quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Contra a Indiferença dos Ateus. Parte I.

Do livro Pensamentos de Blaise Pascal. Introdução. "Blaise Pascal nasceu em Clermont - França, no dia 19 de junho de 1623. Filho de Etienne Pascal e Antoniette Begon, ficou órfão de mãe aos três anos de idade. Suas extraordinárias qualidades de inteligência, reveladas desde os primeiros anos da infância, tornaram-se todo o orgulho do pai de Pascal, que quis encarregar-se pessoalmente de sua educação. O jovem Pascal manifestou, desde logo, um pendor excepcional pelas matemáticas, a tal ponto que, segundo sua irmã Gilberte, chegou a descobrir os fundamentos da Geometria Euclidiana. Aos dezesseis anos de idade, escreveu um tratado de tal profundeza que se dizia não ter sido escrito outro, depois de Arquimedes (287 AC 212), que se lhe pudesse comparar. Esse tratado despertou o entusiasmo de René Descartes (1596-1650). Enquanto isso, continuava Pascal os seus estudos do latim e o grego, nos quais seu pai o havia iniciado, e, nos intervalos, dedicava-se também à lógica, à física, à filosofia. Aos dezoito anos de idade, inventou uma máquina de calcular (protótipo das atualmente modernas). Aos vinte e três anos, já era senhor de imenso cabedal (bens intelectuais e morais adquiridos pelo estudo ou experiência) e científico, tendo descoberto várias leis sobre a densidade do ar, o equilíbrio dos líquidos, o triângulo aritmético, o cálculo das probabilidades, a prensa hidráulica, etc. Um dia, porém, na ponte de Neuilly, foi vítima de um acidente e começou a sofrer de alucinações, vendo aparecer sempre diante de si um abismo aberto para tragá-lo. Desde então, tornou-se profundamente religioso, renunciou a todos os seus conhecimentos, e passando a viver solitariamente, internado na Abadia de Port Royal des Champs - França, dedicando-se exclusivamente à defesa do Cristianismo. Dá-se, hoje, o nome de abismo de Pascal à dificuldade que certos problemas sociais ou morais oferecem em sua elucidação. A expressão grão de areia de Pascal encontra explicação na seguinte passagem desta obra: "Oliver Cronwell (1599-1658) teria destruído toda a cristandade, a família real se teria perdido e a sua se tornado poderosa como nunca, se não fosse um pequeno grão de areia que se introduzira em sua uretra. E até Roma teria tremido sob o seu domínio, se essa areiazinha, que não valia nada em outro lugar, introduzindo-se ali, não o tivesse morto, derrubando sua família e restabelecendo o rei". Assim, com aquela locução, se exprime a ideia de que pequenas causas podem acarretar grandes efeitos. Toda a vida de Pascal é tida como um grande exemplo de sofrimento resignado e de piedade. Morreu com trinta e nove anos, no dia 19 de agosto de 1662. Após essa introdução comecemos o texto em sua íntegra. Contra a Indiferença dos Ateus. Saibam, ao menos, que religião combatem, antes de combatê-la. Se essa religião se gabasse de ter uma visão clara de Deus e de possuí-lo com clareza e sem véu, seria combatê-la dizer que não se vê nada, no mundo, que a mostre com tal evidência. Mas, como afirma, ao contrário, que os homens se acham nas trevas e afastados de Deus, que se oculta ao seu conhecimento, sendo mesmo esse Deus Absconditus (escondido) o nome com que se apresenta nas Escrituras Sagradas. Em suma, se trabalha igualmente para estabelecer duas coisas: que Deus estabeleceu na Igreja marcas sensíveis para ser reconhecido pelos que o procurarem sinceramente, e que, no entanto, as cobriu de tal forma que só será percebido pelos que o procurarem de todo o coração. Que proveito podem eles tirar, quando, na negligência em que fazem profissão de estar procurando a verdade, exclamam não haver nada que a mostre, de vez que essa obscuridade em que se encontram e que objetam à Igreja não faz senão estabelecer uma das coisas que ela sustenta, sem tocar na outra, estabelecendo assim a sua doutrina, em lugar de arrumá-la? Para combatê-la, ser-lhes-ia preciso exclamar que fizeram todos os esforços em procurá-la por toda parte, mesmo naquilo que a Igreja propõe com o fim de nela se instruírem, mas sem nenhuma satisfação. Se falassem do destino, combateriam, na verdade, uma das suas pretensões. Espero mostrar aqui, porém, que não há ninguém capaz de falar razoavelmente do destino. Ouso mesmo dizer que jamais alguém o fez. Sabe-se muito bem de que maneira agem os que têm esse intuito. Acreditam ter feito grandes esforços para instruir-se, por terem empregado algumas horas na leitura de um dos livros sagrados (Bíblia) e por terem interrogado algum eclesiástico (padre, bispo, abade, monsenhor, arcebispo, cônego) sobre as verdades da fé. Gabam-se, depois, de terem investigado em vão nos livros e entre os homens. Mas, na verdade, não posso deixar de lhes dizer o que frequentemente tenho dito: que essa negligência é inadmissível. Não se trata, no caso, do irrefletido interesse de um estranho, para assim proceder; tratar-se, de nós próprios e do nosso Todo. A imortalidade da alma é uma coisa que nos preocupa tanto, que tão profundamente nos toca, que é preciso ter perdido todo sentimento para permanecer indiferente diante dela. Todos os nossos pensamentos e ações devem tomar caminhos tão diferentes, conforme se esperem ou não os bens eternos, que é impossível fazer uma pesquisa sensata e criteriosa sem ter em vista esse ponto que deve ser o nosso último objeto. Assim, o nosso primeiro interesse, o nosso primeiro dever, é esclarecer bem o assunto, do qual depende toda a nossa conduta. Eis porque, dentre os que não estão persuadidos disso, eu estabeleço uma extrema diferença entre os que trabalham com todas as suas forças para instruir-se a respeito e os que vivem sem se dar a esse trabalho e sem pensar nisso. Só posso ter compaixão dos que gemem sinceramente nessa dúvida, do que observam como a última das desgraças e dos que, sem nada poupar para sair dela, fazem de tal pesquisa as suas principais e mais sérias ocupações. Mas, quanto aos que passam a vida sem pensar nesse último fim da existência, de forma que, por essa única razão, não descobrem em si próprios as luzes que os persuadam, deixando de procurá-las em outras parte e de examinar a fundo se essa opinião é daquelas que o povo recebe com uma simplicidade crédula ou daquelas que, embora obscuras por natureza, possuem, contudo, um fundamento bastante sólido e inabalável, eu os considero de maneira bem diferente". Continuamos na parte II. Abraço. Davi.

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