sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Os Sutras. A Inteligência Corporal.



Os Yogasutras de Patanjali. Qual é o astro que melhor representa o espírito, o Sol ou a Lua? Muito provavelmente um ocidental praticante de Yoga responderá que o Sol é o astro que simboliza o espírito e a vida superior. É o brilho da consciência e da sabedoria, destruidor das sombras da ignorância e do mal. Uma infinidade de razões levantaria esse hipotético yogue do ocidente para sustentar sua opinião sobre a figura emblemática de entender a simbologia indiana. A resposta está errada, ao menos do ponto de vista da filosofia da Yoga. Nossa dificuldade para perceber a sutileza dessas figuras míticas decorre do fato de nos fixarmos excessivamente na opinião de que a consciência é o destino e a razão final do espírito. Imaginamos uma transformação de estados de consciência e concebemos uma evolução para esferas cada vez mais elevadas de consciências, como se esse fosse o caminho natural em direção ao despertar, iluminação espiritual. O Sol, como símbolo milenar dos fenômenos da consciência, assumiria, portanto o lugar mais elevado num panteão mítico baseado na superioridade da consciência. A consciência, porém, é um estado inferior e temporário de nossa alma. É apenas um conjunto de processos naturais que nos permitem elaborar uma representação mental do mundo e dos objetos ao nosso redor. A consciência é a condição indispensável para que possamos estabelecer alguma relação de trocas com o mundo em que vivemos, pois todo o contato que podemos estabelecer com ele só pode ser realizado através dos mesmos processos naturais que originam o fenômeno da consciência. Apesar de sua importância para o engrandecimento de nossa vida espiritual, a consciência é, normalmente, um sério obstáculo ao despertar da própria espiritualidade. Somos guiados por forças inconscientes em todos os instantes de nossa vida. E repare como são raros os momentos em que podemos desfrutar da plenitude da consciência. E mesmo nesses curtos períodos de consciência estamos sujeitos a todo tipo de trapaças da percepção, como miragens, ruídos de comunicação e falhas de interpretação dos sinais e estímulos que nos atingem. É claro que o astro que melhor representa a presença do espírito em nossa vida, dentro da perspectiva do Yoga, é a Lua. A mesma Lua que representa a natureza do corpo material. A filosofia do Yoga é parte de uma cultura tipicamente lunar. Em decorrência disso, o Yoga apresenta o espírito dotado de uma natureza imutável e inconsciente, condições que muito relutamos em associar ao lado mais elevado de nossa vida interior. O patrono do Yoga é o deus Shiva, que ostenta a Lua crescente como adorno sobre a sua testa. E o abandono da consciência como referencial para nossas deliberações é uma necessidade para o despertar da verdadeira sabedoria do Yogue. A visão que o Yogue desenvolve acerca da estrutura do ser humano é bastante diferente do que tem sido apresentado pela própria literatura recente do Yoga. A maneira confusa e obscura como enxergamos o funcionamento das práticas de Yoga deixa ampla margem para dúvidas que raramente são respondidas pelos instrutores dessa disciplina. Dúvidas tão fundamentais como as seguinte: a prática de yoga é espiritual, mental ou corporal? Devo permanecer totalmente consciente durante uma meditação? Como posso saber se estou progredindo nas minhas práticas? Ou ainda. A prática do Yoga me colocará num estágio evolutivo superior, em relação aos resto da humanidade? Para que essas dúvidas não ocupem desnecessariamente a atenção do estudante, apresentamos aqui um modelo compreensivo da estrutura humana que serve para entender melhor a lógica do pensamento do sistema filosófico do Yoga. Trata-se de uma representação do funcionamento da inteligência humana. A inteligência, desde a mais remota antiguidade é concebida de duas formas distintas: como a faculdade do entendimento das ideias, a Dianóia dos gregos; e como destreza ou habilidade corporal ou verbal, a Sophia. As duas funcionam de maneiras tão distintas que chegam a ser incompatíveis, pois a manifestação de uma delas depende da obliteração da outra. O intelecto e a sabedoria têm atuações mutuamente excludentes, sendo que a última é totalmente comprometida com a ação imediata, enquanto que o intelecto dispensa qualquer compromisso com a realidade prática. O intelecto nos dá os instrumentos para operar sobre o modelo representativo do mundo. Constrói os passos de sua atividade com os instrumentos da razão e da lógica, e precisa de referências externas entre as quais possa estabelecer relacionamentos. A Ciência é um exemplo natural dessa modalidade de inteligência. A sabedoria, por outro lado, nos dá o impulso para uma ação direta sobre o ambiente, incluindo ai a própria representação que temos desse mesmo ambiente e prescinde de quaisquer referências externas. Brota de nosso íntimo como um impulso irracional e espontâneo, uma pulsão para agir de uma determinada maneira, sem qualquer razão aparente. Causa satisfação quando se expressa, e um profundo mal estar quando é reprimida. As artes são exemplos típicos dessa modalidade de inteligência. Par a o Yogue há dentro de nós, dois eixos Lunar, de sabedoria, que une nosso corpo diretamente ao centro espiritual que nos dá sustentação como indivíduo. E um eixo Solar que une nosso centro emocional à nossa razão, e que da sustentação à nossa consciência. Esses dois eixos sustentam as duas modalidades de inteligências que orientam a atenção de nossa mente, ora para a busca do entendimento, ora para a busca da realização. O perfeito equilíbrio entre as forças que são acionadas por esses dois eixos da atividade mental desperta aquilo que chamaríamos de inteligência corporal, ou seja, a corporificação da inteligência cósmica ou divina. O eixo solar se desenvolve intensamente durante a nossa infância e adolescência, quando adquirimos consciência e uma identidade coletiva para mostrar ao mundo. Suas lentas transformações estimuladas pelo intercâmbio que estabelecemos com outras pessoas, deveriam induzir o desenvolvimento do eixo lunar, que promove a integração de nossa vida material à nossa natureza espiritual. Isso, no entanto, não está ocorrendo a contento no estágio atual da evolução humana. Nós paramos na fase da adolescência e resistimos aos impulsos interiores para a concretização de nosso caráter espiritual. Ficamos girando em círculos intermináveis de argumentos baseados em nossa percepção consciente do mundo. Os dois eixos que deveriam operar de maneira cooperativa, competem entre si em busca da nossa atenção, o que acaba por impedir a conclusão do processo que nos levaria àquilo que chamamos de iluminação espiritual. Um canal filamentoso, que o indiano chama de Antakarana, agente interno. Esse deveria consolidar entre o centro espiritual, Citta, e o corpo, trazendo para nossa vida um intenso fluxo de sabedoria e santificando o nosso corpo, como um verdadeiro batismo. Dessa maneira nossa verdadeira identidade espiritual encontraria um perfeito veículo material para sua manifestação, condição que talvez possa ser recuperada pela humanidade futura. Mas se as forças transformadoras da evolução das formas, Parinama, ainda não nos colocam nessa condição iluminada, o que nos resta é tentar complementar por esforço individual o nosso próprio ciclo de amadurecimento. Através de práticas especiais, podemos alcançar estágios ideais da humanidade e nos transformar em indutores de processos semelhantes em tantos outros indivíduos que compartilham de nossas mesmas aspirações espirituais. O Yoga é uma prática que permite realizar agora os avanços que imaginamos para os homens de um futuro ainda distante. A prática correta do Yoga produz em nossa mente o surgimento da inteligência corporal, e transforma a nossa vida material numa metáfora da própria criação e dos desígnios do Universo. Com isso se extingue a possibilidade do erro, da dor, e da impermanência nas atividades de nossa mente. A Iluminação de nossa consciência pela realização do Yoga nos traz para perto de nossa fonte espiritual e nos faz sentir a perfeita integração com Deus, com a Humanidade e com todas as forças da Natureza. Um tênue, mas indestrutível cordão de prata (Lua) traria para dentro de nosso organismo um fluxo de interferências das esferas superiores, onde residem os Devas, anjos e os Asuras, seres divinos da mitologia hindu. Esse cordão, seja simbólico ou real, tornaria presente a vida espiritual dentro do nosso corpo. Abraço. Davi.

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