Bhagavad Gita. Capítulo Dois. I. A
VERDADEIRA NATUREZA DO ESPÍRITO. Neste capítulo se ensina como se pode, por
meio da meditação filosófica, obter a verdadeira concepção do Universo, isto é,
o conhecimento da nulidade e instabilidade de todas as formas que existem no
mundo dos fenômenos, em contraste com o Ser Eterno, e como este conhecimento
nos conduz ao caminho da liberdade espiritual e da imortalidade.
Continua Sanjaya a contar:
1. KRISHNA, cheio de amor,
piedade e compaixão, disse a Arjuna, vendo a sua pungente tristeza e as
lágrimas nos seus olhos:
2. Donde te vem, ó Arjuna, essa
pusilanimidade? Esta fraqueza, indigna de um homem, faz-te infeliz, pois te
fecha as portas do céu (1).
(1) O homem que está cheio de
medo e dúvidas, afasta-se por si mesmo do céu da bem-aventurança, que é próprio
à alma que conhece a verdade.
3. Não te entregues a ela;
sacode de ti essa cisma desprezível, levanta-te resoluto e bravo, ó vencedor de
inmigos!
4. Respondeu Arjuna: Ó meu
caríssimo! Como posso eu atacar e combater a Bhishma e Drona, quando a ambos
respeito e estimo?
5. Seria melhor, para mim,
comer o pão seco e sem sabor de mendigo, do que ser o instrumento de morte a
estes nobres e respeitáveis homens, que eram meus preceptores e mestres! É
verdade que eles são ávidos a riqueza e o poder, sobre os quais há manchas de
sangue dos meus queridos!
6. Não posso dizer se é melhor
que nós os vençamos ou que eles nos vençam a nós. Mas sei que eu não desejaria
viver nem um minuto mais, se visse morrer os meus parentes e amigos, os filhos
do rei Dhritarashtra e o povo de Kuru.
7. Compaixão e ânsia comprimem
o meu coração, e a minha mente vacila diante do problema que se lhe apresenta.
Não sei o que devo fazer. Dissipa tu, ó KRISHNA, estas dúvidas; dize-me, qual é
o meu dever. Eu sou teu discípulo: prostrado perante Ti, peço que me dês as
instruções de que careço.
8. Tão confuso está o meu
entendimento, que não posso descobrir nada que acalme a febre da minha mente: o
meu interior está em fogo que seca as minhas faculdades. Ainda que eu ganhasse
um reino na Terra, cujo brilho excedesse a todos os outros reinos como os Sol
excede às estrelas, ou conseguisse o poder dos deuses e o domínio sobre os
exércitos celestes, minha aflição não diminuiria. Não, eu não quero combater.
9. Continua Sanjaya:
Depois de ter falado assim ao
Senhor da Criação, Arjuna caiu em silêncio.
10. Então KRISHNA, sorrindo
ternamente, dirigiu ao desanimado as seguintes palavras, achando-se ambos no
meio do espaço entre os dois exércitos.
Palavras do Verbo Divino (1)
11. Sem necessidade te
entristeces e afliges; contudo, as tuas palavras têm grãos de verdade. Elas
exprimem a sabedoria do mundo exterior (exotérica), mas não satisfazem à mente
interior (esotericamente); são, pois, apenas a expressão de uma parte da
verdade. Os sábios não se entristecem nem por causa dos vivos nem por causa dos
mortos.
12. Sabe, ó príncipes de Pandu,
que nunca houve tempo em que não existíssemos eu ou tu, ou qualquer destes
príncipes da Terra, igualmente, nunca virá tempo em que algum de nós deixe de
existir (1).
(1). O que no homem é divino, o
seu Ser verdadeiro, é eterno. Não nasce nem morre, e forma a sua
individualidade, que aparece periodicamente, vestida de corpo material, mas é
independente dele.
13. Assim como a alma, vestindo
este corpo material, passa pelos estados de infância, mocidade,
virilidade e velhice, assim, no tempo devido, ela passa a um outro corpo, e em
outras encarnações, viverá outra vez. Os que possuem a sabedoria da doutrina
esotérica (interior), sabem isto é, não se deixam influenciar pelas mudanças a
que está sujeito este mundo exterior.
14. Os sentidos dão-te, pelas
apropriadas faculdades mentais, o sentimento do calor e do frio, do prazer e da
dor. Mas estas mudanças vêm e vão, porque pertencem ao temporário,
impermanente, inconstante. Suporta-as com equanimidade, valentia e paciência, ó
príncipe!
15. O homem que não se deixa
mais atormentar por essas coisas - que se conserva firme e inabalável no meio
do prazer e da dor - que possui a verdadeira igualdade de ânimo: esse, crê-me,
entrou no caminho que conduz a imortalidade.
16. Aquilo que é irreal,
ilusório, não tem em si o Ser Real, não existe na realidade, e sim só na
ilusão; e aquilo que é o Ser Real, nunca cessa de ser - nunca pode deixar de
existir, apesar de todas as aparências contrárias. Os sábios, ó Arjuna, fizeram
pesquisas relativas a isto e descobriram a verdadeira Essência e o sentido
interior das coisas (1).
(1).Só aquele Ser, no homem que
é penetrado pela Verdade, pode conhecê-la, porque a Verdade é a sua essência e
conhece-se, no homem, a si mesma.
17. Sabe que o Ser Absoluto, de
que todo o Universo tem o seu princípio, está em tudo, e é indestrutível.
Ninguém pode causar a destruição desse Imperecível (2).
(2). O corpo é o instrumento do
Espírito; é a sombra incorpórea, em que a Luz se esforça por manifestar-se.
18. Estes corpos caducos, que
servem como envoltórios para as almas que os ocupam, são coisas finitas, coisas
do momento, e não são o verdadeiro Homem real. Eles perecem, como todas as
coisas finitas; deixa-os perecer, ó príncipe de Pandu, e, sabendo isto,
prepara-te para o combate.
19. Aquele que pensa, em sua
ignorância: "Eu mato ou Eu serei morto", procede como criança que não
tem conhecimento da verdade, porque o que é na realidade, é eterno, e o Eterno
não pode matar nem ser morto.
20. Conhece esta verdade, ó
príncipe! O Homem real, isto é, o Espírito do homem, não nasce nem morre.
Inato, imortal, perpétuo e eterno, sempre existiu e sempre existirá. O corpo
pode morrer ou ser morto e destruído; porém, aquele que ocupou o corpo,
permanece depois da morte deste (1).
(1). O Espírito é a vida mesma;
isto é, a Vida Eterna, de que a vida exterior, corporal, é só um reflexo, uma
manifestação de ordem inferior.
21. Quem conhece a verdade de
que o Homem real é eterno, indestrutível, superior ao tempo, a mudança e aos
acidentes, não pode cometer a estultice de pensar que pode matar ou ser morto.
22. Como a gente tira do corpo
as roupas usadas e as substitui por novas e melhores, assim também o habitante
do corpo (que é o Espírito), tendo abandonado a velha morada mortal, entra em outra,
nova e recém preparada para ele (1).
(1). A reencarnação é uma lei
Universal em toda a natureza. O espírito do homem desencarnado volta, depois de
um tempo de descanso, a ocupar um novo corpo, formando assim nova pessoa.
Enquanto a alma não tem conhecimento espiritual de si mesma este processo é
inconsciente.
23. O Homem real, o Espírito,
não pode ser ferido por armas, nem queimado pelo fogo; a água não o molha, o
vento não o seca nem move.
24. Ele é impermeável,
incombustível, indissolúvel, imortal, permanente, imutável, inalterável, eterno
e penetra tudo.
25. Em sua essência, é
invisível, inconcebível, incognoscível (2). Sabendo isto, não te entregues à
aflição pueril.
(2). Isto é, para o intelecto
exterior; mas é cognoscível (que se consegue conhecer) para a percepção
interior de homem espiritualmente iluminado.
26. Se, porém, não o crês, e
pensas que nascimento e morte são coisas reais, mesmo assim te pergunto: por
que te lamentas e entristeces?
27. Pois, em verdade, a morte
deriva do nascimento, e o nascimento dimana da morte. Não te aflijas, pois,
pelo inevitável
28. Aqueles que carecem da
Sabedoria Interior, ignoram de onde vimos e para onde vamos; conhecem só aquilo
que e transitório. No Ser Eterno, todas as coisas são compreendidas no estado
invisível; depois se fazem visíveis, e na morte tornam a ser invisíveis. Por
que então lamentar?
29. Quanto à alma, o Homem
real, Espírito ou Ser Eterno, alguns o tomam por coisa maravilhosa; outros ouvem
falar e falam dele como de uma maravilha, com incredulidade e sem compreensão.
Mas a mente mortal não compreende esse mistério, nem o conhece em sua
natureza verdadeira e essencial, apesar de tudo o que foi dito, ensinado e
pensado a seu respeito (1).
(1). Só pode compreender o Ser
Eterno, quem o realizou em si mesmo.
30. O Espírito, esse Homem real
que habita o corpo, é invulnerável e indestrutível: é a vida mesma. Não há,
pois, motivo para te abandonares à aflição e tristeza.
31. Deves estar atento ao teu
dever. Tu, que és um príncipe da casa dos guerreiros, tens por dever combater
com resolução e heroísmo.
32. O dever de um soldado é
combater, e combater bem. O combate justo honra o guerreiro e abre-lhe a porta
do céu. Livro Bhagavad Gita - A Mensagem do Mestre. Abraço. Davi.
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