terça-feira, 14 de julho de 2015

Livro Ecologia. Grito da Terra Grito dos Pobres.

Texto do escritor brasileiro Leonardo Boff (1938-   ), do livro Ecologia Grito da Terra Grito dos Pobres. I. A religião: a religação distorcida pelo poder. Quão corresponsável é a religião para a perdição e para o resgate e a salvação da Terra? Não é aqui o lugar para uma análise mais detalhada do fenômeno religioso em sua relação para com a Ecologia, nem sequer das grandes religiões. Queremos apenas apanhar o ductus histórico em alguns traços mais específicos do judeu cristianismo já que em seu espaço simbólico se elaborou a civilização ocidental, hoje mundializada. É ela grandemente responsável pela lógica destrutiva do dinossauro Ecológico que é o poder dominação. Por fim, abordaremos o que consideramos o desastre absoluto no âmbito do ser humano, que provocou a perda da religação. Como poderemos recuperar aquela inocência e aquele encantamento que nos reconduzirão no caminho da paz Ecológica Universal? No processo de religação homem natureza o ser humano percorreu três grandes percursos que significam verdadeiras eras: a era do espírito, a era do corpo e a era da vida. A primeira, a era do espírito vigorou nas culturas originárias e ancestrais. Os seres humanos descobriram o espírito, com veremos com mais detalhes no capítulo IX, sentiam-se carregados e orientados por forças que agiam neles e no cosmos, realidades numinosas, fascinantes e omnienglobantes que lhe conferiam uma experiência de proteção e segurança. Esta experiência fundante os religava fraternalmente a todas as coisas, criando uma união mistica com os seres e originando um profundo desenvolvimento espiritual, traduzido em linguagens ricas de simbolismo e de apelos para o mais profundo da consciência e da inconsciência humanas. Foi então que se projetaram os grandes mitos e nasceram as divindades. Mais que entidades hipostasiadas fora, essas divindades significam centros energéticos poderosos, dentro da vida humana e da natureza, com os quais o ser humano deve conviver e se confrontar, deve interiorizar escutar e seguir. Essa experiência da integração e religação penetrou nas grandes culturas históricas antigas, na Índia, no Ceilão (Sri Lanka), na China, no Japão, também no Oriente Próximo e na América dos povos indígenas Sioux, Toltecas, Incas, Maias, Quichés, Tupis guaranis, Caiapós, Cintas Largas, Crenacarores, bem como em todas as culturas antigas centradas no sagrado, no religioso e no espiritual. Havia também guerras e todos os Avatares da humanidade existiam. Mas a marca do Espiritual e do Sagrado Cósmico perpassava todas as instâncias. Tal caminhada civilizacional marcou profundamente o inconsciente coletivo da humanidade até os dias atuais. Os arquétipos representam este capital simbólico e espiritual acumulado. A segunda é a era do corpo. Os seres humanos descobrem o corpo, a força física da Terra e do Cosmos. Foi uma viragem fantástica quando se dão conta de que podem manipular tal força para seu proveito. A cultura do neolítico representa a primeira grande revolução mundial, assimilada por todos os povos. Com os mestres fundadores do paradigma moderno, com Galileu Galilei, Nicolau Copérnico, Issac Newton e Francis Bacon, inventou-se a ciência e sua operacionalidade técnica. Agora os seres humanos têm a impressão de que podem refazer o paraíso perdido da felicidade. Sentem-se uma divindade, pelo menos um demiurgo capaz de transformar a criação. Começa então uma sistemática conquista da Terra, explorando seus recurso como meios de satisfação do ilimitado desejo humano de consumo, de bem estar e de felicidade. As forças espirituais e psíquicas da era anterior são colocadas sob suspeição e relegadas para o campo da subjetividade, do mundo da magia e da superstição. Cada um as organiza como quer ou até as recalca. Essa centralização no corpo e em suas forças controláveis fez com que se perdesse a experiência de numinosidade e de sacralidade que tanto enchia de encantamento e intimidade o mundo arcaico da era do espírito. Deus foi colocado fora do mundo. Um Deus sem o mundo propicia o surgimento de um mundo sem Deus, como ocorreu na modernidade europeia. Maravilhosa é a técnica e a capacidade transformadora da inteligência humana. No início, esta era do corpo trouxe tanta vantagem que parecia cumprir uma missão messiânica de aliviar a vida humana, e de transformar o ser humano verdadeiramente no rei rainha do Universo. Mas com o desdobrar das potencialidades do paradigma surgiram as contradições; inventaram se as armas de morte e foram dtestadas com grandes devastação de vida; produziram-se alteração no ritmo da natureza e da vida humana de caráter perverso. A Terra como um todo começou a perder a imunidade e a adoecer. É a situação atual, denunciada largamente nas páginas anteriores. Impõe-se novo revolução civilizacional. Estamos entrando no terceiro aspecto, a era da vida. A vida une corpo e espírito. A vida supõe a teia de interdependência em todo o Universo e revela, objetivamente, a religação dos seres vivos com os inertes, da biosfera com a hidrosfera, a atmosfera e a geosfera. Da biosfera surgiu a noosfera, a esfera especificamente humana, caracterizada pela consciência reflexa, pelo espírito responsável e pela co pilotagem do processo evolucionário. Daí resulta um novo sentido do que significa o ser humano e sua função no Universo. Tudo é sinergético. Tudo é Ecológico, expressão desta completa sinergia e pericórese. Finalmente, o ser humano está descobrindo seu caminho de volta rumo à grande comunidade dos vivente do arco íris da fraternidade sororidade cósmica. Como salvaguardar a vida de Gaia (Terra), dos humanos e de todas as espécies? Este é o grande desafio da era da vida e na era da Ecologia. O desafio de nossa contemporaneidade. Como as religiões, especialmente o judeu cristianismo, ajudam nesta tarefa? No debate acerca da eventual corresponsabilidade do judeu cristianismo pela crise do sistema Terra se desenham duas vertentes principais. A primeira professa que o livro comum dos judeus e cristãos, as Escrituras Sagradas, é expressão da revelação explícita de Deus, válida para todos os tempos e para todos os seres humanos. Por isso, crê-se, não pode conter erro. Por isso, em razão desta fé, o judeu cristianismo não pode ser antiecológico. Porquanto Deus a priori, por ser Criador e benfeitor, não teria revelado algo inimigo da vida e dos sistemas de vida. Os textos que, porventura, apontam nessa direção foram treslidos, insuficientemente explicados ou até mal interpretados. Importa, diz-se, volver ao sentido original, profundamente, integrador do ser humano com a criação e seu Criador. Deus é "verde" e por isso sua revelação é benfazeja para a natureza. A segunda considera dogmática a posição que acabamos de expor. Estima que, mesmo dentro de uma perspectiva dogmática de fé, se deve ouvir os textos na sua literalidade, como lá estão consignados, e considerar o tipo de mentalidade que eles alimentaram e favoreceram com conotações inequivocamente antiecológicas. Em razão disso humildemente admite a corresponsabilidade do judeu cristianismo pela situação crítica atual. Abraço. Davi.

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