segunda-feira, 4 de julho de 2016

OS BENEFÍCIOS DA COMPAIXÃO..

Budismo. Texto de Tenzin Gyatso (1935-  ). O Décimo Quarto Dalai Lama. Capítulo I. OS BENEFÍCIOS DA COMPAIXÃO. Minhas experiências não tem nada de especial, são apenas experiências humanas normais. Entretanto, graças ao meu treinamento budista, aprendi um pouco sobre compaixão e também como desenvolver um bom coração. Essa experiência revelou-se muito útil na minha vida cotidiana. Por exemplo, a região do Tibet, de onde venho, chama-se Amdo, e geralmente os nativos são considerados pessoas de pavio curto. Então, no Tibet, quando alguém perde a paciência, as pessoas muitas vezes consideram isso um sinal de que é originário de Amdo! No entanto, quando comparo meu temperamento de hoje ao que tinha entre meus quinze e vinte anos, vejo uma diferença flagrante. Hoje em dia quase não fico irritado e, mesmo quando isso acontece, a irritação dura pouco. Esse é um dos benefícios maravilhosos da minha própria prática e treinamento - agora estou sempre alegre! Durante a minha vida, perdi meu país e fui obrigado a tornar-me totalmente dependente da boa vontade das pessoas. Também perdi minha mãe, e a maioria dos meus preceptores e lamas já morreu. É claro que são incidentes trágicos, e fico triste quando penso neles. No entanto, não me sinto soterrado pela tristeza. Rostos velhos, conhecidos, desaparecem, e surgem novos rostos, mas mesmo assim mantenho minha felicidade e minha paz de espírito. Para mim, a capacidade d encarar os acontecimentos com uma perspectiva mais ampla é uma das maravilhas da natureza humana e acredito que esteja enraizada em nossa capacidade de compaixão e bondade para com os outros. NOSSA NATUREZA FUNDAMENTAL. Alguns dos meus amigos me disseram que, embora o amor e a compaixão sejam maravilhosos e bons, eles não são realmente relevantes. Nosso mundo, dizem eles, não é um lugar onde tais virtudes tenham muita influência humana a tal ponto que a humanidade será sempre dominada por eles. Não concordo. Nós, humanos, existimos em nossa forma atual há cerca de cem mil anos. Acredito que durante esse tempo, se a mente humana houvesse sido controlada principalmente pela raiva e pelo ódio, nossa população teria diminuído. Mas hoje emdia, apesar de todas as nossas guerras, vemos que a população humana está maior do que nunca. Isso para mim indica claramente que, embora a raiva e a agressão sem dúvida estejam presentes, o amor e a compaixão predominam no mundo. É por isso que o que chamamos de "notícia" compõe-se em sua maioria de acontecimentos desagradáveis ou trágicos; as atividades de compaixão fazem parte da vida cotidiana a tal ponto que são consideradas naturais e, assim, são em grande parte ignoradas. Se considerarmos a natureza humana básica, podemos ver que ela é mais gentil do que agressiva. Por exemplo, se examinarmos diversos animais, perceberemos que os animais de temperamento mais pacífico têm uma estrutura corporal que se desenvolveu de acordo com seu temperamento. Comparem o tigre e o cervo: há grandes diferenças em suas estruturas físicas. Quando comparamos nossa estrutura corporal à deles, vemos que nos parecemos mais com os cervos e com os coelhos do que com os tigres. Até nossos dentes se parecem mais com os de um coelho, não é? Não se parecem com os de um tigre. Nossas unhas são outro bom exemplo - não consigo sequer fazer mal a um rato só com um arranhão das minhas unhas. É claro que, por causa da inteligência humana, somos capazes de inventar e usar várias ferramentas, assim como adotar métodos para realizar aquilo que seria dificil de ser conseguido sem eles. No entanto, por causa de nossa situação física, pertencemos à categoria de animais gentis. Afinal, somos animais sociais. Sem a amizade humana, sem o sorriso humano nossas vidas se tornam infelizes. A solidão torna-se insuportável. Essa interdependência humana é uma lei natural, ou seja, de acordo com a lei natural, dependemos dos outros para viver. Se em determinadas circunstâncias, porque algo não vai bem dentro de nós, nossa atitude se torna hostil em relação aos seres humanos, nossos semelhantes, dos quais dependemos, como podemos esperar alcançar a paz de espírito ou uma vida feliz? Segundo a natureza humana básica, ou lei natural, a interdependência - dar e receber afeição - é a chave para a felicidade. Esse fato pode se tornar mais evidente se refletirmos sobre o padrão básico de nossa existência. De modo a fazer mais do que apenas sobreviver, precisamos de abrigo, de comida, de parceiros, de amigos, da estima dos outros, de recursos e assim por diante; não podemos obter essas coisas sozinhos, mas dependemos todos os outros. Suponhamos que uma única pessoa fosse viver sozinha em um lugar distante e desabitado. Por mais forte, saudável ou educada que fosse, não haveria nenhuma possibilidade de ela ter uma existência feliz e gratificante. Se, por exemplo, uma pessoa estiver vivendo em algum lugar remoto da selva africana e foi o único ser humano em uma reserva de animais, devido à inteligência e perspicácia dessa pessoa, o melhor que poderá fazer será tornar-se, talvez, o rei da selva. Essa pessoa poderá ter amigos? Poderá conquistar renome? Poderá se tornar um herói, se desejar? Penso que a resposta para todas essas perguntas seja definitivamente não, pois todos esses fatores só existem em relação a outros seres humanos semelhantes. Quando você é jovem, saudável e forte, algumas vezes pode ter a sensação de que é totalmente independente e não precisa de mais ninguém. Mas isso é uma ilusão. Mesmo na flor da idade, pelo simples fato de ser humano, você precisa de amigos, não precisa? Isso é particularmente verdadeiro quando ficamos velhos. Por exemplo, no meu caso pessoal, o Dalai Lama, agora na casa dos sessenta anos (ano de 1996), começa a dar vários sinais de que a velhice está chegando. Posso ver mais cabelos brancos surgirem na minha cabeça e também estou começando a ter problemas nos joelhos algumas vezes quando me levanto ou me sento. Conforme ficamos velhos, precisamos cada vez mais da ajuda dos outro; é essa a natureza de nossas vidas como seres humanos. Em pelo menos um sentido, podemos dizer que os outros são realmente a principal fonte de todas as nossas experiências de alegria, felicidade e prosperidade, não apenas no que diz respeito ao nosso trato cotidiano com outras pessoas. Podemos ver que todas as experiências desejáveis que valorizamos ou às quais aspiramos dependem da cooperação e da interação com os outros. É um fato óbvio. Do mesmo modo, do ponto de vista de um praticante do budismo, muitos dos altos níveis de realização que você pode alcançar e do progresso que faz em sua jornada espiritual dependem da cooperação e da interação com os outros. Além disso, no estágio da iluminação completa, as atividade da compaixão de um Budha só podem surgir espontaneamente em relação a outros seres, por serem os receptores e beneficiários dessas atividades iluminadas. Mesmo de um ponto de vista totalmente egoísta - querer apenas nossa própria felicidade, conforto e satisfação na vida, sem consideração pelo bem estar dos outros - ainda argumentaria que a realização de nossas aspirações depende da existência dos outros. Mesmo para cometer ações prejudiciais dependemos da existência dos outros. Por exemplo, para poder trapacear, você precisa de alguém que seja o objeto de sua ação. Todos os eventos e incidentes da vida estão tão intimamente ligados ao destino dos outros que uma única pessoa sozinha não pode sequer começar a agir. Muitas atividades humanas comuns, tanto positivas quanto negativas, não podem ser concebidas separadamente da existência de outras pessoas. Por causa dos outros, temos a oportunidade de ganhar dinheiro, se é isso que desejamos da vida. Do mesmo modo, apoiando-se na existência dos outros, a mídia torna-se capaz de criar fama ou desgraça para alguém. Sozinho, é impossível criar qualquer fama ou desgraça por mais alto que você grite. O máximo que conseguirá fazer é criar um eco de sua própria voz. Assim, a interdependência é uma lei fundamental da natureza. Não apenas as formas de vida mais avançadas, mas também muitos dos insetos mais diminutos são seres que, sem nenhuma religião, lei ou educação, sobrevivem graças à cooperação mútua existente entre eles. O nível mais sutil de fenômenos materiais também é governado pela interdependência. Todos os fenômenos, desde o planeta onde vivemos até os oceanos, nuvens, florestas e flores que nos cercam, surgem dependentes de padrões sutis de energia. Sem sua interação adequada, eles se dissolvem e se deterioram. Do Livro A Vida de Compaixão. Abraço. Davi.






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