Religião
Afro-brasileira. UMBANDA. Texto de Yamunisiddha Arhapiagha. Mestre Tântrico
Curador. Médium F. Rivas Neto. INTRODUÇÃO. Entregamos ao público leitor a nova
edição, revista e atualizada, de Umbanda — A Proto-Síntese Cósmica, escrita e
editada pela primeira vez em 1989, exatos cem anos após a Proclamação da
República Federativa do Brasil e a abolição (13 de maio de 1888) da escravatura.
Para a coletividade umbandista, esta obra, bem como Umbanda de Todos Nós,
escrita em 1956 por W. W. da Matta e Silva (Mestre Yapacany), foi responsável
por grandes mudanças no panorama do Movimento Umbandista, mostrando uma
organização estrutural, filosófica e doutrinária até então inexistentes. Temos
nas palavras de Mestre Orishivara (senhor Sete Espadas) a pedra basilar sobre a
qual edificamos nosso santuário que se transmite ao mundo através dos livros
que escrevemos subsequentemente. Acreditamos que tudo evolui e que os conceitos
aqui apresentados correspondem aos necessários para o momento. Muitas pessoas
podem ter avançado além dos ensinamentos entregues a nós por Mestre Orishivara;
outros ainda não atingiram a compreensão mesmo de assuntos mais básicos.
Compreendemos então que o momento a que este livro é dedicado está no interior
de cada pessoa, não no calendário temporal, mas no das vivências espirituais.
Assim, esperamos contribuir com todos os irmãos planetários, não importando em
que etapa da jornada espiritual se encontrem. Bênçãos de Paz e Luz dos Arashas
a todos! Aranauam. ESCLARECIMENTOS PRELIMINARES – HISTÓRIA DO MOVIMENTO
UMBANDISTA. O Movimento Umbandista surgiu no final do século XIX, utilizando-se
como cenário os cultos miscigenados de negros, índios e brancos, conhecidos
como macumbas, candomblés, catimbós, torés, xambás, babassuês, xangôs, etc.
Nesse contexto, começaram a se manifestar entidades espirituais, através da
incorporação, nas formas de índios (Caboclos) e de Pais-Velhos trazendo as
mensagens dos espíritos ancestrais desses povos. O processo do sincretismo
facilitou a inclusão da cultura católica pela assimilação dos santos com as
divindades do panteão africano e ameríndio. Logo apareceriam também as
entidades que se apresentavam como Crianças, completando o ternário de
manifestação mediúnica que serviria de base para a sustentação da doutrina
umbandista. Essas três formas de apresentação, Crianças, Caboclos e
Pais-Velhos, correspondem a arquétipos do inconsciente coletivo com seus
valores intrínsecos — o enigma da esfinge desvendado. Assim, a forma
"infantil" representa o início do ciclo e também a Pureza; a forma
adulta, de "caboclo", carrega o valor da Fortaleza e da Simplicidade;
e a forma senil, de "pai-velho", identifica-se com a Sabedoria e a
Humildade. Pureza, Simplicidade e Sabedoria Humilde seriam as virtudes a serem
cultivadas por todos os umbandistas, bem como regeriam a ética desse setor
filorreligioso. No início do século XX, com o médium Zélio Fernandino de Moraes
(1891-1975), a Umbanda recebeu sua primeira roupagem, com organização à parte
dos cultos afro-ameríndios. Nessa época também surgiu o vocábulo Umbanda para
designar aquela forma ritualística monoteísta, que cultuava os Orishas como
representantes da Divindade e que tinha as entidades espirituais, que se
manifestavam pela mediunidade dos adeptos, como ancestrais ilustres enviados
pelos Orishas. A característica mais marcante do culto, nesse tempo, era o fato
de ser simples, objetivo, aberto a todos os segmentos sociais, econômicos,
religiosos ou étnicos. Desde o início, a abertura universal era estigma da
Umbanda. Com o passar do tempo, várias formas de culto surgiram, cada uma com
proporções diferenciadas de influências africanas, ameríndias, europeias e mesmo
orientais, facilitando a adaptação e assimilação da doutrina por recém-egressos
de outros cultos. Essa fase caracterizou-se por uma rápida propagação e
expansão da Umbanda, especialmente pela abundância de manifestações espiríticas
concretas, fenômenos físicos, curas espirituais e movimentação das forças sutis
da natureza pela magia manipuladas pelos orishas, guias e protetores que
"baixavam" nos vários terreiros, cabanas, choupanas, tendas de
Umbanda de todo Brasil. Apesar de todas as manifestações impressionantes, o
tônus do movimento umbandista nessa época era dado pelo pragmatismo e pelo
empirismo doutrinário, não havendo um sistema consistente filosófico acessível
aos praticantes. A partir de 1956, com o lançamento do livro Umbanda de Todos
Nós, novo alento foi dado à Umbanda por Mestre Yapacany (W. W. da Matta e
Silva) que viria mostrar o aspecto oculto do conhecimento trazido pelas
entidades militantes nesse movimento. Em mais oito obras, Mestre Yapacany
desenvolveu as bases da escrita sagrada da Lei de Pemba, a hierografia
umbandista, apresentou os fundamentos da metafísica da Umbanda e revelou a
conexão com o sistema cosmogônico ligado à cabala ário-egípcia, descrito em
1911 por Saint-Yves d'Alveydre (1842-1909) em seu L'Archéomètre. Apesar de toda
a contribuição filosófica e científica dada à Umbanda por Mestre Yapacany, na
denominada Umbanda Esotérica, as mudanças práticas no sistema ritualístico
foram modestas, considerando-se que a profundidade da doutrina era alcançada
por poucos e raros iniciados, não havendo um método sistemático de transmissão
de conhecimento, nem uma organização templária capaz de conduzir os neófitos
aos patamares superiores da iniciação, a não ser que uma predisposição inata se
fizesse sentir de maneira muito evidente. Chegamos então à fase representada
pela Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino, fundada por nós em 1970, honrando o
compromisso que temos com nossos mentores e com Mestre Yapacany, do qual fomos
discípulo e recebemos a incumbência de continuar a tarefa. Dois anos se
passaram do desencarne de nosso Mestre quando lançamos nossa primeira obra,
esta Umbanda — A Proto-Síntese Cósmica, agora com sua quarta edição nas mãos do
leitor. Muitos fatores fizeram de Umbanda — A Proto -Síntese Cósmica um novo
marco para o Movimento Umbandista, a começar pelo fato de ter sido a primeira
obra a ser escrita diretamente por uma entidade de Umbanda, o Caboclo Sete
Espadas (Mestre Orishivara) que deixou o linguajar de terreiro, o jargão
umbandista, para transmitir os conceitos próprios de um sábio do Astral
Superior. Nesta obra, o Senhor Sete Espadas apresentava, já no início, uma
controvertida teoria antropológica que, se ainda não confirmada, ao menos
encontra nos estudos recentes do sítio arqueológico da Pedra Furada no Piauí
respaldo para o benefício da dúvida. Se esperarmos que aconteça como na
profecia concretizada em relação ao vigésimo primeiro aminoácido ou nas
questões que trata de matéria e anti-matéria, basta o tempo para que o rigor
científico venha ratificar esses escritos. A heterodoxia de Umbanda — A Proto
Síntese Cósmica avança ainda na demonstração geométrica e aritmética do número
correto dos Arcanos Maiores e Menores e ainda explica o motivo do conceito
vigente. Discorre sobre magia etérico-física em minúcias conceituais e
aprofunda-se nos métodos oraculares restituindo seus valores adormecidos. Um
capítulo especial é dedicado à organização do processo iniciático, em suas
várias fases, ilustrado como acontecia nos tempos antigos dos grandes Colégios
Divinos da tradição hermética. Finalizando, Mestre Orishivara levanta os véus
da universalidade da Umbanda, antecipando as mudanças sociais esperadas para o
Movimento Umbandista no Brasil e para a coletividade planetária como um todo.
Constituindo-se como tratado de filosofia hermética, magia, doutrina espiritual
e prática mediúnica. Umbanda — A Proto -Síntese Cósmica foi elevada à condição
de texto sagrado basilar para boa parte dos templos umbandistas de todo o país
e se tornou o paradigma da fase iniciática da Umbanda, por ela inaugurada. Tudo
isso contribuiu para uma transformação da Umbanda e do que se pensava da mesma.
Vivemos, atualmente, uma fase prolífica no setor umbandista que deixou de ter
um caráter regional e passou a se relacionar naturalmente com outros setores filorreligiosos.
A Umbanda participa ativamente das discussões das necessidades sociais e
espirituais brasileiras e planetárias, propondo um método de abordagem da
Realidade que se direciona para o universalismo expresso na meta de
Convergência com vistas à Paz Mundial. Temos sido testemunha das mudanças na
Umbanda. Atuamos no meio umbandista desde a década de 1960, quando ainda aos
doze anos de idade tivemos os primeiros contatos mediúnicos. Já aos dezoito
anos assumíamos a direção de um templo e em 1969 tivemos a honra de conhecer
Mestre Yapacany, do qual nos tornamos discípulo. Em 1970, fundamos a Ordem
Iniciática do Cruzeiro Divino que, desde então, representa uma referência para
os adeptos umbandistas, contando com vários templos em todo o Brasil e discípulos
por todo o mundo. Em função da atividade espiritual, sentimo-nos inclinado ao
estudo aprofundado das mazelas humanas, inclusive do ponto de vista físico, o
que nos levou à graduação em Medicina e especialização em Cardiologia. Desde
que iniciamos nossa produção literária, temos sentido o peso da oposição, mesmo
dentro do próprio Movimento Umbandista. Acreditamos que tudo evolui, tudo
precisa transformar-se e por que não a Umbanda? Afinal, o universo todo
progride, caminha (...). E justo que nossa compreensão da Realidade também o
faça. Preferimos ser heterodoxo (ter opinião diferente), especialmente em
relação àqueles que se acomodaram no misoneísmo e fizeram de suas verdades os
dogmas que lhes garantiram o conforto material. Longe, muito longe estamos da
Realidade Absoluta, que é uma e não duas. O mínimo que podemos esperar daqueles
que buscam a evolução espiritual é uma atitude aberta, não sectária, disposta a
modificar-se em função do aprendizado. Empenhado nessa atitude de evolução
constante, iniciamos a tarefa de escritor em 1989 com Umbanda — A Proto-Síntese
Cósmica. A cada novo lançamento, em obediência ao Astral, temos revisado
conceitos, aprofundado conhecimentos, ampliado nossos horizontes. Esperamos
assim colaborar para o ressurgimento da Tradição-Una, que é patrimônio de toda
humanidade e se encontra eclipsada pela visão fragmentária e parcial que temos
da Realidade. Nossa segunda obra, Umbanda – O Elo Perdido, também psicografada
por Mestre Orishivara (Caboclo Senhor Sete Espadas), lançou nova luz sobre os
delicados mecanismos hiper físicos da mediunidade, esclarecendo as várias
formas de intermediação dimensional, como a incorporação nas fases inconsciente
e semiconsciente, a irradiação intuitiva, a clarividência, a clariaudiência, a
psicografia, a psico hierografia e a dimensão-mediunidade. Discorre Mestre
Orishivara ainda sobre os distúrbios da mediunidade classificados em animismo
vicioso, ficção anímica, atuação espirítica patológica e obsessões. A
fisiologia astral é detalhada em O Elo Perdido na seção que fala sobre prana,
kundalini e chacras. Sempre temos nos posicionado como aprendizes do Astral
Superior, que nos incumbiu de transmitir alguns poucos ensinamentos aos nossos
irmãos planetários. A repercussão de nossa obra no Movimento Umbandista deve
ser creditada aos Mestres Astralizados e nosso próprio mestrado se faz em
obediência a eles. Lições Básicas de Umbanda, nossa terceira obra, firmou-se
como manual prático seguido por muitos umbandistas para a formação de várias
coletividades de terreiros, com orientações no tocante à rito-liturgia da
Umbanda, bem como a movimentações magísticas básicas necessárias ao
funcionamento dessas casas espirituais. Umbanda - O Arcano dos Sete Orixás,
nova obra escrita por Mestre Orishivara, foi determinante para a mudança de
concepção dos praticantes umbandistas acerca dos Orishas, nossos Genitores
Divinos e suas hierarquias. Através das correlações vibratórias que atribuem a
cada Orisha número, cor, som, letras sagradas, dias propícios, horários vibratórios,
ervas sagradas, essências voláteis específicos, estabeleceu as bases para o que
seria conhecido, mais tarde, como yoga umbandista. Exu - O Grande Arcano abalou
a coletividade umbandista desde sua base até suas "instituições
coordenadoras". Ditado pelo Exu Senhor (...), esse livro descerrou os véus
do arcano e separou a real manifestação de Exu da mitologia que anima o
inconsciente de muitos que dizem estar por ele mediunizados. Separado o joio do
trigo, revelou-se Exu como o Agente Executor da Magia e da Justiça Kármica,
entidade responsável e conhecedora da movimentação de forças magísticas nos
processos de agregação de forças positivas e desagregação de forças negativas
no "eró" da encruzilhada de Exu (a cruz dos quatro elementos). Em 1996,
escrevemos a obra Fundamentos Herméticos de Umbanda onde consta a exposição
inicial da Doutrina do Tríplice Caminho. Apoiada nas Doutrinas Tântrica (Luz),
Mântrica (Som) e Yântrica (Movimento) representadas pelos Mestres da Sabedoria
(Pais-Velhos), do Amor e da Pureza (Crianças) e da Atividade (Caboclo), a
Doutrina do Tríplice Caminho é a base dialética da iniciação dentro da Umbanda.
Compromissado com a qualidade e não com a quantidade, voltamo-nos para o
interior do Templo e nos dedicamos à prática dos ensinamentos recebidos do
Astral Superior. Acreditamos que teoria e prática devem caminhar pari passu e,
por isso, estabelecemos a Escola de Síntese que deu origem a um Centro de
Meditação Umbandista e à Faculdade de Teologia Umbandista. A ESCOLA DE SÍNTESE.
No Movimento Umbandista, em decorrência da variedade de ritos, de formas de se
compreender a Umbanda e de cultuar o Sagrado, várias tendências ou correntes
doutrinárias surgiram. Naturalmente, essas tendências agruparam-se por
afinidade e favoreceram a eclosão do conceito de escolas de pensamento
filosófico dentro da Umbanda. Assim, no universo que engloba todos os
umbandistas, há escolas mais voltadas à tradição africana, à ameríndia, como
também outras que privilegiam os conhecimentos do dito esoterismo, além das
denominações conhecidas como Umbanda Omolocô, Traçada, Oriental, etc.
Consonante com a visão universalista preconizada pelos Mestres Astralizados
responsáveis pela Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino, formalizamos nossa
abordagem da Umbanda através da Escola de Síntese, que coincide com o
pensamento filosófico de conciliar todos os segmentos umbandistas e, ao mesmo
tempo, conectar-se com os demais setores filo religiosos existentes no globo
terrestre em busca da Convergência para a Paz Mundial. A base discursiva para
essa escola compreende a ideia de que as Religiões são visões particulares e
parciais do Sagrado, que é a Realidade-Una, portanto, Absoluta. Em que pesem os
variados graus de percepção da realidade espiritual, cada religião e,
analogamente, cada setor do movimento umbandista correspondem a uma visão mais
ou menos abrangente dessa Realidade. Partindo-se do pressuposto de que ninguém
detém o conhecimento integral da Verdade, chegamos à conclusão de que todos
devem ser respeitados por conterem parte da Verdade. Por outro lado,
evidencia-se a necessidade de evolução para toda a humanidade, o que implica o
desapego gradual dos vários rótulos e partir em busca da Essência que deve ser
comum a todos. Aí está delineado o processo de Convergência que a Escola de
Síntese propaga. Na prática, o que se verifica na Ordem Iniciática do Cruzeiro
Divino são seis ritos diferentes, seis níveis de interpretação do Sagrado,
partindo da apreensão pela Forma e caminhando, dialeticamente, até a percepção
da Essência. Por conseguinte, nos ritos de primeiro nível prevalecem as raízes
étnicas e folclóricas da Umbanda; logo a seguir, observam-se os valores
sincréticos, místicos, no segundo nível; o aspecto de Exu, no terceiro nível; a
chamada escola esotérica, no quarto nível; os fundamentos básicos do Tríplice
Caminho, no quinto nível; e, por fim, os fundamentos cósmicos do Tríplice
Caminho, no sexto nível. Nesse último rito, a O.I.C.D. irmana-se com
representantes de outros setores filo religiosos falando uma linguagem comum a
todos. Finalizando, cabe ressaltar que a Escola de Síntese, em virtude de sua
consistência doutrinária expressa em Epistemologia, Ética e Método próprios da
Umbanda, tem ampliado sua atuação na sociedade planetária, contribuindo para a
formação de uma consciência de cidadania planetária através da Fundação
Arhapiagha para a Paz Mundial. Essa fundação promove ações educativas,
difundindo a necessidade da mudança de valores sociais, contrapondo-se ao
convencionalismo e ao condicionamento de pensamento que precisam ceder para que
surja uma nova humanidade, na qual espírito e matéria não sejam conflitantes,
mas partes integrantes de uma só Realidade. A DOUTRINA DO TRÍPLICE CAMINHO. O
Movimento Umbandista, surgido no Brasil, apresenta duas perspectivas ou ângulos
de visão a serem considerados: a dos seres encarnados que integram a
coletividade de adeptos e a dos mestres astralizados, as entidades que se
manifestam através do mediunismo dos umbandistas. Do ponto de vista dos seres
encarnados, é evidente que o movimento umbandista surgiu como amalgamação de
ritos oriundos de povos culturalmente diferentes. Tal integração cultural
permitiu amenizar os conflitos ou choques de culturas. Esse meio-termo,
representado pela Umbanda, conseguiu congregar uma variedade de influências
étnicas que passaram a conviver harmoniosamente. É interessante notar que o
Brasil pode ser considerado um mini planeta, pois aqui temos representantes de
todos os continentes e tradições convivendo pacificamente, sem os atritos
provenientes do fundamentalismo de um ou outro setor. O mesmo não acontece em
outros pontos do planeta, onde os conflitos baseados na "fé" têm
lugar, deixando marcas de dor e violência em todos os povos. Qual seria a causa
do congraçamento entre tradições tão diferentes no Brasil? Não fosse o
bastante, podemos ainda dizer que isso acontece com maior intensidade na
Umbanda, onde não apenas tradições diferentes intercambiam valores, mas também
todos os extratos sociais e econômicos encontram um campo de trégua, favorecendo
o convívio em termos de igualdade perante o Astral. Esta é uma
"magia" que a Umbanda faz e que poucos percebem. Por trás da
aparência de colcha de retalhos, existe um princípio inteligente que coordena
as diferenças e promove a união pelas semelhanças. Em outras palavras, na
Umbanda não há o rico e o pobre, o douto e o analfabeto, essa ou aquela etnia.
Todos sentem-se iguais e o mérito parece ser o principal fator determinante na
hierarquia social. Quer dizer: o que tem mais a oferecer assume o posto de maior
doador. Exercer uma função sacerdotal ou semelhante corresponde a uma
responsabilidade maior, uma dedicação e doação maiores, e não privilégios
eclesiásticos ou políticos. É claro que nos referimos aos umbandistas de fato e
de direito, e não aos aproveitadores e mercadores do templo de todas as eras,
que mancham nosso meio com suas atitudes farisaicas. Preferimos ser tachados de
heterodoxos ou revolucionários a nos submetermos à fé institucionalizada que
sempre contribuiu para a manutenção de um status quo onde prevalecem as
diferenças e a concentração de poder tão a gosto do submundo astral e de seus
feudos. Lutamos pela Umbanda de todos, sem a primazia de Pai Fulano ou Babalaô
Sicrano, muito menos daqueles que se utilizam dos nomes das entidades para escudar
suas empreitadas materiais. Pedimos escusas ao leitor por esse desabafo, mas
acreditamos em uma Umbanda ampla, que atende a todos com igual respeito. Muito
fomos criticados ao instituirmos em nosso templo seis níveis diferentes de
rito, cada um representando um segmento da Umbanda. Queriam que fôssemos
sectários, elitistas, dizendo: isso é certo, aquilo é errado. Nossa posição é a
de Síntese; respeitamos a todos e entendemos que as diferenças de graus
conscienciais são um fenômeno transitório. No decorrer do tempo e do espaço
encontraremos cada vez mais pontos de união e caminharemos todos para uma mesma
Realidade, à qual almejamos mas que ainda se encontra distante de todos nós.
Assim posto, voltemos às considerações sobre o movimento umbandista em seu lado
humano. Observamos um sistema aberto, que permite tantas variações quanto as
necessárias para atender a multitude de graus conscienciais que encontram na
Umbanda sua identidade espiritual. É claro que não podemos esperar um consenso
universal entre os umbandistas. Se isso acontecesse agora, seria por força de
imposição, contrariando o princípio de liberdade espiritual que deve beneficiar
a todos. Contudo, não podemos negar que o amadurecimento deve conduzir a uma
visão mais abrangente da Realidade, aparando as arestas e fazendo ressaltar a
Essência até então velada pela pluralidade da Forma. Com isso, somos remetidos
ao aspecto espiritual da Umbanda, à perspectiva das entidades atuantes nesse
movimento. Penetremos agora nos bastidores do rito, na força motriz que
impulsiona essa Umbanda ao resgate da Tradição-Una. Com a chegada de imigrantes
de todos os continentes e os antecedentes espirituais de nossa terra (como
poderá o leitor ver no Capítulo V), estabeleceu-se aqui o local ideal para se
dar início à reintegração da Humanidade. Com esse compromisso, representantes
de todas as culturas aqui se encontraram através de migrações físicas ou
reencarnatórias em obediência aos desígnios traçados por nossos Ancestres
Ilustres, na expectativa de construir uma nova sociedade. É claro que nossos
Ancestres Ilustres — os Mestres Astralizados — necessitavam de um ponto de
entrada para atuar entre os encarnados e incutir as novas diretrizes. Para
isso, utilizaram-se dos cultos miscigenados de índios, negros e brancos,
marcados ainda pelo fetichismo e crendices várias. De par em par, entidades de
alto escola espiritual usaram das formas de Caboclos, Pais-Velhos, Crianças e
outras para trazer nova luz à nascente identidade brasileira. Por essa
perspectiva, podemos observar que o Movimento Umbandista não apenas surgiu para
minimizar os choques étnicos, religiosos, econômicos e sociais brasileiros, mas
também serviu como porta de entrada para um movimento que visa atingir todos os
cidadãos planetários, aqui representados pela população de várias
nacionalidades. Fica evidente que somente entidades espirituais elevadas, já
destituídas de qualquer atavismo espiritual e conhecedoras da sistemática
evolutiva planetária poderiam atuar nesse movimento. Mas, para serem mais bem aceitos,
esses Mestres planetários necessitavam adaptar suas formas de apresentação para
melhor entendimento da coletividade-alvo. Todos sabemos que espíritos
superiores estão livres de atributos como idade, raça, língua ou religião.
Contudo, escolheram as formas de Crianças, Caboclos, Pais-Velhos e sucedâneos
para atuar entre a massa de adeptos. Qual o motivo de escolherem essas formas?
Por que se travestir com essas roupagens fluídicas? Primeiro, escolheram estas
variações regionais para facilitar o contato com aqueles que ainda traziam
fortes traços culturais. Assim, os brasileiros de origem ameríndia facilmente
se identificaram com os "Caboclos"; os brasileiros de origem africana
se identificaram com os "Pais-Velhos"; os de origem europeia se
identificaram com as "Crianças", e assim por diante. Um segundo
aspecto é que Crianças, Caboclos e Pais-Velhos representam as três etapas da
vida humana: infância, maturidade e senilidade (velhice), aspectos esses
presentes em todas as raças. O terceiro aspecto são os valores inconscientes ou
arquetípicos que essas roupagens traduzem. Assim, a Criança é símbolo de Amor e
Pureza; o Caboclo é símbolo da Fortaleza e da Atividade; o Pai-Velho é símbolo
da Sabedoria e da Humildade. Novos horizontes se descortinam. O que antes
parecia um fenômeno folclórico, fruto do animismo fetichista como quiseram
fazer crer, agora passa a ser observado como movimento coordenado com intenções
universalistas. Esse é o ponto de vista espiritual. Então a Umbanda não é uma
religião brasileira? Não. Apenas surgiu no Brasil, mas destina-se a toda
humanidade. Isso não significa que veremos Pais-Velhos "baixando" na
China ou Caboclos incorporados na Rússia. Isso tudo faz parte do aspecto
regional do movimento umbandista, das adaptações necessárias ao povo
brasileiro, incluindo as formas de baianos, boiadeiros, marinheiros e outros,
que têm funções ainda mais particulares e menos universais. Por outro lado,
deve haver formas que simbolizam a Pureza, a Fortaleza e a Sabedoria em outros
povos. Podemos ter, talvez, um Guerreiro europeu simbolizando a Fortaleza para
aquele povo, ou um Velho Mestre oriental simbolizando a Sabedoria entre os
chineses. Os arquétipos e seus valores são os mesmos para todos; mudam apenas
as formas de simbolizá-los ou representá-los. Os arquétipos são universais e
estão no inconsciente de todos os seres. Entendemos agora que, na verdade, os
espíritos que se apresentam na forma de Crianças são Mestres do Amor e da
Pureza que usam essa vestimenta para transmitir sua valência espiritual.
Igualmente, os Mestres da Fortaleza e da Atividade se manifestam como Caboclos,
e os Mestres da Sabedoria e da Humildade se apresentam como Pais-Velhos. Mas
isso não é tudo. O objetivo da Umbanda é resgatar para o Homem sua cidadania
espiritual, sua consciência eternal, perdida nas brumas do egoísmo, da vaidade
e do orgulho. A perda da consciência espiritual levou-nos à fragmentação de
nosso psiquismo e, consequentemente, a uma visão fragmentária do mundo. Para
restituir a sanidade espiritual do Homem, os Mestres Astralizados apresentam-se
como Mestres da Sabedoria, atuando diretamente no campo mental dos adeptos; os
Mestres do Amor e da Pureza promovem a cura dos sentimentos; e, completando o
ternário de forças, temos os Mestres da Fortaleza e da Atividade, atuando nas
energias físicas dos consulentes. Nós, seres encarnados, expressamos nossa
personalidade através de Pensamentos, Sentimentos e Ações. Os pensamentos têm
sua sede no Organismo Mental, os sentimentos no Organismo Astral e as ações
estão situadas no Organismo Etérico-físico. Por conseguinte, os
"Pais-Velhos" atuam no Organismo Mental, as "Crianças"
atuam no Organismo Astral e os "Caboclos" atuam no Organismo
Etérico-físico. É precisamente isso o que se verifica nos templos de Umbanda.
Sem que os consulentes percebam, os "Pais-Velhos" orientam as mentes
através de seus conselhos e experiência; as "Crianças" infundem
alegria, bom ânimo e felicidade; os "Caboclos" trazem energias
positivas dos sítios sagrados da Natureza, para dar saúde, impulso e movimento
aos filhos de fé. Resumindo, a tríplice manifestação dos Mestres Astralizados
na Umbanda visa trazer Equilíbrio na Mente, Estabilidade no Sentimento e
Harmonia nas Ações. Neste ponto, podemos dizer que já temos uma visão muito
mais abrangente do que seja o Movimento Umbandista e uma leve noção do que seja
a Tradição Cósmica, a umbanda ou simplesmente, Umbanda, que o Movimento
Umbandista pretende resgatar. Compreendemos que a Umbanda tem caráter
universalista e que o Movimento Umbandista tem o objetivo de adaptar as
verdades universais ao entendimento de cada povo, enquanto a adaptação for
necessária. Podemos ainda ir além e verificar que tudo no Universo é
interligado e que o macrocosmo se reflete no microcosmo. O princípio ternário
que faz o homem expressar sua personalidade em Organismos Mental, Astral e
Físico é o mesmo que ordena a tríplice manifestação dos Mestres Astralizados e
foi o mesmo que ordenou o caos e presidiu a gênese do Universo. No momento da
cosmogênese, conhecido como big bang, três fenômenos concretizaram a Criação: a
Luz, o Som e o Movimento. A interação da Essência Espiritual com a Substância
Etérica amorfa produziu a Existência consubstanciada em Luz, Som e Movimento.
Por isso, tudo na Natureza se apresenta de forma ternária, pela interação entre
o ativo e o passivo que dá origem ao neutro ou gerado. Por isso dizemos que a
Umbanda tem fundamentos cósmicos, porque remontam à cosmogênese. A Doutrina do
Tríplice Caminho contém Epistemologia, Ética e Método para conduzir o Homem à
união com o Sagrado, através da Triunidade. Na Doutrina do Tríplice Caminho
temos três doutrinas convergentes denominadas: Doutrina Tântrica, Doutrina
Mântrica e Doutrina Yântrica. A Tântrica corresponde à Luz, a Mântrica ao Som e
a Yântrica ao Movimento. Embora Tantra, Mantra e Yantra sejam termos conhecidos
de outras línguas, como o sânscrito, seus valores são cósmicos e,
cabalisticamente, seus significados diferem um pouco do que atualmente é
conhecido na Ásia. A Doutrina Tântrica é o caminho para a purificação e
sublimação do Organismo Mental no homem, e os Mestres Tântricos são os Mestres
da Sabedoria e da Humildade. A Doutrina Mântrica é o caminho para a purificação
e sublimação do Organismo Astral, e os Mestres Mântricos são os Mestres do Amor
e da Pureza. A Doutrina Yântrica é o caminho para a purificação do Organismo
Etéricofísico, e os Mestres Yântricos são os Mestres da Ação e da Fortaleza.
Podemos agora observar o quadro sinóptico abaixo e fazer a síntese: O que varia
entre os vários templos de Umbanda é o quanto esses fenômenos são expressos ou
velados. Nos locais em que a vivência espiritual ainda é restrita, as entidades
fazem tudo de forma menos aparente. Nos locais onde já há um certo
amadurecimento espiritual, esses fundamentos são mais abertos e os adeptos
buscam conscientemente se reajustarem nesses três aspectos. Em nosso humilde
templo, em consonância com a vontade de Mestre Orishivara, recebemos pessoas de
todos os graus conscienciais. Por isso temos seis níveis de rito, cada um direcionado
a um grupo da nossa comunidade. Todos são igualmente importantes para nós, pois
constituem etapas de um caminho que todos percorrem. Se alguns se encontram
mais adiantados é porque começaram mais cedo. Os que iniciam agora também
chegarão aos patamares superiores, de acordo com o tempo e sua vontade. Com
esse espírito constituímos a primeira Faculdade de Teologia de Umbanda, onde
podemos ensinar as bases de todos os segmentos umbandistas, seja o da Umbanda
Omolocô, da Umbanda Traçada, da Kimbanda, da Umbanda Esotérica ou da Doutrina
do Tríplice Caminho, em aspectos básicos ou avançados. Podemos falar disso
porque realizamos todos esses ritos quinzenalmente; temos a teoria e a prática.
Procuramos fazer um esboço geral de nossas atividades nesta introdução à nova
edição de Umbanda – a Proto-Síntese Cósmica, na intenção de mostrar que tudo
evolui e que continuamos trabalhando em busca do aperfeiçoamento. Estamos
convencidos de que o Terceiro Milênio reserva grandes mudanças e surpresas para
toda a humanidade. Haveremos de viver em um mundo mais espiritualizado,
derrubaremos o tabu da morte física e experimentaremos a fraternidade e a
igualdade da família planetária a que pertencemos. Esperamos contribuir para a
evolução nossa e de todos, para extirpar de vez a dor, a miséria, a doença e a
fome da face da Terra. Desejamos a todos os irmãos planetários votos de Luz na
Mente e Paz no Coração concretizados em uma Vida Longa plena de realizações
positivas, neutralizadoras do karma negativo. Temos certeza de que a Paz do
indivíduo reflete-se na Paz do Mundo e de que somos todos interdependentes.
Pedimos, humildemente, aos Augustos Arashas, Supremos Curadores do Mundo, que
nos auxiliem a todos a neutralizarmos o Egoísmo, a Vaidade e o Orgulho, e que
estejamos todos em sintonia com o Soberano e Misericordioso Arashala – o Senhor
Jesus, que nos abençoa a todos desde sempre. Aranauam (...) Rá-anga (...) Eua
(...) Arasha (...) Hum (...). Livro UMBANDA – A Proto Síntese Cósmica. Abraço.
Davi.
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