Texto do escritor brasileiro Leonardo Boff (1938- ), do
livro Ecologia Grito da Terra Grito dos Pobres. I. A religião: a
religação distorcida pelo poder. Quão corresponsável é a
religião para a perdição e para o resgate e a salvação da Terra? Não é
aqui o lugar para uma análise mais detalhada do fenômeno religioso em sua
relação para com a Ecologia, nem sequer das grandes religiões. Queremos
apenas apanhar o ductus histórico em alguns
traços mais específicos do judeu cristianismo já que em seu espaço
simbólico se elaborou a civilização ocidental, hoje mundializada. É ela
grandemente responsável pela lógica destrutiva do dinossauro Ecológico
que é o poder dominação. Por fim, abordaremos
o que consideramos o desastre absoluto no âmbito do ser humano, que
provocou a perda da religação. Como poderemos recuperar aquela inocência
e aquele encantamento que nos reconduzirão no caminho da paz Ecológica
Universal? No processo de religação homem natureza
o ser humano percorreu três grandes percursos que significam
verdadeiras eras: a era do espírito, a era do corpo e a era da vida. A
primeira, a era do espírito vigorou nas culturas originárias e
ancestrais. Os seres humanos descobriram o espírito, com veremos
com mais detalhes no capítulo IX, sentiam-se carregados e orientados
por forças que agiam neles e no cosmos, realidades numinosas,
fascinantes e omnienglobantes que lhe conferiam uma experiência de
proteção e segurança. Esta experiência fundante os religava
fraternalmente a todas as coisas, criando uma união mistica com os
seres e originando um profundo desenvolvimento espiritual, traduzido em
linguagens ricas de simbolismo e de apelos para o mais profundo da
consciência e da inconsciência humanas. Foi então
que se projetaram os grandes mitos e nasceram as divindades. Mais que
entidades hipostasiadas fora, essas divindades significam centros
energéticos poderosos, dentro da vida humana e da natureza, com os quais
o ser humano deve conviver e se confrontar, deve
interiorizar escutar e seguir. Essa experiência da integração e
religação penetrou nas grandes culturas históricas antigas, na Índia, no
Ceilão (Sri Lanka), na China, no Japão, também no Oriente Próximo e na
América dos povos indígenas Sioux, Toltecas, Incas,
Maias, Quichés, Tupis guaranis, Caiapós, Cintas Largas, Crenacarores,
bem como em todas as culturas antigas centradas no sagrado, no religioso
e no espiritual. Havia também guerras e todos os Avatares da humanidade
existiam. Mas a marca do Espiritual e do
Sagrado Cósmico perpassava todas as instâncias. Tal caminhada
civilizacional marcou profundamente o inconsciente coletivo da
humanidade até os dias atuais. Os arquétipos representam este capital
simbólico e espiritual acumulado. A segunda é a era do corpo.
Os seres humanos descobrem o corpo, a força física da Terra e do
Cosmos. Foi uma viragem fantástica quando se dão conta de que podem
manipular tal força para seu proveito. A cultura do neolítico representa
a primeira grande revolução mundial, assimilada por
todos os povos. Com os mestres fundadores do paradigma moderno, com
Galileu Galilei, Nicolau Copérnico, Issac Newton e Francis Bacon,
inventou-se a ciência e sua operacionalidade técnica. Agora os seres
humanos têm a impressão de que podem refazer o paraíso
perdido da felicidade. Sentem-se uma divindade, pelo menos um demiurgo
capaz de transformar a criação. Começa então uma sistemática conquista
da Terra, explorando seus recurso como meios de satisfação do ilimitado
desejo humano de consumo, de bem estar e de
felicidade. As forças espirituais e psíquicas da era anterior são
colocadas sob suspeição e relegadas para o campo da subjetividade, do
mundo da magia e da superstição. Cada um as organiza como quer ou até as
recalca. Essa centralização no corpo e em suas
forças controláveis fez com que se perdesse a experiência de
numinosidade e de sacralidade que tanto enchia de encantamento e
intimidade o mundo arcaico da era do espírito. Deus foi colocado fora do
mundo. Um Deus sem o mundo propicia o surgimento de um mundo
sem Deus, como ocorreu na modernidade europeia. Maravilhosa é a técnica
e a capacidade transformadora da inteligência humana. No início, esta
era do corpo trouxe tanta vantagem que parecia cumprir uma missão
messiânica de aliviar a vida humana, e de transformar
o ser humano verdadeiramente no rei rainha do Universo. Mas com o
desdobrar das potencialidades do paradigma surgiram as contradições;
inventaram se as armas de morte e foram dtestadas com grandes devastação
de vida; produziram-se alteração no ritmo da natureza
e da vida humana de caráter perverso. A Terra como um todo começou a
perder a imunidade e a adoecer. É a situação atual, denunciada
largamente nas páginas anteriores. Impõe-se novo revolução
civilizacional. Estamos entrando no terceiro aspecto, a era da vida.
A vida une corpo e espírito. A vida supõe a teia de interdependência em
todo o Universo e revela, objetivamente, a religação dos seres vivos
com os inertes, da biosfera com a hidrosfera, a atmosfera e a geosfera.
Da biosfera surgiu a noosfera, a esfera especificamente
humana, caracterizada pela consciência reflexa, pelo espírito
responsável e pela co pilotagem do processo evolucionário. Daí resulta
um novo sentido do que significa o ser humano e sua função no Universo.
Tudo é sinergético. Tudo é Ecológico, expressão desta
completa sinergia e pericórese. Finalmente, o ser humano está
descobrindo seu caminho de volta rumo à grande comunidade dos vivente do
arco íris da fraternidade sororidade cósmica. Como salvaguardar a vida
de Gaia (Terra), dos humanos e de todas as espécies?
Este é o grande desafio da era da vida e na era da Ecologia. O desafio
de nossa contemporaneidade. Como as religiões, especialmente o judeu
cristianismo, ajudam nesta tarefa? No debate acerca da eventual
corresponsabilidade do judeu cristianismo pela crise
do sistema Terra se desenham duas vertentes principais. A primeira
professa que o livro comum dos judeus e cristãos, as Escrituras
Sagradas, é expressão da revelação explícita de Deus, válida para todos
os tempos e para todos os seres humanos. Por isso, crê-se,
não pode conter erro. Por isso, em razão desta fé, o judeu cristianismo
não pode ser antiecológico. Porquanto Deus a priori, por ser Criador e
benfeitor, não teria revelado algo inimigo da vida e dos sistemas de
vida. Os textos que, porventura, apontam nessa
direção foram treslidos, insuficientemente explicados ou até mal
interpretados. Importa, diz-se, volver ao sentido original,
profundamente, integrador do ser humano com a criação e seu Criador.
Deus é "verde" e por isso sua revelação é benfazeja para a natureza.
A segunda considera dogmática a posição que acabamos de expor. Estima
que, mesmo dentro de uma perspectiva dogmática de fé, se deve ouvir os
textos na sua literalidade, como lá estão consignados, e considerar o
tipo de mentalidade que eles alimentaram e favoreceram
com conotações inequivocamente antiecológicas. Em razão disso
humildemente admite a corresponsabilidade do judeu cristianismo pela
situação crítica atual. Abraço. Davi.
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