Cristianismo.
Escrito pelo Mestre Eckhart (1260-1328). 46º SERMÃO ALEMÃO. Título em latim:
VIDENS JESUS TURBAS, ASCENDIT IN MONTEM, ETC. Mateus 5:1 “Jesus, vendo as
multidões, subiu a um monte e, assentou-se, os seus discípulos aproximaram-se
dele. E Jesus, abrindo a boca, os ensinava,
dizendo:” Lemos no Evangelho que Nosso Senhor evitou a turba e “Subiu a
montanha. Abrindo então sua boca ensinou sobre o reino de Deus”. “Ele ensinou”.
Santo Agostinho (354-430) diz: “Quem ensina coloca sua cadeira nos céus”.
Aquele que absorveria a instrução de Deus deve se colocar acima e transcender
toda a multiplicidade: a esta ele deve evitar. Para que possa absorver a
instrução de Deus deve ele se recolher e estar absorto em si, se voltando de
todos os cuidados e envolvimentos e também não traficando com coisas
inferiores. Os poderes da alma que tantos são e que têm todos um tão longo
alcance, ele os deve transcender a todos, até mesmo aqueles que procedem do
pensamento, apesar do pensamento poder realizar maravilhas em si mesmo. Mas
este pensamento também deve ser transcendido, para que Deus fale aos poderes
não divisos. Em segundo lugar, “Ele subiu as montanhas”. Isto quer dizer que
Deus mostra a sublimidade e a doçura de Sua natureza, da qual deve ser removido
tudo aquilo que é criatura. Ali ele não está ciente de nada mais além de Deus e
de si mesmo, enquanto imagem de Deus. Em terceiro lugar, “Ele subiu as
montanhas”. Isto indica Sua exaltação (aquilo que está elevado se encontra
próximo a Deus) e denota aqueles poderes que de Deus se encontram próximos. Em
uma ocasião Nosso Senhor foi com três de seus discípulos e os conduzindo a uma
montanha, lhes revelou a iluminação de Seu corpo, que teremos na luz eterna.
Nosso Senhor disse: “Lembrem-se do que eu lhes disse: o que viram aqui não foi
nem imagem nem semelhança”. Quando alguém evita a multidão, Deus dá a Si mesmo
à alma sem imagem ou semelhança. Mas todas as coisas são conhecidas por imagem
e semelhança. Santo Agostinho nos instrui sobre os três tipos de conhecimento.
O primeiro é corporal, percebendo as imagens como a vista as vê e como percebe
as imagens. O segundo é mental mas ainda assim admite as imagens das coisas
corpóreas. O terceiro é uma mente interna que não conhece nem imagem nem
semelhança e este conhecimento se parece com aquele dos anjos. Os níveis mais
elevados dos anjos são de três tipos. Um mestre diz que a alma não conhece a
si, exceto na semelhança, mas os anjos se conhecem a si e a Deus sem
semelhança. Ele subiu a montanha e foi transfigurado ante a eles. A alma se
transfigura, e se transforma, e é, forjada novamente naquela imagem que é o
Filho de Deus. A alma é criada na imagem de Deus, mas os mestres dizem que o
Filho é a imagem de Deus, e a alma é criada na imagem da imagem. Mas eu digo
mais: o Filho é uma imagem de Deus acima de todas as imagem, ele é uma imagem
da sua essência de oculta. Desde ali, onde o Filho é uma imagem de Deus, do
selo da imagem do Filho, a alma recebe sua imagem. A alma a tira de onde o
Filho também tira. O fogo e o calor são uma só coisa e contudo estão longe de
serem um só: o gosto e a cor de uma maçã são uma só coisa e contudo estão longe
de serem um só. A boca percebe o gosto e a vista nada pode fazer com isto; a
vista percebe a cor sobre a qual o paladar nada sabe. A vista busca luz, mas o
paladar opera no escuro. A alma conhece apenas o Uno: ela está acima da forma.
Disse o profeta: “Deus conduzirá sua ovelha a um pasto verdejante”. As ovelhas
são simples e assim se simplificam para uma só. Um mestre afirma que o percurso
do céu não pode ser tão obviamente observado, quanto em simples animais: eles
sem qualquer pensamento preconcebido prontamente aceitam as influência dos
céus, assim como o fazem as crianças que ainda não possuem uma mentalidade
própria. Mas aqueles que são espertos e cheios de ideias, são levados a uma
multiplicidade de ideias e de avaliações diferentes. Foi desta forma que nosso
Senhor prometeu que alimentaria suas ovelhas na montanha de verdes relvas.
Todos os seres são verdes em Deus. Todos os seres vêm primeiramente de Deus, e
em segundo lugar dos anjos. Aquilo que tem natureza de criatura tem em si
aquilo que é característico a todos as demais criaturas. O anjo tem em si
aquilo que está impresso em todas as criaturas. Tudo que Deus é capaz de criar,
os anjos já tem dentro de si e desta forma não ficam privados da perfeição que
as demais criaturas possuem. Por que tem o anjo tudo isto? Porque se encontra
tão chegado a Deus. Santo Agostinho disse: “Aquilo que Deus, cria tem um canal
através dos anjos”. Nas alturas todas as coisas são verdes. No cume da montanha todas as coisas se vêm
novas e verdes. Quando descem ao tempo empalidecem e desvanecem. No novo “verdor”
de todos os seres nosso Senhor irá alimentar suas ovelhas. Todos os seres que
se encontram nesse verde e nesta altura, assim como existem nos anjos, são mais
agradáveis à alma que qualquer outra coisa no mundo. Assim como o Sol é
diferente da noite, tão diferente também é o menor dos seres, como existe ali,
nos anjos do que o resto de todo o mundo. Portanto, quem quiser receber o
ensinamento de Deus deve subir nesta montanha ali Deus dará o ensinamento
perfeito no dia da eternidade onde tudo é luz. Aquilo que conheço de Deus, isto
é luz: aquilo que toca os seres é a noite. Aquilo é a verdadeira luz que não
tem contato como os seres. O que a pessoa conhece deve ser luz. Diz São João
“Deus é uma verdadeira luz que brilha na escuridão”. O que é esta escuridão? Em
primeiro lugar, que o homem deva se apegar a nada e segurar este nada, de ser
cego e de nada ficar sabendo das criaturas. Eu já disse antes: Aquele que veria
Deus deve se tornar cego. Em segundo lugar: Deus é uma luz que brilha na
escuridão. Ele é uma luz que nos cega. Isto quer dizer que é uma luz de tal
natureza que não pode ser compreendida. É sem fim. Em outras palavras, não tem
fim e não conhece fim algum. A alma ficar cega quer dizer que ela nada sabe e
de nada está ciente. A terceira escuridão é a melhor de todas e quer dizer que
não existe luz alguma. Um mestre diz que os céus não tem luz, que são por demais
elevados para tal: ela não brilha e não é nem quente nem fria. Assim nesta
escuridão a alma perdeu toda luz, tendo superado tudo que chamamos de calor e
de cor. Um mestre diz que a luz é a coisa mais elevada quando Deus nos dá
aquilo que havia prometido. Um mestre diz que o gosto de tudo aquilo que é
desejável deve ser elevado até a alma nesta luz. Um mestre disse que não
existiu nada jamais, por mais sutil que fosse que tivesse chegado ao chão da
alma exceto Deus apenas. Quais ele dizer com isto que Deus brilha numa
escuridão onde a alma supera tudo aquilo que é luz: pode ser que em seus
poderes ela receba a luz e a doçura e a graça, mas em seu chão nada recebe
senão Deus em sua nudez. Quando o Filho e o Espírito Santo fluem desde Deus, a
alma os recebe em Deus: mas o que mais do que isto fluir Dele, em luz e em
doçura, a alma recebe em seus poderes. De acordo com as melhores autoridades,
os poderes da alma e a alma mesma são uma coisa só. O fogo e seu brilho são uma
só coisa, mas quando o fogo desce até a razão ele se transforma em uma outra
natureza. Em terceiro lugar, isto é uma luz que está acima de todas as demais
luzes: ali a alma supera toda luz “no cume da montanha”, onde luz alguma
existe. Onde Deus irrompe no Filho, ali a alma não fica presa. Se tomamos algo
de Deus quando está Ele fluindo para fora, a alma não se detêm ali: este lugar
onde a alma supera todas as luzes se encontra mais elevado, onde ela supera
toda luz e todo conhecimento. Portanto ele diz: “Eu os libertei e reuni,
conduzindo-os às suas terras e a um pasto verde”. Numa montanha ele abriu sua
boca. Um mestre diz que nosso Senhor abre de fato sua boca aqui em baixo, nos
ensinando através das Escrituras e dos seres. Mas São Pedro diz: “Agora Deus
nos falou através de seu Filho único”. Nele conhecerei tudo desde o mais
elevado ao menos elevado e tudo de uma só vez em Deus”. Possa Deus nos ajudar a
superar tudo que não seja Deus. Amém. Abraço. Davi.
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