quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O Cristo Histórico. Parte II.

Continuemos a reflexão da senhora Anne Besant sobre o tema O Cristo Histórico. "Faltava-lhe um tabernáculo humano, uma forma, o corpo de um homem, ora, onde achar um homem mais digno de abandonar seu corpo por um ato de renuncia, alegre e voluntária, um Ser diante do qual os anjos e os homens se inclinavam com a mais profunda veneração, do que este Hebreu (Jesus) entre os Hebreus o mais puro, o mais nobre dos "Perfeitos", cujo corpo sem mancha e caráter íntegro eram como a flor da humanidade? O homem, Jesus apresentou-se voluntariamente ao sacrifício, "ofereceu-se sem mácula" ao Senhor do amor, que tomou este jovem invólucro para tabernáculo e o habitou três anos de vida mortal. (O relacionamento entre o homem Jesus e o Cristo retratado aqui reflete a visão teológica chamada Adocionismo que era a visão do Cristianismo Primitivo, que professava Jesus como Messias, mas afirmava que ele era absolutamente humano. Tornado-se posteriormente divino, por ocasião da sua ressurreição, ponto em que foi adotado como filho de Deus. Salmo 2:7 "Proclamarei o decreto: O Senhor me disse: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei"). Na sua forma convencional cristã, significa que Jesus não era originariamente o Filho de Deus, mas um ser humano adotado por Filiação. Essa ideia é extremamente antiga, remontando ao início do século II. Para Besant, esse ato é retratado como o "eclipsamento" (esconder) do homem Jesus por um "Mestre Supremo". Blavatsky parece ter mantido um ponto de vista semelhante em seu livro A Doutrina Secreta). Esta época é assinalada, nas tradições dos Evangelhos, pelo Batismo de Jesus, quando o Espírito Santo se mostra descendo do céu como uma pomba e ficando sobre Ele (João 1:32), e uma voz celestial exclama: "Este é meu Filho bem amado; escutem-no". Jesus, verdadeiramente "O Filho Bem Amado no qual o pai põe toda a sua afeição" (Mateus 3:17), Jesus "pôs-se desde logo a pregar" (Mateus 4:17) e foi este maravilhoso mistério: "Deus manifestado em carne" (I Timóteo 3:17). Jesus é Deus, mas Ele não está só, porque: Não está escrito em sua lei: Eu disse: vocês são deuses? Se a lei chamou "deuses" a quem a Palavra de Deus foi dirigida, se a Escritura não pode ser rejeitada, como podem dizer àquele a quem o Pai consagrou e enviou ao mundo "você blasfema", porque disse: "Eu sou filho de Deus?" (João 10:34-36). Os homens são verdadeiramente todos deuses pelo Espírito que neles habita; mas o Deus Supremo não se manifesta em todos, como neste Filho Bem Amado do Altíssimo. Podemos, com justiça, dar a esta Presença assim manifestada, o nome de "Cristo"; é este que vem sob a forma de Jesus homem, percorrendo as montanhas e as planícies da Palestina, ensinando e curando, rodeado de discípulos escolhidos entre as almas mais adiantadas. O encanto raro do Seu amor soberano, que espalhava em torno de Si como raios de um sol, atraía-lhe os sofredores, os desanimados da vida; a magia sutilmente terna de sua Sabedora cheia de beleza tornava mais puras, nobres e belas as vidas que entravam em contato com a Sua. Por parábolas e por uma linguagem luminosa imaginada, instruía as multidões ignorantes que se comprimiam em torno dele e, pondo em jogo as forças do Espírito Puro, curava numerosos doentes pela palavra ou pelo contato, reforçando as energias magnéticas de Seu corpo imaculado com a força irresistível de sua Vida Interior. Abandonado por seus irmãos Essênios, entre os quais, a princípio, tentou desenvolver sua missão (cujos argumentos hostis à Sua resolução de viver uma vida laboriosa e de amor formam a narrativa da tentação), porque levava ao povo a sabedoria espiritual, considerada por eles como seu mais precioso tesouro, e também porque seu amor sem limites acolhia os deserdados do mundo, dirigindo-se, nos mais humildes como nos mais elevados, ao Rei Divino. Não percebia se acumularem em torno de Si as nuvens do ódio e da suspeita. Os doutores e magistrados do povo começaram a olhá-lo com inveja e cólera; Sua espiritualidade era, para o materialismo deles, uma censura constante; Seu poder, a demonstração tática, mas permanente, da fraqueza deles. Três anos após o Seu batismo, a tormenta, que O ameaçava, desencadeou-se, e o corpo humano de Jesus expiou o crime de ter servido de santuário à gloriosa Presença de um Instrutor mais do que humano. O pequeno grupo de discípulos escolhidos, aos quais Jesus havia confiado o depósito das suas instruções, ficou privado da presença física de seu Mestre, antes de ter assimilado Sua doutrina, mas eram almas já desenvolvidas, prestes a receberem a Sabedoria e capazes de transmitir aos homens menos adiantados. O mais impressionável era "o discípulo que Jesus amava", jovem, fervoroso e profundamente devotado a seu Mestre, ele partilhava do Seu espírito de inesgotável amor. São João representou, durante o século I que se seguiu à partida física do Cristo, o espírito de devoção mística que aspira ao êxtase, à visão do Divino, a união com Ele. São Paulo, ao contrário, o grande apóstolo que chegou mais tarde, representa, nos Mistérios, o lado da Sabedoria. O Mestre não esqueceu Sua promessa de voltar a eles, quando o mundo não o visse mais (João 14:18,19), e durante mais de cinquenta dias, os visitou, revestido do seu corpo espiritual sutil, continuando as lições  iniciadas quando vivia com eles e educando-os no conhecimento das verdades ocultas. A maioria dos discípulos habitava em comum, num lugar situado nos confins da Judeia; sem despertarem a atenção entre as numerosas comunidades, semelhantes, na aparência, à deles, estudavam as verdades profundas que o Mestre lhes tinha ensinado e desenvolviam em sua alma "os dons do Espírito". Estas lições, começadas quando Ele vivia fisicamente com os discípulos e continuadas depois do abandono do seu corpo, formaram a base dos Mistérios de Jesus, que já vimos guardados pela Igreja Primitiva e que serviram de núcleo aos elementos heterogêneos de onde saiu, mais tarde, o Cristianismo Eclesiástico. Possuímos, num fragmento notável intitulado Pistis Sophia, um documento do mais alto valor, que trata da doutrina secreta e escrito pelo famoso Valentino de Alexandria no século II. Nesta obra, conta-se que, durante os onze anos que seguiram à sua morte, Jesus instruiu seus discípulos até a região dos primeiros estatutos e até a região do primeiro mistério, do mistério que está por trás do véu. Eles não tinham ainda aprendido a divisão das ordens angélicas, das quais algumas são mencionadas por Inácio de Antioquia (?  -107). Em seguida, Jesus, estando "sobre a montanha" com seus discípulos, depois de ter recebido suas vestes místicas, o conhecimento de todas as regiões e as Palavras de Poder que são as chaves delas, prosseguiu a instrução de seus discípulos, fazendo-lhes esta promessa: "Eu lhes tornarei perfeitos em toda a perfeição, desde os mistérios do interior até os mistérios do exterior. Eu os encherei do Espírito, e assim vocês  serão chamados espirituais, perfeitos em toda a perfeição". Então Jesus lhes falou da Sophia ou Sabedoria, e da sua tentativa de elevar-se até o Altíssimo, seguida da sua queda no seio da matéria, de seus apelos a Luz onde depositava sua fé; Ele disse que Jesus fora enviado para os arrancar do caos, coroá-los com Sua Luz e fazer cessar seu cativeiro. Falou-lhe, ainda, do Mistério Supremo, indizível, o mais simples e o mais claro de todos; embora o mais elevado, Mistério que só uma renúncia absoluta ao mundo permite conhecê-lo. Este conhecimento transforma os homens em Cristo, porque tais "homens são outros Eu mesmo e Eu sou esses homens", e o Cristo é o Mistério Supremo. Sabendo disto, os homens são "transformados em luz pura e são conduzidos ao seio da luz". E Jesus executou, para seus discípulos, a grande cerimônia da Iniciação, o batismo "que conduz à morada da verdade e da luz", prescrevendo-lhes que o celebrassem, por sua vez, para outros, os que fossem dignos: "Ocultem este mistério, não o comunique a todos, mas só a quem observar todas as coisas que eu lhes disse nos meus mandamentos". Depois disto, a instrução estando completa, os apóstolos voltaram ao mundo para pregar, ajudados sempre pelo Mestre. Ora, estes mesmos discípulos e seus primeiros companheiros guardaram de memória todas as palavras e parábolas que ouviram pronunciar em público pelo Mestre e reuniram, com grande zelo, as narrações que puderam encontrar, redigindo-as igualmente e fazendo circular estas compilações entre os quais iam, pouco a pouco, se ligando à comunidade. Os resumos assim formados diferem entre si, pois cada membros da comunidade redigia a sua recordação pessoal, acrescentando o que achava de melhor nas narrações dos outros. Os ensinamentos anteriores, dados pelo Cristo a seus discípulos de elite, não foram pessoas julgadas dignas de os receber, a estudantes reunidos em comunidades pouco numerosas, a fim de levarem uma vida retirada, embora em contato com o grupo central. O Cristo Histórico é, portanto, um Ser Glorioso, pertencente a Grande Hierarquia Espiritual que dirige a evolução da humanidade. Ele empregou, durante três anos, o corpo humano do discípulo Jesus e consagrou o último destes três anos a ensinar em público, percorrendo a Samaria e a Judeia; curando doenças e cumprindo atos ocultos notáveis, cercou-se de um pequeno grupo de discípulos educados por Ele no conhecimento das verdades íntimas da vida espiritual; atraía os homens por seu amor e doçura e pela alta sabedoria que respirava em sua pessoa; finalmente, foi morto por blasfêmia por ter ensinado que a Divindade habitava nele como em todos os homens. Ele veio a dar à vida espiritual deste mundo um novo impulso, transmitindo a doutrina interessante e profunda do espírito, mostrando, mais uma vez ainda, à humanidade o caminho estreito que sempre existiu e que conduz ao "Reino dos Céus", ensinando a Iniciação que leva ao conhecimento de Deus, que é a vida eterna, e fazendo entrar neste Reino alguns eleitos capazes de transmitir este saber a outros. Em torno desta Gloriosa Figura, amontoaram-se os mitos que ligam à longa série dos seus predecessores; estes mitos dão, sob uma forma alegórica, a história de todas as trajetórias semelhantes, porque simbolizam a ação do Logos no Universo e a evolução superior da alma humana individual. (Na Teosofia, o Logos normalmente traduzido como o Verbo, tem a ver com o princípio primordial por trás de toda manifestação. O significado esotérico na palavra Logos: fala, ou verbo; é a representação em expressão objetiva, como em uma fotografia, do pensamento oculto. O Logos é o espelho refletindo a Mente Divina, e o Universo é o espelho do Logos, embora este último seja o Esse daquele Universo. Não devemos supor que o Cristo cessou de agir sobre os discípulos depois de ter instituído os Mistérios ou que se tenha limitado a fazer raras aparições. Este Ser Poderoso, que tomara por veículo o corpo de Jesus e que, sem cessar, vela a evolução espiritual da Quinta Raça Raiz, entregou a Igreja nascente nas mãos fortes do santo discípulo que lhe sacrificara seu corpo. Ao atingir a perfeição da evolução humana, Jesus tornou-se um dos Mestres da Sabedoria e ficou encarregado da direção do Cristianismo, guiando-o, protegendo-o e fortificando-o. Era Ele o Hierofante dos Mistérios Cristãos, o Mestre direto dos Iniciados; era a Sua inspiração que alimentava, na Igreja, a chama da Gnose, até o dia em que a multidão ignorante se tornou tão densa que o seu sopro bendito não pôde impedir que a chama se extinguisse. Era o seu trabalho paciente que dava a tantas almas a força de suportar as trevas; e de conservar piedosamente a centelha da inspiração mística, a sede de alcançar o Deus Oculto. Era Ele que derramava ondas de verdade nas inteligências aptas a recebê-las, de tal forma que as mãos, que se apertam através dos séculos, vão passando o archote do conhecimento sem que ele jamais se apague. Era a sua Figura consoladora que se encontrava junto à roda do suplício e da chama das fogueiras, encorajando seus mártires, os que confessavam seu Nome, enchendo o coração deles com sua paz. Era Ele que avolumava a eloquência dominadora de Girolamo Savonarola (1452-1498), guiava a sabedoria de Erasmo de Roterdam (1466-1536), inspirava a Ética profunda de Baruc de Spinosa (1632-1677), na sua divina embriaguez. Era sua energia que impelia Roger Bacon (1214-1292), Galileu Galilei (1564-1642), Paracelso (1493-1541), a sondarem a natureza.  Era sua beleza que atraía Fra Angélico (1387-1455), Rafael Sanzio (1483-1520) e Leonardo da Vinci (1452-1519), que inspirava o gênio de Michelangelo (1475-1564), que brilhava em Murilo, permitindo-lhes levantar estas maravilhas do mundo: o Domo de Milão, São Marcos de Veneza e a catedral de Florença. Eram suas harmonias que cantavam nas missas de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), nas sonatas de Ludwig van Beethoven (1770-1827), nos oratórios de Georg Friedrich Handel (1685-1759), nas fugas de Johann Sebastian Bach (1685-1750), no austero esplendor de Johannes Brahms (1833-1897). Era Sua Presença que amparava os místicos solitários, os ocultistas perseguidos, os investigadores pacientes, no caminho da verdade. Pelo estímulo ou pela ameaça, pela eloquência de um São Francisco de Assis (1182-1226) e pelos sarcasmos de Voltaire (1694-1778), pela doce submissão de um Thomas A. Kempis (1380-1471) e pela rudeza viril de um Martinho Lutero (1483-1546), Ele (Cristo) se esforçou em instruir e despertar a santidade ou o afastamento do mal pelo sofrimento. E, apesar de tantos séculos de luta, jamais deixou sem resposta ou sem consolação um só coração humano, cujo apelo chegasse até Ele. Hoje, ainda, Ele se esforça em desviar para o Cristianismo uma parte do grande rio da Sabedoria que deve descer sobre a humanidade ávida; procura ainda, no seio das Igrejas homens capazes de ouvir a voz da Sabedoria e que possam responder-lhe, quando pedir mensageiros para transmiti-la no seu rebanho: "Estou aqui, envie-me". Abraço. Davi.

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