segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Palestra do rabino Laibl Wolf. Parte I.

A convite do Instituto Morashá de Cultura e do Beit Chabad Morumbi, esteve novamente no Brasil o rabino Laibl Wolf. Vivendo atualmente na Austrália, além de advogado e psicólogo, é profundo conhecedor da Cabalá e das filosofias orientais. Nas últimas três décadas, ele tem-se dedicado a transformar os conhecimentos judaicos milenares em aplicações úteis ao cotidiano. A seguir a Revista Morashá traz para seus leitores o resumo da palestra proferida nos dias 30 de setembro de 2004, na sinagoga Beit Yaacov, em São Paulo, e 1º de outubro do mesmo ano, no Rio de Janeiro - Brasil. "A humanidade está passando por um período de muitos desafios, em que o progresso se dá em velocidade geométrica. No passado, as pessoas costumavam sair de casa, olhar para o horizonte e ver que as coisas permaneciam sempre iguais. Atualmente, em um breve espaço de tempo, pode-se perceber que prédios, ruas e até o céu já não são os mesmos. Antes, vivia-se na mesma casa por cinco gerações enquanto hoje, no decorrer da vida, uma pessoa pode chegar a viver em até cinco lugares diferentes. A informação e a tecnologia se têm multiplicado. A mídia gera imagens que dizem como devemos vestir-nos, comer ou tomar banho. Estas  imagens conseguem mudar nossa disposição emocional, fazendo-nos sentir muitas vezes impotentes, como alguém que perdeu a confiança em sua própria capacidade. O que eu gostaria de lhes mostrar é como reconquistar a confiança em sua própria vida. Mostrar como quando cada um de nós adota uma postura de confiança e de fé, sua atitude afeta a todos. Revoluções não se iniciam lá fora, começam dentro de mim e dentro de vocês. Cada um de nós tem a capacidade de mudar o mundo. Atualmente, Cabala é uma palavra que se tornou muito popular. A "lógica" é simples: se Madonna está estudando a Cabala e praticando a Cabala, é por que o tema deve ser importante. Ao refletir sobre o interesse da artista ou de outros astros sobre a Cabala, ficava intrigado ao constatar que os profissionais da indústria cinematográfica e da moda tendem a procurar opções espirituais mais do que os de outras áreas. Provavelmente, quando a vida de alguém depende quase que exclusivamente de sua aparência física, esse alguém percebe, em determinado momento, que há um vazio dentro dele. Sou muito consciente de que há certa exploração do mercado espiritual. Não acredito que colocando um fiozinho vermelho em volta do pulso ou escaneando mentalmente um trecho do Zohar (livro Cabalístico) alguém vai-se tornar mais sábio ou melhor preparado para lidar com a vida. Algo precisa ficar muito claro para todos antes de prosseguirmos: a Cabala e a Toráh (escrita), são sua alma. Não é possível separá-las. Para podermos entender melhor este conceito básico é preciso voltar no tempo. Este não é o nosso primeiro encontro. Vocês lembram quando nos reunimos pela primeira vez, há cerca de 3.500 anos? Estávamos todos nós, juntos, no Monte Sinai, e Moisés, após receber de D us a Toráh, levou-a aos filhos de Israel e passou a transmitir suas lições. Ele nos ensinou a Toráh em quatro níveis diferentes. Primeiro, falou a todos sobre a explicação simples e literal de toda a Toráh. Este tipo de interpretação ficou conhecido como Peshat. Depois selecionou um grupo menor, a quem revelou um nível mais profundo da Toráh, que se tornou conhecido como Remez, que significa alusão. A seguir, foi a um nível ainda mais profundo para um grupo mais restrito. Este terceiro nível de interpretação foi denominado Derush. A este, é associada a literatura do Midrash (é uma maneira de interpretar histórias bíblicas que vai além de simples destilação de ensinamento religioso, legal ou moral. Ele preenche muitas lacunas deixadas na narrativa bíblica sobre eventos e personalidades que são apenas insinuados). Finalmente, selecionou um núcleo bem pequeno a quem transmitiu o quarto nível de interpretação da Toráh, o mais profundo e secreto: sua parte mística, que ficou conhecida como Sod, que literalmente significa segredo (mistério). Esta profunda vastidão ficou conhecida como Cabala. Estou enfatizando estes pontos para que não haja dúvida de que a Cabala é parte integrante da Toráh. Se alguém fosse ler o Zohar, a obra básica da Cabala (algo que não aconselho, depois direi o porquê), seria como ler as Parashot, os trechos semanais da leitura da Toráh em um nível mais profundo, mais místico. Os mestres Chassídicos ensinam que a sabedoria que permeia a Cabala tem o poder de enriquecer a vida de inúmeras formas. Seus  ensinamentos, aplicados ao contexto do comportamento diário, podem tornar a vida mais estável e as pessoas mais equilibradas neste mundo cada vez mais complexo. O importante, ensinam os mestres, é conseguir mudar a nossa própria natureza de tal forma que passemos a interpretar a realidade de forma diferente, para assim poder responder aos desafios da vida de forma também diferente. Se amanhã cada um de nós ficar igual ao que é hoje, significa que não cresceu, não aprendeu. Há quem afirme que as pessoas não mudam, pois estão geneticamente pré programadas. Não acredito nesta visão de mundo e não canso de dizer que cada um de nós pode mudar tudo o que quiser em si mesmo, contanto que siga dois pré requisitos fundamentais. Em primeiro lugar, precisa seguir um método. Em segundo, talvez o mais importante, tem que acreditar que isso é possível. Sem os dois, a pessoa não mudará: continuará sempre a mesma. Há aqueles que meditam profundamente e conseguem  até fazer projeções astrais (astrologia), concentrando-se durante uma hora, todas as manhãs. Mas continuam agnósticos (indivíduo que não acredita e nem nega a existência de Deus), difíceis, não mudaram nada. Trata-se de uma incongruência, pois não se pode ser alguém espiritual e continuar sendo o mesmo indivíduo. Há alguns anos fui entrevistado por uma emissora de TV, nos USA, e me perguntaram o que era Cabala. Eu respondi que era "Mind Yoga". A resposta foi espontânea. Porém, refletindo mais tarde, cheguei a conclusão de  que fora uma ótima metáfora.  A Yoga ensina como, praticando a auto disciplina através  de técnicas de respiração e de posturas corporais, podemos conseguir que a força vital flua de forma mais forte dentro de nós. A Toráh nos ensina como, ao adotar certa postura mental e emocional, podemos conseguir que nossa alma, a Neshamá, flua melhor. Não estou aqui para expor a parte esotérica da Cabala; meu enfoque é muito realista, terreno. Pessoalmente, não creio que algo puramente esotérico ou intelectual tenha uma aplicação real na vida das pessoas. Quero mostrar que dentro da tradição espiritual judaica, especialmente o Chassidismo (é um movimento surgido no interior do Judaísmo Ortodoxo que promove a espiritualidade, através da popularização e internalização do Misticismo Judaico, com um aspecto fundamental da fé judaica), existe um modelo psicológico sofisticado que, se adotado, ajuda o homem a efetuar uma mudança em seu emocional. Mostrar que é possível treinar a mente e o coração para adotar posturas equilibradas e positivas, para que quando chegar o momento de desafio, ao longo do dia, tenhamos a agilidade mental e emocional para enfrentar positivamente qualquer situação. Para exemplificar, usarei um sentimento comum nas pessoas: a "raiva". Na Toráh somos totalmente proibidos de expressar raiva. Geralmente, quando faço esta afirmação, meus interlocutores ficam nervosos e ouço comentários como "É ridículo dizer algo assim; com um mestrado em psicologia, o Rabino não sabe da importância de se extravasar a raiva? O que a maioria não sabe é  que existe uma outra corrente de psicologia que ensina exatamente o oposto e afirma que é melhor não colocar a raiva "para fora"; é melhor conter o sentimento porque vai servir de treinamento para uma próxima ocasião. O Judaísmo segue esta segunda linha de pensamento. Quero que aprendam a nunca ficar nervosos. Sabemos hoje que pessoas nervosas, que expressam raiva, têm imunidade mais baixa. Além do mais, esse sentimento prejudica às relações entre os indivíduos, seja em casa ou no trabalho. Não há nada de positivo na raiva. Mesmo assim, quando explico que a Toráh diz ser proibido expressar a raiva, as pessoas agem como se lhes estivesse sendo roubado um direito "precioso".  A tecnologia médica se desenvolveu a tal ponto que atualmente as várias formas de escanear o cérebro nos permitem observar como a mente funciona. Há cerca de três anos, surgiu uma nova tecnologia de scanning chamada Spect Scan, que mostra a mente em movimento, o que permitiu um insight maravilhoso. O pioneiro da técnica é o doutor Andrew Newberg (1966-   ), da Universidade da Pensilvânia, que realizou uma experiência muito interessante. Usando o Spect Scan, ele estudou um grupo de monges tibetanos e outro de franciscanos, observando-os enquanto meditavam e oravam. O cientista chegou à conclusão de que quando estamos envolvidos em uma atividade de meditação e prece, há um aumento drástico da atividade de uma parte do cérebro - a que é responsável por nossa conexão, integração e empatia. Ao mesmo tempo, há grande diminuição da atividade na parte da mente responsável por nosso desligamento do mundo, o ego. Descobriu, também, quando alguém está envolvido em atividades como meditação e prece, além de uma menor probabilidade de ter depressões e doenças do coração, essa pessoa tem a imunidade aumentada. Outras pesquisas médicas, realizadas nos últimos anos, revelaram que nossa atitude frente a certas circunstâncias ou acontecimentos afeta também as células do corpo. Ou seja, a maneira como nossos pensamentos interpretam a realidade acaba afetando o próprio corpo. E se nós pudéssemos mudar nossa atitude perante a vida, mudar nossa interpretação dos desafios? E se pudéssemos realmente ter um equilíbrio emocional? Na realidade, não é algo tão difícil e nem é necessário ir até o Himalaia ou passar anos com um guru para conseguir transformar o seu "eu". Você pode fazer esta mudança amanhã de manhã! O doutor Herbert Benson (1935-   ), professor adjunto de medicina da Harvard Medical School e pioneiro no estudo médico combinado da mente e do corpo que incorpora a espiritualidade e a cura na medicina tradicional, afirma que nossas mentes podem produzir doença, saúde, sede, fome, ou seja, tudo aquilo que acreditamos ser a realidade. Segundo ele, a fé pode mudar-nos, desde que você dê a si mesmo a liberdade de mudar. Mas qual é o inimigo dessa liberdade? É o hábito, as respostas automáticas e habituais. Algo que também aprendemos nos últimos anos é que, à medida que nossos sentimentos se repetem, são criados "sulcos" na mente. Nossa mente cria caminhos mais rápidos, ligações mais diretas para executar certas tarefas. Ilustrando a ideia com um exemplo: uma pessoa que tenta tocar piano pela primeira vez, sabe o que quer fazer, mas seus dedos não conseguem acompanhar sua vontade. Só depois de estudar, treinar os dedos e praticar bastante a pessoa conseguirá tirar uma melodia do teclado. Atualmente, através do escaneamento do cérebro, podemos entender este processo, ver como o ato de repetir uma ação faz com que os neurônios fluam de forma mais simples e rápida. Isto vale também no campo emocional. Se você se habituar a ficar inseguro e ter medo de certos pensamentos ou situações, acabará repetindo esta insegurança todas as vezes em que aquela situação se apresentar. Ou seja,  o medo torna-se um hábito. Precisamos desfazer os hábitos para criar a liberdade. Até o momento, falo em termos de bom senso e psicologia. Daqui por diante, traduzirei o que disse em termos espirituais. Quero olhar para a tradição judaica da Cabala e da Chassidut. Como já foi mencionado não vale a pena tentar ler o Zohar, obra fundamental da Cabala. Primeiro porque está escrito em aramaico e não em hebraico. Segundo, porque sua linguagem é hermética, enigmática, propositalmente codificada. Isto torna muito difícil o acesso à sabedoria que encerra. Com o surgimento, no século XVIII, do Chassidismo, a sabedoria contida na Cabala passou a ser transmitida e explicada de maneira a ser colocada em prática por qualquer um, no dia a dia. Por isso, aconselho o estudo do Chassidut como uma forma de começar a compreender a parte acessível da Cabala. Sua parte mais profunda está fora do alcance da maioria, pois, para verdadeiramente compreendê-la, é necessário dedicar a vida toda ao estudo e às preces. Ouve-se com frequência a pergunta: "( ... ). Mas não dizem que só pode estudar a Cabala um homem acima dos 40 anos, casado, que conheça a fundo o Talmud, a Toráh e a Halachá?". No passado, estes eram os pré requisitos, mas o próprio Zohar alertara sobre a mudança ao afirmar que haveria uma época em que as "fontes da sabedoria" irromperiam, "vindas de cima ou de baixo", mudando para sempre o mundo. A partir desse momento, os homens teriam que acessar a sabedoria interior para manter seu equilíbrio. O mesmo Zohar dá uma data exata do quando essa transformação iria acontecer, como de fato aconteceu. Verifiquem a data e a comparem com a história secular. Verão que nessas datas ocorreram os seguintes fenômenos históricos, que têm intima relação com a explosão do conhecimento: a Revolução Industrial, a adoção de métodos científicos para as pesquisas, o início dos movimentos nacionalistas que resultaram na Revolução Francesa. E foi nesse mesmo período que surgiu o Chassidismo. Este movimento foi iniciado no leste da Europa pela Rabi Baal Shem Tov ou Israel Ben Eliezer (1698-1760), na primeira metade do século XVIII, e disseminado pelos mestres chassídicos. Basicamente, a Chassidut é uma síntese dos ensinamentos da Cabala e de seus efeitos práticos em nosso cotidiano. Se aprendidos e usados adequadamente, estes ensinamentos oferecem ao homem uma fonte inesgotável de sabedoria, ajudando-o a lidar com as realidades da vida. Por isso, grandes rabinos e cabalistas, como o Baal Shem Tov, e, mais recentemente, o Rebe de Lubavitch ou Menachen Mendel Schneerson (1902-1994), estimularam e ajudaram a difundir o pensamento cabalístico através de ensinamentos acessíveis a todos. Acreditavam que, mesmo sem entrar nas profundezas esotéricas de seus ensinamentos, a sabedoria que a Cabala incorpora tem o poder de enriquecer a vida, como dissemos acima. A necessidade de acessar esse conhecimento mais profundo se tornou ainda mais premente hoje, quando temos que diariamente enfrentar um mundo cada vez mais complexo. O Rebe de Lubavitch afirmava que "as mulheres, mais do que os homens, sabem disto". Porque, costumava dizer, hoje em dia, elas têm uma agenda dupla: criam a próxima geração, como sempre o fizeram, e estão totalmente integradas na parte social e econômica da sociedade. A medida que vou percorrendo o mundo, sinto que as pessoas querem algo mais significativo em suas vidas. Quando ocorrem coisas significativas em nossas vidas e no mundo, acordamos para nossa dimensão mais profunda. O último de Lubavitch dizia que cada um de nós pode projetar seu pensamento para alguém do outro lado do mundo e isto pode afetá-lo material e espiritualmente. Uma pesquisa feita em laboratório em várias partes do mundo pode ajudar-nos a compreender esta ideia. Durante a experiência, duas pessoas colocadas em dois quartos separados, sem se comunicarem, são submetidas a um eletroencefalograma. Pede-se então, para uma das pessoas tentar transmitir um sentimento de compaixão para a do outro quarto. O eletroencefalograma registra a mensagem de compaixão. Durante outra pesquisa, pedia-se para que uma pessoa observasse um tubo de ensaio com enzimas, que estivesse a um metro e meio de distância, e tentasse interferir no funcionamento das enzimas. Chegou-se à conclusão de que o pensamento pode alterar até mesmo um tubo de ensaio. Estabelecido que o homem tem o poder de afetar até o funcionamento de uma enzima, a grande pergunta é como mudar a nós mesmos? Como atingir u equilíbrio em nossa vida? D us criou o ser humano com um desafio embutido nele. Para explicar, falarei mais sobre a fisiologia e sobre as descobertas da última década. Sabemos que o ser humano tem três cérebros: a mente animal, responsável por nosso instinto, pela sobrevivência: a mente responsável pelas nossas emoções; e o córtex, responsável pela parte superior da mente. A novidade é a descoberta de que o fluxo de transmissão dos neurônios entre a mente e o corpo e entre o coração e o corpo trabalham em velocidades diferente. Na verdade, o neurônio trabalha três vezes mais rápido na parte das emoções do que no córtex, ou seja, a pessoa "sente" três ou quatro vezes mais rápido do que "pensa". E é por isso que estamos sempre buscando desculpas. Por exemplo, você passa por uma loja e vê uma roupa que lhe agrada, e tem vontade de comprá-la. O que você faz? Pensa em 101 motivos para comprá-la, mesmo que já tenha três iguais em seu guarda roupa. Como se chama isso? Racionalização do sentimento. É que o coração captura e aprisiona a mente. É o sentimento aprisionado ao raciocínio. O Alter Rebe, o primeiro Rebe de Lubavitch escreveu a obra Tanya com a finalidade, de tornar a Cabala acessível. A obra ensina algo de extrema importância: "Moach Shalit Al Halev", isto é, a mente domina o coração. A mente deve dar a forma ao coração. O que é mente? É a direção, uma bússola. O que é emoção? Emoção é a energia. Não podemos usar só a mente e ser uma pessoa inteligente, porém fria e calculista. Por outro lado, não faz sentido ser uma pessoa totalmente emocional. Às vezes os sentimentos não são adequados ou são direcionados ao lado errado. Você pode ser uma pessoa extremamente boa, ter muita compaixão. Mas, se permitir que seus sentimentos fluam de forma errada, pode ferir outra pessoa. Veja o exemplo de pais amorosos que não conseguem controlar seus sentimentos pelo filho. A criança talvez possa ter problemas e os pais tentam compensar dando sempre tudo que ela pede. O resultado é uma criança mal criada. há amor e compaixão, mas não usado de forma sábia.  Continuamos na parte II. Beijo. Davi.

Nenhum comentário:

Postar um comentário