quarta-feira, 30 de agosto de 2017

III. MAÇONARIA.

Maçonaria. Texto de Lourivaldo Perez Baçan. MAÇONARIA E SATANISMO. Capítulo Nove. Sempre houve uma polêmica oposição da Igreja contra a Maçonaria. Na raiz de todos os entreveros que ocorreram ao longo do tempo, está o segredo maçônico e a natureza do juramento feito pelo neófito, ao ser aceito. Para a Igreja, esse juramento é perjuro e profano, mas o grande problema era a firme atuação da Ordem contra os desmandos da própria Igreja. Nesse jogo de forças, um personagem no mínimo singular surgiu, incendiando essas relações com uma farsa inimaginável. Esse homem chamava-se Leo Taxil (1854-1907). Taxil foi, sem sombra de dúvida, um dos mais refinados vigaristas de todos os tempos, conseguindo enganar por um bom tempo a Igreja Católica e confundindo a opinião pública, ligando a Maçonaria, instituição respeitável, com o culto do Satanismo, estigma de que ela jamais conseguiu libertar-se ao longo do tempo. Essa mistificação foi e ainda é utilizada por todos os detratores da Maçonaria que ignoram que suas acusações baseiam-se numa das mais perfeitas enganações de todos os tempos. Após uma série de farsas montadas para enganar a Igreja Católica, Leo Taxil arrematou seu feito com uma das mais notáveis confissões públicas. A CONFERÊNCIA DE LEO TAXIL Em 19 de abril de 1897, segunda-feira de Páscoa, tinha lugar o desenlace de uma curiosa e extravagante história. Para esse dia, Taxil havia convocado uma grande assembleia na sala da Sociedade Geográfica de Paris, ao lado do Square de la Charité, onde, depois do sorteio de uma máquina de escrever, tinha lugar uma Conferência com projeções sobre o culto paladista. Mas Taxil aproveitou a afluência para comunicar ao numeroso e atento público que havia conseguido a mais grandiosa mistificação dos novos tempos, pois Miss Vaughan jamais havia existido e tinha estado enganando a Igreja Católica fazia 12 anos, de um modo formidável. Toda a imprensa da época divulgou a Conferência, tanto mais que uma grande parte do numeroso público que acudiu para ouvir Taxil se compunha especialmente de representantes da imprensa de diversos países e ideologias. Também havia muitos sacerdotes, um grande número de senhoras e de livres-pensadores e Franco-Maçons. A Nunciatura enviou dois delegados; o Arcebispado também estava representado. O acesso à sala era gratuito, mas só se admitia a entrada com os convites pessoais que haviam sido enviados com um mês de antecedência. O ato abriu-se com o sorteio de uma soberba máquina de escrever, oferecida por Miss Diana Vaughan. O feliz ganhador foi Ali Kemal, redator do diário Ikdam, de Constantinopla. Na continuação, tomou a palavra Taxil. Creio que seu discurso não é apenas interessante, como também necessário - apesar de sua extensão - para conhecer o como e o porquê do Satanismo na Maçonaria, embora tenha sido traduzido e publicado em Madri, em forma de folheto de 33 páginas, na Rua Fuencarral, 119, com o título: "A Célebre Conferência dada no Salão da Sociedade Geográfica de Paris"; por não dispor da citada publicação, utilizou-se, previamente traduzido, o texto original que o semanário parisiense Le Frondeur ofereceu a seus leitores alguns dias depois, em 25 de abril de 1897. Eis a conferência de Leo Taxil: Meus reverendos padres, senhoras, senhores: Antes de mais nada, quero dirigir meu agradecimento àqueles meus confrades da imprensa católica, que - empreendendo de repente, faz seis ou sete meses, uma campanha de ressonantes ataques - produziram um resultado maravilhoso, que constatamos esta tarde e que se constatará, todavia, melhor amanhã: o resplendor completamente excepcional da manifestação da verdade em uma questão cuja solução poderia, quiçá, sem eles, passar absolutamente despercebida. A estes queridos colegas, pois, minha primeira felicitação! Em seguida, compreenderão quão sincero e justificado é este agradecimento. Neste bate-papo tentarei esquecer o que de injusto e ardente contra minha pessoa foi publicado no curso da polêmica a que acabo de me referir; ou, ao menos, se me vejo forçado a ilustrar certos fatos com uma luz que, para muitos, é insuspeitável, direi a verdade descartando de meu pensamento inclusive a sombra do mais breve ressentimento. Talvez após estas explicações, cuja hora finalmente soou, esses colegas católicos não cessarão seus ataques ante minha pacífica filosofia; mas se meu bom humor, em lugar de acalmá-los, os irrita, asseguro-lhes que nada me fará abandonar esta placidez de alma que adquiri faz 12 anos e na qual sou infinitamente feliz. Além do mais, se é verdade que este auditório de elite está composto dos elementos mais díspares -posto que se convocou indistintamente a todas as opiniões-, estou convencido de que não carece do sentimento da mais doce tolerância em matéria de exame. Resumindo: estamos aqui entre gente de bem. Todos sabemos julgar o que é sério e o examinamos com a gravidade necessária, sem cólera; mas não nos aborreçamos quando o fato que nos é submetido é, antes de tudo, divertido. Mais vale rir que chorar, diz o provérbio. Agora me dirijo aos católicos e lhes digo: quando soubestes que o doutor Bataille, que se dizia entregue à causa católica, havia passado onze anos de sua vida explorando os antros mais tenebrosos das sociedades secretas, lojas e trans lojas, inclusive Triângulos luciferianos, o aprovastes sem rodeios; julgastes sua conduta admirável. Recebeu uma verdadeira chuva de felicitações. Teve artigos elogiosos, inclusive dos jornais daqueles que, hoje em dia, não têm suficiente raios para pulverizar Miss Diana Vaughan, tratando-a de mito, aventureira e fabricante de cartas. Hoje poderíamos recordar aquelas aclamações que acolheram ao doutor Bataille; mas já não acontecem mais; mas, sem dúvida, foram espalhafatosas. Ilustres teólogos, eloquentes pregadores, eminentes prelados, cumprimentaram-no com insistência. E não digo que não tiveram razão. Constato pura e simplesmente. E esta constatação tem também como finalidade que me permitais dizer tudo. Não vos aborreceis, meus reverendos Padres, riais melhor, com vontade, ao saber hoje que o que aconteceu é exatamente o contrário do que acreditastes ter acontecido. Não houve, de modo algum, nenhum católico que se dedicou a explorar a Alta Maçonaria do paludismo. Pelo contrário, houve um livre-pensador que para seu proveito pessoal, de modo algum por hostilidade, veio passear por vosso campo, durante onze anos, talvez doze; e (...) vosso servidor. Não há o menor complô maçônico nesta história e o provarei imediatamente. É preciso deixar Homero cantar os êxitos de Ulisses, a aventura do legendário cavalo de madeira; esse terrível cavalo não tem nada que ver no caso presente. A história de hoje é muito menos complicada. Um certo dia, vosso servidor se deu conta que, tendo partido demasiado jovem para a irreligião e quiçá as com demasiado ímpeto, podia muito bem não ter o sentimento exato da situação; então, trabalhando por conta própria, querendo retificar sua maneira de ver, se era possível, não confiando sua resolução, em princípio, a nada, pensou ter encontrado o meio de melhor conhecer, de melhor dar-se conta, para sua própria satisfação. Acrescenteis a isso, se quereis, um toque de farsante no caráter; não se é impunemente filho de Marselha! Sim, acrescenteis este delicioso prazer, que a maioria ignora, mas que é bem real; esta alegria íntima que se experimenta diante do adversário, sem malícia, só por divertimento, para rir um pouco. Bem, devo dizê-lo agora mesmo. Esta mistificação de doze anos me proporcionou, desde o início, um precioso ensinamento: que havia agido verdadeiramente sem medida; que devia ter permanecido sempre no terreno das ideias; que na maioria dos casos não pretendia atacar as pessoas. Esta declaração, tenho o dever de fazê-la e, devo dizer também, que não me custa fazê-la. Nestes 12 anos passados sob a bandeira da Igreja, ainda que enrolado como palhaço, adquiri a convicção de que se imputa injustamente as doutrinas a malignidade que é própria de certas pessoas. Tudo é bom. O que é mau, permanece mau; da mesma forma que o que é bom trabalha com bondade tanto se permanece crente como se perde a fé. Há gente má por toda parte e homens bons por toda parte. Fiz, pessoalmente, um estudo que trouxe seus frutos. É este estudo que me deu esta serenidade de alma, esta filosofia íntima de que falava no início. Em primeiro lugar, tinha vindo por curiosidade, um pouco pela aventura, mas propondo-me, bem entendido, a retirar-me uma vez realizada a experiência. Depois, o doce prazer da brincadeira me contagiou totalmente, dominando-me; conforme me introduzia no campo católico, desenvolvia cada vez mais meu plano de mistificação, às vezes divertido e instrutivo, dando-lhe proporções sempre mais vastas, conforme avançavam os conhecimentos. Assim cheguei a conseguir dois colaboradores; dois, nada mais. Um, um antigo camarada de infância, que eu mesmo mistifiquei no início, dando-lhe o pseudônimo de Dr. Bataille; a outra, Miss Diana Vaughan, protestante francesa, muito mais livre pensadora, mecanógrafa de profissão, representante de uma fábrica de máquinas de escrever dos Estados Unidos. Um e outra eram necessários para assegurar o êxito do último episódio desta alegre brincadeira, que os jornais americanos chamam "a maior mistificação dos tempos modernos" Este último episódio, que devia naturalmente encerrar-se em abril, mês da alegria, mês das farsas - e não nos esqueçamos que a mistificação começou igualmente em abril, em 23 de abril de 1885, este último episódio é o único que deve ser explicado hoje e, ademais, apenas esboçado, pois, se tivesse que contar tudo, mostrando o reverso da questão desde o começo da aventura, necessitaríamos vários dias. Este mês de abril se converteu em uma grande tragédia. Não obstante, há que se ilustrar o ponto de partida com alguns traços de doce luz. Entre os adágios da arte culinária cita-se com frequência este: "Chega-se a cozinheiro, mas se nasce assador". A perfeição na ciência de assar não se aprende. Creio que ocorre o mesmo com a farsa; nasce-se farsante. Eis algumas confidências de minha iniciação nesta nobre carreira: em primeiro lugar, no meu povoado natal. Ninguém se esqueceu, em Marselha, da famosa história da devastação da enseada por um cardume de tubarões. De várias localidades da costa chegavam cartas de pescadores narrando como haviam escapado dos mais terríveis perigos. O pânico se estendeu aos banhistas e os estabelecimentos de banhos de mar, desde os Catalães até a praia do Prado, ficaram desertos durante semanas. A Comissão municipal se assustou; o alcaide emitiu a opinião, muito ajuizada, que esses tubarões, pragas da enseada, haviam provavelmente vindo da Córsega, seguindo algum navio que, sem dúvida, havia jogado na água alguma carga estragada de carnes defumadas. A Comissão municipal votou um requerimento ao general Espivent de la Villeboisnet – estava-se, então, sob o regime de estado de sítio – pedindo-lhe que pusesse à sua disposição uma companhia armada de fuzis, para uma expedição em um rebocador. O bravo general, não desejando outra coisa senão ser agradável aos administradores que ele mesmo havia escolhido para a querida e boa cidade onde vim à luz, o general Espivent, hoje senador, concedeu, pois, cem homens, bem armados, com uma ampla provisão de cartuchos. O navio libertador abandonou o porto, saudado com os aplausos do alcaide e seus adjuntos; a enseada foi explorada em todas as direções, mas o rebocador voltou com o rabo entre as pernas; nem um só tubarão! Uma pesquisa posterior demonstrou que as cartas de queixa, vindas de diversos pescadores da costa, eram todas fruto da fantasia. Nas localidades onde estas cartas haviam sido depositadas nos correios, não existiam esses pescadores; ao reunir as cartas, observou-se que pareciam ter sido escritas todas pela mesma mão. 0 autor da mistificação não foi descoberto. Vós o tendes diante de vocês. Era 1873; tinha eu, então, dezenove anos. Espero que o general Espivent me perdoe de ter, por um barco, comprometido momentaneamente seu prestígio aos olhos da população. Havia extinguido o Marotte, jornal de Loucos. O assunto dos tubarões foi, portanto, uma muito inofensiva vingança. Alguns anos mais tarde, estava eu em Genebra, fugindo de alguns crimes de imprensa. A Fronde, depois o Frondeur, tinha substituído ao Marotte. Um certo dia, o mundo erudito foi surpreendido ao tomar conhecimento de uma maravilhosa descoberta. Talvez alguém, neste auditório, se recordará do fato: tratava-se de uma cidade sublacustre que se localizava - dizia-se - muito vagamente, no fundo do lago Leman, entre Nyon e Coppet. Foram enviadas informações a todos os rincões da Europa, tendo os jornais divulgado com exatidão as supostas escavações. Havia-se dado uma explicação muito científica apoiada nos Comentários, de Júlio César. A cidade devia ter sido construída na época da conquista romana, num tempo em que o lago era tão estreito que o Ródano o atravessava sem misturar, com ele, as suas águas. Rapidamente a descoberta provocou, por toda parte, muito barulho; por toda parte, exceto na Suíça, certamente. Os habitantes de Nyon e de Coppet estranhavam muito a chegada de algum turista que, de vez em quando, pedia para ver a cidade sublacustre. Os remadores do lugar acabaram por decidir levar ao lago os turistas mais insistentes. Espalhou-se azeite sobre a água para ver melhor; com efeito, teve quem distinguisse algo..., restos de ruas muito bem alinhadas, encruzilhadas, que sei eu? Um arqueólogo polonês, que havia feito a viagem, voltou satisfeito e publicou um informe em que afirmava haver distinguido muito bem restos de uma praça pública, com alguma coisa informe que bem podia ser restos de uma estátua equestre. Um Instituto enviou dois de seus membros; estes, porém, quando chegaram, dirigiram-se às autoridades e, ao inteirar-se que a cidade sublacustre era apenas uma brincadeira, voltaram como tinham vindo e não viram nada; lástima! A cidade sublacustre não sobreviveu a esta visita científica. O padre da cidade sublacustre de Leman, que está aqui presente, teve um precioso auxiliar na propagação da lenda, na pessoa de um de seus companheiros de exílio - é necessário dizer que também era um marselhês? Meu confrade e amigo Henri Chabrier, aclimatado hoje, como eu, às margens do Sena. Estas duas anedotas, entre cem que eu poderia citar, foram trazidas a fim de estabelecer que o gosto de vosso servidor pela grande e alegre farsa remonta há mais de doze anos. Chego, pois, à mais grandiosa farsa de minha existência, a que termina hoje e que será, evidentemente, a última, pois, após esta, me pergunto que confrade, inclusive a imprensa da Islândia ou Patagônia, acolheria, com minha recomendação ou com a de um de meus amigos, a informação de não importa que acontecimento extraordinário... Compreender-se-á, sem dificuldades, que não era muito fácil, com a formidável bagagem de meus escritos irreligiosos, ser recebido no seio da Igreja sem uma desconfiança sem dúvida mais destacada. Não obstante, eu precisava chegar ali e ser recebido para poder, quando as desconfianças fossem completamente dissipadas, ainda que superficialmente, organizar e dirigir a fenomenal mistificação da demonologia contemporânea. Para alcançar o resultado a que me havia proposto, era necessário, indispensável, não confiar meu segredo a ninguém, absolutamente ninguém, nem sequer a meus mais íntimos amigos, nem sequer a minha mulher, pelo menos nos primeiros momentos. Era preferível passar por louco aos olhos dos que me conheciam. A menor indiscrição podia fazer fracassar tudo. Eu jogava uma grande cartada, pois queria ganhar uma grande partida. A hostilidade de alguns, a contrariedade insípida e excitada de outros foram, pelo contrário, meus melhores triunfos, posto que - o que era infalível -fui submetido a rigorosa observação durante os primeiros anos. Sem dúvida alguns pequenos detalhes serão reveladores para meus antigos amigos, se me recordo bem. Assim, após a publicação de minha carta, onde me retratava de todas minhas obras irreligiosas, os grupos parisienses da Liga Anticlerical se reuniram em assembleia geral, para votar minha expulsão. Surpreenderam-se ao ver-me chegar; os membros da Liga ficaram espantados e, na verdade, minha presença era incompreensível, posto que não vinha desafiar aqueles de quem me havia separado e não disse uma só palavra para tentar atraí-los para mim, como teria feito um convertido em seu ardor de neófito. Não! Fui a essa sessão com o pretexto de dizer adeus -fazia já três meses que eu havia apresentado minha demissão-, mas, na realidade, para buscar e encontrar a ocasião de falar quando chegasse o momento. Em sua grande maioria, os membros da Liga Anticlerical eram meus amigos. Havia quem chorava; eu mesmo estava emocionado (...). Asseguro-vos que não me separei deles sem dor. Enfim, aceiteis como queirais. Apesar de emocionado, guardei meu sangue frio em meio a uma verdadeira tempestade; eu vos remeto aos jornais da época. Para encerrar a sessão, o presidente submeteu à ordem do dia a seguinte proposição, que foi votada por unanimidade: Considerando que o chamado Gabriel Jugand Pagés, conhecido como Leo Taxil, um dos fundadores da Liga Anticlerical, renegou todos os princípios que havia defendido, traiu o livre pensamento e a todos seus anti religionários. Os membros presentes na reunião de 27de julho de 1885, sem deter-se nos motivos que ditaram ao supracitado Leo Taxil sua infame conduta, expulsam-no da Liga Anticlerical como traidor e renegado. Então protestei contra uma palavra, uma só palavra, dessa ordem do dia. Sem dúvida há na sala antigos amigos que tomaram parte nessa reunião de julho de 1885. Recordo-lhes os termos de meu protesto. Disse isto com a voz mais tranquila: -Amigos meus, aceito esta ordem do dia, salvo por uma palavra (...). O presidente me interrompeu para gritar. Na verdade, és demasiado audaz! - continuei, sem perturbar-me: Tendes o direito de dizer que sou um renegado, posto que acabo de publicar, faz quatro dias, uma carta onde me retrato e renego expressamente todos meus escritos contra a religião. Mas peço-vos que apaguem a palavra traidor que de modo algum se ajusta ao meu caso; não há sombra de traição no que faço hoje. O que vos digo agora não podeis compreender, mas o compreendereis mais tarde. Eu fiz questão de frisar bem esta última frase, pois não podia deixar que suspeitassem de meu segredo. Mas o disse bem claramente para que pudesse ficar nas memórias, ainda que se prestasse a diversas interpretações. E quando tive a oportunidade de publicar um informe desta sessão, tive muito cuidado em omitir esta declaração; efetivamente, ela poderia despertar suspeitas. Segundo fato. Entre o dia de abril em que fiz a um sacerdote a confidência de minha conversão e o dia da sessão de minha expulsão do livre pensamento, teve lugar em Roma um congresso anticlerical, de que fui um dos organizadores. Nada me teria sido mais fácil que desorganizá-lo e fazê-lo fracassar completamente. Esse congresso teve lugar nos primeiros dias de junho. Todos os livres-pensadores sabem que até o fim me entreguei com todas as minhas forças ao êxito do mesmo; apenas a morte de Victor Hugo, que sobreveio naquele momento, desviou a atenção pública desse congresso. Mais tarde, quando se soube que havia conversado com sacerdotes desde o mês de abril, se disse e se imprimiu que, com a desculpa desse congresso, havia ido a Roma negociar minha traição, que tinha recebido uma grande soma; falou-se que "um milhão" Deixei que dissessem, pois tudo isso pouco me importava e eu ria sozinho. Mas hoje tenho o direito de dizer que tudo aconteceu de outra forma. Entre os convites distribuídos para esta conferência se encontra o de um antigo amigo que efetuou comigo essa viagem, que me acompanhou por todas as partes e que não me deixou um instante. Ele está aqui, e não me desmentirá. Deixou-me um segundo? Acaso me ausentei de sua companhia para fazer qualquer gestão suspeita? Não! E isto não é tudo. Ao longo dessa mesma viagem, ao voltar para a França, detivemo-nos em Gênova. Tinha que fazer uma visita a alguém, com quem estava unido por amizade: o General Canzio Garibaldi, o genro de Garibaldi. Nessa visita fui acompanhado pelo amigo em questão e por outro que ainda vive: o Doutor Baudon, que recentemente foi eleito deputado de Beauvais. Os dois podem certificar isso: que, no transcurso dessa visita, afastei-me um momento com Canzio. E Canzio, por seu turno, poderá certificar que lhe disse: - Meu querido Canzio, tenho que declarar-vos, em segredo, que em breve farei um rompimento completo e público. Não o estranheis nem um pouco. E mantenhais-me fielmente vossa confiança. Tampouco insisti mais e, inclusive, mais tarde, temi ter falado demais. Canzio, durante dois ou três anos, enviou-me seu cartão de ano novo, apesar de nosso rompimento. Depois julgou, sem dúvida que a coisa durava muito; desistiu e não me deu mais sinal de vida. Enfim, um de meus colaboradores, que gostava muito de mim continuou, apesar de tudo, convivendo comigo. Está morto: era A~ed Paulon, que foi conselheiro e homem bom. Sei que o resultado de sua observação perspicaz e constante foi que havia participado da mistificação por minha causa. Paulon, meu antigo colaborador que continuou convivendo comigo, tinha uma maneira de defender-me que, frequentemente, molestava-me. Eis aqui em que termos falava de mim a meus amigos: "Leo é incompreensível. Em primeiro lugar, acreditei que havia enlouquecido, mas quando retomei contato com ele, constatei que, pelo contrário, estava em perfeito juízo. Não compreendo nada; há algo que me diz que ele está, no entanto, de coração e de espírito, conosco (os livres pensadores); eu o sinto. Não lhe falo jamais de questões religiosas, porque vejo bem que não quer se revelar, mas poria a mão no fogo: ele não trabalha a favor dos clericais; um dia ou outro haverá uma grande surpresa. " Alfred Paulon não pode dar o testemunho de suas observações, mas ele as comunicou a numerosos amigos. E, se estão nesta sala, eu lhes pergunto: é verdade que, ao falar de mim, Paulon se expressava assim? (Diversas vozes: É verdade! É verdade!) Agora chegamos à mistificação em si, a essa mistificação ao mesmo tempo divertida e instrutiva. Em primeiro lugar, não tem relação com o bom homem, o vigário, um sacerdote com alma sensível, que teve a primeira confidência do golpe de graça que eu havia recebido, como Saulo a caminho de Damasco. `Isso não me diz nada que valha a pena", pensava-se entre agente da Igreja. Foi então decidido, no dia anterior à minha carta de retratação, que deveria fazer um bom e breve retiro em uma casa dos reverendos padres jesuítas e se escolheu um dos mais espertos na arte de interrogar e perscrutar as almas. A escolha não se fez ao léu. Fizeram-me esperar uma longa semana pelo grande perscrutador que me estava destinado. Um velho capelão militar, que se tornou jesuíta, um maligno entre os malignos! Seu conceito teria um grande peso. Ah, foi uma dura partida a que nós dois jogamos! Tenho, no entanto, dor de cabeça quando penso nele. O querido diretor me fez praticar, entre outras coisas, os Exercícios Espirituais de Santo Início. Pouco me importava com esses exercícios, mas, pelo menos, precisava percorrer as páginas afim de dar a impressão de ter-me submergido nestas extraordinárias meditações. Não era o momento de me deixar apanhar em falta. Era minha confissão geral a que ia me fazer ganhara batalha. Essa confissão geral não durou menos de três dias. Para esse fim havia guardado um golpe fulminante. Disse tudo, isto e aquilo, e mais ainda, mas meu partner compreendia que havia um grande pecado, muito gordo, muito gordo, que era difícil de ser confessado: um pecado mais penoso de dizer que a confissão de mil impiedades. Finalmente, foi preciso decidir-se afazer sair aquele monstruoso pecado. A vós, senhoras e senhores, não vos quero fazer esperar tanto: meu grande pecado era um crime, mas um crime de primeira ordem, um assassinato dos mais bem elaborados. Não tinha degolado a toda uma família, não! Mas, sem ser um Tropmann, nem um Dumolard, a guilhotina me esperava sem remédio se tivesse sido descoberto. Havia tido o cuidado de procurar alguns desaparecimentos noticiados nos jornais três anos antes e, sobre um, deles construí uma pequena novela; mas meu reverendo padre não quis deixar-me expor todos os seus detalhes. Havia-me julgado capaz dos mais horríveis sacrilégios e, além do mais, eu lhe havia causado agradáveis surpresas; quanto a ter um assassino ajoelhado diante dele, não o esperava deforma alguma. Quando as primeiras palavras da confissão saíram de meus lábios, o reverendo padre teve um sobressalto muito significativo. Ah, agora compreendia minha indecisão, minhas dificuldades, minha forma de privilegiar certos pecados menos embaraçosos!. Era que eu tinha vergonha de confessar meu crime! Não somente tinha vergonha, mas estava alterado, espantado. Havia uma viúva neste assunto; o reverendo padre me fez prometer que entregaria à viúva de minha vítima uma renda indireta, muito engenhoso, a meu critério. Não quis conhecer nenhum nome, mas o que lhe interessava era saber se havia sido assassinado com ou sem premeditação. Após longas dúvidas, oprimido pelo peso da vergonha, confessava a premeditação, uma verdadeira insídia. Tenho o dever de render homenagem a esse reverendo padre jesuíta. jamais fui incomodado pelos magistrados. Minha fraude mepermitiu, pois, pôr a prova o segredo da confissão. Se conto um dia com detalhes a história desses doze anos, o farei, como hoje, com a mais estrita imparcialidade, e com calma, senhor Abade Granier! O que no momento retardo é o fato de minha primeira vitória, como entrei em batalha. Se alguém tivesse ousado dizer ao reverendo padre que eu não era o mais sério dos convertidos, seria admoestado. Não entrava em meu plano precipitar minha visita ao Soberano Pontífice. Certamente, minha confissão de assassino tivera um magnífico êxito; mas o diretor de meu retiro em Clamartguardava o segredo para ele. Evidentemente não pode ao menos dizer ao seu superior hierárquico que lhe havia confiado o mandato de investigar as profundezas de minha alma: Leo Taxil? (...). Eu respondo por ele! As desconfianças do Vaticano ficavam descartadas; como fazer-me agradável? Pois para levar a mistificação ao máximo que eu sonhava e que tinha a indizível alegria de alcançar, necessitava realizar alguns dos pontos do programa da Igreja mais queridos pela Santa Sé. Esta parte de meu plano havia sido estudada desde o princípio, desde minha primeira resolução de captar exatamente o conteúdo do catolicismo. O Soberano Pontífice havia se caracterizado, um ano antes, pela Encíclica Humanum Genus e está encíclica respondia a uma ideia muito fixa nos católicos militantes. Gambetta havia dito: "O Clericalismo, aí está o inimigo!" A Igreja, de sua parte, dizia: "O inimigo é a Franco Maçonaria!" Mexer com os Maçons era, pois, o melhor meio de preparar o caminho para a colossal farsa, da qual saboreava de antemão toda sua agradável sorte. No princípio os Maçons se indignaram; não previam que a conclusão, pacientemente preparada, seria uma universal gargalhada. Acreditavam-me verdadeiramente disposto. Dizia-se, repetia-se, que era um dos meios de vingar-me da expulsão que datava de 1881, cuja história, que de modo algum me desonra, é bem conhecida: pequena querela levantada por dois homens, hoje em dia desaparecidos e desaparecidos em condições lamentáveis. Não, não me vingava; divertia-me e se se examina hoje o que sobrou dessa campanha, reconhecer-se-á, inclusive entre os Maçons que me foram mais hostis, que não prejudiquei ninguém. Diria, inclusive, que fiz um serviço à Maçonaria francesa. Quero dizer que minha publicação dos rituais não foi alheia, certamente, às reformas que suprimiram práticas anacrônicas e ridículas aos olhos dos maçons amigos do progresso. Mas deixemos isso e resumamos os fatos. Minha finalidade era criar todas as peças da diabrura contemporânea - o que é muito mais forte que a vila sublacustre de Leman; era preciso proceder ordenadamente; era preciso estabelecer os limites; era preciso pôr e incubar o ovo de onde nasceria o Paladismo. Uma fraude desta categoria não se fabrica em um dia. Havia constatado, desde os primeiros tempos de minha conversão, que um certo número de católicos estava convencido de que o nome de "Grande Arquiteto do Universo", adotado pela Maçonaria para designar o Ser Supremo sem pronunciar-se no sentido particular de nenhuma religião; estavam convencidos – digo de que este nome servia na realidade para ocultar habilmente ao senhor Lúcifer ou Satã, o diabo! Aqui e ali citam-se algumas anedotas, segundo as quais o diabo faz, de repente, sua aparição em lojas maçônicas e preside a sessão. Isto é admitido pelos católicos. Embora não se acredite, há gente honrada que imagina que as leis da natureza são às vezes contrariadas por espíritos bons ou maus e, inclusive, por simples mortais. Eu mesmo ouvi com estupor que se me pedissem, faria um milagre. Um bom cônego de Friburgo, caindo em minha presença como uma bomba, me disse textualmente: Ah, Senhor Taxil, sois um santo! Para que Deus o tenha afastado de um abismo tão profundo, é preciso que tenhais uma montanha de graças sobre a cabeça! Quando soube de vossa conversão, tomei o trem e eis-me aqui. É preciso que ao meu regresso possa dizer não somente que vos vi, mas que haveis realizado um milagre diante de mim. Não esperava semelhante pedido. O Livro Secreto da Maçonaria. Abraço. Davi.

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