inconsciente é o desconhecido, a tensão de não estarmos
consciente dele manifesta-se como o medo do desconhecido e, assim, o medo das
nossas qualidades inconscientes desconhecidas. Assim, podemo-nos identificar
com o nosso lado intelectual consciente e ignorar ou negar o nosso lado
emocional e sensível desconhecido e inconsciente. Podemos projetar o lado
emocional e sentimental como uma sombra e termos medo de outros que são muito
emocionais. Podemos estar receosos do nosso próprio lado emocional e sentirmos
ansiedade de estarmos alienados dos nossos sentimentos. Se, conscientes, nos
identificarmos com o nosso lado emocional de sentimentos e negarmos o nosso
lado intelectual inconsciente, podemos projetar o lado intelectual como uma
sombra e ficarmos intimidados por aqueles que são intelectuais. Podemos ter
medo de tentar compreender o que quer que seja e sentir ansiedade de ser um
intelectual chato. Assim, precisamos de reafirmar ambos os lados como completos
dentro de nós, como aspectos das nossas naturezas búdicas. Podemos visualizar
os dois lados abraçando-se um ao outro, na forma de um casal, como numa
visualização tântrica, e sentirmos que nós próprios somos o casal completo, e
não apenas um membro do casal.
10.
REAFIRMAR UM OUTRO ASPECTO das nossas naturezas
búdicas, isto é, que a natureza da mente está naturalmente livre de todos os
medos e, assim, experienciar que o medo é meramente um evento efêmero e
superficial.
11.
REAFIRMAR AINDA OUTRO aspecto da natureza búdica,
que podemos ser inspirados por outros a ter coragem para enfrentar situações
assustadoras. Conclusão. QUANDO ESTAMOS TOMADO PELO MEDO, se nos lembrarmos desses métodos de
lidarmos com ele, conseguiremos nos acalmar e lidar de forma realista com
qualquer situação que pareça amedrontadora. www.studybuddhism.com.br. Abraço.
Davi.
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