quarta-feira, 6 de julho de 2016

OS BENEFICIOS DA COMPAIXÃO.

Budismo. Texto de Tenzin Gyatso (1935-  ). O Dalai Lama. Capítulo um continuação. NOSSA NECESSIDADE DE AMOR. Uma grande pergunta permeia nossa experiência, quer pensemos nela de forma consciente ou não: qual o sentido da vida? Acredito que o sentido de nossa vida seja ser feliz. Desde o instante em que nasce, todo ser humano quer a felicidade e não o sofrimento. Nem o condicionamento social, nem a educação, nem a ideologia afetam isso. No âmago de nosso ser, simplesmente desejamos o contentamento. Não sei se o universo, com suas incontáveis galáxias, estrelas e planetas, tem ou não um significado maior, mas pelo menos esta claro que nós humanos, que vivemos nesta Terra, temos a tarefa de criar uma vida feliz para nós mesmos. Não somos como os objetos feitos por máquinas. Somos mais do que simplesmente matéria; temos sentimentos e experiências. Se fôssemos entidades meramente mecânicas, então as próprias máquinas poderiam aliviar todo nosso sofrimento e realizar todos os nossos desejos. Mas o conforto material por si só não basta. Nenhum objeto material, por mais belo ou valioso, é capaz de fazer com que nos sintamos amados. Precisamos de algo mais profundo, ao qual geralmente me refiro como afeição humana. Com a afeição humana, ou compaixão, todas as vantagens materiais que temos à nossa disposição podem ser muito construtivas e produzir bons resultados. Sem a afeição humana, no entanto, as vantagens materiais sozinhas não vão nos satisfazer, nem tampouco produzirão em nós qualquer tipo de paz ou felicidade mental. Na verdade, vantagens materiais sem afeição humana podem até criar problemas adicionais. Então, quando consideramos nossas origens e nossa natureza, descobrimos que ninguém nasce livre da necessidade de amor. E, embora algumas escolas de pensamento procurem fazer isso, os seres humanos não podem ser definidos como apenas físicos. Em última instância, a razão pela qual o amor e a compaixão trazem a maior felicidade é simplesmente os valoriza mais do que tudo. Por mais capaz e habilidoso que seja um indivíduo, caso seja deixado sozinho, não sobreviverá. Por mais vigorosos e independentes que nos sintamos durante os períodos mais prósperos de nossas vidas, quando ficamos doentes ou quando somos muito jovens ou muito velhos, dependemos do apoio de outras pessoas. Vamos observar mais de perto as maneiras como a afeição e a compaixão nos ajudam em nossas vidas. Nossas crenças podem divergir quando se trata de questões relativas a criação e a evolução de nosso universo, mas podemos pelo menos concordar que cada um de nós é produto de nossos próprios pais. Em geral, nossa concepção aconteceu não apenas no contexto do desejo sexual, mas também devido à decisão de nossos pais terem um filho. Tais decisões se baseiam em responsabilidade e em altruísmo - no compromisso compassivo dos pais de cuidar daquele filho até ele ser capaz de cuidar de si mesmo. Assim, desde o instante de nossa concepção, o amor de nossos pais está diretamente envolvido em nossa criação. Ao me encontrar com alguns cientistas, especialmente os que trabalham na área da neurologia, aprendi que há fortes indícios científicos de que, mesmo durante a gravidez, o estado de espírito da mãe, seja ele calmo ou agitado, tem grande efeito sobre o bem estar físico e mental da criança que está para nascer. Parece vital para a mãe manter um estado de espírito calmo e relaxado. Depois do nascimento, as primeiras semanas são as mais cruciais para o desenvolvimento saudável da criança. Durante esse período, segundo me disseram, um dos fatores mais importantes para garantir um crescimento rápido e saudável do cérebro do bebê é o toque físico constante da mãe. Se a criança for deixada sozinha e sem cuidados durante essa fase critica, embora os efeitos em seu bem estar mental possam não ser imediatamente óbvios, os danos físicos que podem ser causados por esse fato ficarão bastante visíveis mais tarde. A importância central do amor e do carinho continua ao longo da infância. Quando uma criança vê alguém com um comportamento aberto e carinhoso, alguém que sorria ou que tenha uma expressão de amor e carinho, ela se sente naturalmente feliz e protegida. Por outro lado, se alguém tentar machucar a criança, ela será dominada pelo medo, o que trará consequências prejudiciais para o seu desenvolvidos. Hoje em dia, muitas crianças crescem em lares infelizes. Se não receberem afeição adequada, mais tarde na vida raramente amarão seus pais e, muitas vezes, terão dificuldades para amar outras pessoas. Isso, claro, é muito triste. À medida que as crianças crescem e entram para a escola, sua necessidade de apoio deve ser suprida por seus professores. Se um professor não transmite apenas conhecimento acadêmico, mas também assume a responsabilidade de preparar os alunos para a vida, seus alunos sentirão confiança e respeito, e aquilo que foi ensinado deixará uma impressão indelével em suas mentes. Por outro lado, matérias ensinadas por um professor que não demonstra uma verdadeira preocupação com o bem estar geral de seus alunos serão consideradas temporárias e não serão lembradas por muito tempo. Da mesma maneira, se alguém está doente e recebe tratamento num hospital de um médico que manifesta sentimento de calor humano, a pessoa se sente tranquila, e o desejo do médico de dispensar o melhor tratamento possível por si só já é curativo, independentemente de seu grau de conhecimento técnico. Por sua vez, se o médico de alguém não tiver sentimento humano e exibir uma expressão pouco amistosa, demonstrar impaciência ou um descaso casual, a pessoa se sentirá ansiosa, mesmo que esteja diante do mais qualificado dos médicos, que sua doença tenha sido corretamente diagnosticada e que os remédios certos tenham sido receitados. Inevitavelmente, os sentimentos de um paciente fazem diferença para a qualidade e a perfeição de sua recuperação. Mesmo em conversas normais na vida cotidiana, quando alguém fala com sentimento humano, gostamos de ouvir e respondemos da mesma maneira; toda a conversa se torna interessante, por mais insignificante que seja o seu assunto. Por outro lado, se uma pessoa fala de maneira fria ou ríspida, ficamos pouco à vontade e desejamos terminar logo a interação. Do acontecimento menos importante ao mais importante, a afeição e o respeito dos outros são vitais para a nossa felicidade. Recentemente, encontrei outro grupo de cientistas nos Estados unidos que disseram que a taxa de doenças mentais no seu país era bastante alta, cerca de doze porcento da população. Durante nossa conversa, ficou claro que a depressão não era causada por uma falta de bens materiais, mas mais provavelmente por uma dificuldade de dar e receber afeição. Assim, como você pode ver em todos esses exemplos, desde o dia em que nascemos a necessidade de afeição humana esta em nosso sangue, quer estejamos conscientes disso ou não. Mesmo que a afeição venha de um animal ou de alguém que normalmente consideraríamos um inimigo, tanto crianças quanto adultos vão naturalmente gravitar em sua direção. A FONTE FUNDAMENTAL DO SUCESSO. Como seres humanos, temos o potencial para sermos pessoas felizes e compassivas e também para sermos infelizes e prejudiciais para os outros. O potencial para todas essas coisas esta sempre presente em nós. Se quisermos ser felizes, então o importante é tentar estimular os aspectos positivos e úteis em cada um de nós e tentar reduzir os aspectos negativos. Fazer coisas negativas, como roubar e mentir, pode às vezes parecer proporcionar um tipo de satisfação a curto prazo, mas a longo prazo elas sempre nos trarão tristezas. Ações positivas sempre nos trarão força interior. Com força interior, temos menos medo e mais auto estima, e torna-se muito mais fácil estender nossos sentimentos de afeição aos outros sem barreiras, sejam elas religiosas, culturais ou de qualquer outro tipo. Assim, é muito importante reconhecer nosso potencial tanto para o bem quanto para o mal e em seguida observá-lo e analisá-lo cuidadosamente. Isso é o que chamo de promoção do valor humano. Minha principal preocupação é sempre como promover uma compreensão do valor humano mais profundo. Esse valor humano mais profundo é a compaixão, o sentimento de afeição e o compromisso. Não importa qual seja sua religião, ou se você é crente ou não, sem eles não consegue ser feliz. Vamos examinar a utilidade da compaixão e de um bom humor ao acordar, se houver um sentimento generoso dentro de nós, automaticamente nossa porta interior está aberta para aquele dia. Mesmo que encontremos uma pessoa desagradável, não ficaremos muito perturbados e poderemos até conseguir dizer algo simpático para essa pessoa. Poderemos conversar com ela, ainda que não seja tão agradável e talvez até ter uma conversa significativa. Quando criamos uma atmosfera agradável e positiva, isso automaticamente ajuda a reduzir o medo e a insegurança. Desse modo podemos fazer mais amigos e criar mais sorrisos com facilidade. Mas no dia em que nosso humor estiver menos positivo e nos sentindo irritados, automaticamente nossa porta interior se fecha. O resultado disse é que, mesmo que encontremos nosso melhor amigo, sentimo-nos pouco a vontade e tensos. Esses exemplos mostram como nossa atitude interior faz muita diferença em nossas experiências diárias. Para criar uma atmosfera agradável dentro de nós mesmos, dentro de nossas famílias, dentro de nossas comunidades, precisamos nos dar conta de que a fonte fundamental dessa atmosfera está dentro do indivíduo, de cada um de nós - bom coração, compaixão humana e amor. A compaixão não tem apenas benefícios mentais, contribui também para a saúde física. Segundo a medicina contemporânea, assim como em minha experiência pessoal, a estabilidade mental e o bem estar físico estão diretamente relacionados. Não há dúvida de que a raiva e a agitação nos tornam mais suscetíveis à doenças. Por outro lado, se a mente estiver tranquila e ocupada com pensamentos positivos, o corpo não sucumbirá à doença com facilidade. Isso mostra que o corpo físico em si aprecia e reage à afeição humana, à paz de espírito humana. Outra coisa que me parece bastante clara é que, no instante em que você pensa apenas em si mesmo, o foco de toda a sua realidade se restringe, e por causa desse foco mais restrito coisas desagradáveis podem parecer enormes e causar-lhe medo, desconforto e uma sensação de estar soterrado pela tristeza. Entretanto, no instante em que você pensa nos outros com um sentimento de afeição, sua visão se amplia. Nossa perspectiva mais ampla, seus próprios problemas parecem ter pouco significado, e isso faz uma grande diferença. Se você tiver um sentimento de afeição em relação aos outros, vai manifestar uma espécie de força interior apesar de suas próprias dificuldade e problemas. Com essa força, seus próprios problemas parecerão menos importantes e incômodos para você. Ao ir além de seus próprios problemas e cuidar dos outros, você ganha força interior, auto estima, coragem e uma maior sensação de calma. Esse é um exemplo claro de como o modo de pensar realmente pode fazer diferença. A realização dos interesses próprios e desejos de alguém é um subproduto de um verdadeiro trabalho em prol de outros seres senciente, ou seja, que sentem. Como assinala o renomado mestre do século XV, Tsongkhapa, em sua obra Grande Exposição do Caminho da Iluminação: "Quanto mais o praticante desenvolver atividades e pensamentos que estejam focalizados e dirigidos para a realização do bem estar dos outros, o preenchimento ou a realização de suas próprias aspirações virá como consequência, sem que ele precise fazer um esforço separado". Alguns de vocês podem já ter me ouvido observar, coisa que faço com bastante frequência, que em certo sentido os Bodhisattvas, os praticantes compassivos do caminho budista, são pessoas "sabiamente egoístas", enquanto pessoas como nós somos "tolamente egoístas". Pensamos em nós mesmos e não consideramos os outros, e o resultado é que permanecemos infelizes e temos uma vida triste. Outros benefícios do altruísmo e de um bom coração podem não ser tão evidentes para nós. Um dos objetivos da prática budista é obter um nascimento favorável em nossa próxima vida, objetivo que só pode ser alcançado evitando-se atos que sejam prejudiciais aos outros. Assim, mesmo no contexto de tal objetivo, vemos que o altruísmo e o bom coração estão em sua origem. Também está muito claro que, para um Bodhisattva conseguir alcançar a prática das seis perfeições - generosidade, disciplina ética, tolerância, esforço entusiasta, concentração e sabedoria - a cooperação e a gentileza em relação a seus semelhantes são extremamente importantes. Vemos, portanto, que a gentileza e um bom coração formam a base de nosso sucesso nesta vida, de nosso progresso no caminho espiritual e da realização de nossa aspiração fundamental: a obtenção da iluminação completa. Por isso, a compaixão e um bom coração não são apenas importantes no início, mas também no meio e no fim. Sua necessidade e seu valor não se limitam a nenhum momento, lugar, sociedade o cultura específicos.  Assim, não apenas precisamos de compaixão e afeição humanas para sobreviver, mas elas são as fontes fundamentais de sucesso na vida. Maneiras egoístas de pensar não apenas prejudicam os outros como impedem a própria felicidade que desejamos. Chegou a hora de pensar com mais sensatez, não é? É nisso que acredito. Do Livro A Vida de Compaixão. Abraço. Davi.

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