quinta-feira, 28 de julho de 2016

COMPAIXÃO GLOBAL.

Budismo. Escrito por Tenzin Gyatso (1935 -  ), o décimo quarto Dalai Lama. Capítulo três. COMPAIXÃO GLOBAL. Acredito que, em todos os níveis da sociedade – familiar, nacional e internacional – a chave para um mundo mais feliz e de mais sucesso é o crescimento da compaixão. Não precisamos nos tornar religiosos, nem tampouco precisamos acreditar em uma ideologia específica. Tudo que é preciso é que cada um de nós desenvolva suas boas qualidades humanas. Acredito que cultivar a felicidade individual pode contribuir de maneira profunda e eficiente para a melhoria global de toda a comunidade humana. Todos compartilhamos uma necessidade idêntica de amor e, com base nessa característica comum, é possível sentir que qualquer pessoa que encontramos, em quaisquer circunstâncias, é um irmão ou irmã. Por mais novo que seja seu rosto e por mais diferentes que sejam suas roupas ou seu comportamento, não há nenhuma divisão importante entre nós e as outras pessoas. É tolo basear-se em diferenças externas porque nossas naturezas básicas são as mesmas. Os benefícios de transcender essas diferenças superficiais tornam-se claros quando olhamos para a situação global. Em última instância, a humanidade é só uma, e esse pequeno planeta é nossa única casa. Se quisermos proteger essa nossa casa, cada um de nós precisa experimentar um sentimento intenso de altruísmo e compaixão Universal. Só esse sentimento pode remover os motivos egoístas que fazem as pessoas enganarem e usarem  umas às outras. Se você tiver um coração sincero e aberto, naturalmente sentirá auto estima e confiança, e não haverá motivo para ter medo dos outros. A necessidade de uma atmosfera de abertura e cooperação em nível global está se tornando mais urgente. Nessa idade moderna, quando se trata de lidar com situações econômicas, não existem mais fronteiras familiares nem mesmo nacionais. De país e país e de continente e continente, o mundo está interconectado de modo inextrincável. Cada país depende muito dos outros. Para que um país possa desenvolver sua própria economia, é forçado a considerar seriamente as condições econômicas de outros países também. Na verdade, o resultado final da melhoria econômica em outros países é também a melhoria econômica em seu próprio país. Em vista dessas características de nosso mundo moderno, precisamos de uma completa revolução em nosso pensamento e em nossos hábitos. A cada dia torna-se mais claro que um sistema econômico viável deve estar baseado em uma verdadeira noção de responsabilidade Universal. Em outras palavras, o que precisamos é de um verdadeiro comprometimento em relação aos princípios da fraternidade Universal. Essa parte já está clara, não está? Não se trata apenas de um ideal sagrado, moral ou religioso. Trata-se, isso sim, da realidade de nossa existência humana moderna. Se refletirmos com profundidade suficiente, fica óbvio que precisamos de mais compaixão e altruísmo em todo lugar. Esse ponto crítico pode ser notado se  observarmos o estado atual dos negócios no mundo, seja na área da economia e da saúde modernas, seja nas situações políticas e militares. Além da infinidade de crises sociais e políticas, o mundo também está enfrentando um ciclo cada vez mais intenso de calamidades naturais. Ano após ano, vimos uma mudança radical dos padrões climáticos globais que teve consequências graves: chuvas demais em alguns países, causando sérias enchentes, falta de precipitações em outros países, resultando em secas devastadoras. Felizmente, a preocupação com a ecologia e o meio ambiente está crescendo rapidamente por toda parte. Agora estamos começando a compreender que a questão da proteção ambiental é, no final das contas, a questão de nossa própria sobrevivência neste planeta. Como seres humanos, também devemos respeitar os outros membros da família humana, nossos semelhantes: nossos vizinhos, amigos e assim por diante. A compaixão, a gentileza com amor, o altruísmo e um sentimento de fraternidade são as chaves não apenas para o desenvolvimento humano, mas para a sobrevivência planetária. O sucesso ou o fracasso da humanidade no futuro depende em primeiro lugar da força de vontade e da determinação da geração atual. Se nós próprios não usarmos nossas faculdades de força de vontade e inteligência, ninguém mais poderá garantir nosso futuro e o da próxima geração. Isso é um fato incontestável. Não podemos colocar a culpa toda nos políticos ou nas pessoas consideradas diretamente responsáveis por diversas situações; nós também, pessoalmente, devemos assumir alguma responsabilidade. E só quando o indivíduo aceita a responsabilidade pessoal é que começa a tomar alguma iniciativa. Apenas gritar e reclamar não é o bastante. Uma mudança genuína deve vir primeiro de dentro do indivíduo e, então, pode tentar fazer contribuições significativas para a humanidade. O altruísmo não é apenas um ideal religioso, é uma exigência indispensável para a humanidade como um todo. Se olharmos para a história humana, veremos que um bom coração tem sido a chave para alcançar o que o mundo considera grandes conquistas: na área dos direitos humanos, do serviço social, da liberação política e da religião, por exemplo. Um olhar e uma motivação sincera não pertencem exclusivamente à esfera da religião; podem ser gerados por qualquer pessoa simplesmente tendo uma preocupação genuína com os outros, com sua comunidade, com os pobres e necessitados. Em suma, eles surgem quando temos um interesse profundo e quando nos preocupamos com o bem estar da comunidade em geral, ou seja, com o bem estar dos outros. As ações que resultam desse tipo de atitude e de motivação entrarão para a história como boas, benéficas e úteis para a humanidade. Hoje, quando lemos sobre tais ações na história, embora esses acontecimentos estejam no passado e se tenham tornado apenas lembranças, ainda nos sentimos felizes e reconfortados por sua causa. Lembramo-nos com profunda admiração que tal ou tal pessoa fez um trabalho importante e nobre Também podemos ver alguns exemplos dessa grandeza em nossa própria geração. Por outro lado, nossa história também está cheia de episódios de indivíduos realizando os atos mais destrutivos e prejudiciais possíveis, matando e torturando outras pessoas, levando tristeza e sofrimentos inimaginável a inúmeros seres humanos. Esses incidentes podem ser vistos como o reflexo do lado obscuro de nossa herana humana comum. Tais eventos só acontecem quando há ódio, raiva, inveja e ganância sem limites. A história mundial é simplesmente o registro coletivo dos efeitos dos pensamentos negativos e positivos dos seres humanos. Isso está bem claro, penso eu. Ao refletirmos sobre a história, podemos ver que, se quisermos ter um futuro melhor e mais feliz, devemos examinar nosso estado de espírito atual e refletir sobre o modo de vida que esse estado de espírito trará no futuro. Nunca poderemos insistir o bastante no poder de penetração dessas atitudes negativas. COMPAIXÃO E RESOLUÇÃO DE CONFLITOS. Devido à nossa situação global atual, a cooperação é essencial, especialmente em áreas como a economia e a educação. A ideia de que as diferenças internacionais são essenciais foi tornada menos viável pelo movimento em direção a uma Europa Ocidental Unificada (União Europeia). Na minha opinião, esse movimento é realmente maravilhoso e chega em boa hora. No entanto, esse trabalho conjunto de várias nações não surgiu por causa da compaixão ou da fé religiosa, mas sim por causa da necessidade. Há uma tendência mundial cada vez mais forte de consciência global. Nas circunstâncias atuais, uma relação mais estreita com os outros tornou-se um elemento essencial de nossa própria sobrevivência. Portanto, o conceito de responsabilidade Universal, baseada na compaixão e em uma ideia de fraternidade, é hoje essencial. O mundo está cheio de conflitos – conflitos devidos a ideologia, à religião – até mesmo conflitos dentro de famílias. Todos esses conflitos são baseados em uma pessoa querer uma coisa e outra pessoa querer outra. No entanto, se tentarmos encontrar a causa desses muitos conflitos, descobriremos que na verdade existem muitas fontes e causas diferentes, mesmo dentro de nós. Entretanto, mesmo antes de entendermos as causas de todos os nossos conflitos, temos o potencial e a habilidade de nos juntarmos em harmonia. Todas as causas são relativas. Embora existam muitas fontes de conflito, ao mesmo tempo existem muitas fontes de unidade e de harmonia. Chegou a hora de dar mais ênfase à unidade. Aqui, mais uma vez, deve haver afeição humana e uma análise paciente baseada na compaixão. Por exemplo, você pode ter uma opinião ideológica ou religiosa diferente da de outra pessoa. Se você respeitar os desejos do outro e demonstrar uma atitude sinceramente compassiva para com essa pessoa, então não importa se sua ideia não lhe convém; isso é secundário. Contanto que a outra pessoa acredite em sua ideia e tire algum benefício desse ponto de vista, é direito absoluto dele ou dela. Então, devemos respeitar o fato de existirem diferentes pontos de vistas. Na área da economia, do mesmo modo, os competidores também devem ter algum lucro, pois também precisam sobreviver. Quando temos uma perspectiva mais ampla baseada na compaixão, penso que as coisas se tornam muito mais fáceis. Mais uma vez, a compaixão é o fator chave. DESMILITARIZAÇÃO. Sob determinados aspectos, a situação mundial hoje em dia ficou mais tranquila. A Guerra Fria (1947-1991) entre a antiga União Soviética e os Estados Unidos da América terminou. Em vez de procurar novos inimigos, deveríamos agora pensar e falar seriamente sobre desmilitarização global ou, pelo menos, sobre a ideia de desmilitarização. Sempre digo a meus amigos americanos: Sua força não vem das armas nucleares, mas das ideias nobres de seus ancestrais sobre liberdade, independência e democracia. Quando estive nos Estados Unidos da América em 1991, tive a oportunidade de me encontrar com o ex presidente George W. Bush. Na época, conversamos sobre a Nova Ordem Mundial, e eu disse a ele: Uma Nova Ordem Mundial com compaixão é muito bom. Não tenho tanta certeza sobre uma Nova Ordem Mundial sem compaixão. Acredito que chegou a hora de pensar e falar sobre desmilitarização. Com o colapso da antiga União Soviética, vimos alguns sinais de redução de armamentos e, pela primeira vez, de desnuclearização. Passo a passo, penso que nosso objetivo deva ser libertar o mundo – nosso pequeno planeta – das armas. Isso não significa, no entanto, que devamos abolir todas as formas de armas. Podemos precisar manter algumas delas, já que há sempre algumas pessoas e grupos mal-intencionados entre nós. Para nos precavermos e nos protegermos dessas fontes, poderíamos criar um sistema de força policial internacional monitorada que não pertencesse necessariamente a uma nação específica, mas fosse controlada coletivamente e supervisionada, em última instância, por uma organização como as Nações Unidas ou um órgão internacional semelhante. Dessa maneira, sem armas disponíveis para nenhuma nação individual, não haveria perigo de conflito militar entre nações e não haveria guerra civil. Lamentavelmente, a guerra tem feito parte da história humana até o momento presente, mas penso que chegou a hora de mudar os conceitos que levam à guerra. Alguns consideram a guerra algo glorioso; eles pensam que a guerra pode torna-los heróis. Essa atitude em relação à guerra é muito errada. Recentemente, um entrevistador comentou comigo: Os ocidentais têm um enorme medo da morte, mas os orientais parecem ter muito pocu medo da morte. Respondi meio brincando: Parece-me que, para a mentalidade ocidental, a guerra e a organização militar são extremamente importantes. Guerra significa morte – morte matada, não por causa naturais. Então parece que, na verdade, são vocês que não temem a morte, por gostarem tanto das guerras. Nós orientais, particularmente os tibetanos (nascidos na região autônoma do Tibete), não podemos sequer começar a pensar em guerra; não podemos conceber a ideia de lutar, porque o resultado inevitável da guerra é o desastre: morte, ferimentos e tristeza. Portanto, em nossa mentalidade, o conceito da guerra é extremamente negativo. Isso parece significar que na verdade temos mais medo da morte do que vocês. O senhor não acha? Infelizmente, devido a determinados fatores, as pessoas insistem em ideias incorretas a respeito da guerra. O perigo dessas ideias para a comunidade mundial está maior do que nunca; portanto, devemos pensar seriamente em desmilitarização. Senti isso com muita intensidade durante e depois da crise (Guerra 1990-1991)) no Golfo Pérsico. É claro que todos culparam Saddam Hussein (1937-2006), e não resta dúvida de que Saddam Hussein foi prejudicial – cometeu muitos erros e agiu de maneira errada sob muitos aspectos. Afinal, ele foi um ditador, e um ditador é obviamente algo prejudicial. No entanto, em seu aparato militar, sem suas armas, Saddam Hussein não seria capaz de funcionar como esse tipo de ditador. Quem forneceu essas armas? Os fornecedores também são responsáveis. Algumas nações ocidentais forneceram-lhe armas sem pensar nas consequências. Pensar apenas em dinheiro e em lucrar com a venda de armas é terrível. Certa vez conheci uma francesa que passara muitos anos em Beirute – Líbano. Ela me contou com grande tristeza que, durante a crise em Beirute, havia pessoas de um lado da cidade lucrando com a venda de armas, e naquele mesmo dia, do outro lado da cidade, outras pessoas – inocentes – estavam sendo mortas com aquelas mesmas armas. Do mesmo modo, em um lado de nosso planeta há pessoas vivendo uma vida luxuosa com os lucros da venda de armas, enquanto pessoas inocentes estão sendo mortas com essas armas sofisticadas do outro lado do planeta. Portanto, o primeiro passo é parar de vender armas. Algumas vezes provoco meus amigos suecos: Ah, vocês são mesmo maravilhosos. Durante o último período de conflito (Segunda Guerra Mundial 1939-1945), permaneceram neutros. E sempre pensam na importância dos direitos humanos e da paz mundial. Mas ao mesmo tempo estão vendendo muitas armas. Isso é um pouco hipócrita, não? Na época da crise do Golfo Pérsico, fiz uma promessa interior – um compromisso de que, pelo resto da minha vida, eu contribuiria para propagar a ideia de desmilitarização. No que diz respeito a meu próprio país (Governo Tibetano no exílio com sede em Dharamsala – Índia), cheguei à conclusão de que, no futuro, o Tibete (região autônoma ao norte da China sob a custódia do Governo Chinês) deveria ser uma zona completamente desmilitarizada. Mais uma vez, no trabalho em prol da desmilitarização, o fator chave é a compaixão humana. Do Livro A Vida de Compaixão. Abraço. Davi.

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