Os
Yogasutras de Patanjali. Qual é o astro que melhor representa o espírito, o Sol
ou a Lua? Muito provavelmente um ocidental praticante de Yoga responderá que o
Sol é o astro que simboliza o espírito e a vida superior. É o brilho da
consciência e da sabedoria, destruidor das sombras da ignorância e do mal. Uma
infinidade de razões levantaria esse hipotético yogue do ocidente para
sustentar sua opinião sobre a figura emblemática de entender a simbologia
indiana. A resposta está errada, ao menos do ponto de vista da filosofia da
Yoga. Nossa dificuldade para perceber a sutileza dessas figuras míticas decorre
do fato de nos fixarmos excessivamente na opinião de que a consciência é o
destino e a razão final do espírito. Imaginamos uma transformação de estados de
consciência e concebemos uma evolução para esferas cada vez mais elevadas de
consciências, como se esse fosse o caminho natural em direção ao despertar,
iluminação espiritual. O Sol, como símbolo milenar dos fenômenos da
consciência, assumiria, portanto o lugar mais elevado num panteão mítico
baseado na superioridade da consciência. A consciência, porém, é um estado
inferior e temporário de nossa alma. É apenas um conjunto de processos naturais
que nos permitem elaborar uma representação mental do mundo e dos objetos ao
nosso redor. A consciência é a condição indispensável para que possamos
estabelecer alguma relação de trocas com o mundo em que vivemos, pois todo o
contato que podemos estabelecer com ele só pode ser realizado através dos
mesmos processos naturais que originam o fenômeno da consciência. Apesar de sua
importância para o engrandecimento de nossa vida espiritual, a consciência é,
normalmente, um sério obstáculo ao despertar da própria espiritualidade. Somos
guiados por forças inconscientes em todos os instantes de nossa vida. E repare
como são raros os momentos em que podemos desfrutar da plenitude da
consciência. E mesmo nesses curtos períodos de consciência estamos sujeitos a
todo tipo de trapaças da percepção, como miragens, ruídos de comunicação e
falhas de interpretação dos sinais e estímulos que nos atingem. É claro que o
astro que melhor representa a presença do espírito em nossa vida, dentro da
perspectiva do Yoga, é a Lua. A mesma Lua que representa a natureza do corpo
material. A filosofia do Yoga é parte de uma cultura tipicamente lunar. Em
decorrência disso, o Yoga apresenta o espírito dotado de uma natureza imutável
e inconsciente, condições que muito relutamos em associar ao lado mais elevado
de nossa vida interior. O patrono do Yoga é o deus Shiva, que ostenta a Lua
crescente como adorno sobre a sua testa. E o abandono da consciência como
referencial para nossas deliberações é uma necessidade para o despertar da
verdadeira sabedoria do Yogue. A visão que o Yogue desenvolve acerca da estrutura
do ser humano é bastante diferente do que tem sido apresentado pela própria
literatura recente do Yoga. A maneira confusa e obscura como enxergamos o
funcionamento das práticas de Yoga deixa ampla margem para dúvidas que
raramente são respondidas pelos instrutores dessa disciplina. Dúvidas tão
fundamentais como as seguinte: a prática de yoga é espiritual, mental ou
corporal? Devo permanecer totalmente consciente durante uma meditação? Como
posso saber se estou progredindo nas minhas práticas? Ou ainda. A prática do Yoga me colocará num estágio evolutivo superior, em relação aos resto da
humanidade? Para que essas dúvidas não ocupem desnecessariamente a atenção do
estudante, apresentamos aqui um modelo compreensivo da estrutura humana que
serve para entender melhor a lógica do pensamento do sistema filosófico do
Yoga. Trata-se de uma representação do funcionamento da inteligência humana. A
inteligência, desde a mais remota antiguidade é concebida de duas formas
distintas: como a faculdade do entendimento das ideias, a Dianóia dos gregos; e
como destreza ou habilidade corporal ou verbal, a Sophia. As duas funcionam de
maneiras tão distintas que chegam a ser incompatíveis, pois a manifestação de
uma delas depende da obliteração da outra. O intelecto e a sabedoria têm
atuações mutuamente excludentes, sendo que a última é totalmente comprometida
com a ação imediata, enquanto que o intelecto dispensa qualquer compromisso com
a realidade prática. O intelecto nos dá os instrumentos para operar sobre o
modelo representativo do mundo. Constrói os passos de sua atividade com os
instrumentos da razão e da lógica, e precisa de referências externas entre as
quais possa estabelecer relacionamentos. A Ciência é um exemplo natural dessa
modalidade de inteligência. A sabedoria, por outro lado, nos dá o impulso para
uma ação direta sobre o ambiente, incluindo ai a própria representação que
temos desse mesmo ambiente e prescinde de quaisquer referências externas. Brota
de nosso íntimo como um impulso irracional e espontâneo, uma pulsão para agir
de uma determinada maneira, sem qualquer razão aparente. Causa satisfação
quando se expressa, e um profundo mal estar quando é reprimida. As artes são
exemplos típicos dessa modalidade de inteligência. Par a o Yogue há dentro de nós,
dois eixos Lunar, de sabedoria, que une nosso corpo diretamente ao centro
espiritual que nos dá sustentação como indivíduo. E um eixo Solar que une nosso
centro emocional à nossa razão, e que da sustentação à nossa consciência. Esses
dois eixos sustentam as duas modalidades de inteligências que orientam a
atenção de nossa mente, ora para a busca do entendimento, ora para a busca da
realização. O perfeito equilíbrio entre as forças que são acionadas por esses
dois eixos da atividade mental desperta aquilo que chamaríamos de inteligência
corporal, ou seja, a corporificação da inteligência cósmica ou divina. O eixo
solar se desenvolve intensamente durante a nossa infância e adolescência,
quando adquirimos consciência e uma identidade coletiva para mostrar ao mundo.
Suas lentas transformações estimuladas pelo intercâmbio que estabelecemos com
outras pessoas, deveriam induzir o desenvolvimento do eixo lunar, que promove a
integração de nossa vida material à nossa natureza espiritual. Isso, no
entanto, não está ocorrendo a contento no estágio atual da evolução humana. Nós
paramos na fase da adolescência e resistimos aos impulsos interiores para a
concretização de nosso caráter espiritual. Ficamos girando em círculos
intermináveis de argumentos baseados em nossa percepção consciente do mundo. Os
dois eixos que deveriam operar de maneira cooperativa, competem entre si em
busca da nossa atenção, o que acaba por impedir a conclusão do processo que nos
levaria àquilo que chamamos de iluminação espiritual. Um canal filamentoso, que
o indiano chama de Antakarana, agente interno. Esse deveria consolidar entre o
centro espiritual, Citta, e o corpo, trazendo para nossa vida um intenso fluxo
de sabedoria e santificando o nosso corpo, como um verdadeiro batismo. Dessa
maneira nossa verdadeira identidade espiritual encontraria um perfeito veículo
material para sua manifestação, condição que talvez possa ser recuperada pela
humanidade futura. Mas se as forças transformadoras da evolução das formas,
Parinama, ainda não nos colocam nessa condição iluminada, o que nos resta é
tentar complementar por esforço individual o nosso próprio ciclo de
amadurecimento. Através de práticas especiais, podemos alcançar estágios ideais
da humanidade e nos transformar em indutores de processos semelhantes em tantos
outros indivíduos que compartilham de nossas mesmas aspirações espirituais. O
Yoga é uma prática que permite realizar agora os avanços que imaginamos para os
homens de um futuro ainda distante. A prática correta do Yoga produz em nossa
mente o surgimento da inteligência corporal, e transforma a nossa vida material
numa metáfora da própria criação e dos desígnios do Universo. Com isso se
extingue a possibilidade do erro, da dor, e da impermanência nas atividades de
nossa mente. A Iluminação de nossa consciência pela realização do Yoga nos traz
para perto de nossa fonte espiritual e nos faz sentir a perfeita integração com
Deus, com a Humanidade e com todas as forças da Natureza. Um tênue, mas
indestrutível cordão de prata (Lua) traria para dentro de nosso organismo um
fluxo de interferências das esferas superiores, onde residem os Devas, anjos e
os Asuras, seres divinos da mitologia hindu. Esse cordão, seja simbólico ou
real, tornaria presente a vida espiritual dentro do nosso corpo. Abraço. Davi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário