quarta-feira, 15 de julho de 2015

Livro Ecologia Grito da Terra Grito dos Pobres.

Texto do escritor brasileiro Leonardo Boff (1938-   ).   II. Estamos entrando na Era da Vida. Em razão disso, humildemente admite a corresponsabilidade do judeu cristianismo pela situação crítica atual. Mas reluta em admitir a ideia de que seja o principal fator de desequilíbrio ecológicos, como o renomado historiador norte americano Lynn White Junior e o brilhante ensaísta alemão Carl Amery admitem. Outros fatores, quem sabe mais poderosos, se conjugaram com este religioso. Mas ele atuou poderosamente, criando um quadro geral que tornou possível a secularização, a falta de veneração para com a Terra, o surgimento do projeto da tecnociência, esse complexo todo é um dos principais fatores da atual deficiência e degradação da Terra. Seis são os pontos de conotação anti Ecológica na tradição judeu cristã. Em primeiro lugar, o patriarcalismo. O Antigo e o Novo Testamento da Bíblia expressam sua mensagem dentro do quadro cultural comum da antiguidade clássica que é o patriarcalismo. Os valores masculinos ocupam os principais espaços sociais. Deus mesmo é apresentado como Pai e Senhor absoluto. As características femininas e especialmente maternas das divindades anteriores ao Neolítico, que eram de versão matriarcal, são deslegitimadas. Com isso a dimensão feminina da existência torna-se invisível já que não pode ser objetivamente eliminada. As mulheres são marginalizadas e mantidas no espaço do privado. Esse reducionismo agride o equilíbrio dos gêneros e representa uma ruptura na Ecologia social e religiosa. Em segundo lugar, o judeu cristianismo é profundamente monoteísta. Sua intuição primordial consiste em testemunhar que por detrás, antes  e depois do processo cósmico, vige um princípio único criador e preservador universal, Deus. Há razões de ordem filosófica e teológica que sustentam o monoteísmo. Nisso não reside a questão que interessa à Ecologia. Mas à formulação psicológica e política que o monoteísmo recebeu historicamente. É sabida a luta incansável que a tradição travou contra o politeísmo de qualquer matiz. Por mais fundada que seja filosoficamente, ela entretanto impossibilitou a salvaguarda o momento de verdade presente no politeísmo, resgatada anos após São Francisco de Assis, como veremos no último capítulo. E a verdade é esta: o Universo com sua policromia de seres, montanhas, fontes, bosques, rios, firmamento, etc. é penetrado de energias poderosas e por isso é portador de mistério e sacralidade. Mais ainda; o ser humano é habitado por muitos centros de Energia que o desbordam por todos os lados e têm a ver com a Energia Universal que trabalha há bilhões de anos o cosmo, centros estes que dão um sentido profundo à existência. Estas forças transcendentes foram, no decorrer da história, hipostasiadas na forma de divindades masculinas e femininas. Surgiu uma visão substancialista do sagrado e do espiritual, dando origem ao mundo dos deuses e deusas, como entidades subsistentes. Mas originalmente elas traduziam a efervescência interior da dinâmica do Universo e de cada ser humano as voltas com o sentido radical de suas vida pessoal  e coletiva. As divindades funcionavam como arquétipos poderosos da profundidade do ser humano. Ora, a radicalização do monoteísmo (religiões com um único Deus: cristianismo, judaísmo e islamismo), combatendo o politeísmo, fechou muitas janelas da alma humana. Dessacralizou o mundo, ao confrontá-lo e contra distingui-lo de Deus. Por causa da polêmica com o paganismo e seu politeísmo, o cristianismo não soube discernir a presença das Energias Divinas no Universo e especialmente o caráter sacramental do mundo e da história. Teria entretanto uma ponte entre Deus e o mundo, pois tudo seria perpassado pela inefável presença do Mistério. Não foi o que predominou, embora houvesse um filão espiritual que atravessa os séculos e qu elaborou uma mística cósmica. Houve a maciça destruição do Universo policrômico do politeísmo e de sua significação antropológica. O monoteísmo conheceu também uma política. Foi invocado, frequentemente, para justificar o autoritarismo e a centralização do poder. Argumentava-se, assim como há um Deus no céu deve haver um só senhor na Terra, um só chefe religioso, uma só cabeça ordenadora na família. Esta visão linear destruiu o diálogo, a equidade e a comunidade Universal, de todos serem filhos e filhas de Deus, sacramentos de sua bondade e ternura. Ela ganhou uma expressão ainda mais redutora ao afirmar que somente o ser humano, homem e mulher, assumirá a representação de Deus na criação. Só deles se diz que são imagem e semelhança divina, Gênesis 1:26. Só deles se crê que prolongam o ato criador de Deus e por isso possuem uma centralidade, negada aos demais seres que também são imagem e semelhança de Deus e por sua ação evolutiva atualizam e prolongam a vontade criadora divina. Olvidou-se (esquecer) a grande comunidade cósmica que é portadora do Mistério e por isso reveladora da Divindade. O antropocentrismo (homem no centro) resulta desta leitura arrogante do ser humano. O texto bíblico é taxativo ao dizer: "sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a Terra e submetei-a; dominai sobre os peixes do mar, as aves do céus (...)", Gênesis 1: 28. Por esses textos resulta claro o convite a demografia ilimitada e ao domínio irrestrito da Terra. A mesma ênfase da dominação e do povoamento da Terra aparece claramente no relato do dilúvio. Na nova ordem do mundo, estabelecida após aquela imensa catástrofe Ecológica, diz o texto sagrado: "sede fecundos, multiplicai, povoai a Terra e dominai-a", Gênesis 9:7. E logo antes se detalha esta dominação: "sede o medo e o pavor de todos os animais da Terra (...) eles são entregues nas vossas mãos", Gênesis 9: 2. Mesmo o Salmo 8, dedicado à glória de Deus na criação, mantêm o radicalismo antropocêntrico bíblico: "e o fizeste (o ser humano) pouco menos de um Deus (...) para que domine as obras de tuas mãos sob seus pé tudo colocaste, ovelhas e bois, a ave do céu e os peixes do oceano (...)", Salmos 8; 6-8. Não há como eludir o sentido destes textos. Não vale a exegese erudita de tantos que procuram situar e recolocar tais textos no contexto da antropologia médio oriental para anular seu teor anti Ecológico. Mas apesar de todo o empenho apologético, seu teor se mantêm. E assim foi entendido e assimilado pela mentalidade moderna a partir do século XVII como legitimação divina da conquista atroz do mundo e do submetimento de todos os seres da criação ao projeto da subjetividade arbitrária do ser humano. evidentemente há nas Escrituras Sagradas uma outra leitura do relato da criação (um sistema de alegoria e metáfora) com outra funcionalidade do ser humano, feito anjo protetor e cultivador do jardim do Éden, Gênesis 2:15 e assim reforçando uma fundamental perspectiva Ecológica. Deveremos em seu devido lugar, desentranhar outras perspectivas da tradição judeu cristã que são benfazejas para uma religação de todas as coisas consigo mesmas e com sua fonte. Assim nos referiremos a graça original, a aliança com todos os viventes simbolizada pelo arco íris após o dilúvio, a dança da criação, o Evangelho do Christo cósmico, a inabitação do Espírito nas energias do Universo, a natureza sacramental da matéria por causa da encarnação e dos sacramentos, a recapitulação de todas as coisas para serem, por assim dizer o corpo de Deus. Mas aqui queremos apontar os desvios de uma religião que historicamente descumpriu sua função religadora e assim ajudou no desastre que hoje padecemos em nosso planeta. Outro elemento perturbador de uma concepção Ecológica do mundo, comum aos herdeiros da fé abraâmica (hebreus, cristãos e muçulmanos) é a ideologia tribalista da eleição. Sempre que um povo ou alguém se sente eleito e portador de uma mensagem única corre o risco da arrogância e cai facilmente nas tramas da lógica da exclusão. Efetivamente a consciência de hebreus, cristãos e muçulmanos de serem povos eleitos por Deus levou-os a fazer guerra contra todos os demais ou aos intentos de submetê-los e incorporá-los à sua visão das coisas. Transformaram suas convicções suas convicções em dogmas a serem impostos a todos os demais, em nome de Deus e de seus desígnios históricos. Por causa disso, instaurou-se, em certas épocas no Ocidente, uma verdadeira "fraternidade" do terror contra toda a diversidade de pensamento (inquisição, fundamentalismo, guerras religiosas). Nada mais inimigo da Ecologia que esta cisma na solidariedade Universal e a negação da aliança sob cujo arco íris todos e não somente alguns se encontram. Entretanto, de todas as distorções Ecológicas nenhuma sobrepuja aquela que advêm da crença na queda da natureza. Por esta doutrina se crê que todo o Universo caiu sob o poder do demônio devido ao pecado original introduzido pelo ser humano. O Universo perde seu caráter sagrado, deixa de ser templo do Espírito para ser a seara dos demônios. É matéria corrupta, pecaminosa, decadente. O texto bíblico é explícito "maldita seja a Terra por tua causa", Gênesis 3:17. A Noé Deus disse: "decidi acabar com toda a carne porque a Terra está cheia de vícios por causa dos homens", Gêneis 6:15. A ideia de que a Terra com tudo o que nela existe e se move seja castigada por causa do pecado humano remete a um antropocentrismo (o homem no centro do Universo) sem medida. Os terremotos, as dizimações das espécies e a morte já existiam antes que o ser humano tivesse sequer aparecido sobre a face da Terra. Portanto, nem tudo o que acontece, de bom e de mau, deve ser atribuído aos comportamentos do ser humano. Mas essa demonização da natureza por causa da queda levou as pessoas a terem pouco apreço a este mundo, dificultou por séculos o interesse das pessoas religiosas por um projeto do mundo, retardou a pesquisa científica e amargurou a vida, pois colocou sob pesada suspeita todo o prazer, realização e plenitude advindos do trato e da fruição da natureza. Nesta compreensão o pecado original ganha a partida sob a graça original. Para muitos esse binômio pecado redenção caracteriza fundamentalmente o cristianismo. Em certas tradições (que se remetem a doutrinas de São Paulo, de Santo Agostinho e de Martinho Lutero) o pecado ganhou tanta centralidade que o ser humano se sente mais ligado e dependente da velho Adão pecador do que o novo Adão libertador Jesus Christo. Abraço. Davi.

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